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segunda-feira, janeiro 23, 2012

Passear nas ruas de Lisboa (Chiado, S. Pedro de Alcântara, Tejo), fazer fotografias de rua - uma receita para tempos de crise. E fado com António Zambujo e dança com a Companhia Nacional de Bailado .


Este sábado depois de almoço, a caminho do heaven, fomos dar um passeio pelo Chiado que é um dos sítios mais bonitos, mais felizes e mais sagrados de Lisboa. Como sempre, estava uma animação - muitos jovens, casais elegantes, grupos de raparigas alegres e ruidosas, música, uma burguesia desempoeirada, vários casais de gays, escuteiros, estrangeiros, intelectuais provavelmente de esquerda. 



A Lisboa cosmopolita está ali, com o rio a espreitar lá de baixo.

E eu vou passeando, gosto de ouvir pontas de conversas, de ver sorrisos, gosto de ver quem passa, gosto de fotografar. Mais de cento e cinquenta fotografias. Depois seguimos, devagar, vendo montras. Seduzem-me os antiquários, com peças especiais, objectos delicados.

Antiquário na Rua da Misericórdia

E há imensa gente a fotografar a cidade, e as casas que começam a aparecer arranjadas, com a dignidade devida a uma capital europeia.

Quando eu andava a estudar, adorava percorrer estas ruas, andar pelos alfarrabistas e pelas livrarias. (Uma vez encontrei o Fernando Namora na Sá da Costa e ali, de súbito, peguei num livro dele, pedi-lhe um autógrafo e, parva, depois ofereci esse livro autografado ao namorado da altura. Paciência, já era.)

Vi, com pena, que a Pórtico está em liquidação, montras cobertas, ar de coisa que acabou. Tantas coisas que lá comprei para a minha casa. A Pórtico tinha várias salas, e subia-se e por trás das escadas havia outras salas e tantas coisas lindas e com preços bastante razoáveis. E comprava lá presentes para pais, sogros, cunhadas, tantas coisas bonitas. Fiquei mesmo entristecida.

Mas, em contrapartida, há lojas novas, galerias, espaços bonitos, uma qualidade requintada.


Estava uma tarde amena, um sol muito suave, as pessoas deslizavam sorridentes, conversando, uma primavera antecipada. E os passeios de calçada tão característicos, as ruas estreitas e cheias de gente e tudo tão animado como se este belo país não estivesse ameaçado por esta crise, como se uma gente impreparada e servil perante a troika e perante a Alemanha de Merkel não andasse a destruir a esperança num futuro decente. Nem eu, nem nenhuma das pessoas que ali andava, leve, pensava certamente nessas coisas maçadoras.

Galeria muito elegante
na R. Nova da Trindade

Lisboa, este sábado, era pois um sítio civilizado, feliz, um dos melhores sítios para se viver. Um pouco mais abaixo, no Marquês, concentravam-se as pessoas para mostrarem a sua indignação e mais um pequeno grupo que quis também lá ir dizer qualquer coisa, não sei exactamente o quê. Provocaram-se, arreliaram-se e vi, à noite, na televisão que chegaram a vias de facto. Nada de grave, nada de importante. Movimentos informes e sem um projecto conceptualmente bem definido não passarão nunca de grupos de catarse colectiva, nada mais que isso - e não é disso que se precisa. Mas mal também não faz, desopilam e isso é sempre bom.

No miradouro de S. Pedro de Alcântara

De seguida, subimos um pouco mais, apetecia-me reviver o ambiente e a vista de S. Pedro de Alcântara. Tanta gente ali, um jardinzito que, como jardim, até pode não ser extraordinário mas que vista, que vista...! Tantas vezes dali avistei Lisboa e, de todas, me deixo ficar assim, deleitada, este espaço limpo, estes telhados ao longo das colinas, e a Sé e o Castelo e o rio. Impossível ficar-se indiferente a tanta beleza. 

E se vos parece que isto está um texto sem jeito, descaradamente turístico, então deixem que vos desiluda um pouco mais porque já aqui abaixo vou colocar um fado (claro, não é? Pode falar-se de Lisboa e não referir o fado, ora essa?). Então, por favor, silêncio que António Zambujo vai cantar o fado, o 'fado da vida bela' (whatelse, no meio dum texto como o que estou a escrever...?)




Mas a coisa não fica por aqui porque a seguir fomos junto ao rio, e foi outra maravilha - gente a tocar viola, gente abraçada, gente a passear, miúdos a fazerem skate, gente a passear de bicicleta, gaivotas, veleiros, um rio escandaloso de tão belo, um céu limpo, velhos a dormir ao sol, crianças a correr, uma tarde feliz. 

Passeio rente ao rio entre o Cais do Sodré e o Terreiro do Paço

Eu sei que tanta felicidade pode cansar mas, meus Caros, tenho este defeito, que querem? Não padeço de spleen que é uma maleita que tanto enfeita de erudição os putativos ou os recém-intelectuais. 

Sou uma criatura básica, que fica radiante  perante coisas assim ou que fica fula da vida com a parvoíce alheia (com a minha já aprendi a conviver). 

E adoro cidades. Mas é que adoro mesmo. E adoro pessoas. Fotografar pessoas nas cidades, então é uma coisa que faz o pleno.

(Ah, deixem-me contar-vos. Ando pela rua sempre à procura de pessoas que possa fotografar. É uma adrenalina porque, se a situação se proporciona, naquele mesmo instante tenho que apontar, focar, enquadrar minimamente, disparar - e tudo sem que a pessoa dê por isso, senão estraga-se o momento e, sobretudo, corro o risco de a pessoa não achar graça nenhuma. 

No outro dia, ia eu na rua muito descansada, naquela altura estava sozinha, e ouço uma voz de homem atrás de mim:  'Olhe! Quem é a senhora? Faz favor de se identificar!" e eu já atrapalhada: 'Mas porquê?". E o homem, ar enervado, "É que a senhora esteve a tirar fotografias aos meus empregados e eles vieram-me dizer."

Percebi. Do outro lado da rua, mais abaixo, estavam uns homens, jeitosos por sinal, jovens, ar de leste, blusas de alças, uma coisa tipo anúncio coca-cola, carregando ao ombros grandes baldes de entulho e eu, discretamente, a fotografá-los. 

Então lá me justifiquei :" Ando a passear, estive a tirar fotografias lá em baixo e vi-os e apeteceu-me fotografá-los mas, se há problema, apago. Quer ver?" O homem espreitou e eu mostrei a última das fotografias, que apaguei à frente dele. E ele ainda zangado "é que se quer tirar fotografias, tem que pedir primeiro" e lá foi irritado, mas descansado. 

Deviam ser trabalhadores clandestinos, está bem de ver. Desta vez foi fácil mas estou sempre com medo do que pode algum dia acontecer. Andar a tirar fotografias à sorrelfa comporta alguns riscos.)

Mas, enfim, continuando: Lisboa à beira Tejo estava uma maravilha e então, para encerrar isto, lembrei-me de vos mostrar um excerto de um bailado da Companhia Nacional de Bailado com música de Bernardo Sassetti , 'Uma coisa em forma de assim'. Tenho ideia de que, já uma vez, aqui o divulguei mas não faz mal, vale bem a pena.




Coreografias de Clara Andermatt, Francisco Camacho, Benvindo Fonseca, Rui Lopes Graça, Rui Horta, Paulo Ribeiro, Olga Roriz, Madalena Victorino e Vasco Wellenkamp


E, então, depois disto tudo, qual a moral da história? Simples: passear, desfrutar a cidade, olhar as pessoas, gostar das pessoas, ouvir música, ler livros, dançar, amar. Não custa dinheiro, encaixa-se bem em orçamentos apertados e proporciona um bem estar fantástico.

E tenham, meus Caros, uma bela semana ! Enjoy!