Pode acontecer que, mesmo em novos, já haja indícios. Que gostem muito mas, sobretudo, de olhar. Que amem muito mas, sobretudo, de imaginar eternos amores. Que se apaixonem com todo o corpo mas, sobretudo, de o descrever em poesia.
Deve, então, a mulher mostrar que não quer ser ser apenas a musa, a etérea e enigmática silhueta, a doce e intangível amada. Que quer mais do que isso. Deve mostrá-lo abertamente. Por palavras. Por actos.
Não estou certa de que as fotografias de Jeff Dunas tenham a ver com o texto ou que os sonetos de Shakespeare ilustrem o amor intocável e, portanto, mais idealizado do que concretizado.
O título do post e a frase do início, em itálico, são um breve excerto de "Alguns preferem urtigas" de Junichiró Tanizaki.
Protege-te na luz. Tu que te escondes e que, assim, te redesenhas, que te perdes em inúteis labirintos, protege-te da luz. E leva-me também para a sombra, deixa que ela desenhe em mim os degraus que terás que percorrer até me conseguires encontrar.
Schiuuuuuuuuuuu.... Espera que o silêncio percorra devagar os caminhos com que a luz impressionou o meu corpo. Deixa-te estar sentado, aí, aí onde estás, e escuta a minha pele. Escondo-me de ti, não quero que me toques nem que seja apenas com o teu olhar.
Vê como são belos os véus que a luz desenha na minha pele, eu coberta de luz e de sombra, enigmas, mistérios, eu, feita de palavras, o meu corpo oculto, a viver entre luminosas sombras. E tu aí, lendo-me, adivinhando-me, eu muito mulher, coberta de silenciosas sombras, com pouco para oferecer. Só palavras silenciosas, que, aí desse lado, lês, sem que um raio de luz leve até ti o meu olhar, a minha voz.
Mas eu gostava de saber como soa a tua voz. Soará como uma mão doce, terá o mesmo timbre que uns dedos suaves percorrendo os sulcos que a sombra desenha em mim quando te ti me oculto?
Alguns poderão dizer que a beleza enganadora criada pela penumbra não é a beleza autêntica.
Ramagens
se as juntarem e enlaçarem
uma cabana surge
desenlaçai-as e tereis
como antes a planura
diz o velho poema, e, afinal de contas, o nosso pensamento actua segundo um raciocínio análogo: creio que o belo não é uma substância em si, mas apenas um desenho de sombras, um jogo de claro-escuro produzido pela justaposição de diversas substâncias. Tal como uma pedra fosforescente que emite brilho quando colocada na escuridão e ao ser exposta à luz do dia perde todo o fascínio de jóia preciosa, também o belo perde a sua existência se lhe suprimirmos os efeitos da sombra.
Enfim, os nossos antepassados consideravam a mulher, à semelhança dos objectos de laca com pó de ouro ou de nácar, um ser inseparável da obscuridade e, tanto quanto podiam, esforçavam-se por a mergulhar completamente na sombra.
De facto, esquecemos o que é invisível. Consideramos inexistente o que não se vê.
[O trecho em itálico pertence ao 'Elogio da sombra' de Junichiró Tanizaki, livro que, com agrado, tenho estado a ler.]
E, portanto, voltando ao ponto em que estava, dir-te-ei que, se não me vês, não penses que sou inexistente. Sou, para ti, invisível, eu sei, mas deixa que sinta que estás aí, na sombra, perto de mim, as minhas palavras nas tuas mãos -- e não me esqueças.
Movemo-nos entre as noites e as dunas que nos cercam,
espectros de outro tempo e de outra vida;
mas aquelas mulheres juntaram-se a um canto, silenciosas,
pois esperam de nós alguma coisa
que não sabemos o que é:
uma palavra, um grito, um deslizar manso
sobre as águas, ou um mero esplendor do nosso fim
iluminado pelo mais solene dos luares?
As nuvens, sim, as indiferentes nuvens
anunciam um cruel fulgor,
que nós não saberemos ver.
(Manet, Luar sobre o porto de Boulogne)
['Ao luar' de Luís Filipe Castro Mendes, in 'Outro Ulisses regressa a casa']
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Longe das notícias, tinha acabado de escrever o post quando soube da notícia. Juntei então o poema daquele que já tantas vezes visitou o Um Jeito Manso com a sua poesia, como pretexto para daqui lhe enviar os meus votos de boa sorte nas suas novas funções.
Felicidades, Sr. Embaixador Luís Filipe Castro Mendes, nosso Tim Tim no Tibete.
Agora que um outro Ulisses regressa a casa, que consigo nos cheguem novos tempos. A Cultura ficar-lhe-á grata, estou certa.
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As fotografias usadas ao longo do texto são de Francis Giacobetti.