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domingo, junho 29, 2025

Jeff Bezos ou o primo da Madalena Abecassis -- ou quando o casamento deixa de ser um simples casamento

 

Tive vontade de completar o título com "... e passou a ser uma grande palhaçada" mas contive-me. Cada um sabe de si. Além disso, não se podem analisar as coisas independentemente do tempo em que ocorrem. As circunstâncias vão formatando as mentes.

Para mim um casamento é a formalização de uma união que, de alguma forma, já existe. Cada um já tem que saber que é com o outro que quer viver e formar família. Pode até acontecer que isso já esteja a acontecer sem que o 'papel passado' faça qualquer falta. 

Se fosse hoje, provavelmente não me tinha casado pois passava bem sem a cerimónia e sem a festa. Simplesmente, parece que, naquela altura, era normal as pessoas casarem-se. Casei-me sem sequer nos ocorrer que poderíamos, simplesmente, viver juntos. Mas também não sei se, na altura, a união de facto já tinha o enquadramento que hoje tem. E, de resto, também não sei se hoje estar-se casado é igual, em termos de direitos, a viver em união de facto. Se houver algum inconveniente, também não vejo que o casamento faça mal.

Mas, seja como for, para mim o casamento é uma formalização, um acto administrativo, e pode ser também um momento de reunir família e amigos dos dois lados para que se conheçam e convivam.

Já contei que o meu casamento foi decidido e tratado creio que num mês. Fomos ao notário e perguntámos qual a primeira data disponível. E foi nessa data que ficou. Era uma sexta-feira e nem pensámos que poderia ser um transtorno, o meu pai é que me censurou por isso (mas também foi uma censura relativa e, além disso, compreendi o que ele dizia, que era dia de trabalho, que as pessoas teriam que tirar um dia de férias). Depois fomos escolher um sítio para o copo de água. Vimos uns dois ou três e optámos por um lugar simpático, na cidade, com uma ementa que nos agradou. O fotógrafo foi um amigo da faculdade. Para a toilette, achei-me 'mascarada' de noiva se usasse um vestido todo produzido (que era o que havia) e por isso optei por uns jeans justinhos brancos, umas sandálias em cor nude, e uma túnica branca em organza bordada também a branco, um modelo Augustus. Depois é que percebi que era totalmente transparente. Naquela altura isso seria um bocado descabido. Por isso, usei por baixo, um top de algodão, ultrafino, de alcinhas ultrafinas. Tudo simples, sem qualquer complicação ou artifício. 

Os casamentos dos meus filhos não foram nada disto, foram grandes festas, creio que talvez umas duzentas pessoas em ambos os casos, locais preparados, com música, com reportagem fotográfica de qualidade, tudo num outro comprimento de onda. Mas, ainda assim, românticos, muito alegres, muito genuínos: a festa foi feita por eles e pelos convidados.

Agora, quando vejo os casamentos transformados em eventos, organizados como se fossem espectáculos de entretenimento e diversão, espaços e momentos de exibição, fico um pouco incomodada. Já nada têm a ver com a partilha de uma decisão íntima.

O casamento do Bezos com Lauren Sánchez é o cúmulo dos cúmulos do que, em minha opinião, é um anti-casamento. Tomados e ungidos pelo ultra poder da sua ultra galáctica fortuna conceberam o casamento como uma ultra ficção. Para disfarçar a ultra arrogância, doaram dinheiro e convidaram os convidados a fazerem doações. Os ultra ricos a darem esmola aos pobrezinhos, à cidade pobrezinha quase a afundar-se, ao planetazinho pobrezinho tão cheio de problemazinhos climáticos e o escambau. E os convidados incluem a rainha dos reality shows e da cinturinha de vespa e respectivas sisters e recauchutada mamã, a rainha das entrevistas, uma rainha supostamente a sério, o rei dos pc's, o rei do titanic e mais toda a espécie de exemplares do showbizz e arredores. Faltou o candidato a nobel da paz, o dos belos e grandes feitos, o da boquinha de rosa e mãozinhas de  bebé. Foi pena. A coisa teria ficado mais composta. Mas fez-se representar: veio a menina de seu papá, em róseo e abrilhantado vestido, mais o seu empreendedor marido, partner do sogro na visão de uma Gaza virada para a dolce vita, high luxury resort. Não sei quem celebrou o acto, se terá sido um cardeal escolhido a dedo ou se dispensaram a bênção divina. Tanto faz. E o que se viu foi que, depois de ter ajudado a eleger o tal que faltou, depois de se muscular e injectar para ser um eternamente jovem, o todo poderoso noivo resolveu dar o cinéfilo nó com a sua insuflada e reluzente noiva na terra da morte em veneza e isso, só por si, já seria uma heresia sem perdão.

Mas, neste mesmo dia, o instagram mostrou-me um outro casamento. Tudo filmado pela Madalena Abecassis. Talvez fosse o casamento de um primo. Um reality show a céu aberto. No meio do copo de água (e será que ainda se chama copo-de-água a uma cena destas?), apareceram uns polícias. 'Vem aí a bófia!', gritou alguém, creio que ela. E, de repente, os polícias não eram polícias, eram dançarinos disfarçados de polícias. Não sei se chegaram a fazer strip se ficaram assim mesmo. O que sei é que algemaram pessoas, apontaram armas à cabeça dos convidados. E toda a gente ria, tudo bem bebido, tudo descontrolado, tudo numa histeria colectiva, e ela sempre a filmar, tudo a festejar o facto de estar com uma pistola apontada à cabeça. E eu, vendo isto, interrogo-me: é isto um casamento? O que é que se celebra assim? 

Confesso: vi sem acreditar no que estava a ver. A perversão ou a distorção de valores parece não ter limites. Não são só os governantes que fazem coisas incompreensíveis. São os cidadãos, os que elegem governantes perigosos, são os cidadãos que, no seu dia a dia, revelam ter mentes viradas do avesso, uma perversão colectiva que parece avançar sobre a consciência das pessoas como uma imparável mancha de óleo.

Tudo isto é demasiado chocante para mim.

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Felizmente ainda há protestos. Mas são devorados, engolidos pelo buraco negro da perversão.

Jeff Bezos and Lauren Sanchez's wedding underway in Venice | BBC News

Reality stars, actors, royals and A-listers have travelled to Venice for the lavish wedding of Amazon founder Jeff Bezos and TV presenter Lauren Sanchez. 

Oprah Winfrey, Orlando Bloom, Kylie Jenner and Ivanka Trump were just some of the celebrities seen on the boats and streets of the Italian city on Thursday and Friday. 

But the event has attracted protests from a variety of groups in Venice, including locals fighting over-tourism to climate change activists. 

The festivities are expected to last three days, ending with a large party for the married couple and their hundreds of guests on Saturday.


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Desejo-vos um belo dia de domingo

terça-feira, junho 04, 2024

Um cabo que afinal não é AV mas sim coaxial.
E uma televisão que... me parece que ficou mais acima do que devia...
Mas que é completamente indiscreta. Agora até vi um cabelo na camisola preta de uma senhora que ali estava...

 

A dita já está na parede. Com uns parafusos ligeiramente mais finos e um pouco mais curtos, a coisa resolveu-se. Depois foi enfiá-la no suporte. Estava à espera que o suporte que se prende à televisão encaixasse melhor nos que estão na parede. Mas não, só entra um bocadinho. Fiquei com receio que não estivesse bem mas o meu marido disse que era mesmo assim. E, de facto, parece que ficou bem presa. Mas depois há uns parafusos que se aparafusam por baixo e por detrás do suporte da televisão, provavelmente como segurança adicional. Aí foi outra provação pois a televisão é fininha, fica quase encostada à parede. Portanto, não se veem e não há mão que lá chegue. O meu marido sentou-se no chão, todo torto, com a mão enfiada e a chave de parafusos e eu com a lanterna do telemóvel a dar-lhe luz e foi uma cegada pois, para a luz dar no parafuso, quando ele enfiava a mão tapava a luz. Tentei eu, que tenho a mão pequenina, enfiar a mão por baixo a ver se conseguia rodar o parafuso com a mão. Qual quê... não dei com eles. 

Ele já dizia que caguava para os parafusos. E eu que não, que tivesse paciência e tentasse mais, tentasse melhor, senão a dita ainda vinha parar ao chão.

Enfim. Lá conseguiu. Ou não... Pode ter dito que sim porque já não aguentava mais a posição e o esforço. 

Não percebo que método é aquele. Quem inventou este processo devia estar com os copos. Nem que fossemos anõezinhos conseguiríamos atinar bem com aquela cena dos parafusos pretos, para prender a suportes pretos que estão atrás de uma televisão preta, num espaço ínfimo, a não mais de uns cinco centímetros da parede.

O pior é que, quando olhei para ela, achei que estava levemente descaída para um dos lados. 

(Escusado será dizer que nestas situações o meu casamento fica por um fio).

Ele declarou categoricamente que estivesse como estivesse não ia agora desfazer tudo e voltar a fazer mas que, além disso, estava boa. Pus-me em cima de um banquinho para lá pôr em cima o nível. Estava com a bolhinha levemente mais para um lado que outro. Para confirmar, Medi com a fita métrica. Encontro uma diferença de uns 3 mm. Furioso, pôs ele o nível e disse que estava bom. Para ele, se a bolhinha estiver entre os dois riscos centrais, está bom, não tem que estar escrupulosamente ao centro. Não sei se isso é assim. Só se for para vesgos (que não se importam de ver uma coisa a descair).

Mas o pior nem é isso. O pior é que, estando agora sentada no sofá, acho que ela devia vir ligeiramente mais para baixo. Quando não estava posta, grande como era, não dava para imaginar bem. A minha filha viu na net que há uma regra: o meio deve estar entre metro e vinte e metro e sessenta do chão. Para ficar no mínimo, isto é, a metro e vinte, pareceu-nos que ficaria demasiado junto do irradiador que está fixo na parede. Pareceu-nos que onde está agora, em que o meio está a 1,36 m do chão não apenas estava dentro do recomendável como guardaria uma distância razoável do irradiador. Mas agora que estou sentada no sofá em frente, parece que tenho que inclinar um pouco mais para cima o pescoço do que devia. Fui medir e penso que sete centímetros abaixo ficaria melhor.

O meu marido ao ouvir isto, levantou-se, a modos que furioso, e disse que era uma questão de hábito e que de uma coisa posso eu estar certa: não vai passar outra vez pela complicação de fazer quatro buracos completamente bem alinhados e depois pôr dois parafusos num sítio inacessível. Isto para além de não querer ter a parede esburacada.

Portanto, a ver...

Agora uma coisa é muito certa: as imagens têm uma qualidade incrível. Estivemos a ver uma reportagem sobre as Canarias no National Geographic e é uma coisa... Estávamos mesmo impressionados. Agora estou a ver um programa na RTP 1 sobre os que vivem para lá dos 100 anos e quase parecem imagens 3D. Até apareceu uma senhora com um casaco ou uma capa de malha cheia de borbotos. Tive mesmo vontade de estender o braço e arrancar-lhe os borbotos para ficar mais apresentável. Não sei se a definição é excessiva ou se os borbotos é que eram mesmo exuberantes demais. E hei-de ver o abominável mistério das flores, sim. Muito obrigada pela dica.

Resta ainda acrescentar que, enquanto ele estava a prender o suporte e a fazer mais não sei o quê, eu estive a ver se conseguia pôr a funcionar a televisão que levei lá para cima. Liguei a energia e o cabo da antena. E digo cabo da antena pois é igual aos cabos antigos das antenas. Mas não sei de onde é que o cabo vem pois lá em cima está o router do operador de comunicações e cá em baixo, aqui na sala onde estou, está a box. Portanto, não sei. Só que, depois de ligar, mais uma vez não tinha canais, não tinha nada. E, mais uma vez, andei às voltas com o comando da televisão. Percebi que tinha tinha a ver com a fonte, a entrada da coisa. HDMI não era, as tomadas daquelas em forma de trapézio com muitos piquinhos lá dentro também não. Sobrava uma coisa designada por AV. Portanto, optei por isso. Mas depois aquilo deriva para televisão digital ou analógica e eu fui tentando uma e outra. E nada. Fazia a sintonização e nada. Mais uma vez, um desatino. Então, uma vez mais, ó tio, ó tio, ChatGPT diz lá o que é que eu faço. Descrevi o problema: a marca e modelo da televisão e o que tinha ligado, a energia e o cabo AV, o que tinha feito e que não conseguia nada. 

Sábio que só ele e delicado como começo a perceber que também é, começou por me dizer que os cabos AV tem três cores e mais não sei o quê e que, pela minha descrição, aquilo era um cabo coaxial. Quando li aquilo senti-me mil vezes burra. Claro que é um cabo coaxial. Caraças. Parece que estou parva. Então já não sei que aquilo é um cabo coaxial? Qual AV? Burra, pá. E disse-me para eu, no comando, ir ao Home e às Configurações e para escolher a Televisão e depois a opção Cabo. Assim fiz. Depois, quando fiz a sintonização, ao contrário das outras vezes em que a percentagem de sintonização ia subindo e os canais detectados zero, desta vez, era eles a aparecerem que era um gosto. Qualquer dia não passo sem a ajuda do Tio Chat.

Portanto, a televisão lá de cima já a funcionar também. Acresce que, ao retirar a televisão pequenina, apareceu uma coisa de que eu andava à procura e cujo desaparecimento já parecia um mistério. Alguns dos miúdos tinham lanchado lá em cima e eu, para além das tostas e da salada de frutas, tinha levado uma garrafa de uma bebida à base de chá verde e limão, sem açúcar. E a garrafa tinha levado sumiço. O meu marido garantia que não a tinha deitado fora. Levado para a cozinha, ninguém a tinha levado. Espreitei em todo o lado. Nada. Pois bem, ali estava atrás da televisão. Isso e um copo. 

Aparecem sempre coisas. Ontem também cá ficou uma bola de basket. Não sei se já contei daquela vez em que a minha neta ia chorando a rir quando o irmão desatou a tirar havaianas de um vaso de flores: ele andava à procura de uns chinelos (pretos) e eu disse que a última vez que os tinha visto, alguém os tinha posto no vaso grande que está no terraço, onde estávamos. Então ele tirou um chinelo verde. Depois um encarnado. Depois o par verde. Depois um cor de laranja. Depois o par encarnado. Parecia para os apanhados. Finalmente lá apareceu um chinelo preto. Depois um cor de laranja. Finalmente o outro preto. Eu também não parava de rir. Não sei explicar. Por causa do cão, pelos vistos quem se descalça esconde os chinelos no vaso. E, pelo que se constata, depois esquecem-se deles ali. Só visto.

E é isto. Ao fim da tarde ainda fui estender-me ao sol e ler um pouco mais da perversa Venturini. E ao fim do dia fomos fazer uma caminhada à beira da praia e comprar sushi para o jantar.

Vida de pensionista é isto: uma pessoa vai levando uma santa vidinha e, ao mesmo tempo, parece que vai ficando mais desligada das complicações tecnológicas e das coisas que supostamente vêm cada vez com mais funcionalidades, apesar de a gente só querer mesmo as coisas básicas, simples, que não nos põem a cabeça à roda.

Bem, fico-me por aqui. Vou ver se me habituo à altura a que está a televisão... Senão não sei se não terei que voltar a pôr o casamento em risco...

sexta-feira, setembro 29, 2023

Casório, pedido de casamento, porquinhos da guiné, catatuas, kookaburras

 

Uma vez mais o meu dia começou com um telefonema a acordar-me. Os deuses conspiram para não me deixarem dormir aquilo de que preciso. Desta vez não foi um telefonema com drama mas, sim, uma situação tão inesperada, tão insólita, tão nem sei dizer o quê, que não sei como não pedi para desligarem e voltarem a ligar para eu me certificar que não estava a sonhar.

Além disso, nesse momento, andava eu, uma vez mais, num daqueles sonhos/pesadelos que me deixam de rastos. Quando eu tinha reuniões a norte e tínhamos que lá estar às nove, saindo de madrugada, muitas vezes encontrava-me com um colega e íamos juntos, geralmente ele a conduzir. Acontece que ele mora perto do local em que trabalhávamos. Pois bem, no meu sonho eu ia ter a casa dele e, de casa dele, seguíamos para o trabalho. Ou seja, uma versão absurda do que acontecia. Só que, às tantas ele tinha que fazer não sei o quê e eu tinha que ir sozinha. Ora, no sonho, ele morava numa torre sobre o mar, mas uma torre arranha-céus, com dezenas de andar. E eu tinha que ira pela escada de serviço, fora do prédio, e aquilo não tinha corrimão. Portanto, um terror para mim. E, para agravar, como sempre, ia com os meus netos. Então, estava em pânico com medo que caíssem, que se despenhassem, gritava por eles, que não se mexessem, que esperassem por mim. Mas eles fugiam e eu deixava de vê-los e ficava num total desespero com medo que tivessem caído. Depois eu perguntava se não havia outra maneira e diziam que sim, era voltar atrás e apanhar o comboio lá em baixo. E, então, eu ia com os miúdos, sem mãos para os agarrar a todos, e, afinal, para lá chegar, eram outras escadas quase a pique, sem corrimão. E eu já atrasada. E queria entrar em casa do meu colega mas só podia lá chegar por uma das duas escadas. E eu agarrava o mais novo e ele, a querer esgueirar-se ainda se colocava em mais risco. E os outros, vendo o mar lá em baixo, já falavam em mergulhar e eu, numa aflição, a implorar que fossem junto a mim, nem pensassem em mergulhar nem em andar depressa nem sequer em espreitar.

E estava eu nesta aflição toca o telemóvel. Não que fosse má notícia mas não era o que esperávamos, precipita as coisas. Fiquei estupefacta, quase sem saber que decisão deveria ser tomada.

Portanto, parte do dia foi depois a tratar desta bomba que nos caiu em cima. 

Acresce que esta sexta feira é um dia ultra super hiper especial. E, afinal, em vez de poder estar totalmente focada nisso, ainda vou ter que tratar de cenas relacionadas com o tema do telefonema.

Com este calor, demos um salto até à praia, Uma névoa. Um certo calor mas envolto em névoa. Bonito, apesar de tudo. Ou, sobretudo, por isso.

Ao chegarmos, um casal de noivos no areal. Só os dois. A olharem para cima, certamente intrigados por estarem só eles, como se o resto do pessoal tivesse tido mais que fazer. 

Passado um bocado chegaram duas convidadas e lá foram para um palanque.

Fomos fazer a nossa caminhada. Depois sentámo-nos na areia. Mal estendi a minha toalhinha e me sentei, logo o urso felpudo veio deitar-se sobre ela ao meu lado. Passado um bocado, pôs-se a fazer o buraco do costume e a encher-nos de areia.

Nessa altura, o meu marido disse-me: 'Olha ali'.

Ao princípio, de longe e com a neblina, não dava para perceber. Depois percebemos. Dois casais. Um era uma dupla de fotógrafos e o outro casal era o objecto da sessão fotográfica: de joelho em terra (leia-se, em areia mais do que molhada) o homem pedia a namorada em casamento. Mas isto com a fotógrafa a pedir e a ensaiar poses, ângulos, orientação solar. Portanto, chegámos a isto. Um homem pergunta à mulher se quer casar. 

Mas fá-lo em público, com pessoal contratado a fotografar. Agora, toda a gente, qualquer vulgar anónimo, acha-se uma estrela de cinema com direito a publicação de reportagem fotográfica de momentos que, em situações normais, deveriam ser íntimos. E, mais do que certo, já estava mais do que pedido, ou seja, mais do que tudo combinado, aquilo ali na praia deve ter sido apenas um faz de conta.

Ora, pergunta a minha ignorância: para quê isto? Para impressionar os outros? Para se sentirem famosos?

Dá ideia que parte das pessoas se vai afastando da genuinidade, da espontaneidade, da simplicidade... e isso, cá para mim, não pode ser saudável.

Pelo contrário, no extremo oposto, há outros que se afastam totalmente deste mundo e buscam a quase eremitagem, o isolamento. No outro dia, quando perguntei a uma amiga pela outra filha, contou-me, com um certo desconcerto na voz, sobre a sua opção de vida, a viver no campo mais campo deste país, a viver do pouco que as suas mãos produzem, sem preocupação em acautelar o futuro, apenas querendo viver em paz, no silêncio, de quase nada, longe de tudo. 

São pólos opostos. Provavelmente a virtude estará a meio destas duas realidades. Mas que sei eu...?

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O que sei é que vi estes vídeos e achei o máximo.

Cockatoo teasing Kookaburra


Existential Guinea Pig


Are you filming me?


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Desejo-vos uma feliz, feliz, feliz sexta-feira

Saúde. Afecto. Paz.

terça-feira, agosto 08, 2023

A ciência do amor

 

Termos planos matinais e aparecer-nos uma pessoa que nos boicota completamente os planos. Depois. apanharmos temperaturas acima dos quarenta e não apenas não conseguirmos estar na rua como termos uma tremenda falta de energia. Acresce o céu toldado de fumo. E acresce ainda uma vontade de não fazer nada. Acresce que, mesmo que quiséssemos fazer alguma coisa, tal o calor, não o conseguiríamos.

Poderia ter lido, e tenho o livro aqui ao meu lado, mas pus-me a ver o Task-Master e a chorar de tanto rir, que não me ocorreu sequer abrir o livro. Mas também não sei se o calor não derreteu as letras.

Antes do Task Master, para fazer tempo para ver se a minha cabeça entrava nos eixos, estive a ver vídeos sobre o cérebro. Intriga-me o que se passa dentro da minha caixa preta pois desconheço os mecanismos do seu funcionamento, não apenas no que se prende com a sua capacidade de processamento como com a sua memória e com os mecanismos de aquisição de sinais enviados pelos sensores externos. E, por mais que tente aprender, mais convicta fico que é um universo infinito que me transcende.

Não vou aqui, agora, em pleno e quente Agosto, pôr-me a partilhar coisas que terei que ver e ouvir com mais cabeça para ver se melhor as compreendo antes de as partilhar.

Mas vou partilhar um interessante sobre a ciência do amor. 

É um tema interessante, cheio de enigmas. O que leva a que alguns relacionamentos funcionem e outros não?

Apesar de apenas me ter casado uma vez e de o casamento durar até hoje, não consigo construir teorias.

O que posso é dizer que assentou em amor à primeira vista, ou seja, apaixonei-me antes de conhecê-lo. Achava-o bonito e queria que ele fosse meu, queria cair nos seus braços e tê-lo nos meus. Queria beijá-lo, queria mexer-lhe. Isto sem saber se era boa ou má rês, sem saber sequer quem era. Mas não tinha dúvida: ele era aquele. E ele a mesma coisa embora não expresso por este tipo de palavras (quando mais tarde me disse em que pensava quando me olhava daquela maneira, a resposta foi muito mais prosaica e minimalista). Depois, quando nos conhecemos, ou seja, quando começámos a falar, aprofundámos bastante esse conhecimento pois estávamos juntos todo o tempo que conseguíamos. Andámos nisto, em namoro pegado, pegadíssimo, quase um ano e meio. Quando casámos, já nos conhecíamos muito bem, já conhecíamos as famílias um do outro, já conhecíamos amigos, já tínhamos passeado, partilhado, experimentado, ido ao cinema, ao teatro, à praia, a museus e etc. Como já disse muitas vezes, casámo-nos pois, na altura. não nos ocorreu viver juntos sem casarmos. Se fosse hoje, provavelmente viveríamos juntos e apenas mais tarde, se calhar quando viessem os filhos ou se houvesse condições financeiras ou fiscais mais vantajosas por algum motivo que não bulisse com as nossas convicções, nos casaríamos.

Seja como for, porque nunca fomos de promessas de amor eterno ou compromissos absurdos, o casamento também não tem estorvado.

Agora uma coisa é certa: eu e ele somos muito compatíveis a nível de visão da vida, temos gostos afins, investimos os dois por igual no relacionamento, na família, na profissão. E não temos queixas um do outro. Aliás: temos queixas, sim. Mas insignificâncias ou, então, coisas que têm a ver com a nossa maneira de ser que ambos mutuamente respeitamos. Marimbamo-nos e desvalorizamos as diferenças (que, por acaso, nos habituámos a aceitar pois são mesmo pouco importantes) e festejamos aquilo em que nos encontramos. Volta e meia discutimos. Discutimos ou, sobretudo, desentendemo-nos. Mas é sempre sol de pouca dura. Ajuda eu ser distraída e primária: esqueço-me de que me zanguei ou, se me lembro, esqueço-me do que causou a zanga.

Mas, mais interessante do que o meu insignificante caso, é o que a Helen Fisher explica, o funcionamento do cérebro no andamento das relações.

Está legendado.

The science of love | Dr. Helen Fisher

Todos nós queremos ter um relacionamento bom e estável com alguém, diz a Dra. Helen Fisher. Portanto, é importante entender como o amor romântico intenso afeta nossos objetivos de longo prazo.

Sentimentos intensos de amor desligam as partes do nosso cérebro envolvidas na tomada de decisões. É por isso que, de acordo com a Dra. Helen Fisher, você deve passar muito tempo com alguém antes de se casar.

O Dr. Fisher acredita que casos de uma noite, "amigos com benefícios" e coabitação de longo prazo antes do casamento são sinais de uma mudança saudável na atitude em relação ao amor. As pessoas têm tanto medo do divórcio que querem experimentar antes de se estabelecerem.

Enquanto o casamento já foi o início de um relacionamento de longo prazo, hoje é o final.


Desejo-vos uma boa terça-feira
Saúde. Amor. Paz.

sexta-feira, agosto 04, 2023

Benfiquistas e sportinguistas. Casamentos. Paris Hilton e Marcelo. E etc.

 

Um dos meninos fez anos. Entre caranguejos e leões há sempre festejo pois são de seguida. Corrijo: entre lampiões e leões. Uma alegria. Hoje foram todos visitar os interiores do Estádio da Luz. Os benfiquistas convidaram os sportinguistas. Adoraram, quer uns, quer outros.

Depois, lá entre eles, foi bowling, jogos virtuais, almoço, etc. Um programão que os deixou felizes. 

Só depois vieram para cá, todos na maior animação. 

O bolo de anos foi uma saborosa camisola de benfiquista que cá vieram entregar, encomendada pelos pais. Uma surpresa e uma alegria para o jovem aniversariante.

Pouco fiz pois a comida veio toda cá parar. Por isso, se calhar não deveria sentir-me cansada. Mas sinto-me. Continuo a achar que, depois da covid, me canso mais do que o normal. Fico sem energia, com sono. A continuar assim, haveremos de ter que investigar esta coisa. Sou eu e o meu marido. Iguais. Sempre mais cansados e com mais sono do que seria natural.

Estive aqui no sofá e não consegui sequer ver notícias. Não faço ideia do que disse o Papa nem se já apareceu o milhão e tal de peregrinos que ia encher a cidade. Já não sei se foi ontem ou hoje à hora de almoço que vi de raspão um ajuntamento mas que, vendo de perto, era na maioria formado por padres e, pareceu-me, voluntários. No conjunto, creio que os peregrinos deveriam estar em minoria. Do pouco que vi parece-me tudo uma coisa deslocada no tempo, no espaço, desfasada do mundo real. 

É bom haver muita juventude junta mas melhor seria se tivessem objectivos concretos e não apenas uma conversa fiada, peace and love em versão pia. Acaba isto da JMJ e não fica nada. Nem eles terão feito nada pelo país ou pelo mundo em geral nem sequer por eles próprios. Divertiram-se, foram para os copos, conheceram-se uns aos outros. Uma experiência de tipo inter-rail e, na realidade, nada mais. Uma experiência divertida.

Provavelmente, o Marcelo continua eléctrico, atrás das saias de Francisco. Não faço ideia do que vai na cabeça dele mas também começo a crer que está em parafuso, que já não se passa grande coisa dentro daquela cabeça.

Mas, dizia eu, não tive paciência para notícias ou para comentadores a mastigarem as ditas. Fiz zapping e parei não sei onde. E pus-me aqui na conversa com pessoal amigo. 

Quando dei por mim estava a Paris Hilton na televisão, nervosa com a mãe e a tratar do casamento com um fulano estranhíssimo. 

Ela toda enervada, meio esvaziada, super ocupada, sem ser capaz de tratar daquelas coisas todas que hoje envolvem a indústria dos casamentos. E a mãe a querer meter-se em tudo. E o namorado do mais fútil e palerma que existe. Ao mesmo tempo, tudo cheio de glamour. Há mundos e mundos e mundos a coexistirem. Uma pessoa nem imagina que haja tanta artificialidade, tanta futilidade. E que exista uma indústria de entretenimento que viva disso. O casamento é agora um programa de entretenimento. Acho isto é uma chachada.

Quando me casei, fomos os dois ao registo, sem ter dito a ninguém, e marcámos para o primeiro dia disponível. Num dia, isto é, num único dia, devemos ter feito a lista de convidados. Quanto ao convite, não me lembro. Se calhar fomos a uma tipografia. Não faço ideia mas não foi nada de complicado, isso é certo. Para o copo de água, fomos ver uns quantos lugares e, provavelmente, em dois ou três dias estava escolhido. Para a roupa, andei a experimentar vestidos de noiva e, olhando-me ao espelho, achei que parecia mascarada de noiva. Desisti. Por isso, fui uma vez com a minha mãe e a minha tia (que iria ser minha madrinha) à boutique do Augustus. Num instante ficou escolhida a toilette: uma túnica branca, quase transparente, bordada a branco, umas calças brancas, justinhas. 

E acho que não houve mais nada. Em vez de bouquet, resolvemos que seria uma única rosa que o meu marido traria (oferecia-me uma, todos os meses, no dia do mês em que tínhamos começado a namorar e pensámos que teria graça que encerrássemos o namoro, levando-me ele a rosa que eu teria na mão, ao casar-me). 

Como fotógrafo, foi um colega da faculdade que gostava de fotografar.

O casamento foi apenas 'pelo registo', em casa dos meus pais. Depois fomos para um local bonito para as fotografias, depois foi o copo de água e dali partimos para lua de mel, isto é, férias. Tudo simples, sem stress.

Vendo os preparativos, os nervos, a produção de tudo em todas as vertentes, por que uma Paris Hilton e muitas outras mulheres passam, imagino que o casamento comece logo desgastado. Um mau começo.

É como os pedidos de casamento. 

Quando vejo o que fazem, fico doida. Para quê tudo aquilo? Querem ser criativos. Mas a mim parecem-me pirosos, fúteis, despropositados. Parece-me sempre um mau prenúncio. Quando uma relação começa a sedimentar-se em cima de um disparate parece-me que terá grandes probabilidades de que venha a dar para o torto.

Nem me lembro de como foi comigo, nem do dia nem onde estávamos. Provavelmente, em conversa, veio à baila um 'e se nos casássemos...?'. Não sei qual de nós o disse primeiro nem vejo que isso tenha relevância. 

Enfim.

Vou ver se durmo pois sinto que precisaria de passar um dia inteiro a dormir. Sorry se não consigo dizer mais que isto.

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Uma boa sexta-feira

Saúde. Boas ondas. Paz.

quinta-feira, julho 06, 2023

A graça, a funcionalidade e a elegância de duas casas pequenas. Um casal em que cada um vive em sua casa.

 

Quando temos mais tempo, se não estamos cansados, damos uma volta maior ao fim do dia. Como temos andado a sair e a ter compromissos e esta quarta-feira não os tivemos, não saímos, não fomos para a praia nem para outro lado. Ficámos por aqui, fizemos uma caminhada alargada. Não estava muito calor. O tempo assim, ameno, é uma maravilha, um apelo à serenidade, ao apaziguamento.

Se há coisa de que gosto é de ir olhando para as casas. Adoro casas. Mesmo não as vendo por dentro, contento-me com o exterior. Há casas de arquitectura mais tradicional e casas de arquitectura moderna e outras que são superlativas, intemporais.

As casas que têm terraços e jardins em pisos superiores ou cujo design contemplou a integração, a meio, de uma árvore despertam-me especial atenção.

Hoje reparei numa casa de traça mais tradicional que tem diversas varandas e vários recantos e terraços em níveis distintos, com escadinhas para os diferentes patamares. E junto a um dos muros tinha hortenses todas floridas. Muito bonita, muito acolhedora.

Escusaria aqui de voltar a referir o quanto valorizo a boa arquitectura. Já o disse incontáveis vezes. 

No decurso das minhas várias vidas profissionais, por duas vezes separadas por alguns anos, no decurso de movimentações empresariais -- que envolveram alienação de edifícios no centro da cidade e necessidade de procurar outros, fusão de empresas, reorganizações de monta --, fiquei responsável pelos projectos nas suas diferentes valências, quer a das reorganizações propriamente ditas, até à selecção de edifícios, respectiva adaptação (desde o projecto de arquitectura, à selecção de empresas de construção e acompanhamento de obras --- não eu, pessoalmente, mas pessoas sob a minha coordenação), gestão das mudanças em si (colocando a trabalhar nos mesmos serviços e nas mesmas instalações, pessoas que não se conheciam, provenientes de empresas e cidades distintas). Das duas vezes, obviamente recorremos a arquitectos e, das duas vezes, foi uma experiência extraordinária. A forma engenhosa e inteligente como aproveitam os espaços e pensam na envolvente, nas necessidades, na luz, e como encontram soluções elegantes e ergonómicas, é, para mim, fascinante.

Foram projectos de grande dimensão que envolveram importação de materiais sofisticados que eu desconhecia e que transformaram radicalmente os espaços, que incluíram a concepção e construção de mobiliário, integração paisagística e sei lá que mais -- e que me deixaram extraordinárias memórias.

De vez em quanto tenho aqui mostrado casas maravilhosas, amplas, luminosas, integradas na paisagem. Mas são casas sobretudo para a gente sonhar com elas pois são imóveis que não estão ao alcance de todos.

Hoje partilho o oposto: duas pequenas casas. Mas recuperadas e alteradas com tal inteligência que as transformaram em casas fantásticas, nada acanhadas, muito acolhedoras.

Os vídeos têm ainda a vantagem de ser falados em língua portuguesa. São as casas de um casal que opta por viver cada um em sua casa. Mas as casas comunicam entre si pela varanda pelo que podem estar juntos sem se incomodarem. 

Archtrends Visita: fotógrafo Ale Disaro mostra apartamento pequeno e bem resolvido


Archtrends Visita: Lufe Gomes apresenta seu apartamento


Um dia bom

Saúde. Boas vibes. Paz.

terça-feira, maio 16, 2023

Uma entrevista de uma tocante sinceridade: Roberto de Carvalho, viúvo de Rita Lee

 




Não é muito habitual alguém conceder uma entrevista em cima da dor fresca de perder alguém que muito se amou. Nem é habitual esse alguém ser um homem.

Rita Lee (que morreu aos 75 anos) era apaixonada por Roberto de Carvalho (70 anos), marido, apaixonada veemente desde o primeiro ao último dia. Disse-o e mostrou-o de todas as maneiras. 

Ela era aquela mulher explosiva, colorida, alegre, ruidosa. Ele era a pessoa que, na sombra, lhe dava todo o suporte de que ela sempre precisou. 

Ela teve uma vida de excessos. Fez de tudo e muitas vezes viu-se metida em trabalhos. O marido sempre lá esteve para a ajudar a recuperar, para a apoiar nos altos e nos baixos.

Nos últimos anos saíram de sob as luzes da ribalta e viviam uma vida recatada no campo. sempre juntos.

O efeito devastador da perda da mulher está à vista. 

Partilho o vídeo pois penso que deixar que a dor seja visível é um acto de coragem que deve ser partilhado pois pode até ajudar quem esteja a viver um momento semelhante. Quem se sente inconsolável face a uma perda dilacerante tem direito a sentir a sua dor e é absurdo querer ignorá-la ou disfarçá-la para não incomodar os outros. Há dignidade em não esconder o amor que habita uma vida, mesmo quando é tocado pela morte.

É certo que a vida continua, sempre continua, mas, por vezes, continua incompleta, amputada de uma parte insubstituível. Pode até acontecer que, com o tempo, surjam novos motivos de interesse e de amor que mitiguem a dor pela dolorosa perda. Mas, até que se chegue a esse ponto, o que há é a sensação de que parte da vida se foi, levando parte da vida de quem fica, sobrando um triste vazio.

Flores de Roberto de Carvalho para Rita Lee
[publicada, por ele, no Instagram]



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sexta-feira, setembro 23, 2022

Branca e radiante vai a noiva

 


Antes de me casar, fui a lojas na Baixa e experimentei alguns vestidos de noiva. Mas andava tão habituada a vestuário num outro comprimento de outra onda que, ao ver-me ao espelho toda cheia de saias armadas, folhos e rendas, me senti mascarada. Não me ocorreu maçar ninguém para vir comigo. Por isso, foi sem conselho alheio que resolvi que casar era casar, não era armar uma festarola à qual deveríamos comparecer fantasiados. Assim, optei por uma espécie de jeans bem justinhos, brancos, e uma túnica linda, branca, justinha, com uns belos bordados manuais, made by Augustus. Ou seja, apesar de tudo, toda em branco, comme il fault. Tenho ideia que nesse dia da túnica a minha mãe foi lá para dar a sua bênção. Tenho até ideia que a minha tia, que eu tinha escolhido como madrinha, também foi. Preferiam que eu me apresentasse vestida de noiva mas, a não ir, tenho ideia que, mal por mal, a túnica foi aprovada. Mas havia uma questão. Era totalmente transparente. Se fosse hoje, isso não seria transparente. Quanto muito colava uma estrelinha ou um coração em cor nude sobre os mamilos. Mas, naquela longínqua altura, não havia autocolantes para os mamilos nem se admitiria o escândalo de uma noiva aparecer em transparências. Naquela altura também não havia a profusão de tops em lycra que hoje há. Foi, pois, com alguma habilidade que a minha mãe conseguiu improvisar um top de algodão, fininho, justinho, sem alças, que me permitiu ir sem soutien e quase transparente mas discreta e 'decente'. Noblesse oblige.

Já aqui o falei: não faço ideia do paradeiro dessa minha túnica. Agora só em fotografias. Tenho pena porque era muito bonita, mas não sei que sumiço levou. A minha mãe diz que não a tem, diz que não a deixei lá em casa. Não a separei da roupa normal e, às tantas, nalguma vez em que me desfiz do que já não me servia nem reparei que fazia parte da minha toilette de noiva, e lá vai disto. 

Quando a minha filha se casou já a oferta era outra, ampla. O vestido foi comprado numa das lojas de noiva da capital mas adaptado ao seu gosto. E era lindo, intemporal, elegantíssimo. Branco, não transparente, mas leve, flutuante. E um véu de renda belga lindíssimo. Não podia olhar para ela sem me sentir comovida. Sobretudo, sabia como era um sonho dela, casar-se com um lindo vestido de noiva. Foi um casamento maravilhoso, desde a igreja muito bonita e muito bem arranjada, os coros à entrada e à saída vindos do balcão superior da igreja, pareciam cânticos descidos dos céus. Copo de água num palácio fantástico, um cocktail numa tarde dourada nos jardins, jantar com grupo de cordas  acompanhar, creio que músicos da Gulbenkian, um jantar milimetricamente escolhido com um menu sofisticado e saboroso, um baile animadíssimo. E ela sempre elegante, sorridente e ondulante no seu belo vestido de noiva.

A seguir foi a minha nora. Grávida de cinco meses, encantada com o seu estado, tenho ideia que ainda hesitou sobre como deveria ir vestida. Já o contei mas repito-me. O meu filho, desde que me lembro dele a falar nisso, sempre disse que não queria casar-se. Não tinha paciência nem via necessidade. A minha nora acabou por aceitar embora manifestasse alguma pena em poder vir a ser mãe solteira. Viviam juntos, felizes da vida, até que ela engravidou. Perante os factos, um bocado contrariado, o meu filho lá condescendeu -- mas seria coisa de nada, restrita, pais e irmãos e mais nada. Avisou-me bem avisada: nada de ideias, seria coisa limitada aos mínimos. Nestas coisas cada um sabe de si e se para ele seria tamanho sacrifício fazer um casamento a preceito pois que remédio. Mas tenho ideia de que também sempre lhe disse que, se a namorada gostasse de ter casamento mais alargado, achava que ele deveria ter isso em atenção. Não sei como foi que a ideia foi fazendo o seu caminho, mas a verdade é que fez, combinações lá entre eles. O que sei é que devem ter sido umas duzentas pessoas, um casamento a preceito, animadíssimo, uma festa, uma alegria. E a noiva, linda, vestida de noiva com a sua orgulhosa barriga bem evidente. Nada de transparências mas tudo em leveza e alegria.

Vamos ver como será quando chegar a vez da minha neta. Do que lhe conheço, escolherá a seu gosto sem querer saber nem de convenções nem de opiniões alheias. E terá o meu apoio.

Mas, entretanto, eis que os vestidos de noiva se despem de 'decências' e de ocultações e se apresentam em toda a sua feliz transparência. Na semana passada, na Igreja da Ascensão na 5ª Avenida em Nova Iorque, uma noiva desfilou com um vestido inabitual, completamente transparente. Cindy Kimberly, modelo seguida por sete milhares de seguidores no Instagram, formas generosas e prazer em arrojar, vestiu-se com um belo vestido branco e transparente que deixava perceber uma pouco subtil asa delta, cobriu o cabelo com um véu e deixou toda a gente de queixo caído. Marcelo Gaia foi o criador. E as fotografias aqui estão para o testemunhar.

E eu fico feliz com estas coisas e só espero que nunca o mundo civilizado ande para trás para que a liberdade das mulheres usarem o seu corpo como lhes apetece nunca seja posta em causa. O mundo poderia ser um lugar pacífico, tranquilo, onde todos pudéssemos ser livres e felizes. Podia... não podia?

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E não tem nada a ver... mas deixem lá isso

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sexta-feira, agosto 12, 2022

Só há uma pergunta a fazer quando se pensa em casar

 



A pergunta refere-se a casar mas quem diz casar diz juntar os trapinhos ou namorar. Para o efeito, vai tudo dar ao mesmo.

E a pergunta quem vai dizer qual é não sou eu, é o Rubem Alves aqui abaixo, que, através dele, a coisa soará mais inquestionável do que se for eu a botar prosa.

O que posso dizer, e digo com os ensinamentos que um casamento de mil anos já me proporcionou, é que, a meu ver, as questões críticas são as seguintes: 

    • entendemo-nos? 
    • estamos bem um para o outro? 
    • vivemos no mesmo mundo? 
    • orgulhamo-nos um do outro? 
    • estaremos sempre cá um para o outro? 

É que é tudo muito bonito mas se um fala de alhos e outro de bugalhos, se um gosta de natureza e outro de estar fechado em casa, se um vive na terra e outro (pensa que) vive na lua, se um até treme com os disparates que o outro a qualquer momento pode dizer ou se um está sempre disponível para o que for preciso e o outro nunca está nem aí, então... então, adeus minhas encomendas.

Pode a gente achar que o outro até é lindinho ou que, volta e meia, faz umas flores ou, quem sabe, pode iludir-se e sonhar que o outro pode vir a modificar-se e melhorar... mas se, lá no fundo, aquilo que acima referi é uma sombra que a gente pressente que existe (embora querendo fazer de conta que não tem importância), então, é para esquecer. Pode a coisa aguentar-se algum tempo, podem agarrar-se à probabilidade de a coisa vir a melhorar... mas é tempo perdido, oh lá se é.

Claro que há mais factores relevantes para a coisa dar certo. Por exemplo, há o lado físico. Fundamental. Do mais fundamental que há. A gente pode armar-se em platónica, em lírica, em anjinha, mas, vamos ser claros, se a gente não sente uma atração, uma afinidade de pele, um prazer em estar junto, em olhar de perto, em olhar de longe, em olhar para dentro, em sentir o cheiro, o toque, o calor, se a gente não gosta do tom de voz, se a gente acha que aquelas mãozinhas não sabem agarrar, que aquela boca não sabe causar um arrepiozinho bom.. então é a mesma coisa: para esquecer. Não vai dar. Mais vale saltar fora.

E outra: se são almas gémeas, iguaizinhas, se o que um pensa é tal e qual o que o outro pensa, se gostam exactamente ds mesmas coisas, se estão sempre de acordo... então, bye bye maria ivone. Não dá. Uma seca. Ao fim de algum tempo, se ainda não tiverem morrido de tédio, já estarão a pular a cerca cada um para seu lado. 

Hoje, ao fim da tarde, antes de resolvermos ir passear para a praia, espreitei a netflix. Apareceu-me a casamenteira indiana. Deixei-me ficar durante um bocado. Há mundos paralelos. Uma pessoa nem sonha que, aos dias de hoje, ainda existem casamenteiras. Os que querem arranjar noivo enumeram os requisitos para que a casamenteira saiba o que procurar. As mulheres que salteadamente vi, querem homens da mesma idade ou um pouco mais velhos, mais altos, bem sucedidos, pessoas de família. Coisas assim. A casamenteira acha que, se houver um mínimo de afinidades, com o convívio e a vontade de dar certo, a coisa acabará mesmo por vingar. Não sei. Se calhar, quando não dá certo, toleram-se, resignam-se. Mas isso não é a minha cena. Se é para ser, tem que ser mesmo, de verdade, amor a sério.

Amor que é amor e que perdura como amor tem que ser coisa de boa cepa, sentimento forte, elástico, flexível, resiliente, auto-regenerativo.

Mas, enfim, isto sou eu a falar e, na volta, sou exigente para lá da conta. No entanto, a sensação com que estou é que, apesar do que já disse, devo ter-me esquecido de mais um montão de coisas importantes. 

Ah, sim, agora lembrei-me de uma que é fundamental: tem que ter sentido de humor. Humor é oxigénio. Eu morreria à míngua se tivesse que viver com alguém que não soubesse fazer-me rir.

E tem que ser generoso. Gente má, mesquinha, invejosa, complicada, implicante, tem que estar longe. Gente assim infecta. Não pode. Distância. Xô!

Ah, sim, outra que é fundamental. Podem crer: fundamental. A gente tem que olhar e ter a certeza que o outro vai ter sempre a capacidade de nos tirar o tapete, de nos tirar o chão, de nos tirar a respiração. E de nos tirar do sério

E há mais. De certeza que há.

Mas agora passo a palavra a um mestre que acha que nada disso, que tudo se resume a uma questão:

Rubem Alves • Só existe uma pergunta a ser feita quando se pretende casar


Transcrevo o texto que acompanha o vídeo no Youtube:
Depois de muito meditar sobre o assunto, concluí que os casamentos são de dois tipos: tênis e frescobol. Casamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Casamentos do tipo frescobol são uma fonte de alegria e costumam ter vida longa. Explico-me. Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente: “Ao pensar sobre a possibilidade do casamento, cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: ‘Você seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a velhice?’. Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar”.

Xerazade sabia disso. Sabia que os casamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente, terminam na morte, como no filme “O império dos sentidos”. Por isso, quando o sexo já estava morto na cama, e o amor não mais se podia dizer através dele, ela o ressuscitava pela magia da palavra: começava uma longa conversa, conversa sem fim, que deveria durar “mil e uma noites”. O sultão se calava e escutava as suas palavras como se fossem música. A música dos sons ou da palavra é a sexualidade sob a forma da eternidade: é o amor que ressuscita sempre depois de morrer.

Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: “Eu te amo, eu te amo…”. Barthes advertia: “Passada a primeira confissão, ‘eu te amo’ não quer dizer mais nada”. É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: “Erótica é a alma”.

O tênis é um jogo feroz. Seu objetivo é derrotar o adversário. E a derrota se revela no erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir a sua cortada – palavra muito sugestiva, que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra – pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é como ejaculação precoce: um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é aquele ir e vir. E o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado. Mas não tem importância: começa-se de novo.

A bola são as nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho pra lá, sonho pra cá… Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão. O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração. O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços para que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem, cresce o amor… Ninguém ganha para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim.
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As fotografias são de Man Ray e Melody Gardot interpreta If you love me

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Desejo-vos uma boa sexta-feira
Saúde. Boas descobertas. Bons amores. Paz.

sábado, outubro 09, 2021

Fantasias de uma mulher casada

 



Sobre o dia de hoje muito haveria a dizer mas, hélas, noblesse oblige, não posso. Portanto, tendo estado fora do circuito e desconhecendo o que por aí vai, para ter tema de escrita fico limitada a contemplar o meu próprio umbigo.

Melhor: não o dito cujo [que, por sinal, é 'muito bem feitinho', o orgulho da minha mãe que se gaba de me ter trazido bem apertadinha durante um mês, até que não ficou vestígio de nada à vista, tudo recolhidinho] mas outro tipo de umbigo. Claro que nunca perguntei à minha mãe se o aperto não me terá causado cólicas porque o que lá vai, lá vai. Tentei que os umbigos dos meus filhos também ficassem perfeitinhos, e ficaram, mas nunca apertei muito, assumindo cá para mim que, se eles viessem a protestar, lhes diria que tinha sido para seu bem. Felizmente, saíram bem e, portanto, não tive que usar aquele argumento sobre o qual, de resto, não estaria muito convicta pois não sei bem o que é isso de ser para o bem de cada um. Na volta, um mês de cólicas vale bem o ter, para o resto da vida, um umbigo perfeitinho. Sei lá. 

Mas, portanto, o que tenho a dizer não tem nada a ver com umbigos propriamente ditos.

Tem a ver, isso sim, com as estatísticas do blog. Mais do que quantas visualizações ou a partir de que países me visitam, gosto de ver as coisas que alguns Leitores escreveram nos motores de busca que fez com que viessem direccionadas para cá. Hoje, uma das expressões foi esta: 'fantasias de uma mulher casada'. Fiquei admirada: porque é que a google -- ou seja o que for -- manda para aqui toda a gente que não sabe fantasiar sozinha?

Mas depois percebi que há uns tempos escrevi mesmo uma historinha sobre Dita, a mulher casada com umas explícitas fantasias sexuais. Reli-me e achei-me muito pãozinho sem sal. Nitidamente escrevi aquilo a despachar só para não me arreliar com as coisas da política doméstica.

Sexo com dois ou mais homens é daqueles clássicos que mimetiza um outro clássico: um homem a fantasiar ter duas ou mais mulheres de roda de si. 

Contudo, nisto como para tudo nesta vida, para que as coisas produzam o efeito desejado, é preciso ciência. Ciência, imaginação and a touch of je ne sais quoi. Apenas improviso é bom às vezes, por acaso. Mas, se dá para o torto, é para esquecer. 

A ménage, seja de duas para um ou de dois para uma é daquelas que, só por si, pode ser uma valente carga de trabalhos ou, ainda pior, um tédio. 

Ou vem numa decorrência -- uma coisa que vai evoluindo, que começa por não ser nada para, aos bocadinhos, começar a desenhar-se qualquer coisa, uma coisa envolvente em que não são dois homens a servir uma mulher mas, antes, três pessoas que se desejam e que passam das intenções aos actos, tacteando, ousando, arriscando -- ou não vale um caracol furado, só serve para deixar todos desconfortáveis. Digo eu, claro.

É como aquilo do swing. Ir para um clube para experimentar um elemento de um outro casal é também daquelas que, em meu entender, só funciona com gente pouco exigente. Pode ser que, em idades pouco sofisticadas em que tudo o que vem à rede é peixe, a coisa possa parecer que funciona. Mas é treta. Fancaria. Claro que haverá quem garanta que poderá funcionar e ser um booster na boa disposição dos envolvidos mas, tenho para mim que, se não for bem gerido, pode é virar um belo pesadelo. 

A ser, tem que ser na base do afecto entre todos, um afecto tão verdadeiro que resista ao experimentalismo, à desconfiança, às comparações. Também digo eu de que, claro.

Mas estou em crer que, se calhar, as fantasias de uma mulher casada são, na maioria, de uma outra natureza. 

Mas são coisas de natureza muito inconfessável, daquelas de que mais vale nem falar, que, se calhar, até é bom que não se materializem não vá dar-se o caso de se transformarem numa xaropada sem pingo de graça ou de sofisticação. 

É que, também tenho para mim, coisas destas, para terem graça, devem vir envolvidas num mínimo de sofisticação. Deve haver romance, rêverie, bons modos (para além de uma boa pegada), demorada preparação e boa e cuidada execução -- deixando vontade de repetir (para aperfeiçoar). 

Poderia aqui dar alguns exemplos mas receio que, por falta de talento (e de liberdade de expressão), ao transformar fantasias gostosas e privadas num conjunto de palavras normais, as calientes fantasias virem uma pornochanchada. E isso é que não, caraças.

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E estou a escrever isto e a pensar que os meus filhos lêem as macacadas que para aqui escrevo. Às tantas, a esta hora, estão preocupados. Daqui vai, para eles, o meu disclaimer: descansem que a mãezinha não é dada a aventuras, a ménages, a swings, a órgias, muito menos a coisas ainda mais ponteagudas ou cabeludas. Zero. A mãezinha o que tem é uma imaginação desbragada na ponta dos dedos. Ofereçam-lhe um título que a mãezinha logo escreve uma redação. E é isto que a mãezinha acabou de escrever: uma redação que saiu assim mas que poderia ter saído assado.

Nada a fazer, já sabem. A mãezinha é um caso perdido.

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PS: Claro que os meus filhos não me tratam por mãezinha. Haveria de ter graça...

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A primeira, a segunda, a terceira e a sexta fotografias são de Mario Testino que os sabe escolher a dedo. A segundo mostra os fotógrafos Mert Alas & Marcus Piggott, ao que parece com Miley Cyrus. A quinta mostra Jeanne Moreau no filme Jules et Jim. E a última, obviamente é de Robert Mapplethorpe

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Um belo sábado

Tudíssimo de bom

quarta-feira, agosto 25, 2021

O medo de se ficar sozinho

 


Nunca vivi sozinha. Enquanto pequena vivi com os meus pais, ficando, por vezes, em casa dos meus avós. 

Quando acabei o liceu fui em passeio com sete ou oito conhecidos e mais uns trinta desconhecidos passar um mês num país africano. 

Namorava nessa altura. Lembro-me do meu namorado muito emocionado no aeroporto e eu já toda entusiasmada com a aventura que se perspectivava. Foi um mês de múltiplas revelações. Acho que nem por um dia senti saudades do namorado. E não sei se isso diz muito sobre o que eu sentia por ele ou se diz da minha natureza. O que for.

Quando regressei, fui viver para uma residência de estudantes. Apesar de me dar bem com os meus pais, continuar a viver permanentemente com eles afigurava-se-me fora de questão. Tinha acabado de fazer dezassete anos. O ambiente de bairro e o controlo que a comunidade exercia nos seus membros e o receio que os meus pais tinham de que eu me tornasse objecto de falatório era-me insuportável. Ansiava por liberdade. Depois, por razões diversas, saí da residência e fui para um quarto. O namorado e os amigos eram uma presença constante com a graça adicional de que, entretanto, me tinha apaixonado por um desconhecido que me trazia de coração alvoroçado. Pouco depos, durante uns meses, vivi uma vida dupla. Nuns dias namorava com um, noutros andava inseparavelmente com outro.

Já o contei várias vezes pelo que abrevio.

Quando se tornou impossível gerir a situação, acabei com o namorado e caí nos braços do desconhecido. Algum tempo depois casei-me com ele. Tinha vinte anos. E algum tempo depois veio uma filha e algum tempo depois um filho. E vieram os primos dos filhos e os filhos dos amigos. A casa estava sempre cheia. E o tempo passou a correr e a filha arranjou um namorado e o meu filho uma namorada. E os namorados vieram cá a casa. E algum tempo depois a minha filha saiu para ir viver com o namorado e depois foi o meu filho que saiu para ir viver com a namorada. Entretanto casaram-se e começaram a chegar os filhos deles. Cinco. A casa foi-se enchendo.

E tal como os meus filhos vieram com os seus companheiros, um dia destes hão-de os meus netos começar a trazer os seus próprios companheiros e serão muito bem vindos.

A preocupação é o tamanho da mesa ou haver mesas adicionais que se juntem. E cadeiras. E bancos adicionais.

Por isso, viver sozinha nunca vivi. Nunca fui sozinha à praia ou ao cinema. Nunca levei o carro a lavar. Nunca usei um berbequim. 

Mas uso este 'nunca' com a convicção que, no dia em que precisar, irei, farei. É assim porque aconteceu assim. Calhou ter tido a sorte do desconhecido me ter saído melhor do que a encomenda e de ter nele o companheiro presente, atento e dedicado, compreensivo e amoroso, bem humorado, culto, bom pai e bom avô, bom genro e bom amigo que justifica a sua presença ao meu lado há tantos anos. Se o não fosse já o teria rifado há séculos. Não suportaria ter dentro de casa alguém que não fosse o meu homem, sendo que, para ser o meu homem, tem que ter tudo o que acho fundamental e não apenas uma parte. Nestas coisas não se podem fazer concessões: ou se é tudo ou não se é nada. Não tem que ser perfeito ou não tem que ser um santo: tem é que ser o nosso homem. Isto no meu caso que sou hetero. Se fosse homo, seria a minha mulher mas teria que ser identicamente completa. Um meio homem, um meio companheiro, uma mariazinha que uns dias sim mas outros não, um zé cueca que põe a sua agenda à frente da vida a dois, um coiseca que se acha o máximo descurando a atenção e mimo que eu acho que mereço, eu e qualquer mulher ou qualquer homem, seria rifado de imediato. Santa paciência.

Teria que ir à praia sozinha, teria que atinar com o berbequim ou teria que ir sozinha ao restaurante. Acredito que não seja a melhor coisa do mundo mas é certamente melhor do que uma pessoa anular a  sua autoestima para fazer de conta que tolera ou que aprecia a pouca coisa que o pouca-coisa tem para dar. 

E depois há a família e os amigos para fazerem companhia. E há as oportunidades que estão sempre a aparecer, assim a gente esteja disponível para as perceber e aproveitar.

Não posso falar de experiências que não tive. Posso apenas imaginar.

Se vivesse sozinha não teria a quem me encostar nas noites frias. Mas, pelo contrário, não teria um corpo quente a encostar-se a mim nas noites de calor. Há sempre um lado bom em tudo.

Sinceramente, não sei como seria comigo se me visse sozinha, sem companheiro. Se me puser a pensar nisso, acho que depois da estranheza de ter que me virar sozinha em coisas com que hoje não tenho que me preocupar (colocar pesados varões para cortinados, pintar muros, andar com uma roçadora a cortar mato ou coisas afins), me sentiria como me senti quando, adolescente, estive um mês num país africano que não conhecia, maioritariamente rodeada de desconhecidos, a viver situações até então desconhecidas... e feliz, feliz da vida, cada dia uma descoberta, cada dia um imenso sentimento de liberdade. À distância de algumas décadas penso que foi pena foi não ter aproveitado ainda mais. Se fosse hoje, com as facilidades que hoje há, provavelmente teria ido viver (fosse para estudar, fosse para trabalhar), nem que fosse durante uns meses ou um ano, num país desconhecido. Gosto do desconhecido.

Mas, na altura, com a cultura e os hábitos de então e porque o lado familiar sempre esteve muito presente em mim, foi como foi e ainda bem que assim foi. Mas sei bem que há muitas maneiras de uma pessoa se sentir realizada e feliz e muitas delas não passam por um casamento de longa duração como o meu.

E vem isto a propósito de um vídeo que hoje me apareceu: The high price we pay for our fear of loneliness

Ainda hei-de perceber o racional do algoritmo do YouTube. Creio que muitas vezes atira o barro à parede e, a partir dos vídeos que despertam o meu interesse, levando-me a abri-los e vê-los até ao fim, vai desenhando o meu mindset: Esta gosta de macacada, de arte, de arquitectura, de decoração, de política, de jardinagem, de música, de dança, de psicologia, de poesia... e, portanto, deixa cá ver o que é que se arranja para aqui a ver se ela morde o isco.

Quando eu partilho alguns vídeos deve ser a apoteose algorítmica e, portanto, a partir daí é iguaria que não falha no menu.

E estava a ver o vídeo acima referido e, a seguir, apareceu um outro que também me pareceu relevante. The fear of being alone and narcissistic relationships. Muito interessante e, creio, muito esclarecedor.

Pode a maioria das pessoas andar preocupada com matérias mais filosóficas ou mais prementes na actualidade e toda esta conversa soar a nonsense típico da silly season. Talvez. Mas acredito que, para além do eu-social ou do eu-político, há em todos nós o eu-eu que dá atenção a temas que têm a ver com assuntos mais pessoais. Por isso, tenho esperança que o tema deste post seja útil para alguns de vós que, aí desse lado, me ouvem a respirar.

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The High Price We Pay for Our Fear of Loneliness

We often make some very peculiar and regrettable choices on the basis of a hidden and unmentioned fear: that of being alone. But once we realise that there isn't, in fact, anything to fear about being on our own, we'll be liberated to make some far healthier decisions.


The fear of being alone and narcissistic relationships



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Fotografias de Niki Colemont photoshopada por Necromechanimal ao som de Max Richter em Flowers Of Herself

Nota: Tive dúvidas no título. Deverá ser como escrevi 'O medo de se ficar sozinho' ou 'O medo de se viver sozinho' ou 'medo de se estar sozinho ' ou 'o medo da solidão? Não sei. O que acham?

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Desejo-vos um dia bom.
Saúde. Alegria. Confiança.