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quinta-feira, setembro 08, 2022

Já há um novo 'rapaz mais belo do mundo'... e, caraças, é escandalosamente belo

 


Björn Andrésen tinha catorze anos, chamava-se Tadsio em 'A morte em Veneza' e nunca se tinha visto beleza tão inocente, tão perfeita... tão tentadora. As mulheres enlevavam-se. Os homens sentiam-se atraídos. Não sei se todos, se apenas alguns. Nem sei se todos o confessariam. A beleza do rapaz era talvez andrógina, talvez etérea. Um anjo atrevido, ambíguo.

Mas os anos passaram. Björn Andrésen tem agora sessenta e sete anos e é avô. O lugar de rapaz mais belo do mundo ficou em aberto.

E nem Brad Pitt, que se apresentou jovem e descarado e nos desinquietou em Thelma & Louise, conseguiu destroná-lo.

O lugar tem estado livre.

Mas já não está. 


Timothée Chalamet tem 26 anos, é lindo, talentosíssimo, premiado. Se calhar também tem qualquer coisa de andrógino e, se calhar, isso torna-o ainda mais atraente. Não sei. Pode ser que seja simplesmente muito belo. Mede 1,78m, tem olhos verdes e umas feições de menino. É o namorado preferido de todas as jovens, de todas as mulheres maduras e de todos os homens que gostam de rapazes bonitos.

Nos filmes em que o vi sempre me espantei com a intensidade, com a leveza, com a graça, com a agilidade elegante. 

Acresce que há nele qualquer coisa que faz com que possa vestir qualquer coisa. Apesar de um pouco desengonçado, tudo nele assenta bem. Pode ser um smoking, pode ser um casual, pode ser uma loucura qualquer. Fica lindo, insolentemente lindo de qualquer maneira.

Na Mostra de Veneza arrojou de vez, uma coisa nunca antes vista. Os fotógrafos ficaram malucos e não o largaram. E eu, se lá estivesse, faria o mesmo.


Lindo até dizer chega.

Timothee Chalamet | Beautiful Boy | Let It Unfold You by Bukowski


Top 10 Timothée Chalamet Movies


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E, se apreciam a beleza, queiram continuar a descer: abaixo umas longas pernas vos esperam

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Um dia feliz
Saúde. Beleza. Paz

quarta-feira, agosto 05, 2020

Caminhar dentro de um sonho





Dia muito cansativo. Muito bom, encerrando mil promessas, repleto de surpresas (algumas menos boas e que introduzem compassos de espera e despesas não esperadas; mas outras boas), cheio de momentos daqueles em que a gente vê tanto por fazer que olha em volta sem saber por onde começar. Tantas coisas a acontecerem na minha vida, tantas que se atropelam. Sou eu, bem sei, sou eu que as procuro. No carro, a minha mãe dizia: descansa, para quê tudo ao mesmo tempo? Depois, como eu estivesse cansada demais para ripostar, acrescentou: mas sempre foste assim, incapaz de esperar, incapaz de parar. Penso que apenas devo ter suspirado. Ela acrescentou: sais ao teu pai, também sempre assim. É. Uma urgência. Penso: o meu filho é igual. A minha filha é diferente, nestas coisas talvez saia mais ao pai, parece que prefere dar tempo ao tempo.

Com tanta azáfama, parte fora de casa, chegámos às dez. Ainda fomos tomar banho. Havia um resto de comida e foi o que comemos. Juntei uma salada. Depois sentei-me aqui e voltei a entregar-me ao que me tem ocupado.

O vento de mudança que sopra sobre mim não me dá descanso. Penso, equaciono, ajusto, projecto, avalio, penso, faço contas, faço desenhos. Agora quase são duas da manhã e, neste programa de festas em que me vou inserindo, tenho que me levantar daqui a nada. O dia promete. Continuo a trabalhar e tento encaixar tudo sem prejuízo de nada, um permanente exercício de equilíbrio ao qual vou acrescentando mais e mais variáveis. De facto, sinto que um dia terei que abrandar. Penso que já faltou mais para ter uns dias de férias e essa perspectiva faz com que sinta que é só um pouco mais de esforço.

Mas estou contente. O vendaval que, desde há alguns tempos, sobra sobre mim está a levar-me para onde quero ser levada e, a cada passo que dou, eu vejo-me a caminhar na direcção certa. E isso dá-me um sentimento bom de justiça e, ao mesmo tempo, agradecimento pela sorte que tenho tido.

E vejo-me também a caminhar dentro de um dos meus sonhos: é um sonho recorrente, bom, do qual não gosto de acordar. E hoje, de tarde, vi-me dentro dele.

No mundo, não sei o que aconteceu durante o dia. Aliás, sei que houve uma explosão em Beirute. Às vezes as cidades correm perigos que desconhecem. Às vezes as circunstâncias levam a que situações de alto risco estejam na mão de quem não sabe avaliar o risco que ali está. Deveria haver um departamento estatal que monitorizasse as medidas de segurança das instalações de alto risco. Isto em todo o mundo. Mesmo cá. Mas, tirando isso do acidente, estou a zero.

Tenho comentários e, sobretudo, mails a que deveria responder. Mas não consigo. O dia esticou-se para além da conta, invadiu a noite.

Partilho apenas um vídeo porque, de entre os recomendados pelo meu amigo algoritmo, essa bicha maluca que gosta de me fazer agrados, este despertou a minha atenção.

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A pintura é de Ogbami Alenosi e não me perguntem porque me fui lembrar da Lara

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E eu desejo-vos um dia feliz. 
Saúde e bom ânimo, minha gente.

segunda-feira, maio 18, 2020

Porque sì dolce è'l tormento, be kind -- até porque dizem que dano e virtude andam a par e passo
Um domingo de Maio in heaven





Difícil falar do que penso e sinto. No fundo, se calhar isto tem a ver com o facto destes dois meses terem sido muito desgastantes. No outro dia uma pessoa dizia-me que o teletrabalho para algumas pessoas é um passeio. Diz ele que há pessoas de quem nada sabe vai para dois meses. Acredito. Há trabalhos que se prestam a que, em casa, haja pouco que fazer. Mas para mim não tem sido fácil. A minha filha dizia-me hoje que eu não devia trabalhar tanto. Mas como? E as pessoas que dependem de mim? Vou deixá-las meio ao abandono? Sou de me envolver, sou de puxar por eles. Não sou de me recolher e deixá-los entregues à sua sorte.

O meu marido, que agora observa de perto, diz que ninguém trabalha assim, que é demais. E eu, que sempre trabalhei assim, agora, vendo com o este excesso invade a minha vida familiar e doméstica (porque trabalho em casa, à vista da familia), também acho, também acho que merecia uma vida mais descansada. Só que não sei onde pôr a fronteira entre trabalhar como gosto (e que é a única maneira que conheço) e o baldar-me, deixar os meus colaboradores decepcionados, ficar aquém das minhas próprias expectativas.

Mas, portanto, ando com isto na cabeça.


O dia esteve mesmo bom, um calorzinho bom, um sol suave, todos bem dispostos. O meu marido pelo campo, entregue àquilo de que gosta, depois a arranjar os caminhos, a fazer uma queima de sobrantes, os meninos a brincarem às mangueiradas, com jogos, a minha filha ao sol, a ler, ou a jogar ténis com os filhos. Pelo meio fiz duas máquinas de roupa, estendemo-la ao sol, fiz limpezas. Para o almoço fiz frango no forno e ela fez esparguete para acompanhar. Para a sobremesa tentou replicar aquela gelatina com frutas do self do CAM que todos adoramos. Também ficou boa mas menos compacta e as natas não ficaram bem em chantilly porque não tenho batedeira, só tenho varinha. Mas ficou saborosa na mesma. Para o jantar fiz sopa de tomate com corvina e ovo escalfado, que eles comeram com pão torrado no fundo do prato (eu não, tenho que dosear, caraças, senão ainda acabo a quarentena com meia dúzia de quilos a mais). Os meninos comem como uns lobos. Pasmo. Fazem-me lembrar o meu filho na idade deles, também comia quantidades desconcertantes. Só que, como ela nunca foi de comer muito, a coisa, no conjunto, não era excessiva. Agora estes dois lobinhos comem que é uma coisa do além. Dá gosto. Eu, que gosto de cozinhar e ver que à minha mesa toda a gente se alimenta bem, fico consolada. O meu marido, volta e meia, desabafa: 'Eh pah, já estão a comer outra vez... Eh pah, assim não dá, daqui a nada já não há, outra vez, fruta...'. Quem diz fruta diz pão, que são coisas que voam. Mas, por hoje, ainda ali há um tabuleiro cheio de maçãs, peras, um prato de bananas, um saco de laranjas. Temos nêsperas nas árvores mas ou estão lá em cima demais, outras caem, outras os pássaros comem-nas. Por isso, não rendem nada.


Hoje perguntei ao meu marido: 'Vês-te a regressar ao trabalho em Lisboa?'.  Respondeu-me apenas: 'Vejo'. Espantei-me: 'A sério?'. Limitou-se a dizer: 'Tenho que voltar'. Mas já estava noutra, dali não dá para arrancar muito. 

De televisão, de novo, pouco ou nada vi. O Marcelo a festejar, de máscara, creio que a beber uma imperial e a fazer selfies. Não sei onde mas andava muita gente de roda dele. Quando uma pessoa vive no campo, ocupada de manhã à noite, é quase como se estivesse noutro lugar, noutro tempo, fora da realidade que tanto dá que escrever e falar a comentadores, jornalistas e afins.

Ah, ainda outra coisa. De manhã, alarido lá fora. Fui ver. Tinham encontrado a pele de uma cobra. Prateada, quase transparente, bonita. 


Fui ver, fotografei. Regressei à lida. Passado um bocado, um alarido ainda maior. Tinham visto a cobra. Dizem que era grande, gorda. A minha filha também a viu, diz que teria um metro ou metro e meio. Fui ver mas já não a vi. O meu marido só dizia que não queria ninguém descalço ali onde a cobra andava. Passa-se com a falta de cuidado de toda a gente. 

O mais novo veio a correr a casa e passado um bocado andava a dizer que era uma cobra rateira. Perguntei como sabia. Disse-me que tinha pesquisado. Depois foi o mais crescido que me apareceu a pedir o tubo de aspirador para a apanhar, que tinha pesquisado e que era a maneira de a caçar. Depois engendrou uma armadilhae passou à prática: um tubo com uma ponta no lugar por onde a cobra se tinha esgueirado e a outra ponta dentro de um jerricã. Mas não foi bem sucedido. Quando estava a falar com a minha mãe fui várias vezes interrompida, queriam isto, aquilo e o outro. Contei à minha mãe. Ficou assustadiça. Tem medo de cobras. Descansei-a, que a cobra é pacífica (sei lá se é...), que já fugiu para longe (sei lá se fugiu...). 

É a vida do campo, sempre uma animação.


À noite, estávamos aqui na sala, a minha filha de costas para a porta, vimos o gato a passar encostado, a espreitar. O meu marido disse: 'Olha o gato'. A minha filha deu um salto, assustada. Como à noite costumamos ter as portadas de fora fechadas e, portanto, não se vê para a rua, ela pensou que o gato estivesse dentro de casa. Mas não, tínhamo-nos era esquecido de fechar as portadas de fora. O meu marido, que passa a vida a avisar para não deixarmos as portas todas abertas deve ter pensado que qualquer dia, quando dermos por ela, temos mesmo o gato cá dentro. 

E é isto. Vou parar de escrever pois, por muito que escreva, pouco mais digo do que isto. 


Só que dei a ler à minha filha o Dano e Virtude da Ivone Mendes da Silva. Devorou-o. Gostou muito. Eu também. A autora é a autora e a personagem e o argumento e o fio que percorre o argumento e as palavras que dão corpo ao fio que vai tecendo, parágrafo a parágrafo, os dias que parecem iguais mas que são todos diferentes.

E eu, ao escrever o que estou a escrever, penso: e se eu agora abrisse as portadas de vidro e também as de fora e, de repente, vindo do nada, devagar, na ousadia, na malícia, assomasse aqui à porta o leopardo azul que todos os dias me deixa pétalas azuis voando no espaço, pétalas cujo perfume só eu reconheço? Que faria eu? Se calhar apagava a luz e ia para a entrada da casa, sentava-me no chão, deixava que ele viesse cheirar-me, dir-lhe-ia, em silêncio, palavras inventadas, sorrisos feitos só de olhar, um olhar feito de luz e de lágrimas. Talvez ele se sentasse também, talvez se deitasse olhando o céu e, de vez em quando, olhando os meus olhos como só ele sabe olhar.

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Como é bom de ver, as fotografias foram feitas in heaven
Lea Desandre & Thibault Cauvin interpretam Sì dolce è'l tormento de Monteverdi
E, como não há duas sem três, despeço-me com Be Kind de Charles Bukowski
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Uma boa semana!

sábado, maio 02, 2020

Porque é que se trabalha?





Não me posso queixar. Pelo contrário. Mas a gente às vezes queixa-se não porque tenha ponderosas razões de queixa mas porque faz parte da nossa natureza de gente. A gente queixa-se. Às vezes por razões grandes, outras por razões pequenas, outras por razões permanentes, outras por razões ocasionais.

Outra coisa: não se trabalha apenas porque disso dependa a nossa sobrevivência. Trabalha-se porque trabalhar faz parte da nossa natureza.

Pelo menos da minha faz. Comecei a trabalhar cedo e sempre trabalhei muito: estava a dar aulas em horário completo e, ao mesmo tempo, a fazer uma licenciatura que só não me punha a cabeça em água porque eu relevava os pesadelos que quase se abatiam sobre mim. Daí passei para um lugar onde trabalhava sem horários, sob orientação de um super especialista que vinha dos States para me guiar, e, ao mesmo tempo, andava em transportes, grávida até ao fim da gravidez, uma barriga de impor respeito. Depois o segundo filho, a primeira ainda pequenina, o trabalho a levar-me por todo o país. O meu marido também sobreocupado, muitas vezes fora. Toda a vida, com muito trabalho, a garantir a presença e a atenção junto dos meus filhos, razão primeira de tudo. Faz parte de mim ser assim.

Há quem trabalhe pouco, se arraste, se queixe de tédio. Nunca me passou pela cabeça ser apenas dona de casa ou viver à custa de alguém. Até a mesada dos meus pais eu tinha dificuldade em aceitar. Sou independente por natureza, trabalhadora por natureza.

Não digo que seja virtude. Na volta é mais inteligente trabalhar pouco e viver à conta. Mas, na volta, a inteligência nunca foi o meu forte.

Uma vez, o Mourinho saíu de um clube qualquer com uma indemnização de milhões. Nesse dia eu estava a almoçar com um dos homens mais ricos do país. Mas desse homem, se a gente se distrair, ninguém percebe a dimensão da sua riqueza porque também trabalha que se farta. Havia uma televisão no bar onde se esperava e ficámos ali enquanto não chegavam outros dois. Vi então alguém a perguntar ao José Mourinho onde é que ele ia trabalhar a seguir e ele a dizer que ainda não sabia. Aquilo fez-me impressão. Então, ao almoço, ainda conversando sobre isso, distraída, eu disse: 'Como é que uma pessoa que, de repente, recebe assim uns milhões ainda precisa de trabalhar?' Então, ele, aquele que estava à minha frente, encolheu os ombros e sorriu. Insisti: 'Mas não acha?'. Ele, ainda sorrindo, quase como se confessasse uma fraqueza: 'Sabe, trabalha-se porque sim, porque não se sabe fazer outra coisa, porque é como uma pessoa se realiza, porque se gosta do que se faz, porque não se sabe estar sem trabalhar'. E eu olhei para ele sem saber o que dizer, de repente recordada da sua grande fortuna. Sorri também porque ele estava a falar dele próprio e porque sei bem como ele estava a falar verdade. 
Fiz caldeirada de asa de raia para o almoço. Com abundante cebola, tomate bem maduro, batata normal e batata doce, salsa, azeite e um pouco de sal. Sobrou um bocado. Então, para o jantar, retirei o peixe, tirei as espinhas (ou melhor, aquela cartilagem fina que, por acaso até gosto de trincar). Juntei um pouco de água, um fio de azeite e moí tudo bem. No fim juntei o peixe, um pouco de coentros e uma folhinha de hortelã. Tinha cozido ovos. então, em cada tigela de sopa, juntei um ovo picado. Estava uma maravilha. E ainda sobrou um pouco.
Também andei a varrer lã fora. Debaixo do telheiro, debaixo dos bancos, o jardim, a zona das árvores de fruta perto da casa, o caminho desde o portão. Apanhei carros de folhas secas e terra que fui despejar ao fundo, na zona dos pinheiros. Agora tenho as mão doridas e secas.
Este sábado irei fazer uma ou duas máquinas de roupa, fazer limpeza ao estúdio, pôr roupas a arejar. Não sei ainda o que vou fazer para o almoço. Não sei se favas guisadas com entrecosto se frango no forno.
Não posso dizer que trabalhe muito pois sei que há quem trabalhe muito mais, em condições muito mais duras, debaixo de aflições, se calhar sem gostar do que faz, se calhar com medo de, ainda assim, perder o trabalho que tem.


Mas não se pode pensar assim pois há sempre quem esteja pior. Pode é ser-se sincero. E, por isso, falo com sinceridade quando me queixo do que me incomoda ou quando me confesso cansada. 

Podia, é certo, deixar de trabalhar. Mas deixarei alguma vez de trabalhar? Faria o quê se deixasse de trabalhar? Varria e lavava o chão sem parar, cavava, podava árvores, cozinhava, escrevia, sei lá.

Lembro-me agora de um outro amigo, alguém com quem gostava muito de conversar e com quem tinha longas e saborosas conversas, e de quem, pelas circunstâncias da vida, acabei por me distanciar um pouco. Uma vez -- tinha ele feito cinquenta anos e, para o festejar, tinha ido jantar a Paris -- disse-me: 'Sempre pensei que só trabalharia até aos cinquenta anos. Agora que aqui cheguei, acho que vou mudar de ideias'. Com quatro filhos em idade escolar, dois a estudarem no estrangeiro, cada um em seu país, outra a mudar de curso pela segunda vez e sempre desorientada e uma outra a passar um ano a levantar a nota para tentar entrar no curso que queria, perguntei: 'Mas com as despesas que tem... E não consegue reformar-se tão cedo. Como faria? Desempregava-se? Vivia de quê' E ele: 'Tenho com o que viver bem até morrer'. Disse-me que não apenas tinha  uma verba considerável aplicada como muitas casas e garagens arrendadas. Acrescentou: 'Não preciso de trabalhar para nada, apenas para me manter ocupado. E faço o que gosto.'. Uma vez eu estava a falar de um restaurante muito bom, sempre cheio, disse-me ele: 'Mas sabe que esse restaurante é meu...?'. Não sabia, não fazia ideia. Ele pensava que sim, que já tínhamos sobre isso. Mas não. Era apenas mais um dos seus investimentos. Um dia disse-me que estava todo contente porque tinha satisfeito um capricho. Perguntei: 'Uma mota?'. Riu e disse que não. 'Um barco?'. Não. Acabou por me contar que era um Porsche. No dia seguinte apareceu numa mota, uma mota brutal. Era isso, a mota já ele a tinha. No entanto, trabalhava como um normal assalariado. E ainda trabalha. 

O trabalho não é apenas uma fonte de rendimento: é uma forma de se viver, é uma fonte de dignidade, é um motivo de realização.


Pelo menos, assim o penso. Mas isso, claro, cada um sabe de si e cada um que pense pela sua própria cabeça.

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É como escrever.
Escrever para quê? Porque que é que se escreve? Para quem se escreve?


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Pinturas de Diego Rivera e música de Ennio Morricone, banda sonora de Novecento.

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Um bom sábado. Saúde.


sábado, maio 11, 2019

Dizem que o azul quase não existe





Ouço que não há animais azuis. Como se isso fosse possível. Se calhar também pensam que não há flores azuis. Ou, sei lá, a ignorância é tanta, que não há corações azuis. Pensam, talvez, que o azul é uma cor rara, uma quimera.

E, no entanto, são azuis as palavras que me chegam de longe, envoltas em enigmas, em mistério, em saudade, palavras que descrevem uma geometria impossível, palavras sem sombra, sem mácula, azuis na sua mais íntima essência. Fecho os meus olhos e vejo uns outros olhos que, ao longe, as deixam cair, lágrimas límpidas, azuis,  que calam o que a boca está proibida de dizer. 


E, no entanto, são azuis os pássaros que voam das árvores à minha passagem, deixando um rasto de luz pelo céu, também ele azul. E cantam gritos de amor, de amor louco, azul, infinito, gritos que atravessam o espaço e vêm depositar-se, devagarinho, na concha macia da minha mão. Cantares azuis de pássaros azuis, transportando sonhos sem rumo, memórias esquivas que se escondem de ti e de mim e nos desafiam. Como se os abismos pudessem ser também azuis, tentadoramente azuis.


E são azuis as borboletas que rasgam o silêncio das árvores que sobem pelo infinito afora, azuis, muito azuis, azuis de veludo, borboletas que dançam magias pela noite adentro. Voam, caprichosas, enquanto cortejam o movimento das suas asas, efémeras, belas demais para poderem ter uma vida longa. E voam como um sopro azul, um sopro carregado de sublimes segredos que a noite me traz.

E, no entanto, são também azuis os recônditos esconderijos onde o meu coração bate, bate pelo teu, um coração tão azul como o meu, um coração de tigre azul, invisível, imaterial mas sempre presente junto a mim.


E, no entanto, é azul o lobo triste cujos longínquos uivos me chegam, um lobo que desliza pela noite em toda a sua magnífica solidão, um lobo que sinto e pressinto escondido por entre as paredes em que o meu corpo se enleia, chamando na noite pelo teu. Um lobo azul, fugidio, um lobo que espera por mim por entre os labirintos da noite, que me deixa palavras para sempre perdidas, uivos lancinantes, de um negrume quase azul.


E, no entanto, são também azuis as pétalas de rosa que encondro, de manhã, dispostas em volta do meu corpo regressado da noite. Azuis, macias, de um veludo azul e perfumado, pétalas que espalhas durante os sonhos em que o meu corpo anseia pelo calor prometido do teu abraço, apertado, longo, azul, tão, tão azul.


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Os animais não podem ser azuis -- dizem


(mas eu não acredito)

domingo, junho 03, 2018

Então, querias ser escritora...




Estou sentada, mal sentada, no sofá com o computador nos joelhos. Não dá jeito. Aqui ao lado tenho uma escrivaninha. Era de uma tia do meu marido de quem já aqui falei. O móvel em minha frente, sobre o qual está a televisão, também era dela. São móveis antigos, bonitos, de madeira sólida. Porque não vou eu sentar-me à escrivaninha, bem instalada? É uma coisa estranha, esta minha.

É tarde, devia ir deitar-me mas apetece-me estar aqui a escrever. Não sei porque escrevo. Porque se escreve? 

Vi há pouco um vídeo. Diziam lá que há quem escreva como forma de combater a solidão. Acredito. Mas não é o meu caso. Embora precise de ter tempos só meus, penso que não é a isso que se chama solidão já que sou eu que os procuro. Penso que é o oposto: preciso de um tempo de recolhimento, só meu. Lembro-me de mim desde sempre a querer ter estes momentos. Adolescente, ficava a ler até às três ou quatro da manhã. Se ouvia algum som no quarto dos meus pais apagava, à pressa, o candeeiro. Zangavam-se comigo por ficar acordada até tão tarde. Sempre. Mesmo com os miúdos pequenos. Mal os apanhava a dormir, começava o meu tempo. Em vez de dormir, punha-me a ler, a escrever, a fazer tapetes, a pintar, o que fosse. E não é que durma mal. Pelo contrário: mal caio na cama, começo a dormir e, se ninguém me impedir, vou até de manhã, de seguida.


Mas, interrogava-me eu: escrevo porquê? Não sei, não sei mesmo. O que sei é que alimento a esperança de um dia encontrar um horário e um lugar em que possa dedicar-me à escrita com alguma dedicação a ver se sai coisa com substância. 

Gosto quando as palavras me transportam para um mundo desconhecido, eu quase num êxtase, não querendo interromper-me, nem por um segundo, para que essa sensação hipnótica não se esvaia. Não acontece sempre. Acontece apenas quando ficciono ou treslouco, nem sei como definir esse estado.

Se um dia me desse ao trabalho de reler o que escrevi ao longo de todo este tempo, tenho a certeza que saberia distinguir o que foi escrito debaixo desse enlevo.

Mas, assim, aqui mal instalada, a esta hora da noite, não poderei escrever nada de jeito. Ora, porque não fui sentar-me na escrivaninha a seguir ao jantar em vez de ter estado a laurear até esta hora? Também não sei. Vivo enleada no meu próprio desconhecimento (desconhecimento esse que, a bem da minha inocência, tento preservar).


Quando ontem andava a varrer ao pé da capela, reparei que na parede onde está a mesa forrada a azulejos que está no recanto, lá ao fundo, ladeada de cedros, está um candeeiro e uma tomada. Lembrei-me: na altura, pensei que era um bom sítio. Pegaria no computador e ali, sossegada, poderia escrever tranquilamente, inclusivamente até já ser noite. Ora nunca para lá fui escrever, nem uma única vez. Não gosto de estar sozinha. Se está mais alguém em casa, obviamente não vou isolar-me. Se estou só com o meu marido, não gosto de me pôr a milhas. E imagina se, à noite, me ia pôr ali, tão longe de casa, sozinha, arriscando-me a ser surpreendida por um bicho mau ou correndo o risco de apanhar um susto do caraças se me sentisse observada, quiçá por uma coruja, quiçá por algum monstro também noctívago, perdido nas brumas. Puxa, vida. Nem pensar.

Tenho, pois, esta questão logística. Na volta, vai perder-se uma escritora só porque não consigo resolver esta equação: onde, quando?

Lá em baixo, ao pé da figueira gigante, há mais duas mesas também forradas a azulejos e, lembro-me agora, também com candeeiros e tomadas e, estupidamente, pela mesmíssima razão. Zero vezes lá escrevi. 


No estúdio que fica do lado de lá do telheiro, debaixo da janela da sala pus a escrivaninha larga que era do quarto da minha filha quando adolescente. Imaginei que poderia ser bom estar ali a escrever, ouvindo os pássaros, deixando a luz entrar, sentindo o perfume do canteiro de alfazema ali por baixo. Zero vezes. Ah... não. Quando os miúdos cá ficaram no verão instalaram-se no estúdio e eu ficava a dormir no sofá-cama da sala e, então, mal eles adormeciam, eu começava a escrever. Mas era a escrever no blog, não conta. 

Gostava mesmo era de escrever a sério, uma história do caneco. 


Por exemplo, uma história sobre uma rapariga muito bonita que se deixou seduzir por um homem muito mais velho, com idade para ser avô dela. E, no fim, inesperadamente, a sedução a resultar num grande amor, os dois verdadeiramente apaixonados. Só que o velho seria um dos homens mais poderosos do país. E ninguém podia saber desse amor, o escândalo seria grande demais. E, então, viviam o seu romance às escondidas só que, pelas circunstâncias da sua vida, estavam sempre juntos, em público, à frente de toda a gente, sempre a terem que disfarçar. 
E agora não conto mais porque os pormenores escabrosos seriam tantos, tantos, e os de muita ternura ainda mais e os trágicos ainda mais -- e tudo tão inconcebível que ninguém ia acreditar em mim. E, no entanto, seria uma história verdadeira. 

Também gostaria de contar uma história de mistério passada num lugar extraordinário, uma fortaleza sobre o mar, com freiras silenciosas e algumas muito más, médicos reservados, escadas sombrias, corredores de chão de mármore a cheirar a sabão azul e branco, salões enormes com soalhos reluzentes a cheirar a cera de abelhas, labirintos, crianças a banharem-se junto às rochas, grandes ratazanas a atravessarem os pilares, junto ao mar, o senhor director a passear no terraço com o seu setter irlandês, vendo os navios a passarem ao largo, uma menina a escutar conversas de adultos. 
Mas teria que ficcionar muito para a história ser credível. E, no entanto, seria também uma história verdadeira.

Mas, como disse, primeiro tenho que descobrir um lugar confortável onde possa instalar-me, tranquilamente, com tempo, a deixar que as palavras encontrem o seu caminho. 

Até lá não passa disto. Temos pena.


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Fotografias feitas in heaven

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E queiram, agora, aceitar o meu convite e ir de passeio até a uma cidade muito bonita e saber da minha receita para uma boa cachola.

domingo, janeiro 14, 2018

Para não pensar nesta trágica noite de chamas e morte, o azul





Estava eu a olhar a televisão para ver quem tinha ganho as eleições no PSD, quando o meu marido reparou no que passava em 'última hora' - uma vez mais as chamas estavam na origem de mortes, desta vez em Tondela, numa pacífica associação recreativa onde se jogava a sueca. 

Logo as televisões se apressaram para lá para mostrar carros de bombeiros e ambulâncias e para ouvir populares. Mais tarde, um senhor todo aperaltado, de chapéu, casaco novo e gravata, falava e, com o entusiasmo de falar para a televisão, até sorria ao relatar o aparato de viaturas e a confusão com feridos e cadáveres que, segundo ele, estavam a estorvar.


Dir-se-ia que a vitória de Rui Rio se viu logo ensombrada por factos tristes. Claro que não tem nada ver nem é nenhum mau augúrio. Só estou a falar disto pois, durante toda a noite televisiva, as reportagens em torno da vitória de Rui Rio eram intercaladas por reportagens a partir de Tondela.

Mas, enfim, não quero contribuir para mais angústias, assombrações, ou pensamentos tristes. Já basta o que aconteceu.

Por isso, deixem que, antes, traga para aqui o azul das águas, da serenidade e da leveza. Ou dos rostos do muro azul. Rostos vivos que habitam a rua e se pintam de azul ou que sonham em azul.
O muro do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa continua, continua, continua por 1 km. Em determinado ponto, um azul marinho e profundo começa a cobri-lo e os rostos surgem para nos encarar.

Poema azul de Sophia por Maria Bethânia


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E este sábado in heaven estava assim, o céu azul e o reflexo da grande figueira numa pequena mancha de água no chão.


E os pássaros estavam em festa, cantando, cantando, numa alegria, numa euforia. As árvores eram palco de orquestra, uma música, uma cantoria.


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Um belo dia de domingo a todos quantos por aqui me acompanham

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[Sobre a vitória de Rui Rio falo no post já aqui abaixo]

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sábado, setembro 23, 2017

O cavaleiro da luz








Em 1895, quando abandonava a infância, Albert Einstein teve uma visão que lhe abriu portas desconhecidas: sonhou, ou imaginou que cavalgava pelos céus montado num raio de luz.

Alguns anos depois, estas portas conduziram-no à teoria da relatividade e a outras iluminações.




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O texto é de Eduardo Galeano em 'O caçador de histórias'

Béatrice, 1897 e The Birth of Venus, 1912 — Odilon Redon
The Cosmos -- Hee Choung Yi

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quinta-feira, agosto 10, 2017

Deixar-vos-ei palavras





Tenho estado a reler a entrevista que a Anabela Lopes Ribeiro fez, já lá vão uns cinco anos, ao meu querido mestre Alberto Vaz da Silva, pessoa encantadora.


Transcrevo um pouco:


Como é que um rapaz com o seu percurso intelectual, cultural e pessoal não tinha dúvidas?
É muito o meu temperamento e o meu carácter. Há uma grande predominância de fogo na minha textura psicológica.
Olhando para si achei que podia ser água. Porque tem uma leveza, como água que corre. Porquê fogo?
Porque sou um apaixonado, por temperamento. O apaixonado atira-se facilmente para as coisas com confiança, com certezas. Penso que sou uma pessoa modesta, não gosto de dar nas vistas. No entanto, na minha sombra, sempre fui muito seguro do que fiz. Sabia o que gostava, o que não gostava. Se fazia o que não gostava sabia porquê. Se fazia o que gostava ia até ao sétimo céu. Essa pergunta traz-me uma reflexão: tive muita sorte na vida. Muita coisa me foi dada, como a Helena. As coisas caíram-me em cima da cabeça, ou através de pessoas. No meu último livro, sobre a Sophia de Mello Breyner, pus em epígrafe Saint Martin, filósofo do século XVIII, que esteve na base da alquimia e de grandes conhecimentos esotéricos: “Houve certos seres através dos quais Deus me amou”. Aconteceu-me a vida inteira.
(...)
Por coincidência, antes de começarmos a gravar, perguntei-lhe o que é que significa a letra “f”, e disse-me que é a letra mais reveladora, mais importante.
É a mais sintetizadora. É sempre a primeira coisa de que se vai à procura, o “f” minúsculo. O “f” escolar tem um traço inicial, depois vai para cima (o espírito, a imaginação). Depois passa por uma linha (o real, a vida de todos os dias, a actividade). Vai para baixo (os instintos). Volta para cima (mostra como é que a pessoa dominou ou domina os instintos e volta aos outros). Outra vez a linha, agora para a direita. Percorre os quatro espaços da escrita, os quatro pontos cardeais. E também o passado, o presente e o futuro.
Há pessoas que escrevem “f” a mais. O inconsciente tem esta coisa espantosa de empregar despropositadamente uma determinada letra. Quando há “f” a mais é mau sinal: significa que a pessoa ainda não se encontrou. Quer desesperadamente encontrar-se, mas está a lutar contra moinhos de vento. Quando não há “f” é uma tragédia: a pessoa desistiu de si.

Sobre o f, que ele diz ser a letra mais reveladora, já aqui o contei mas repito-me. No fim da aula em que ele se referiu ao f, mostrei-lhe o meu. A sala estava na penumbra, ele rodeado das suas devotas, não me viu antes de observar a folha com a letra e de ter dito. Só depois olhou para mim e sorriu, dizendo-me que eu poderia saber se era ou não. Tinha dito: 'O f de uma sedutora'. Sim, sou. Mas só às vezes. E sei disfarçar.

[Um apontamento pessoal, irrelevante. Não consigo analisar a minha letra. Não quero, não me interessa]

Mas, de fez em quando, na blogosfera há quem mostre a sua forma de escrever. Mesmo sem querer, esboço logo uma opinião. A forma de escrever não engana e eu, que não sou dada a esoterismos de qualquer espécie, não olho isto como uma coisa do domínio da devinação. Somos a forma como nos manifestamos, incluindo através da escrita à mão, é a nossa impressão digital. Não me lembro de alguma vez me terem dito que a minha análise foi ao lado. Só me intimido um bocado quando me ponho a adentrar pelas miudezas das pessoas. Precisava de mais folhas escritas para poder ter a certeza de que não estou enganada e, geralmente, só tenho uma página. Não pode ser levianemente que se escreve que a pessoa é insegura, que disfarça e se arma importante porque receia que percebam o medo que tem que descubram que é frágil e pouco sabedora. Ou que a pessoa receia tomar decisões com medo de desagradar. E dizer isso a alguém que tem um poder enorme, incluindo o de me prejudicar. Neste caso, bastante tempo depois, esta pessoa ainda dizia, como se estivesse a brincar: 'Viu-me a escrita, deu cabo de mim'. E eu: 'Nada... Tanta coisa boa que vi' mas sabendo que o que lá vi o torna um erro de casting no que está a fazer e que, lamentando-o, tive que lho dizer, não explicitamente assim mas a bom entendedor... Ou a outro dizer que é como se fosse bipolar e que é mentiroso e que tem dúvidas quanto à sua sexualidade. Isto a um que encena ser um conquistador. Não é levianemente que se dizem coisas assim. Ou a alguém que parece muito bem disposta que tem que ter cuidado para não se deixar cair em depressão. É quase a medo que me arrisco a dizer. É que posso estar a ver mal...


Outras pessoas são solares. Uma escrita fluida, solta, arejada, bem estruturada na forma, no balanço, no andamento. Olha-se e vê-se ali uma pessoa motivada, realizada, boa companhia. Olha-se e vê-se que olha a direito, que sabe sorrir, que sabe amar, que sabe viver. 

Ver a escrita e a assinatura de Trump é ver tudo. O disparate completo, as contradições, as tentativas de disfarce. Não engana. Compará-la com a de Obama é comparar a noite com o dia.

Já recebi, por mail, digitalizações de páginas manuscritas de leitores. Na medida do possível e apesar de a amostra ser curta, tenho ousado dizer o que vejo da pessoa que escreve. É como um blind date: arrisca-se tudo às cegas, sem conhecer a pessoa e sem ter como aferir se a leitura está a sair correcta.


E, note-se, sendo eu devota das letras, sou, na verdade, uma pessoa sobretudo dos números. A minha formação académica e a minha vida profissional sempre se moveram mais sobre a racionalidade, ou seja, mais sobre a objectividade da análise dos números do que em volta de subjectividades, emoções, sentimentos ou crenças.

Portanto, é colocando toda a minha racionalidade na análise da escrita que digo o que vejo, face ao que aprendi. E o que aprendi nisto da grafologia foi, sobretudo, a ver, a estar atenta aos sinais.


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Mas, enfim. Não era sobre isto que eu vinha aqui falar. Porque hoje tinha uma reunião com um senhor vereador e a reunião foi marcada para uma hora que tornava absurdo voltar ao trabalho, acabei por ficar com tempo livre e, como se estivesse de férias ou em dia feriado, feliz da vida, meti-me ao caminho e desabalei-me para o meu lugar de perdição. Dia de vendaval. Mas quando se gosta de um lugar, gosta-se no matter what. O rio picado, um friozinho intrusivo. Eu de verão, toda frescuras e o vento a percorrer-me a pele. Um sol magnífico, aquele sol dourado do fim da tarde. E eu, sentindo-me turista, a fotografar tudo -- paquetes, veleiros, cargueiros, namorados, gaivotas, gente solitária, o azul das águas e do céu -- por ali andei, matando saudades. Há tanto tempo que não conseguia estar no meu Ginjal.

Talvez seja uma questão de auto-disciplina e imposição mental: forçar-me a colocar em plano de igualdade a minha necessidade de caminhar à beira do rio, de fotografar, de ter tempo de qualidade para mim ao longo da semana e a minha responsabilidade profissional.


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E agora?

(...) 
the tree outside doesn't know:
I watch it moving with the wind
in the late afternoon sun. 
there's nothing to declare here,
just a waiting.
each faces it alone. 
Oh, I was once young,
Oh, I was once unbelievably
young!

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O post talvez tenha acabado por ter um tom nostálgico mas foi por acaso, mesmo sem querer. Se estivesse com mais tempo, escolhia um outro poema. Aliás, tinha escolhido outro mas era de uma tal sensualidade que me pareceu não ter muito a ver com o texto. Então, retirei-o e já sem grande cabeça para puxar por ela, ficou este que é desalentado mas que fica apenas por ser bonito. A verdade é que conjugado com a letra da música que escolhi lá para cima, envolve isto num véu de melancolia e despedida e não é assim que me sinto, caraças, muito longe disso. Não se deixem contagiar, ouviram? Se não fossem duas da manhã refazia isto tudo. Assim, olhem, não liguem.

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As fotografias foram feitas ao cair do dia no Ginjal
Lá em cima Patrick Watson interpreta Je te laisserai des mots
O poema So Now? de Charles Bukowski é lido por Tom O'Bedlam

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E queiram continuar a descer, caso desejem ver o Jim Carrey a sublimar o seu mal de coeur através da pintura.

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sexta-feira, maio 19, 2017

Franchising da Geringonça
-- com aplicação imediata onde houver carência total de governação --
[EUA, Brasil -- por exemplo, dado o impeachment iminente de Temer e Trump]


Tenho que admitir: hoje estou num daqueles dias em que o sono me vence a cada minuto que passa. Pode ser que, com o andar da noite, consiga despertar mas não garanto. Portanto, relevem, se fizerem o favor, qualquer falha que detectem seja na linguagem seja na elaboração do raciocínio.

O que sei é que, enquanto, há pouco, estive, por momentos, acordada, vi com pena o que se passa no Brasil e nos Estados Unidos. O ponto a que a degradação política chegou assusta. Países enormes, países com influência de vária natureza e a passarem por situações tão humilhantes. Assiste-se ao que ali se passa e mal se consegue acreditar.

Nos EUA, depois de um Obama que (não obstante alguns óbvios 'deslizes' à imperialista americana) exerceu a presidência com dignidade e denodo, os americanos escolheram um inacreditável Trump para lhe suceder: um parvo, um donald, um palhaço, uma anedota, um perigoso embuste. A cada dia que passa o mundo pasma com a extensão dos desmandos, do descontrolo, do total desatino -- em suma, com a anormalidade que por ali campeia, à rédea solda


No Brasil, num caldo de corrupção que mina por dentro a democracia e em que parece que poucos lhe escapam, assiste-se a uma situação de descalabro que, se fosse no meu país, me deixaria envergonhada e assustada. Corruptos, corruptores, gente que grava as traficâncias, gente que denuncia os cúmplices e entrega gravações, empresários, deputados, governantes, tudo envolvido, tudo conspurcado, tudo, tudo.

Pior: em qualquer dos casos, olha-se à volta e dificilmente se antevê nas redondezas e a curto prazo, solução que dê garantias de sucesso.

Foi pensando nisto, antes de cair num sono consolado -- de que agora parece que consegui despertar (mas apenas relativamente) -- que me ocorreu que se poderia fazer franchising da Geringonça. A Geringonça é uma daquelas apostas win-win que todos gostariam de ter parido. Pariu-a o Costa, tendo como cúmplices da paternidade o Jerónimo e a Catarina, e sendo abençoada pelo Marcelo que a enaltece e valoriza aquém e além mar, conseguindo todos, com a sua boa onda (e competência!) atrair a boa sorte. 


Qual ovo de Colombo, a coisa dá frutos após frutos: ganha-se no Euro do futebol, no Mónaco com um treinador português, com o Ronaldo que não pára de marcar golos, na Eurovisão com o Salvador, nas Nações Unidas com o Guterres, no crescimento económico acima da média, no abaixamento do défice para níveis antes nunca vistos e do desemprego. Mas o ano tem trazido mais boas notícias. O Papa veio a Portugal. A Monica Bellucci comprou casa em Lisboa e o filho da Madonna treina no futebol do Benfica. E quando tudo se conjuga desta forma virtuosa opercebe-se que, com a Geringonça, o céu é o limite. Provavelmente iremos também ganhar a Miss Mundo e as estrelas Michelin cairão do céu sobre mil restaurantes portugueses. E resta saber se o Nobel da Economia ou das Finanças não virá cair sobre o Centeno e se o Euromilhões não passará a sair todas as sextas-feiras em Portugal.


Portanto, acho que há que encarar com alguma seriedade a oportunidade. Eu, se fosse ao Marcelo e ao Costa, arranjava rapidamente alguns candidatos a quem se daria formação para que pudessem replicar a solução onde fosse necessário. Um franchising da Geringonça.

Para garantir o sucesso rápido, num primeiro momento, até terem equipa bem oleada, iriam eles mesmos assegurar a implementação e o arranque. Marcelo e Costa para a frente dos Estados Unidos. Quando tudo a correr já sobre rodas, iriam pôr o Brasil na ordem. Por cá ficariam alguns dos actuais membros do Governo que já assimilraram bem o espírito da coisa e que, facilmente, continuariam a boa qualidade do que se tem estado a fazer.

Podem pensar que estou a brincar mas não estou.

Soluções felizes são soluções ganhadoras e espalhar a felicidade pelos países mais carenciados de soluções e ansiosos pelo restabelecimento da dignidade e da felicidade é ideia que deve ser acarinhada por todos.

Portanto, agora que alea iacta est, Caríssimos e Estimadíssimos Marcelo e Costa faites vos jeux.



Acham impossível?
Medo de arriscar?
Parece solução ousada?
Perante o descalabro, preferem ficar laparamente agarrados ao passado?

Que nada.

E, se acham que de mim só vêm ideias muito à frente, sigam, então, o conselho de Bono


(de Bukowski, "Roll the Dice")

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Um dia feliz a todos quantos por aqui passam

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