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domingo, agosto 10, 2025

A vida dos muito ricos

 

Não sou mas conheço alguns. Nunca aparecem nas revistas. Nunca aparecem na televisão. Raramente vão aos restaurantes da moda. Raramente vão às praias da moda.

Geralmente estão nas suas casas. Um deles tem uma casa de férias, dizem que 'normal', ou seja, nada daquelas villas que ostentam fortuna por todos os poros e janelas, numa aldeia perto da costa vicentina. Dizem que vai, de calções e chinelos, ao minimercado mais perto, geralmente comprar peixe para assar. Digo 'dizem' pois nunca ninguém viu, foi um irmão que uma vez comentou isso e, quando contra-comentaram que ninguém lá deve desconfiar quem ele é, respondeu que claro que não, ninguém sonha. Esse que comentou, outro igualmente rico, também é especialista em churrascos. Gosta de assar peixe e carne não apenas para a família como para os amigos. Se lhe perguntarem se conhece algum daqueles restaurantes super estrelados dirá que isso não é para ele. Quando se vai ao restaurante com ele, não apenas escolhe restaurantes 'normais' como, no fim, se é ele que paga, no fim põe os óculos e está meia hora a olhar para a conta e a conferir se não puseram uma água ou um queijinho a mais.

Um desses muito ricos, quando em ambiente informal, em casa, mesmo que com convidados, no inverno usa geralmente um pullover de lã que é mais comprido de um lado do que outro, de tricot, já todo 'pendão' e com um ou outro buraco, de tipo malha caída. Todos os anos usa o mesmo pullover, gosta dele e acha que está bom, que não faz sentido deitar fora. 

É gente que parece ser despojada. Parece, mas não é. Pelo contrário são até forretas, 'poupadinhos'.

Uma vez vim ao lado de um deles numa viagem de avião. Tinha comprado uns charutos na freeshop. Vínhamos na conversa e, às tantas, quis ver o que eu tinha comprado. Quando viu a caixa de charutos, perguntou quanto tinham custado, e, pela entoação, foi quase como se achasse se eu tinha gastado dinheiro uma inutilidade, ainda por cima dispendiosa. 

As televisões e as redes sociais mostram-nos grandes hotéis, resorts de luxo, e, invariavelmente, estão sempre cheios. Mas não destes muito ricos, pelo menos dos old school. Aliás, do que conheço, penso que sentem um certo desprezo por esse jetset endinheirado que por aí anda gastando balúrdios e exibindo as suas férias, as suas toilettes, os seus luxos. 

Por exemplo conheço um que é rico, diria que bastante rico. Mas não é tão rico como os anteriores. Vai de férias todos os anos, duas semanas, para a Quinta do Lago, milhares como podem imaginar, e conhece todos os Belcantos desta vida, todos os vinhos renomados e envelhecidos, e frequenta torneios de golfe um pouco por todo o mundo e faz questão de ter sempre carros ultra topo de gama. Os primeiros, os muito ricos, de certa forma troçam, ainda que discretamente, com os luxos deste último, quase como se achassem que é coisa de gente deslumbrada. 

É grande a diferença entre o old money e o restante. 

Claro que há ainda as pessoas que conservam todos os hábitos do old money, porque em tempo o tiveram, apesar de já não serem tão ricos assim. Esses ignoram os novos-ricos embora, no íntimo, penso que invejem um pouco o seu sucesso e a sua ascensão, quase como se pensassem que são alpinistas socias que vêm ocupar, usurpar, o seu lugar na sociedade.

Pelos vistos os muito ricos do Brasil não são como os muito ricos em Portugal. Pelo que vejo no vídeo abaixo, não só gostam de ostentar a riqueza como acham que é pouca, que ricos são os outros. É uma questão cultural.

De qualquer forma, embora espelhando uma realidade diferente (pelo que ouço, os muito ricos do Brasil seriam considerados em Portugal novos-ricos), partilho o vídeo em que o Bial fala com um antropólogo que tem investigado a vida dos ricos.

Por que os RICOS OSTENTAM? Michel Alcoforado TE CONTA | Conversa com Bial | GNT

O antropólogo @‌michelalcoforado experienciou o mundo dos muito ricos através da chamada “observação participativa”, para entender como pensam, o que consomem e por que ostentam tanto.

No #ConversaComBial, ele explica como a riqueza no Brasil não diz apenas sobre dinheiro, mas também sobre poder, acesso e pertencimento. 

Desejo-vos um feliz dia de domingo

domingo, junho 29, 2025

Jeff Bezos ou o primo da Madalena Abecassis -- ou quando o casamento deixa de ser um simples casamento

 

Tive vontade de completar o título com "... e passou a ser uma grande palhaçada" mas contive-me. Cada um sabe de si. Além disso, não se podem analisar as coisas independentemente do tempo em que ocorrem. As circunstâncias vão formatando as mentes.

Para mim um casamento é a formalização de uma união que, de alguma forma, já existe. Cada um já tem que saber que é com o outro que quer viver e formar família. Pode até acontecer que isso já esteja a acontecer sem que o 'papel passado' faça qualquer falta. 

Se fosse hoje, provavelmente não me tinha casado pois passava bem sem a cerimónia e sem a festa. Simplesmente, parece que, naquela altura, era normal as pessoas casarem-se. Casei-me sem sequer nos ocorrer que poderíamos, simplesmente, viver juntos. Mas também não sei se, na altura, a união de facto já tinha o enquadramento que hoje tem. E, de resto, também não sei se hoje estar-se casado é igual, em termos de direitos, a viver em união de facto. Se houver algum inconveniente, também não vejo que o casamento faça mal.

Mas, seja como for, para mim o casamento é uma formalização, um acto administrativo, e pode ser também um momento de reunir família e amigos dos dois lados para que se conheçam e convivam.

Já contei que o meu casamento foi decidido e tratado creio que num mês. Fomos ao notário e perguntámos qual a primeira data disponível. E foi nessa data que ficou. Era uma sexta-feira e nem pensámos que poderia ser um transtorno, o meu pai é que me censurou por isso (mas também foi uma censura relativa e, além disso, compreendi o que ele dizia, que era dia de trabalho, que as pessoas teriam que tirar um dia de férias). Depois fomos escolher um sítio para o copo de água. Vimos uns dois ou três e optámos por um lugar simpático, na cidade, com uma ementa que nos agradou. O fotógrafo foi um amigo da faculdade. Para a toilette, achei-me 'mascarada' de noiva se usasse um vestido todo produzido (que era o que havia) e por isso optei por uns jeans justinhos brancos, umas sandálias em cor nude, e uma túnica branca em organza bordada também a branco, um modelo Augustus. Depois é que percebi que era totalmente transparente. Naquela altura isso seria um bocado descabido. Por isso, usei por baixo, um top de algodão, ultrafino, de alcinhas ultrafinas. Tudo simples, sem qualquer complicação ou artifício. 

Os casamentos dos meus filhos não foram nada disto, foram grandes festas, creio que talvez umas duzentas pessoas em ambos os casos, locais preparados, com música, com reportagem fotográfica de qualidade, tudo num outro comprimento de onda. Mas, ainda assim, românticos, muito alegres, muito genuínos: a festa foi feita por eles e pelos convidados.

Agora, quando vejo os casamentos transformados em eventos, organizados como se fossem espectáculos de entretenimento e diversão, espaços e momentos de exibição, fico um pouco incomodada. Já nada têm a ver com a partilha de uma decisão íntima.

O casamento do Bezos com Lauren Sánchez é o cúmulo dos cúmulos do que, em minha opinião, é um anti-casamento. Tomados e ungidos pelo ultra poder da sua ultra galáctica fortuna conceberam o casamento como uma ultra ficção. Para disfarçar a ultra arrogância, doaram dinheiro e convidaram os convidados a fazerem doações. Os ultra ricos a darem esmola aos pobrezinhos, à cidade pobrezinha quase a afundar-se, ao planetazinho pobrezinho tão cheio de problemazinhos climáticos e o escambau. E os convidados incluem a rainha dos reality shows e da cinturinha de vespa e respectivas sisters e recauchutada mamã, a rainha das entrevistas, uma rainha supostamente a sério, o rei dos pc's, o rei do titanic e mais toda a espécie de exemplares do showbizz e arredores. Faltou o candidato a nobel da paz, o dos belos e grandes feitos, o da boquinha de rosa e mãozinhas de  bebé. Foi pena. A coisa teria ficado mais composta. Mas fez-se representar: veio a menina de seu papá, em róseo e abrilhantado vestido, mais o seu empreendedor marido, partner do sogro na visão de uma Gaza virada para a dolce vita, high luxury resort. Não sei quem celebrou o acto, se terá sido um cardeal escolhido a dedo ou se dispensaram a bênção divina. Tanto faz. E o que se viu foi que, depois de ter ajudado a eleger o tal que faltou, depois de se muscular e injectar para ser um eternamente jovem, o todo poderoso noivo resolveu dar o cinéfilo nó com a sua insuflada e reluzente noiva na terra da morte em veneza e isso, só por si, já seria uma heresia sem perdão.

Mas, neste mesmo dia, o instagram mostrou-me um outro casamento. Tudo filmado pela Madalena Abecassis. Talvez fosse o casamento de um primo. Um reality show a céu aberto. No meio do copo de água (e será que ainda se chama copo-de-água a uma cena destas?), apareceram uns polícias. 'Vem aí a bófia!', gritou alguém, creio que ela. E, de repente, os polícias não eram polícias, eram dançarinos disfarçados de polícias. Não sei se chegaram a fazer strip se ficaram assim mesmo. O que sei é que algemaram pessoas, apontaram armas à cabeça dos convidados. E toda a gente ria, tudo bem bebido, tudo descontrolado, tudo numa histeria colectiva, e ela sempre a filmar, tudo a festejar o facto de estar com uma pistola apontada à cabeça. E eu, vendo isto, interrogo-me: é isto um casamento? O que é que se celebra assim? 

Confesso: vi sem acreditar no que estava a ver. A perversão ou a distorção de valores parece não ter limites. Não são só os governantes que fazem coisas incompreensíveis. São os cidadãos, os que elegem governantes perigosos, são os cidadãos que, no seu dia a dia, revelam ter mentes viradas do avesso, uma perversão colectiva que parece avançar sobre a consciência das pessoas como uma imparável mancha de óleo.

Tudo isto é demasiado chocante para mim.

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Felizmente ainda há protestos. Mas são devorados, engolidos pelo buraco negro da perversão.

Jeff Bezos and Lauren Sanchez's wedding underway in Venice | BBC News

Reality stars, actors, royals and A-listers have travelled to Venice for the lavish wedding of Amazon founder Jeff Bezos and TV presenter Lauren Sanchez. 

Oprah Winfrey, Orlando Bloom, Kylie Jenner and Ivanka Trump were just some of the celebrities seen on the boats and streets of the Italian city on Thursday and Friday. 

But the event has attracted protests from a variety of groups in Venice, including locals fighting over-tourism to climate change activists. 

The festivities are expected to last three days, ending with a large party for the married couple and their hundreds of guests on Saturday.


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Desejo-vos um belo dia de domingo

domingo, setembro 22, 2024

Quais as diferenças entre António Mexia e Theo du Plessis?
Certamente mais do que os cerca de seis milhões que o primeiro terá 'escondido' em off shores... diria mesmo que todo um mundo...

 

Largar tudo e optar por uma vida minimalista em que todos os pertences pesam cerca de nove quilos e cabem numa mochila, trabalhar em regime de voluntariado em jardins em troca de um lugar para dormir, não é para qualquer um. É o próprio Theo que reconhece que, se tivesse filhos, certamente não teria enveredado por uma vida assim, desligada da posse de bens materiais, vivendo em comunhão com a natureza.

Fala de forma tranquila, parece em paz consigo próprio e com a vida que leva e com o que o rodeia.

Quem passa por uma situação como tenho passado recentemente, tendo que me desfazer do que os meus pais laboriosamente juntaram durante toda a vida, os meus filhos pouco querendo, eu não tendo onde guardar mais coisas, e, forçosamente, tendo que dar tudo (ou quase tudo) a quem quisesse e precisasse, percebe que o júbilo que vem da posse é efémero e, na verdade, destituído de sentido. 

No meu caso, poderia ter optado por vender tudo o que não tinha destino dentro da família. Meio mundo me recomendou. Mas não quis fazê-lo. Preferi dar. Muitas pessoas pobres foram lá e escolheram o que quiseram. Ficaram felizes como se lhes tivesse saído a sorte grande. Mobílias, louças, roupas, bibelots. Pessoas que dormiam em camas articuladas metálicas e, de repente, têm uma mobília de quarto, bons lençóis, bons cobertores, boas colchas. Outras saíram felizes com tachos de inox de boa qualidade. Jarras e molduras. Tantas coisas. Claro que se me parte o coração. Claro. Claro. Custa-me muito. Mas, não tendo nós onde colocar as coisas, penso que dar a quem precisa é a solução mais digna. Penso que as pessoas devem sentir-se orgulhosas por terem coisas tão boas e imagino-as a dizerem que são coisas da casa da Professora, coisas que a filha resolveu dar.

Mesmo aquilo que trouxe aqui para casa, por serem coisas especiais, com significado muito específico, por não ter onde colocar, acabei por deixar na garagem. E refiro-me a dois cadeirões, uma escrivaniha, um louceiro, um móvel pequeno. Já antes tinha trazido colchas e toalhas de renda e coisas assim. 

Agora foi tudo o resto. 

Claro que me custa que coisas boas, de que eles tanto gostavam, acabem na minha garagem, sendo que, de certeza, não vou dar-lhes uso. A esperança que tenho é que, daqui por uns anos, quando os meus netos tiverem as suas casas, venham cá abastecer-se. Mas quererão eles móveis deste género? O meu marido diz que não e aborrece-se comigo, diz que trazer esta meia dúzia de coisas é apenas aumentar o problema que estamos a deixar para os nossos filhos um dia que tenham que ser eles a dar destino às nossas coisas.

Compreendo. Mas toda a nossa vida foi formatada para 'termos' coisas. Mas, pensando bem, na realidade, parece inteligente ter o mínimo de coisas, não deixar tralha e encargos para os nossos descendentes.

Não sei se António Mexia, sempre tão blasé, sempre tão cheio de si próprio (embora fingindo que não), é mais feliz que Theo du Plessis. Tenho muitas dúvidas.

Partilho o vídeo no qual este último mostra como é a sua vida. Penso que é um vídeo muito sereno, muito agradável de ver. Está traduzido.

Freedom of Less: One Man's Minimalist Journey

Choosing a different path in life, one that breaks away from the norm, can often feel lonely. The pressure to conform is constant, with those around you eager to pull you back to the familiar and the comfortable. So to walk the path that is truly your own, you must first connect with who you are at the deepest level — your emotions, your desires, and what truly drives you. This journey requires stepping away from what society says you should be, and instead discovering your truth for yourself.  In the end, life is about making deliberate choices, setting your own pace, and defining your own purpose with each step forward. This film is a reflection on the courage it takes to follow that unique, authentic path, even when the world encourages you to turn back.

Back in 2021 we shared a story featuring Theo, called "Being Simply Beautiful".  It has received almost 2 million views to date, and comments continue to pour in, sharing appreciation for this man and his journey.  We've also received many questions about his personal situation and how he sustains his chosen lifestyle.

We recently heard that Theo was building a food garden on a farm near where we live. So we decided to use the opportunity to revisit with him to bring you this follow up film, answering some of the many questions that we have received. 


Protagonista:  Theo du Plessis. 
Filmado em Swellendam, South Africa.

sexta-feira, junho 23, 2023

Quando se descobre que, afinal, os muito ricos não são invulneráveis

 

Já se sabe como acabou a aventura das pessoas que embarcaram no Titan. Com sorte a dita implosão catastrófica foi inesperada e radical não lhes dando tempo a perceber o triste desfecho das suas vidas.

Depois de ouvir os nossos ilustres marujos especialistas em submarinos percebe-se que aquela expedição milionária padecia de défice de segurança a diversos níveis. Dizem que, na Europa, provavelmente, não teria havido licenciamento pois, do que se parece saber-se, parece que não seguia diversas normas de segurança.

Não sei, não percebo nada do assunto. Por isso, não falo nisso.

Vou falar de outra coisa. 

Nisto, o que me faz espécie é a apetência pelo risco que alguns muito ricos têm. 

Desde os que se montam no foguetão (para irem ali acima, num ápice, e virem logo recambiados de volta, uns minutos a ir e vir por centenas de milhares), até agora a estes que não iam ao espaço mas ao fundo do mar por $250.000 (para irem ver, por um óculo do tamanho do óculo de uma máquina de lavar roupa, destroços do Titanic), há todo um vasto leque de 'experiências radicais' para os muito milionários.

É certo que para os muito ricos, mais 250.000 menos 250.000 não fazem qualquer diferença. Mas o que os leva a embarcar em situações em que qualquer vulgar mortal percebe que pode haver risco de vida? Aliás, eles assinam termos de responsabilidade em que assumem que foram informados e estão bem cientes de que pode haver risco de vida. Porquê?

Eu creio que é porque se acham de tal forma os maiores que quase se convencem de que estão acima das vulnerabilidades normais. Penso que se convencem que o temor é coisa dos fracos que não saem da cepa torta.

Convivi relativamente de perto com algumas dessas pessoas muito ricas. Parte delas são pessoas de famílias tradicionais, desde há muito montados em cima de grandes riquezas. Mas, em torno dessas pessoas, gravita sempre um grande número de pessoas que se tornam muito ricas ou porque casam com alguém da família e, de certa forma, passam a aceder aos elevados recursos dos outros, ou porque, pelas suas funções, passam a fazer parte do círculo mais estreito, usufruindo de muitas mordomias.

Esses são os que mais deslumbrados se mostram. Ao passo que os muito ricos 'de origem' geralmente não ostentam a riqueza nem são dados a grandes excentricidades, os outros são geralmente atrevidos, gostam de se fazer passar por irreverentes, destemidos, sempre vitoriosos.

Toda a sua vida passa a ser uma exibição da sua excelência. Têm acesso a bons advogados para que os seus actos estejam sempre contratualmente blindados, têm acesso a bons médicos para fazerem check ups regulares e para atalharem, sem qualquer restrição financeira, qualquer pequeno problema. E têm acesso aos melhores hotéis do mundo, a viagens fantásticas com guias personalizados, e tudo pago pelas empresas. E têm secretárias que lhes tratam de tudo sem terem que perder tempo a organizar ou ao telefone com quem quer que seja. 

Portanto, não só têm a vida absolutamente simplificada como tudo lhes parece possível, pois todos os riscos estão, à partida, mitigados.

A única coisa que difere disto são as situações radicais, acessíveis apenas a pessoas como eles.

Vou dar um exemplo ínfimo, que não tem nada a ver com isto, mas que ilustra este sentimento de impunidade.

Fiz várias viagens de carro com algumas pessoas do tipo que referi. Escuso de dizer que os carros que usam são sempre de super topo de gama, teoricamente 100% seguros. Mas há os limites que o código de estrada impõe, há os imprevistos técnicos, há os erros humanos, etc. Pois bem. Era normal irmos a 180 ou mesmo um pouco mais. Escuso de dizer que eu abominava aquilo, o que os divertia imenso. Eu ia pregada ao banco. Para além disso, pelo menos dois deles eram exímios em acelerar, se necessário for, colando-se ao da frente e apenas se desviando no limiar do acidente. Eu quase que tinha que fechar os olhos. E eles, os maiores, invencíveis, prego a fundo, a desafiar tudo e todos.

Apanharam multas, claro. Mas há advogados para 'limpar a barra' e provavelmente também não eram eles que as pagavam. Mas, mesmo que pagassem, não era coisa que lhes fizesse qualquer mossa. 

Apostavam, claro, em que não iam apanhar multas nem ter acidentes. E riam-se daqueles que, como eu, se preocupavam com essas minudências.

Mas isto é apenas um insignificante exemplo. 

Não é que não tenham amor à vida. Claro que o têm. O que acham é que nunca lhes vai nunca acontecer nada de mal e, se acontecer, acham que têm os meios para se 'safarem' de qualquer 'alhada' em que se vejam metidos.

É bem verdade, João, que são precisos muitos pobres para se fazer um rico. E também é verdade que o mundo real está muito longe de ser um mundo perfeito. Mas o que posso dizer é que é pena que os muito ricos não resolvam ser excêntricos fazendo coisas radicais que sejam úteis e não fúteis.

Só que há nisto um outro aspecto. Os muito ricos não gostam de ser maçados Gostam de fazer coisas, ficar felizes por as terem feito, e, uma vez feitas, partem para outra. 

Ora se se meterem em actividades de resgate a migrantes, por exemplo, dificilmente se conseguem livrar de maçadas pois a seguir ao resgate dos pobres que se fazem ao mar sem quaisquer condições haverá que enquadrá-los, arranjar-lhes alojamento, trabalho, etc. Ou seja, uma carga de trabalhos. Ora meter-se em cargas de trabalhos não é para os muito ricos. Para isso, tem os seus 'colaboradores', 'assessores', advogados, etc.

Enfim.

Agora o que eu gostava é que os nossos jornalistas investigassem estes aspectos, fizessem reportagens bem estruturadas, que fossem ouvir os muito pobres e os muito ricos, eventualmente que os pusessem até frente a frente. Seria bom que se fosse mais fundo na análise das coisas, que a comunicação social (e a opinião pública) não se ficasse apenas pela espuma dos acontecimentos.

Mas fazer o quê? O mundo é mesmo um lugar complicado.

quinta-feira, junho 22, 2023

O Titan.
E as embarcações sem nome.

 

Hesitei. 

Hesitei até em falar aqui em casa. O meu marido disse-me que também já o tinha pensado mas que não falou pois temia que o seu pensamento fosse populista.

Também eu. Penso e quase me censuro por pensar.

Mas penso.

E, por isso, com vossa licença, vou dizer.

Mas, primeiro, quero que se saiba que gostava que as cinco pessoas que estão no Titan sobrevivessem. Claro que sim. Que não subsista dúvida sobre isso.

Mas espanta-me a desproporção de atenção, de esforço, de meios postos à disposição (de investimento, em suma) que o tema está a merecer.

As nossas televisões, então, andam desvairadas. Não deve haver comandante e marinheiro de submarino que não tenha sido convidado para dar palpite. Quantas horas de oxigénio? Já piraram os cinco? Já estão mortos? Os entrevistadores salivando perante o cheiro a desgraça.

Contudo, repare-se: parece que o mini-submarino não estava certificado, que tinha diversos problemas técnicos (para além de desconfortável) e que o método de descida não foi devidamente monitorizado. Li também que cada pessoa pagou cerca de duzentos e cinquenta mil euros. Ou seja, segundo me parece, é daquelas excentricidades ao alcance de quem não sabe o que fazer ao dinheiro e resolve fazer coisas malucas.

Em contrapartida, não vejo reportagens próximas, não vejo comentadores, não vejo investimentos de alta monta e proporcional para salvar as centenas de pobres desgraçados que correm riscos enormes para, em embarcações precárias, atravessarem os mares -- não por excentricidade mas por sobrevivência, tentando chegar onde possam viver sem guerra, sem pobreza extrema, com casa, com água, com trabalho.

O fundo de alguns mares está pejado de cadáveres de gente miserável, de crianças, de gente que empenhou rendimentos futuros, que suporta a fome, a sede, o desconforto total, o medo, o risco de morte, o risco de ser recambiado para o local de onde vieram. 

Alguém vai ao fundo do mar para ver isso? Alguém acompanha aquela gente e vê como morrem pelo caminho e como reagem os que continuam vivos? Alguém acompanha os que chegam a terra, esfomeados, sedentos, e fogem e se escondem e tentam sobreviver num território estranho de que não conhecem a língua? Alguém acompanha os que, tendo passado por tudo o que passaram, são mandados de volta para a miséria e para a guerra da qual tinham tentado fugir?





E não digo mais pois isto perturba-me muito.

[Além disso, é um tema tão complexo que não pode ser visto sob a lente da emoção]

quinta-feira, novembro 03, 2022

Os objectos de afeição de Kim Kardashian

 


Foi há pouco tempo que soube da existência das Kardashians. De repente parece que toda a gente as conhecia menos eu. Não sabia quem eram, o que faziam, de onde lhes vinha a fama. 


Soube depois que eram conhecidas por serem conhecidas. Na altura, um novo conceito. (Agora, uma coisa já mainstream).

No caso de Kim, começou por ser conhecida por ser conhecida de Paris Hilton. 

Depois tornou-se ainda mais conhecida pela polémica em torno da divulgação de uma gravação sexual amadora, gravada pelo parceiro, na qual aparecia em cenas de sexo explícito em várias modalidades. 

A seguir à Kim Socialite, a Kim Pornostar. Mas uma porno star condimentada, ofendida, ressentida, arrependida. Santa Porno Kim. O tema deu que falar com processos judiciais e acordos milionaríssimos à mistura. Estava famosa. 

Daí até ao reality show em que as câmaras a acompanhavam, a ela bem como à família, durante o dia inteiro, Keeping Up with the Kardashians, foi um ápice. 

E um sucesso. A vida das socialites à vista de toda a gente. A facturação em crescendo.

E não mais parou. Mostrando o rabo, mostrando as mamas, mostrando as mudanças de cor de cabelo, mostrando as indumentárias dos filhos, mostrando o closet. Sempre mostrando alguma coisa.








Quem dê uma vista de olhos por aí, vê-la-á sempre. É ela e uma das irmãs, é ela e outra das irmãs, é ela e os filhos, é ela e a mãe, é ela e o marido, é ela e o agora já ex-marido, é ela e as suas sessões fotográficas, é ela e o seu rabo amestrado, é ela e o vestido de Marilyn Monroe, é ela e todas as outras insólitas e chamativas toilettes, é ela e as participações em eventos, é ela e Trump, é ela e o seu corpo que não parece de verdade, é ela e os seus muitos milhões de seguidores no Instagram, é ela a ser assaltada em Paris e uma cobertura mediática do sucedido como se de uma tragédia galáctica se tratasse, é ela sempre presente e já considerada uma das pessoas mais influentes no mundo, é ela agora uma das mais ricas, com uma fortuna bilionaríssima, obscena.

Claro que, quando se chega a este patamar, vale tudo. E tudo é notícia. 

E não há aqui grandes juízos de valor da minha parte. O mundo encaminhou-se neste sentido. É o que é. Poderia dizer que o mundo entrou por um caminho em que o que é valorizado é a superficialidade, a futilidade absoluta, o diz-que-diz-que, a felicidade tornada ficção. Mas não vale a pena dizer muito mais sobre isto. É assim. Nada a fazer. Já não há retorno.

E não é a Kim. São os e as milhares de Kims e os milhões de putativas Kims. Um mundo que vive de se expor. O mundo dos influencers. As redes sociais tornaram possível e potenciam esta exacerbação da auto-exposição, uma maneira de viver em que se vive para se mostrar como se vive. E, em cima disso, as televisões que mimetizam a estupidez que prolifera nas redes sociais. Convidam-se pessoas para programas apenas porque são parvas e burras e porque, como todas as pessoas parvas e, ao mesmo tempo, burras, dizem o que lhes vem à cabeça sem qualquer hesitação e pudor. E, provavelmente, é isso que dá audiências. Também essas pessoas devem ganhar bem, não os milhões de Kim mas certamente acima do salário mínimo ou, mesmo do salário médio. Aptidões para o que quer que seja no mundo real certamente zero. Mas neste mundo virtual são valorizadas e famosas e parece que é o que importa.

E, porque são famosas, dão entrevistas, são convidadas e expor-se ainda um pouco mais. São pagas para isso.

É o caso do vídeo que abaixo partilho. A Vogue filma a Kim Kardashian a mostrar a sua casa. 

Uma casa enorme quase vazia. Décor a condizer com as cores da roupa que veste e com a maquilhagem que usa -- ou vice-versa. E, como objectos de estimação, meia dúzia de desenhos e pinturas feitos pelos filhos, as cartas que ela escreve aos filhos, uns postais que recebeu e... carros de luxo todos da mesma cor e da cor do décor. Dir-se-ia que uma monotonia proporcional à sua vacuidade. Mas talvez seja apenas excêntrico. Talvez meio mundo vá a correr imitá-la, pelo menos até onde a bolsa lhes permitir.

E, no fim das contas, talvez isto seja eu que não estou a captar a essência da coisa, eu fora de moda, eu fora deste mundo, eu que não percebo bem estas opções, estes estilos de vida. 

Este é um mundo muito estranho. Pelo menos para mim é.

Inside Kim Kardashian's Home Filled With Wonderful Objects | Vogue


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Um dia bom
Saúde. Equilíbrio. Paz.

domingo, julho 31, 2022

O que é que as pessoas insanamente ricas compram e de que as pessoas pobres não têm nem ideia?

 



O título promete mas quando percorri o conteúdo do artigo What Do Insanely Rich People Buy That Poor People Have No Idea About? fiquei um bocado decepcionada. Estava à espera de coisas mais bombásticas. Ali ou vejo quase banalidades ou vejo estereótipos.

Conheço algumas pessoas muito ricas e algumas das coisas que elas compram ou o estilo de vida que seguem não estão ali plasmadas.

Um, por exemplo, tem como residência habitual uma moradia numa das zonas com mais cachet da Grande Lisboa mas, para férias e alguns fins de semana, tem uma casa quase normal numa aldeia na zona da Costa Vicentina. Quem o veja de calções, tshirt puída, chinelos nos pés, a vir do pequeno mercado local de saco na mão, preparado para ir assar peixe no jardim, nem sonha que o seu nome consta da lista dos mais ricos do país. 

Um outro, e já aqui falei dele, tem um grande herdade com coutada no Alentejo profundo. Esse usa parte do dinheiro para proporcionar vida de rico a uns quantos amigos. Falei nele a propósito do Sócrates quando as pessoas se espantavam com o amigo do Sócrates que lhe proporcionava uma rica vida. Este de que falo é isso mas ainda em maior escala. Há um casal em especial mas também um outro, embora em menor escala, que conhecem o mundo e o que de melhor o mundo tem a oferecer porque o amigo rico e a mulher fazem questão que eles os acompanhem. Não vou entrar em pormenores mas a amizade que liga aquelas pessoas faria ficar de olhos arregalados muito boa gente. Há quem veja oportunismo nos beneficiários. Do que conheço, o que há é já uma habituação mútua. Os que dão gostam de dar e os que recebem já o acham natural. Muita gente que os conhece de longa data e sabe como, ao mesmo tempo que passam férias e fins de semana juntos, por vezes parecem cão e gato, frequentemente a discutirem, a contrariarem-se, a discordarem acesamente, dizem: relação de irmãos.

Outros o que compram é a possibilidade de, na sua vida pessoal, estarem quase isolados do mundo. Quase só convivem com a família e com um ou outro leal e raro amigo. O que precisam é-lhes levado. Jamais vão a supermercados ou lojas. As compras vão até eles. Cabeleireiros, modistas, massagistas, galeristas ou médicos vão a casa. Detestam confusão, vivem quase isolados. 

Sei de um, que já não está entre nós, que, sendo senhor de vasta e diversificada fortuna e de casas imensas (conheço duas delas e são extraordinárias, sem luxos absurdos mas de uma tal dimensão e bom gosto que são quase de cortar a respiração), tinha une petite amie, por sinal pessoa invulgar e simpatiquíssima, a quem comprou um pequeno apartamento onde passou a fazer parte da sua vida e onde ficava a cozinhar enquanto ela não chegava do trabalho.

Claro que há ricos e ricos. Haverá outro tipo de pessoas muito ricas que não estas de que falo. Por exemplo, o Cristiano Ronaldo. Compra carros, compra aviõezinhos, compra apartamentos, compra relógios caríssimos, compra roupa de griffe. Pu aquele dos barcos do Douro e da TVI que comprou uma viagem ao espaço. Não sei se foi ele que comprou se foi uma empresa dele mas isso também agora não vem ao caso, o que vem é a opção. Ir ao espaço. Queimar uma pipa de massa pela experiência de se montar num foguetão e pelo prazer em dar entrevistas, certamente pelo prazer de se achar o maior.

Aqueles de que acima falei são poupadinhos, jamais gastariam fortunas a ir ao espaço. 

Podem fazer uns passeios aqui ou ali, talvez até um ou outro cruzeiro pelo Mediterrâneo, umas férias na neve, mas nada de verdadeiramente extravagante. 

Nunca se ouve falar muito disso mas dá a ideia que o que gostam mesmo é de estar em casa com família e amigos. 

Mais depressa doam dinheiro anonimamente a associações que precisem de ajuda do que qualquer outra coisa que faça notícia. Também raramente dão entrevistas. Só as dão quando o rei faz anos e é tão a contragosto que a coisa nem corre lá muito bem. Não usam roupa com marcas à vista e, sempre que podem, andam com roupas velhas, pendonas. Um, no inverno, quando em registo informal, costuma usar um camisolão de malha, já todo assimétrico e com vários pegões. Aquilo já devia ter ido para o lixo há muito tempo mas acho que ele não repara nisso, deve achar que é confortável e que deve estar ainda muito bem. Têm relógios banais, usam canetas bic, nunca os ouvi gabarem-se de alguma coisa que tenham comprado. Mas se lhes falarem num azeite muito bom ou num vinho que não seja muito caro mas seja bom, aí já ficam interessados.

Há, em algumas pessoas, a ideia de que ser muito rico é coisa má, coisa que só pode resultar de exploração alheia ou de manigâncias pouco transparentes. Ou que uma pessoa muito rica é uma pessoa estúpida, ignorante, fútil. Ora, como em todas as generalizações, isso é um erro. Haverá alguns que sim, alguns que não. Talvez os newcomers sejam predominantemente assim. Aqueles de que falei não são newcomers e não são seguramente assim. São pessoas normais. O facto de serem muito ricos não lhes corroeu a normalidade.

Não quero com isto estabelecer nenhuma doutrina nem pregar contra ou a favor. Digo apenas que as generalizações conduzem muitas vezes a conclusões erradas.

Tirando isso, o que penso é que o país está a ir na direcção correcta. Portugal começa a atrair investimento em mão de obra qualificada, em centros de investigação e desenvolvimento, e, com isso, o nível geral de vida tenderá a aumentar. E isso é bom. Os resultados não serão imediatos mas estou em crer que no prazo de uma meia dúzia de anos haverá menos assimetrias e menos pobreza no país. Não é saudável haver algumas pessoas muito ricas e muitas muito pobres e é contra isso que, de forma racional, construtiva e desapaixonada, temos que lutar.


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E, para terminar com um touch of bela vida, um vídeo que decorre em Portofino, num sítio muito bonito do qual guardo uma curiosa memória:

One-day Diary of Cara Delevingne at Dior Spa Portofino

Cara Delevingne relaxes in Dior at the luxury Dior pop-up wellness space in Paraggi complete with a Toile de Jouy spa treatment cabin right on the beach. Discovering the wonders of Portofino and live la dolce vita in the exclusive wellness spaces!


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Desejo-vos um rico dia de domingo.
Saúde. Sorrisos. Paz.

domingo, março 14, 2021

Aquele que, para fugir ao amor, foi fazer vida para um lugar onde as super gazelas e outros muito ricos gostam de viver

 

Em tempos que já lá vão, apareceu na empresa um jjovem talentoso. Rapidamente se espalhou a fama das suas capacidades. Toda a gente o escolhia para participar em projectos em que se requeria espírito inovador, abertura à mudança, inteligência. Mas não eram apenas esses os seus dotes: era uma bela figura de homem, com a graça suplementar de ser bem disposto, cativante.

Ao fim de pouco tempo, havia uma corte de colegas, jovens mulheres, que não o largavam. Quando nos aproximávamos da copa e ouvíamos aquelas risadas de quem quer seduzir estando já seduzido, já sabíamos que lá estaria ele e as suas admiradoras. Havia um outro que trabalhava no mesmo sector que ele e que geralmente o acompanhava. Igualmente bem disposto, era, contudo, apenas o contraponto ou a sombra do outro. Pouca atenção elas lhe dedicavam nem ele tentava desviar-lhes a atenção do primeiro. Via-se que também admirava o colega. Jogavam futebol fora dali. De vez em quando, depois de almoço apareciam todos corados, cabelo ainda molhado pelo duche que tomavam lá mesmo. Até que esse mais bonito e mais alegre começou a aproximar-se mais da mais bela das jovens, por acaso casada. Aos poucos, percebíamos que se desfasavam dos outros, saíam juntos para almoçar, chegavam mais tarde, saíam juntos ao fim do dia. Algum tempo depois era o colega que também andava caído de amores por uma outra, ao que se sabia também ela já com namorado, estando até já a organizar o casamento. 

O grupo animado foi-se desmembrando pois os dois casais, cada um para seu lado, procuravam a companhia, em privado, dos amados. 

Depois começámos a perceber a tensão que, aos poucos, se ia instalando entre eles. O primeiro a sair da empresa foi o mais apagado. Dizia-se que não tinha suportado que a colega não tivesse rompido com o namorado. A jovem andou triste, saía mais cedo, tinha perdido a alegria. Algum tempo depois casou e foi de lua de mel para a Tailândia. 

Dele nunca mais se soube, pelo menos eu nunca mais soube.

Cada vez mais próximos estavam a jovem casada com o seu belo apaixonado. Comentava-se: situação complicada, são os dois tão bonitos, fazem um casal tão bonito, parecem feitos um para o outro, qualquer dia ela deixa o marido.

Um dia, viram-nos do lado de fora, num recanto junto dos elevadores. Disseram que estavam a discutir. Viram-na depois com os olhos vermelhos. 

Qualquer coisa entre eles foi ficando cada vez mais frágil. Até que, algum tempo depois, foi a vez dele apresentar a demissão. Toda a gente lamentou: uma perda para a empresa. Mas toda a gente compreendeu. 

Despediu-se de cada pessoa, quase parecia animado, disse que ia partir para outra, mudar de ares. Sendo um surfista convicto e de família com sobejas posses, pensei que ia fazer uma pausa, curtir o mar. Foi de gabinete em gabinete, de mesa em mesa no open space. Abraçou e beijou toda a gente, excepto a ela. Não se soube se não tinham suportado a ideia da despedida ou se a despedida aconteceu em privado. Quando veio ao meu gabinete, perguntei-lhe para onde ia. Para o Dubai, disse. Fiquei muito admirada. Riu-se: Vou gozar a vida. Vou ser rico. Ironia. Rico já ele era e não era pouco.

No verão seguinte, apareceu por lá. Estava de férias, foi visitar os ex-colegas. Jeans, polo, ténis, bronzeadíssimo, cabelo muito curto. Quando o vi, assim de repente nem o reconheci. Estava ainda mais atraente. Foi uma festa, as mais jovens acorreram e, num instante, estava cercado de sorrisos e olhares felizes. Todas encantadas com aquela aparição. A sua bem amada, a mais bela de todas, pálida e magra, mostrou-se pouco efusiva, quase tímida. Ele radiante, respondendo a todas as questões, rindo. Se se encontraram fora dali e mataram as saudades em privado, não sei. Dizia-se que sim mas sempre se disse tanta coisa.

Pelo Natal desse ano voltou a aparecer. Mantinha-se bastante tisnado mas agora usava barba, tinha um ar talvez um pouco mais maduro. Gostava de lá viver, contava episódios que deixavam toda a gente estupefacta. Tinha saudades, claro, mas começava a habituar-se àquele nível e estilo de vida. Se antes dizia que aquilo era só para ganhar dinheiro e depois regressar, essa intenção já não era muito visível. 

No verão seguinte já não apareceu. Nunca mais soube dele até que, não há muito, alguém me disse que ainda lá vivia, que se tinha casado com uma italiana, que já tinha uma filha e que já tinha a sua própria empresa.

No outro dia, ao comentar que precisava de alguém na área de Desenvolvimento, alguém que visse ao longe mas, ao mesmo tempo, tivesse os pés na terra, a pessoa com quem eu falava, perguntou-me: 'Alguém como?'. Como ele  também trabalhava nessa empresa nessa altura, disse o nome do belo moreno. Pelo nome, não se lembrava. Disse-lhe: 'Aquele destruidor de corações que foi para o Dubai'. Lembrou-se logo. 'Ah sim... Que será feito dele?'. Contei-lhe da italiana, da filha, da empresa. Ficou muito admirado. 'Pessoas como ele não costumam deixar-se agarrar'. 

Não sei. Não sei se se deixou agarrar. Mas a verdade é que pouco sabemos dos outros. 

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A vida no Dubai. O refúgio dos muito ricos. As casas inimaginárias. Os carros de luxo.


Dubai's world islands private mansion tour

This $24 million dollar mansion has a real snow ❄️️ room... in the middle of the desert!!! 😲 We took a trip out by boat to the island known as Sweden, to see how people will be living out on the World Islands. (...) Everything on this island is self sustaining. This is one of the requirements to build on these islands. 


Asking women supercar drivers what they do for a living

I meet up with Supercar owners to ask them what they do to be able to afford these cars. The difference here is, all these supercar owners are women. They're all a part of the Arabian Gazelles, the first all female supercar club in Dubai. So interesting to hear how diverse everyone's jobs are. 

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As fotografias com que pontuei o texto mostram uma das arquitecturas mais espectaculares do mundo: a do Dubai

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Um belo dia de domingo