sábado, janeiro 31, 2015

Ora vamos lá a ver quem é que é compatível comigo. Isto dos signos pode não ser ciência exacta mas lá que as coisas não são despropositadas de todo, lá isso não são. E o resto é conversa.


No post abaixo expliquei (com elucidativas imagens) porque é que, em inglês, chamam boobs às mamonas generosas. 

Mais abaixo ainda expliquei a fórmula matemática, ou melhor, a fórmula divina, da longevidade humana.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. Continuo num registo científico: ciência da boa, pura, pura, pura.


Porque é sexta-feira (ou melhor, já é sábado), dias de pouco siso, e eu me sinto pouco mais que uma mulher adormecida e já nem sei se estou acordada se a sonhar, vou já atalhando razões: quem aí desse lado queira saber se tem alguma hipótese de se dar bem comigo, é favor conferir.


Como já o referi muitas vezes sou caranguejo de cabo a raso, caranguejo com ascendente de caranguejo, toda influenciada pela lua - e quem não me conhecer que me compre.



Isto da astrologia pode muito bem ser como a homeopatia, um placebo do melhor que há. 

Mas eu não quero cá saber de gente que se arma em difícil, que quer ver tudo bem explicadinho, que não vai em cantigas e, por isso, passo por cima de pruridos ou queimaduras e vou directa ao ponto. 

Como é que cada um de vós, Caros Leitores, se daria comigo caso eu deixasse de ser uma mulher inventada e passasse a ser uma mulher de verdade?

Ora bem, vamos lá então.


Carneiro

Governado pela Lua, o Caranguejo é frequentemente demasiado sensível para o Carneiro, levando os seus comentários e acções demasiado a sério. Tem que haver cedências de parte a parte. 


Touro

Pouco a pouco, estes dois irão revelando mais de si próprios um ao outro e poderão desenvolver uma profunda ligação amorosa. Beleza e boa vida – e é um caso que pode durar para sempre. 


Gémeos

Geralmente os valores são diferentes para estes dois o que poderá excluir uma duradoura ligação apaixonada. Mas, se se estabelecer uma forte relação de amizade, poderão ultrapassar tudo. 


Caranguejo

Dois atenciosos Caranguejos podem aconchegar-se um ao outro ao longo de toda a vida. Adoram diversão, montar e decorar casas, fazer compras e de tudo o que seja luxuoso. A relação é inabalável, os valores estão alinhados e há segurança emocional e matéria. 



Leão

Esta ligação pode funcionar mas não sem compromisso. O Leão é claramente o patrão mas o Caranguejo terá frequentemente a última palavra. Um amor sincero será capaz de ver para além de cada desafio.



Virgem:

Quando há amor e atracção, esta é uma relação extremamente. Ambos regem-se por valores sólidos e não encaram os seus compromissos ou responsabilidades com ligeireza.



Balança

Estes dois podem ou potenciar-se um ao outro ou destruir-se. Ambos amam a cultura e a beleza e quando os seus mundos estão alinhados, a coisa pode funcionar.



Escorpião

Estes dois signos da água falam a mesma linguagem. Amor, paixão e estilo de vida. Têm um profundo sentido de partilha, cuidado e suporte mútuo. Devotados!





Sagitário

Podem existir diferenças e quando o caranguejo se magoa fecha-se na sua concha, muitas vezes para sempre.Terão que fazer compromissos e uma amizade forte pode ser uma boa base de partida.




Capricórnio

São signos opostos mas em ambos há compreensão e respeito. Se não houver muita ingerência de parte a parte, pode ser uma conjugação optimista




Aquário

O Caranguejo sente com o coração e o Aquário pensa com a cabeça. Nada é impossível mas há desafios entre estes dois signos.

[Só para verem como são as coisas: o meu marido é Aquário. Um desafio.]



Peixes

São ambos signos da água pelo que há uma ligação espiritual natural e bela. É um amor alma-a-alma e pode durar a vida inteira.



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Esta informação científica, aqui em tradução quase livre, consta do artigo:

FIND YOUR ASTRO LOVE MATCH


Astrologer Jennifer Angel shares the most compatible love matches for every sign. 


e, digo eu, deve valer para tudo: não apenas para paixões mas também para amizades ou para o que for.

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E tinha vontade de escrever um remate mas não dá, já estou a dormir.

Minotauro ajoelhado sobre mulher adormecida - Picasso


All this useless beauty de Elvis Costello por June Tabor



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Permitam que recorde: por aí abaixo há mais dois posts, ambos igualmente educativos.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado!

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Como é que as mamocas adquiriram o nome "Boob" em inglês? - Explico e mostro porquê


No post abaixo já deslindei a fórmula matemática relativa à longevidade humana; e expliquei de forma a ser entendida por toda a gente, mesmo pelos burros (os cães e os macacos que me perdoem).

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. A vossa atenção que aqui estamos no domínio da filologia. Ia dizer semiótica mas fico-me mesmo pela filologia.


Que voltas é que a língua deu para que os 'peitinhos generosos' em inglês se tenham transformado em boobs? Mistério? Ou talvez não?

Fácil. Basta observar com olhos de ver.





E se, de repente, uma dentista quase enfiasse as big boobs pela sua boca adentro? 

Mostro para que possam estar prevenidos (escrevi prevenidos mas a prevenção vale para homens e mulheres)



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Tempo de vida do homem = 30 de burro, 10 de cachorro, mais de 10 de macaco




Deus criou o burro e disse: 

Serás Burro, trabalharás incansavelmente de sol a sol, carregando fardos nos lombos. Comerás capim, não terás inteligência alguma, viverás 60 anos. Serás Burro.

O burro respondeu: 

'Serei Burro, mas viver 60 anos é muito, Senhor dá-me apenas 30 anos'

Deus deu-lhe 30 anos.



Deus criou o cachorro e disse:

'Serás Cachorro, vigiarás a casa dos homens e serás o seu melhor amigo. Comerás os ossos que ele te  jogar, viverás 20 anos. Serás Cachorro'

O cachorro respondeu:

'Senhor, comerei ossos, mas viver 20 anos é muito, Senhor. Dá-me 10 anos.

Deus deu-lhe 10 anos.




Deus criou o macaco e disse:

'Serás Macaco, pularás de galho em galho, fazendo macaquices, serás divertido e viverás 20 anos. Serás Macaco.'

O macaco respondeu:

'Senhor, farei macaquices engraçadas, mas viver 20 anos é muito, dá-me apenas 10 anos'

Deus deu-lhe 10 anos



Deus criou o Homem e disse:

'Serás homem, o único ser racional sobre a face da Terra, usarás a tua inteligência para te sobrepores aos demais animais e à Natureza. Dominarás o Mundo e viverás 30 anos'. 

O Homem respondeu:

'Senhor, serei Homem o mais inteligente dos animais, mas viver 30 anos é muito pouco. Senhor dá-me os 30 anos que o burro rejeitou, os 10 anos que o cachorro não quis e também os 10 anos que o macaco dispensou'. 

E assim Deus fez o Homem

'Está bem... Viverás 30 anos como homem. Casarás e passarás a viver 30 anos como burro, trabalhando para pagar as contas e carregando fardos. Serás aposentado, viverás 10 anos como cachorro, vigiando a casa. E depois ficarás velho e viverás para cima de 10 anos como macaco, pulando de casa em casa, de um filho para outro, fazendo macaquices para divertir os netos.'


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E obrigada ao Leitor que me enviou esta piada!

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sexta-feira, janeiro 30, 2015

Daniela Hanganu a bela portuguesa-moldava que desfila para a Chanel. E a evolução do conceito de beleza feminina ao longo dos tempos.


Esta coisa dos blogues é uma maçada: a gente vai escrevendo e o que escreveu vai ficando lá para baixo, antiquado, esquecido. Claro que grande parte das coisas é o que merece mas há outras que eu gostava que estivessem sempre à vista. Uma das que eu gostava que ficasse aqui sempre bem visível para ver se a gente não se esquece dela é a que escrevi sobre a Prova dos professores contratados. A prova a que estas pessoas foram submetidas é uma afronta e não apenas a eles mas a todos nós, mansarrões e hipócritas, que permitimos que alguns portugueses sejam humilhados daquela forma. Aquela prova é uma coisa tão absurda, tão velhaca que deveria ser denunciada todos os dias, em todo o lado. De um Estado de direito não se espera que se porte de forma torpe, humilhando alguns cidadãos. Não se espera e não se deve admitir!

Mas é assim, textos que se sucedem, ideias que parecem misturar-se, e, aos poucos, tudo vai sendo esquecido.

Além disso, há uma ideia que não me larga: eu devia ver se conseguia organizar o Um Jeito Manso de uma forma mais compartimentada para que não dê ideia que cubro tudo com um manto de frivolidade. Tenho que averiguar, como disse no outro dia.

Mas, para já, adiante.

No post abaixo já falei da situação em volta da Grécia, com o mundo a aproximar-se deles e a abrir-lhes espaço para que possam tentar descobrir o caminho para a salvação da Europa, e com o saloio do láparo e de mais uns quantos desorientados que para aí andam armados em princesas ressabiadas a mostrarem a sua falta de maneiras (e de tino).

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a coisa é diferente, muito diferente.


The CHANEL Spring-Summer 2015 Haute Couture show took place on January 27th, 2015 at the Grand Palais in Paris.







Moda, beleza, trapos: coisa de mulheres, portanto.


E, no entanto, quão mais fácil é a vida quando abrimos espaço para assuntos assim, rêveries, frescuras, frioleiras.

A primavera ainda se sente bem longe mas já faz saber que o verão nos chegará suave, floral, cheio de tules, folhos, levezas, véus. 

Chanel, como sempre em grande estilo, já começou a marcar o tom e tudo é profissional, perfeito, belo como se fosse coisa de amadores amantes. 

Ou seja, o desfile de primavera/verão teve a beleza habitual que não sabemos classificar, qualquer coisa entre o efémero e o eterno; e, este ano, trouxe uma novidade que nos diz qualquer coisa em especial: um rosto português.



A menina tem dezassete anos e é linda. 


Daniela Hanganu desfilando Chanel

Corre-lhe nas veias sangue moldavo mas veio para Portugal aos 5 anos: chama-se Daniela Hanganu e a Central Models, que a agencia, mostra-a inocente, com a frescura da adolescência e, para que não haja enganos, descreve-a com objectividade, informação numérica sempre que possível:




altura 1.75 | confecção 36 | busto 81 | cintura 63 | anca 90 | sapatos 38 | olhos verdes | cabelo loiro


Karl Lagerfeld, que não dorme na forma nem brinca em serviço, já a incorporou nas suas hostes e a menina ali esteve, fresca, linda, desfilando entre as mais lindas, entre as melhores.

Ao vê-la, nas imagens do desfile, parecendo já quase uma mulher, pensei: o que é a beleza? Agora a beleza feminina tem um ar natural, quase nude, saudável, inocente, suave, próxima da natureza.

Mas como tem sido diferente ao longo dos tempos! De tantas mulheres de quem lemos uma beleza que atraía os homens como uma poção mágica, vemos representações gráficas que as mostram desengraçadas, apessoadas, cheias de pneus. A outras, que recentemente ditaram tendências, olhamo-las agora como infelizes, mal alimentadas. Tudo muda. Com algumas excepções que atravessam os tempos como estrelas intemporais, a beleza feminina é um conceito abstracto que vai mudando.




Claro que eu me mantenho fiel às minhas origens: de todas, de todos os lugares, de todos os tempos, aquelas de quem eu gosto de dizer que descendo é das etruscas. E nem será em especial pela beleza física: é mais pela liberdade e pela modernidade que as caracterizava. Acho que me teria sentido muito bem sendo uma delas.




Mas a minha genealogia não é para aqui chamada pelo que passo ao que quero mostrar-vos: a evolução do conceito de corpo feminino ideal.


Women's Ideal Body Types Throughout History


3.000 anos de mudança de estereótipos num vídeo de 3 minutos



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Aproveito a faço a ponte para outro domínio

500 Years of Female Portraits in Western Art  por Philip Scott Johnson





Música:
Bach's Sarabande from Suite for Solo Cello No. 1 in G Major, BWV 1007 performed by Yo-Yo Ma

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E ainda para outro:


Big Ballet 




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Como definir, pois, a beleza feminina?

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Antes de me despedir por agora, permitam que  relembre: sobre a Grécia, as nuvens que a cobrem (ou não), o seu futuro e a esperança que se antevê no horizonte, e, em contra-mão, os tugas-aventesmas de mau agoiro que por aí pairam, falo já a seguir.

PS: E o Paulo Portas que se cuide que o Ricardo Salgado está a ensaiar o número que aí vem; e pode muito bem acontecer que esteja a preparar-se para fazer a folha a Paulo Portas (quanto ao Cavaco não precisa de ajuda, ele próprio se encarrega de se auto-enterrar).


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira.
E sejam felizes, está bem?

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Martin Schulz, Presidente do Parlamento Europeu, sai optimista de Atenas depois de se encontrar com Tsipras. Obama telefonou, deu os parabéns e disse que Tsipras pode contar com o apoio dele. Quem não acredita nada em contos de fadas é o Passos Coelho. E o Ricardo Costa também está preocupado com uma possível aproximação à Rússia. A ver se o Tsipras se põe a pau e ouve estes dois.


Um a um, todos vão ao beija-mão aos esquerdistas radicais que tanto encanitam o láparo (a ponto de se tornar inconveniente) e que despertam no Ricardo Costa o grande educador da classe política que há dentro dele (a ponto de já estar a dar palpites e a antever desgraças).

Eu cá, por mim, não sei o que vai acontecer na Grécia mas, seja o que for, é de certeza melhor do que a indignidade a que têm estado a ser sujeitos e, mesmo que venham a sofrer alguns sobressaltos, eles serão menos graves do que o verem-se despidos de soberania e esperança, como aconteceu até aqui. A expectativa que agora atravessam vale bem um ou outro susto; e, de resto, só se deixa ficar de gatas com medo do bicho mau quem é um grandesíssimo cobarde ou uma sensível princesinha.

Velhinhas e mariquinhas assustadiços que ao mínimo sopro vão logo a correr tirar o dinheiro dos bancos nacionais para os irem depositar nos bancos alemães ou suíços há em todo o lado. Não sei quantos milhões voaram de lá mas hão-de voltar e as velhinhas e os mariquinhas hão-de voltar a ficar sossegados.

O que eu vejo é que, aos poucos, o paradigma está a mudar e o mundo parece respirar de alívio por alguém ter ousado avançar noutra direcção.

Esta austeridade cega que afunda os países no lodo onde só se sentem bem láparos, ratos e um ou outro verme, já mostrou ao mundo que este não é o caminho para controlar a dívida nem para nenhuma coisa decente.

Contudo ninguém sabia bem o que fazer, como fazer. Agora, se estes malucos dos gregos não se importam de partir a loiça e, afoitos, não se importam de avançar às cegas, o mundo agradece e vai dar uma ajuda, nem que seja à socapa.

No meio disto quem é que vai ficar isolado? O láparo e os seus apaniguados. Até a Merkel teve a decência de lhes desejar força e felicidades. Só o láparo, o de lima, o camelo e um ou outro papagaio que ainda não virou o bico ao prego é que ainda não perceberam que um sopro de mudança começou a varrer a Europa.



Transcrevo do Expresso:

"Tive uma discussão construtiva e aberta" com o novo primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, disse em Atenas Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, depois da reunião que ocorreu entre ambos esta quinta-feira. Schulz é o primeiro alto responsável europeu a reunir com o novo governo helénico saído das eleições de domingo, ganhas pelo Syriza, o partido liderado pelo atual primeiro-ministro.


Schulz deu uma tónica otimista e procurou reduzir a crispação que surgiu nos últimos três dias e  que influenciou negativamente os mercados financeiros . "Há a impressão dentro da Europa que o novo governo grego irá seguir um caminho separado. Mas descobri hoje que esse não é o caso", disse o presidente do Parlamento Europeu, segundo o diário "Kathimerini".

O político alemão adiantou, ainda, que houve acordo em muitos pontos, "enquanto outros necessitam de mais discussão". O jornal grego sublinha que houve concordância em dois temas: no combate à evasão fiscal e na avaliação da austeridade que "não consegue fazer emergir a Europa da sua crise". Schulz terá concordado na ideia que o programa de investimento público grego deverá ser excluído dos cálculos do défice orçamental.

O jornal grego, com base em fontes, adianta que o presidente do Parlamento Europeu terá pressionado Tsipras para que obtenha uma extensão do programa de resgate e que apresente exemplos concretos de medidas que criem receitas, antes de pressionar para o alívio da dívida.

Esta sexta-feira é esperado em Atenas o ministro das Finanças holandês, Jeroen Dijsselboem, presidente do Eurogrupo (reunião dos ministros das Finanças da zona euro), que reunirá com Yanis Varoufakis, o novo ministro das Finanças grego, que afirmou esta quinta-feira que o encontro servirá para iniciar as negociações com os parceiros europeus. "As negociações com os nossos parceiros europeus começam com esta visita, que conduzirá a um acordo viável e compreensível", disse Varoufakis.

O ministro das Finanças não vai parar a partir de domingo. Pegará na mala para reunir no domingo com o homólogo inglês George Osborne, aproveitando para se encontrar em Londres com investidores. Na segunda-feira voará para Paris, onde se reunirá com Michel Sapin, ministro das Finanças, e com Emmanuel Macron, ministro da Economia. Finalmente, na terça-feira deslocar-se-á a Itália, onde reunirá com o ministro das Finanças Pier Carlo Padoan.




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O rumor do estio atormenta a solidão de Electra
O sol espetou a sua lança nas planícies sem água
Ela solta os seus cabelos como um pranto
E o seu grito ecoa nos pátios sucessivos
Onde em colunas verticais o calor treme
O seu grito atravessa o canto das cigarras
E perturba no céu o silêncio de bronze
Das águias que devagar cruzam seu voo
O seu grito persegue a matilha das fúrias
Que em vão tentam adormecer no fundo dos sepulcros
Ou nos cantos esquecidos do palácio

Porque o grito de Electra é a insónia das coisas
A lamentação arrancada ao interior dos sonhos dos remorsos e dos crimes

E a invocação exposta
Na claridade frontal do exterior
No duro sol dos pátios

Para que a justiça dos deuses seja convocada



[Electra, de Sophia de Mello Breyner Andresen, enviada pelo Leitor HB, a quem muito agradeço, num comentário aqui abaixo]

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E, com os meus agradecimentos ao Carlos que ma deu a conhecer,

Agnes Baltsa - Áspri méra ke ya mas (There will be better days, even for us)



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quinta-feira, janeiro 29, 2015

A curva dos teus olhos, a liberdade, a história e a utopia


No post abaixo falei da humilhante prova para liquidar a dignidade e o amor próprio dos pobres professores que se vêem confrontados com a necessidade de se submeter a uma coisa alarve destas.

Mais abaixo ainda falei da grave doença da Saúde em Portugal às mãos da grande espingarda que nos saíu o Paulo Macedo que ainda se mantém ministro, e, para não correr o risco de falar do que não sabia, dei a palavra a um médico.

Mas isso é a seguir. Agora, aqui, a conversa é outra.




Somos nada na imensidão do espaço, errantes partículas perdidas num infinito incolor e quase silencioso, povoado por infinitos objectos flutuantes.

Num infinitamente pequeno planeta que gira monotonamente em volta de uma das infinitas estrelas desse infinito universo pululam pequenos seres das mais variadas espécies. Nós somos uns desses insignificantes seres, os mais irracionais de todos os seres que habitam o pequeno planeta azul. Enquanto os outros se limitam a sobreviver da melhor forma, nós afadigamo-nos a destruir-nos uns aos outros ou a desperdiçar o curto espaço de vida que nos é dado com teorias absurdas, agonias, angústias inúteis.

Eu sou um desses seres. Invejo a felicidade das árvores, a serenidade das rochas, a liberdade dos pássaros. Quis o acaso que tivesse vindo a este mundo sob a forma de mulher. Tento não me atormentar nem atormentar os outros mas pela força da organização deste mundo humano, não posso usar o meu tempo apenas a fazer aquilo que a cada momento me daria mais prazer. 

Gosto de aprender e, se pudesse, dedicava a minha vida essencialmente a actos que me proporcionassem a aquisição de mais e mais conhecimento – para além, claro está, de assegurar a minha sobrevivência, procriar (enfim, procriar propriamente dito, já cumpri com o que tinha a cumprir), cuidar das minhas crias e das crias das minhas crias, cuidar da minha toca, estar ao sol ou recolhida junto a uma lareira nos dias de frio, passear, nadar, andar junto à beira de água e etc.  

Mas tenho que fazer mais do que isso e, portanto, o tempo para fazer aquilo para que a minha natureza me puxa é escasso.

Mas não me queixo. De vez em quando o acaso coloca no meu caminho outros seres que me trazem mais conhecimentos e, com isso, iluminam ainda mais a minha vida.

À hora de almoço estive por minha conta e, à solta, voltei a prevaricar. Ainda os últimos não arrefeceram e já trouxe mais uns quantos. É aquele medo absurdo de que alguma coisa me possa suceder e me impeça de comprar mais. O meu lado irracional leva-me a ter comportamentos de açambarcadora. E a felicidade que eu sinto quando os escolho e quando os transporto e quando lhes tomo o pulso...!

Mal cheguei a casa, pu-los em cima da cama e fotografei-os, lindos meninos. E que me perdoem os meus Leitores com dificuldades económicas que isto, ao preço a que eles estão, até pode parecer ofensivo para quem mal tem com que comer o mês inteiro quanto mais gastar tanto dinheiro em livros. Mas a verdade é que os comprei e que não é por escondê-lo que as finanças dos meus Leitores mais desfavorecidos ou a atravessar um momento de tristeza e preocupação vão ficar mais folgadas.




Amanhã ou outro dia falarei um pouco deles. Terei forçosamente que vos mostrar o belo livro Cesariny - Em casas como aquela, com texto de José Manuel dos Santos de cuja escrita eu tanto gosto (e relativamente a quem continuo a ter pena que tenha tenha saído do Expresso) e fotografias de Duarte Belo, o talentoso filho de Ruy Belo. 




Mas o que me levou até à livraria tão pouco tempo depois de ter trazido aqueles de que vos falei no outro dia foi a vontade de recordar Éluard e conhecer Cioran. Do primeiro tenho um livro em tradução portuguesa e não o encontro. Do segundo nunca tinha lido nada. Guiada, fui ao encontro de dois livros. Mal tive tempo de os folhear e, no entanto, a felicidade que já se desprendeu deles.




Pudesse eu, ah meu Deus, pudesse eu escolher a sombra mais fresca do regaço de uma árvore ou o encosto mais macio de uma rocha ao sol e deixar-me estar um dia inteiro a lê-los, só a música da aragem nas folhas, o cantar dos pássaros e eu a ler os poemas de Paul Éluard e a lucidez cristalina de E. M. Cioran.




Não fora o sono que tenho e pôr-me-ia aqui, de gosto, a exercer o mister de copista. Mas não consigo, já mal me tenho de olhos abertos e, por isso, passo a palavra.

Cioran na primeira pessoa




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ÉLUARD, Paul - La courbe de tes yeux.

(...)
Parfums éclos d'une couvée d'aurores
Qui gît toujours sur la paille des astres,
Comme le jour dépend de l'innocence
Le monde entier dépend de tes yeux purs
Et tout mon sang coule dans leurs regards.




Paul Eluard : Liberté

(...)
Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté.



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A música lá em cima é de Philippe Gaubert "Soir PaÏen" numa interpretação de MirAnDa Trio (MirAnDa Trio - Mirjam Rietberg (harp), Anna Azernikova (soprano), Dasha Beltiukova (flute), video - Masha van Berkel

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Relembro que no post a seguir falo do estado da desEducação e mais abaixo ainda falo da maceda doença que atacou a Saúde.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quinta-feira.

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Se eu fizesse a prova a que os professores contratados tiveram que se sujeitar chumbava. Só gente com pancada é que deve acertar em todas aquelas charadas absurdas. Que raio de país é este que aceita que alguns professores tenham que se sujeitar a uma indigência e indignidade daquelas? [Para verificar, pode aceder à Prova Completa a partir daqui]


No post abaixo falei, uma vez mais, do estado periclitante da saúde pública em Portugal. O que se passa nas urgências é inacreditável e o esforço que é pedido a médicos e enfermeiros para além de desumano é um perigo. Para falar com maior conhecimento de causa, dei a palavra a um médico.

Mas, sobre isso, falo no post seguinte.

Aqui, agora, falo daquela ultrajante prova a que os professores contratados têm que se sujeitar se quiserem ter a possibilidade de poder ter lugar num próximo concurso.



Vi a prova e não queria acreditar. Parece uma brincadeira de mau gosto.

Já o disse aqui algumas vezes: fui professora do secundário durante dois anos e picos. Entrei por concurso, com habilitações próprias e fiquei colocada na escola que tinha colocado em 1º lugar. Tinha uma boa média na faculdade. Durante esse curto espaço de tempo acho que fui boa professora pois, anos depois, alguns alunos encontravam-me na rua e contavam que tinham continuado a estudar ou que tinham seguido o curso tal e tal pelo que tinham gostado das minhas aulas.

Depois disso comecei a trabalhar em ambiente empresarial. Nesse contexto, fui durante vários anos orientadora de estágios curriculares universitários. Na empresa onde trabalho exerço funções de responsabilidade.

Ou seja, modéstia à parte, não me considero burra nem os que lidam comigo o consideram.

E, no entanto, li as perguntas e a sensação que tive foi que provavelmente não acertaria nos mínimos. O sentimento que qualquer pessoa com um mínimo de dignidade provavelmente sente perante aquelas perguntas é de revolta e, perante isso, duvido que subsista a concentração necessária para tentar descortinar a forma de responder àquelas perguntas ridículas. Questiono-me: em que é que a resposta a estas perguntas parvas prova se uma pessoa está apta a dar aulas?


Transcrevo do Público:

Os 2490 professores que em Dezembro fizeram a componente comum da Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) tiveram especiais dificuldades em responder a alguns dos 32 itens de escolha múltipla (que correspondem a 80% da cotação). O PÚBLICO foi ver quais as três questões em que a percentagem de acerto foi inferior a 30 % e, portanto, as que mais embaraçaram estas pessoas com qualificação profissional para a docência, mas que não são do quadro. Os que chumbaram na prova (34,3%) já não farão as provas específicas, em Fevereiro, e ficam impedidos de se candidatar a dar aulas no próximo ano lectivo.


A questão em que a percentagem de acerto foi mais baixa (21,1%), segundo os dados fornecidos pelo Instituto de Avaliação Educacional (IAVE) nesta segunda-feira, foi a número 6. Nesta prova 78,9% não souberam responder ao seguinte:

“O seleccionador nacional convocou 17 jogadores para o próximo jogo de futebol. Destes 17 jogadores, 6 ficarão no banco como suplentes. Supondo que o seleccionador pode escolher os seis suplentes sem qualquer critério que restrinja a sua escolha, poderemos afirmar: (a) que o número de grupos diferentes de jogadores suplentes é inferior ao número de grupos diferentes de jogadores efectivos; (b) superior ao número de grupos diferentes de jogadores efectivos; (c) igual ao número de grupos diferentes de jogadores efectivos; ou (d) não se relaciona com o número de grupos diferentes de jogadores efectivos (d)?
A resposta certa era “igual ao número de grupos diferentes de jogadores efectivos”.


Parece-vos normal uma pergunta destas? A mim não. Isto quase parece uma prova de tortura psicológica. Revoltante.

A prova completa pode ser vista  fazendo o download aqui mas, a título de exemplo,  permitam que transcreva mais uma pergunta:


No plano de evacuação do avião, está previsto meio minuto, em média, para evacuar um passageiro por uma saída de emergência. A cada lugar corresponde uma saída de emergência, determinada pela fila e pelo lado do corredor.

Num certo voo, viajam 20 passageiros nas seis primeiras filas do avião, metade de cada lado do corredor.

Em caso de necessidade, estes passageiros terão de ser evacuados pela saída de emergência localizada no topo da classe executiva. Os 25 passageiros que viajam nas restantes filas, 12 de um lado do corredor e 13 do outro lado, serão evacuados pela saída de emergência que está localizada sobre a asa do avião.

As quatro saídas de emergência funcionam em simultâneo.

Quanto tempo está previsto demorar a evacuação dos 45 passageiros deste voo?

(A) 22 min 30 s      (B) 22 min 50 s       (C) 6 min 30 s       (D) 6 min 50 s


Se bem percebo, com estas charadas crivam-se os candidatos a professores sejam eles de que disciplina forem. Parece-vos normal? Uma vez mais o digo: a mim não. A mim, repito, revolta-me. Parece-me uma humilhação gratuita, parece-me uma boçalidade, uma verdadeira alarvidade. 



Este C-rato incomoda-me, palavra que incomoda. Não respeita os outros, em especial os professores.


do blog We Have Kaos in the Garden


Alguém me tire este sujeito da frente se faz favor, não o quero ter como ministro do meu país. Não consigo suportar a ideia de que uma criatura destas continue a humilhar alguns conterrâneos meus. Em vez de por aí andar a encher a chamada salsicha educativa de que o eloquente láparo em dia inspirado falou, que vá pentear macacos, caraças.

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Sobre Paulo Macedo, outro que tal, e sobre a opinião do médico José Gameiro sobre a forma como a Urgência de alguns Hospitais Públicos está a trabalhar falo no post já a seguir.

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Quantas mais cirurgias têm que continuar adiadas? Quantas mais mortes nas urgência têm que ocorrer? Quantos mais médicos têm que se demitir? Quantas mais pessoas têm que sofrer ou inquietar? - até que Paulo Macedo se vá embora e dê a vez a alguém que saiba ser Ministro da Saúde? E Cavaco Silva, uma vez mais, não vê que mais um pilar do Estado não está a funcionar como deve ser?


Os noticiários mostram doentes oncológicos que estão a ver as suas cirurgias adiadas. Uma senhora falava sem mostrar o rosto mas as mãos retorciam-se de ansiedade enquanto falava.

Os noticiários dão conta de médicos demissionários: já não aguentam mais. As urgências estão caóticas. 




Os jornais trazem testemunhos de doentes e médicos descrevendo o que se passa nos hospitais públicos, horas de espera, condições de terceiro mundo.



Transcrevo um excerto da crónica de José Gameiro, médico psiquiatra, no Expresso, a que deu o título 'Urgências e erros médicos' 


A política de contratação avulsa de médicos à hora, sem qualquer coesão de equipa, é desastrosa, podendo levar-nos a pensar que há uma intenção deliberada de privilegiar a ida aos serviços de saúde privados, naturalmente para os que podem pagar, libertando espaço nos públicospara os pobres e remediados. Pequeno pormenor: em Portugal, dois terços da população é pobre ou remediada.

(...) As equipas actuais de alguns serviços de urgência são uma soma de profissionais cansados, exaustos, desejosos de sair dali o mais depressa possível, numa relação tensa com os doentes, por vezes sujeitos à agressividade de quem esteve dez horas à espera com a expectativa que sejam empáticos, cuidadosos, eficientes, que falem com os doentes sem pressas e que não se enganem no diagnóstico e na terapêutica... Médicos que trabalham desenquadrados dos serviços para onde enviam os doentes a necessitar de internamento, que tomam decisões complexas no mais completo isolamento.

Quem organiza equipas de urgência desta forma é moralmente responsável pelos acidentes terapêuticos que ocorrerem. 


Pois.

Depois da Educação e da Justiça, agora a Saúde. Paulo Macedo foi emoldurado pelos spin doctors do Governo como um bom minsitro e os papagaios da comunicação social repetiram-no à saciedade. Mas como pelos frutos é que os conhecemos, pergunto: perante o caos instalado na Saúde Pública, perante o que os doentes se vêem forçados a passar, alguém de boa fé ainda pode dizer que Paulo Macedo é um bom ministro? 

Quantas desgraças terão ainda que acontecer, quantas mais horas de desconforto, incómodo e perigo terão os doentes que passar nas urgências, que quantidade mais de exaustão terão os médicos e enfermeiros ainda que sofrer para que alguém resolva deitar a mão a este problema chamado Paulo Macedo e Passos Coelho?

E só se fala destes ministérios porque lidam mais directamente com a população. Mas... e a Economia? Paralisada. E as Finanças...? A paralisar os restantes.


Mas todos continuam impunemente em funções. Passos Coelho, para além de ser malcriado - mesmo para outros primeiro-ministros - e ostentar o seu proverbial ressabiamento, nada mais faz. Paulo Portas há-de sair como entrou: sem ter feito nada a não ser números circenses.

E Cavaco Silva é outro que tal: de palpável a única coisa que se vê da sua parte é a pôr a mão por baixo do Governo.

Um país que merecia melhor do que estas fracas figuras que andam para aqui a fazer de conta que governam, é o que é este meu pobre Portugal.



quarta-feira, janeiro 28, 2015

A otomana


Acabei de escrever um post muito doloroso e, alienada como sou, não quero ir dormir com as palavras que escrevi e com as imagens que mostrei ainda a pairarem na minha cabeça. Sou cobarde e mais indiferente do que devia, assumo. Mas assumir isso é um primeiro passo para ganhar coragem para lutar a sério em vez de me ficar por palavras vãs.

Correndo o risco de ser tomada por herege, por leviana ou estúpida, confesso que mais abaixo ainda falei de preservativos, relatando o que uma amiga minha farmacêutica faz e mostrando um vídeo que é do mais louco que há.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. Tempo de diversão, antes de ir beber o meu copo de leite de soja light e ir para a cama.

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Quando viemos morar para esta casa não havia mobília suficiente. Isto aconteceu numa era pré-IKEA e, além disso, a minha casa era (e, de certa forma, ainda é) mais para o clássico. Com a minha mania das criatividades, desenhei alguns móveis que foram produzidos com todos os matadores nos fabricantes de móveis do norte que abasteciam a loja de decorações que havia em frente da casa anterior e desenhei também sofás, ou então escolhi modelos, comprei  tecidos, e recorri ao estofador que trabalhava também para a tal loja.

Para pôr encostada a uma das paredes da sala, por baixo de um grande espelho com moldura em talha dourada, pensei numa chaise longue. O tecido que escolhi é de cetim espesso (que é capaz de não ser cetim mas outra coisa de que agora não me ocorre o nome) às riscas em tom pérola e dourado. 

Para explicar o que queria ao estofador era sempre um calvário pois, se é perfeito no trabalho que faz, intelectualmente é impenetrável, digamos assim. Eu fazia desenhos, explicava, levava revistas e primeiro que aquilo entrasse naquela cabeça era um castigo. Ou era reestofar uma coisa normal e aí não havia dúvidas ou, então, se a coisa tinha qualquer coisa de diferente, eu saía de lá doida, a cabeça feita de água: o senhor não percebia nada. 
Pequenas banquetas feitas e estofadas por ele
Uma vez ia arranjando um trinta e um. Eu tinha-lhe pedido, face a um trabalho que era preciso fazer para a sala in heaven (um conjunto de almofadões para servirem de assento e encosto num grande banco de pedra e mais um sofá que deveria ter parte do estofo no mesmo tecido que os ditos almofadões e os braços num outro tecido com o qual iria forrar também um puff), que ele me desse a estimativa da quantidade de tecido de cada padrão e disse-lhe qual a largura do tecido que tinha em mente. Viu-se grego. Ao fim de vários dias, e por minha insistência, disse que era muito difícil e que não sabia bem. Fiz eu as contas e fui lá mostrar para ele ver se os meus cálculos estavam correctos. Foi um caso sério: que o tecido do encosto tinha que se pôr ao correr do fio, que o dos braços ao correr sei lá do quê e que não sabia dizer quanto. Ou seja, nem sim, nem sopas, antes pelo contrário. Tentando tirar a raiz quadrada da baralhação dele, refiz as contas, apliquei um coeficiente de segurança e comprei não sei quantos metros. Admiti que seria francamente demais mas era melhor a mais do que a menos e o que sobrasse aproveitaria para fazer mais almofadas.
Bergère estofada por ele
Quando lá fui levar os tecidos, pedi-lhe que ensaiasse a ver se estavam à medida para, caso houvesse necessidade de mais, eu ir logo à loja não fossem os tecidos esgotarem-se. Que sim, que ia tentar mas que isso não era assim, que só à medida que fosse fazendo é que via. Pedi-lhe que se esforçasse. Que ‘tá bem, ‘teja descansada, isto aqui nunca falha nada.
Isto contado assim, até pode dar a ideia de que se trata de um matarruano qualquer. Mas não é: deve ser da minha idade, bom ar, alto, jeitoso. As limitações a nível de raciocínio não transparecem através do aspecto físico.
Os dias passaram e nada, não me dizia se o tecido era suficiente. Liguei. Que eu descansasse, que estava muito habituado a fazer trabalhos complicados, e que achava que devia ser suficiente. Descansei. 
Uns dias depois liga-me muito atrapalhado, que afinal não dava. Fiquei passada. 
Cadeirão de orelhas
totalmente feito e estofado por ele
Perguntei-lhe o que se faria caso já não houvesse tecido na loja, se faríamos a parte detrás dos almofadões num tecido diferente. Que já não podia ser porque o tecido já estava todo aproveitado, já não dava para desmanchar porque o que desmanchasse já não servia para outra coisa. Ainda mais passada fiquei. O sujeito tinha ido utilizando o tecido até acabar, não sendo capaz de prever o desfecho antes de atingir o fim.
(Na política também há gente assim, que só percebe que as políticas não resultam depois de as terem aplicado até ao último pingo de sangue. Adiante).
Felizmente ainda havia um resto na loja, foi mesmo à conta. Se não houvesse, teria que desaproveitar todo o tecido e todo o trabalho e recomeçar de  novo.

Mas com a chaise-longue a coisa até correu bem. 

Ficou de a ir entregar numa tarde em que a minha filha, nessa altura adolescente pré-adulta, estava em casa. Tenho ideia que nesse dia tínhamos ou um jantar de anos lá em casa ou uma festa qualquer. Disse-lhe que haveria de lá ir fulano de tal para entregar a dita chaise longue.

Quando cheguei a casa estava ela perdida de riso, que lhe tinha aparecido à porta um jeitoso, gago, gago, gago.

É que o homem era mesmo completamente gago e eu tinha-me esquecido de lhe referir esse pormenor. 

Da primeira vez que fui à sua oficina, andava meio perdida num emaranhado de prédios ali para o pé do aeroporto ou do Figo Maduro ou lá o que era, garagens e oficinas seguidas, tudo parecido, e liguei-lhe do carro para saber onde era. Ele, com a sua gaguez, perguntava onde é que-que eu es-es-es-ta-ta-ta-va-va. Quando eu lhe dizia que estava  a passar ao pé de um stand da Citroen, ele repetia, Sta-sta-stan-stand da-da-da  Ci-ci-ci-tro-tro-tro-en-en-en? E aí eu já tinha passado o stand da Citroen e já estava ao pé de uma tipografia e ele recomeçava Ti-ti-ti-po-po-po-po-gra-gra-fia? E aí já eu tinha passado a tipografia e já estava noutro sítio. E recomeçava. Comecei a ver que tinha que parar o carro mas nem sempre é possível parar o carro quando se está numa estrada sem escapatória ou berma e com carros atrás. Foi outro calvário. Eu já estava entre o desesperado e o podre de vontade de rir e com medo de me desmanchar, e, especialmente, sabendo que, se me desmanchasse, teria a máxima dificuldade em controlar-me, temendo, portanto, que o homem ficasse sentido.

Mas, então, voltando onde ia: a minha filha abriu a porta e ali estava aquele homem gago a dizer que vinha pa-pa-pa-ra-ra-ra  en-en-tre-tre-tre-gar-ga-ga-ga-gar  u-u-u-u-ma  o-o-to-to-to-to-ma-ma-ma-ama-na-na-na. A minha filha descreveu que ficou à porta a olhar estupefacta para aquele homem que, na maior dificuldade, dizia que ia entregar uma coisa estranha e ela não sabia se era ela que não tinha captado bem o que ele tinha dito ou se era a coisa que era mesmo estranha. Disse que não percebia. O homem voltou a dizer, U-u-u-ma-ma-ma-ma  o-o-o-to-to-ma-ma-ma-ma-na-na-na. Nunca em tal ela tinha ouvido falar nem lhe pareceu que tivesse alguma coisa a ver com o que eu lhe tinha dito. Acho que ainda ali estiveram naquela conversa embaraçosa, ela entre a pena pelo homem e o mortificada para não se desatar a rir, para além de não estar a perceber que raio de coisa queria o pobre entregar. Não me lembro como é que aquilo se desensarilhou.

Portanto, quando naquele dia cheguei a casa desejando de ver se a dita cuja tinha ficado bem feita, estava a minha filha toda divertida: Olha lá, mãe! Não podias ter dito que o homem era super gago e que aquilo também se chama otomana? 

Nem eu sabia, sempre lhe tinha chamado chaise-longue.

Agora já não me lembro a que propósito é que isto veio. Ia escrever sobre outra coisa qualquer, isto veio à baila e agora perdi o fio à meada. Ora bolas.

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Ah, já sei. Estava a ver umas fotografias magníficas e dei com esta aqui abaixo e, vendo-a, pensei, rindo para mim, tipo private joke: Olha, uma otomana!

de Romain Veillon

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Não coloquei aqui as fotografias do trabalho referido (almofadões para banco de pedra, etc) mas sim de outros feitos pelo estofador porque os que referi não estão nesta casa. Estes, sim, estão aqui e por isso fui ali fotografá-los.
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Relembro: mais abaixo encontrarão os outros dois posts desta noite mas tenho tanto sono que já não consigo escrever sobre o que são. Por isso, por favor relevem também as gralhas que devem ter vindo em bando.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa quarta-feira.

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