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domingo, junho 25, 2017

Indócil, não me permito
sossegar no rumor
nem fugir da minha vida

ignorando o fulgor


Pela primeira vez desde há algumas semanas, Lu resolveu sair de casa. Arranjou-se, pegou em livros, na máquina fotográfica, no portátil, meteu alguns alimentos num saco térmico e foi para o campo.




Voltou a gostar da sensação de conduzir. Na estação de serviço olhou para as primeiras páginas dos jornais. Receava ver alguma coisa. Não, só o expectável. Quase lamentou. Inconscientemente, era como se preferisse que o que acontecesse não fosse de sua responsabilidade.

Quando chegou a sua casa, surpreeendeu-se com a altura dos arbustos junto à vedação. Floridos, as cores quentes do verão, aquele perfume doce e intenso de que tantas vezes sentia saudades.


As árvores, enormes. Tudo parecia ter crescido de uma forma inusitada. Um bosque tal como ela tinha sonhado quando o terreno não passava de uma matagal raso no meio de um terreno pedregoso.

Quando abriu a casa reconheceu aquele cheiro tão característico. A casa parecia guardar todo o ano a memória das noites de lareira. Sorriu como que agradecida. O ambiente mantinha-se familiar apesar do abandono a que ela ultimamente o tinha votado.

Quando saíu à rua pareceu-lhe ver passar, no chão, um pequeno vulto. Foi ver melhor e não viu nada. Talvez uma ilusão de óptica.

Saíu pelo campo, câmara fotográfica, disponibilidade para o encantamento de antes. Aproximava-se, baixava-se, redescobria o prazer de captar as quase invisíveis belezas que a natureza guarda apenas para os olhares mais atentos.


Enquanto ia andando, aspirando o ar limpo e perfumado e sentindo o canto dos pássaros, ia recordando todas as vezes recentes em que lá tinha ficado com ele.

No período em que tinha vivido com o outro, aquele a quem os pais tratavam como um filho e de quem sempre esperaram que viesse a vir um neto, ficavam lá todos os fins de semana e, por vezes, no verão, toda a semana. Mas ele era demasiado boa pessoa para a prender. Dele apenas vinha acalmia, compreensão, ternura, uma vida previsível, e ela queria fogo, desafio, desequilíbrio. Mal se separaram, no dia seguinte, já ela estava a reatar com aquele a quem mentalmente tratava por traste. Não era amor, não era desejo, era sobretudo o gosto pelo risco, por pisar o risco. E, a partir de certa altura, percebe agora, a vontade de o destruir.


As idas ao campo voltaram a ser mais esporádicas. Ele era casado, tinha uma agenda familiar, e ela não gostava de lá estar sozinha. Contudo, ambos tinham deslocações frequentes ao exterior pelo que era normal, para ele, dizer em casa que tinha que ir para fora mas que estaria de regresso um ou dois dias depois. Lu aceitava bem que assim fosse e tinha o cuidado de que ele, na medida do possível, não lesasse o equilíbio familiar. Por vezes, parecia que era maior o cuidado dela pela família dele, do que dele próprio. Ali, na casa de campo dela, ele sentia-se em casa. Dizia-se um homem do campo.
Aliás, dizia-se mais do que isso, dizia-se um agricultor. Mas ela dava desconto pois, mitómano como era -- mitómano ou megalómano, que, entre uma coisa e outra, ela nunca tinha conseguido optar pela classificação mais adequada -- ele achava que tinha alma de tudo, de empresário, de camponês, de nobre, de homem do povo, de marchand de arte, de benemérito, de intelectual, de connaisseur de mulheres, de vinhos e de rosas. Claro que com o dinheiro que tinha possuía herdades onde se fazia vinho, possuía obras de arte para dar e vender, era patrono de cinquenta mil organizações que a companhia ou a fundação a que presidia ajudavam. Mas ele, ele mesmo, era pouco mais do que um narciso contemplando-se no espelho da comunicação social, das redes sociais e, até, no site da empresa e, mesmo, na intranet onde fazia com que se cultivasse um verdadeiro culto de personalidade em torno do extraordinário senhor presidente.
Estar no campo sozinha, ficar lá à noite, era, pois, experiência nova para Lu. Mas estava a agradar-lhe.


Maravilhada pelas pequenas flores do campo, pela natureza em estado quase selvagem, Lu sentia-se sempre mais livre. Fotografava tudo, encantada com a luz, com o efeito de halo luminoso que parecia rodear as flores.

Lembrou-se: ali mesmo, naquele caminho em que ia, ele a olhar para ela, a pedir-lhe que se virasse em contra-luz, queria fotografá-la no meio das flores. Depois, como tantas vezes o fazia, pediu-lhe que se despisse. Fotografou-a assim, nua, banhada pela luz do cair da tarde. Lu, lembra-se de, naquele momento, ter dito: Já não vou poder ter um filho, já é tarde demais. E não me desculpo por isso. Não sei como deixei passar o tempo, não sei que prioridades foram as minhas, não sei como cheguei a este ponto. Ele olhara-a, perplexo: 'A que propósito vem agora isso?'. Ela continuara: Um acabei com ele, outro na prática também. E agora dava tudo para ter um e tenho medo de tentar, é tarde demais. Ele abraçara-a: 'Não penses nisso'.  Com distanciamento, ela respondera: Tens filhos, tu. Não sentes falta de mais. Aliás, pouco ligas aos que tens. Eu não tenho nem vou poder ter. Ele protestara: 'Não digas isso. Claro que ligo. Adoro os meus filhos. Mas esquece. Tens uma vida plena, Lu'. Ela não respondera. Só uma pessoa muito desprovida de muita coisa poderia achar que ela tinha uma vida plena. Tinha uma vida vazia, isso sim. E não mais deixara de ter esse pensamento sempre presente. 

E ia andando, fotografando, olhando a bela e protectora serra ao longe e pensando que, à noite, no computador que felizmente não se tinha partido, ia escrever sobre isso. E ia também contar a discussão terrível que tiveram no escritório na véspera do dia em que ela tinha acordado com um formigueiro nos dedos e vazia, ausente, quase se deixara cair num poço sem fim. Ia contar como tinha descoberto o esquema, como o confrontara com isso, como o ameçara, como negara que sempre tivesse sabido, ia contar como, quando ele insistira que ela sabia, que sabia desde sempre, lhe dera uma bofetada e de tal forma violenta a bofetada que os óculos dele tinham voado, que, quando ele se preparava para lhe devolver a bofetada, ela lhe tinha atirado à cara um monte de papéis, de como o tinha visto, furioso mas meio perdido, sem óculos, o chão pejado de papéis. Ia descrever, com pormenor, a forma habilidosa como, durante anos, as contas foram falseadas.

E, enquanto ia pensando em tudo isto, Lu ia caminhando, fotografando. As flores, os frutos.


Ao regressar a casa, já lusco-fusco, de novo um pequeno vulto branco correndo. Assustou-se. Procurou. Não viu nada. Quando estava quase a entrar em casa, a mesma sensação, de novo um pequeno vulto correndo, sem deixar marcas. 


Ficou parada junto à porta a olhar. Quase a anoitecer. Os pássaros quase silenciosos. E, de repente, a impressão de estar a ser observada. Olhou em redor. E, então, ao fundo, não um mas dois, dois pequenos vultos brancos. Aproximou-se devagar. Fugiram na direcção da vedação. Foi ver.


Do outro lado, no meio do mato dois gatinhos brancos. Pequeninos. Olhavam-na, ar assustado. Lindos. Ela fez bssschh, bschhsch, gatinhos, gatinhos lindos. E ali ficou a olhar para eles e eles para ela. Certamente filhos da gata branca que, furtivamente, por lá via passar de vez em quando.


Uns bebés tão lindos. Goastava de lhes poder fazer uma festa.

Quando regressou a casa, as lágrimas corriam-lhe pela cara. Talvez emoção por ver que tinham nascido lá, filhos daquela sua amada casa, uns gatinhos tão bonitos. Mas também talvez tristeza pela sua vida tão vazia.

Depois percebeu que tinha acabado de tomar uma decisão e, conhecendo-se bem como julgava conhecer-se, sabia que era uma decisão sem retorno.

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O título do post foi extraído do poema de 'Indócil' de Maria Teresa Horta in 'Poesis'

Excepto obviamente as de Kate Moss, as restantes fotografias foram feitas por mim, este sábado, in heaven.

Amira Willighagen, com a condução de André Rieu, interpreta O Mio Babbino Caro de Puccini

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Este texto, que acabo de escrever, vem na continuação de:
Num excesso sempre incontido de perda e perdição

E continua em 'Lu, a mulher infiel' que também encerra este folhetim.

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domingo, janeiro 17, 2016

Memória e ternura junto à praia da Lenta, no lugar de Lovelhe, numa margem do Rio Minho


Caminhava rente às margens do Minho, e mais logo já vos mostrarei como tem razão o Leitor que, em comentário lá mais para baixo, diz que, por esta altura, o Minho em geral ganuha umas tonalidades tão suaves e fica com um ar tão puro que até é um crime não ir lá no inverno.

Ouvia cânticos religiosos, uma Ave Maria e outros, e, de vez em quando, uma voz feminina isolava-se e era só a sua voz que se ouvia, e tudo aquilo parecia impossível, o rio belíssimo, os pássaros, só nós dois, e aqueles cantares como se descessem dos céus para banhar aquele momento perfeito.

Mais tarde ouviu-se o que pareceu ser a voz de um padre e percebemos que deveria ser alguma missa transmitida para toda a vila ou talvez estivessem a cantar as janeiras. Não sei. O que sei é que pensei que jamais poderia descrever o que se estava ali a passar. Ninguém, ninguém por ali. As margens do rio, lindas, e, não sabemos de onde, cantares como que entoadas por anjos.

Até que, de uma das margens de um estreito braço do rio, naquele lugar chamado Lovelhe perto de uma praia chamada Praia da Lenta, reparei num arco verde, parecia-me que com florzinhas, não percebi bem. Quando passei para o outro lado, aproximei-me, espreitei, fotografei. 



Trepadeiras envolviam o arco e as trepadeiras estavam floridas. E, no chão, vasinhos, pequenos arranjos de flores, pedras e pedrinha mais pequeninass, pequenos seixos coloridos, caixinhas com florzinhas, uma pequena candeia.


Presas no arco outra pequena candeia, e mais bonequinhos, passarinhos a fingir, uma coisa amorosa que ali, num lugar daqueles, no meio da natureza, parecia quase inquietante.


Em cima, um nome, Carla, e uma data, 24-07-2011. Mais à frente descobri um senhor que apanhava couves, a única presença humana para além de nós dois. Dirigi-me a ele e perguntei o que era aquilo. Levantou-se para me falar e explicou-me:
Há uns anos, numa madrugada, um carro com dois casais de jovens embateu num poste -- e apontou um poste envolto em ramos de flores:
e a rapariga que ia a conduzir não conseguiu segurar o carro, despistou-se e, com tamanha falta de sorte, aqui que há árvores a toda a volta, passou pelo meio delas, e foi entrar no rio. Um rapaz e uma rapariga morreram, afogaram-se, a rapariga que ia a conduzir e outro rapaz salvaram-se. E desde aí, todos os meses, alguém vem aqui pôr flores e juntar coisas, o que vê. 

Sorria enquanto me contava isto mas era um sorriso triste, quase de perplexidade inquieta. Eu, nestas alturas, quando fico perturbada, disfarço a perturbação com perguntas práticas, despropositadas. É involuntário e acontece sempre. E, portanto, sem querer, perguntei: Mas o rio aqui deve ser baixo, como aconteceu isso, afogarem-se? Esclareceu-me que não, que o rio aqui não é nada baixo, que é até muito fundo, que é perigoso. 

Afastei-me, inquieta. Deve ser terrível, uma coisa mesmo terrível, estar num automóvel com outras pessoas, sofrer um acidente deste tipo, assustador, o carro virado dentro de água, noite escura, que aflição medonha; e, depois, saber que alguns dos que lá estavam morreram. Para quem ia a conduzir, então, deve ser um pesadelo, um inferno. Presumo que só com forte acompanhamento psicológico se sobreviva a um peso esmagador como este, se consiga ir em frente. 

Fui agora à procura da notícia. Encontrei-a. Ao ouvir o senhor a contar-me, e ao ler agora a notícia, ocorreu-me que deve ser a rapariga que ia a conduzir e que sobreviveu que ali vai relembrar os que perderam a vida nessa noite terrível. Mas não sei dado que há ali uma placa com um único nome. Pode ser a mãe ou o namorado da rapariga espanhola que morreu, Carla. Seja quem for, fá-lo com um carinho imenso, parece querer fazer agradinhos à pessoa que um dia amou e que ainda vive no seu coração. Mês após mês, e já lá vão quase cinco anos, vai deixar lembrancinhas para quem perdeu naquele lugar tão belo mas tão perigoso. É muito triste, muito comovente

Hesitei em mostrar as fotografias e em falar disto: foi um acidente trágico e na ternura de quem vai ali deixar aqueles pequenos objectos parece haver uma dor funda, muito íntima. Mas, uma vez que está ali à vista, num lugar público, de passagem, e como a notícia veio nos jornais, resolvi superar a minha hesitação e trazer aqui este tema. Faço-o com pudor, a medo, mas faço-o quase como solidariedade, para dizer que me tocou a dor, a tristeza, que compreendo a vontade de manter viva a memória dos que se foram, compreendo e gostava de saber escrever aqui a palavra certa para que, quem me leia e esteja nas mesmas circunstâncias, de ter perdido seres amados, se possa sentir confortado por saber que não está só. Mas, como não sei, com o devido respeito dou a palavra a quem o sabe.

E mostro uma outra fotografia. Para a fazer tive que passar, de novo, para a outra margem e usar, em força, o zoom. Só agora, ao escolhê-la para aqui, reparei no halo que, misteriosamente, não aparece em mais nenhuma fotografia.
No local onde o carro se terá afundado, sobre as águas havia um manto de limos verdes. Sobre esse manto, dois pássaros, muito serenos, encontravam-se pousados, quase imóveis, como se olhassem com tranquilidade o tempo que passa, como se estivessem a velar a memória dos dois jovens cuja vida se perdeu naquela noite terrível, como se dissessem que a vida ressurge, transforma-se, pode aparecer no corpo dos pássaros, pode aparecer no voo que desenham quando alcançam os grandes espaços, pode aparecer na luz que os banha, pode aparecer no canto mágico que, dos céus, de vez em quando, desce para os envolver. Não sei. Mas gostava de acreditar que sempre viverão aqueles que têm quem os guarde no coração e os recorde com carinho, quase como se, quem se foi, vivesse agora dentro de um sonho bom, muito bom, muito apaziguador.

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domingo, dezembro 27, 2015

As habilidades da minha mãe, uma jovem prendada e bem disposta com 82 anos


Tarde com sabor a natal na casa dos bisavós. Como contei, as visitas e as comemorações começaram a seguir ao almoço da véspera, com visita a uma das bisas, depois houve o jantar, depois o dia, e prolongaram-se até a este sábado à tarde, com visita aos outros bisavós. 

Depois de passadas várias tormentas e apesar de já estamos preparados para que, a todo  minuto, as coisas se podem alterar (porque, temo-lo aprendido a duras custas, o que é uma coisa pode passar ao estado oposto no instante seguinte), por estes últimos dias, felizmente, parece reinar a acalmia. O meu pai hoje estava muito tranquilo, com apetite, e conversou, queria saber se já tínhamos lanchado, e falou-me que recomeçou a fisioterapia e que lhe fez bem, que a fisioterapeuta lhe disse que pode ser que consiga, de novo, voltar a andar (a minha mãe, quanto a isto, encolhe ao de leve os ombros, já tem dúvidas), e, no fim da conversa, rematou que, 'para aqui estou, não passa disto - estou a viver da reforma'. A minha mãe riu-se, diz que se ele soubesse que o dinheiro da reforma não lhe chegava para as despesas, lhe custaria ainda mais: mas, felizmente, chega e ele, pelo menos, quanto a isso está descansado. (Sei bem o desgosto de quem sabe que tem despesas que não consegue suportar.)

No meio de todos os sobressaltos, a minha mãe mantém-se activa, sempre bem disposta, com uma pedalada fantástica e com um gosto actual que faz as maravilhas de todos.

Hoje tinha um poncho para a bisneta que ela adorou: vestiu e já não quis tirar -- todo giro e com uns pompons com as cores das rosetinhas floridas da orla. É a sua última obra; mas já está a planear camisolinhas para os netos e um poncho para a neta. 


Dois dos outros bisnetos estavam com casacos de tricot também feitos por ela. Quentinhos, confortáveis e sempre como novos.




Na fotografia acima, o mais crescidinho, está com um livro que tinha acabado de receber. Digo livro mas, na verdade, nem sei se é um livro ou um jogo.

No outro dia, Leitor, por mail, perguntava se, por estas bandas também tínhamos atirado a toalha ao chão. Claro. Nada a fazer. A coisa é de tal ordem que eu já só recebo instruções por escrito e não é por mais nada, é apenas porque não consigo fixar, é toda uma nova realidade, um mundo estratosférico que desconheço. Há uma coisa que é o Minecraft e o que se pretendia era o Red Stone e que, como digo acima, eu ainda não percebi de que se trata, e era o lego Ninjago não sei quantos, com um misto de nave espacial e de bicho do além, o jogo para a PS3 que era exactamente o não sei quantos e nenhum outro e mais uns bonecos para os ditos jogos (e já nem consigo dizer o nome, já se me varreu. Seria Highlanders?) e os bonecos Hulk e não me lembro do nome do outro, embora estes sejam mais identificáveis. Felizmente, para ela a coisa foi mais normal, um pianinho e, para o mais pequeno, tal como para o seguinte (aquele a quem eu chamava ex-bebé mas que está tão alto que já não chamo tal coisa) foram legos mais normais, da série City, com helicópteros, barcos salva-vidas, crocodilos e coisas reconhecíveis. E galochas e chapéus de chuva. Ou seja, para o mais crescido a realidade já é a tender para a realidade paralela, o irmão para lá caminha enquanto os outros ainda pisam solo familiar. Mas com certeza, não tarda, estarão também a querer coisas estranhas que pertencem a um mundo que eu não sei a que galáxia pertence. 

Depois dos presentes, o lanchinho, já todos desertos de fome, como se não comessem há anos.

Na minha mãe, apesar de super avisada para não se pôr com trabalheiras, a vontade de pôr uma boa mesa, com acepipes a gosto de cada um dos convivas é mais forte do que todas as recomendações

Não tirei uma fotografia à mesa que estava um espectáculo, nem, em particular, ao bolo de chocolate e ao clafoutis de maçã (que adoro!) mas, num ápice, antes que desaparecessem, ainda consegui fotografar um dos pratos das tostas que estavam deliciosas. A minha mãe descobre sempre coisas boas para fazer, que nos surpreendem e deliciam. Estas estavam barradas com queijo-creme e, por cima rolinhos feitos com uma fatia de queijo flamengo com um espargo verde lá dentro e um meio tomatinho cherry. Que agradável e vistoso, com o adequado toque natalício.


Ainda mais deliciosos os crepes -- mas a fotografia ficou desfocada, nem a devia colocar aqui. Fez crepes e recheou-os com ricotta, espinafres salteados e salmão fumado. A mesma mistura encarnada e verde e tão, mas tão, bom, macio, suculento.


Viemos de lá já anoitecia, distribuídos por carros, apertadinhos, e, naquele em que vim, viemos na maior alegria, ouvindo os Tais Quais (presente de natal), com acompanhamento por parte dos viajantes, tudo cantando. No dia de natal, uma outra avó tinha brindado os convivas com a sua bela voz, entoando o cante alentejano, e uma das canções que cantou foi justamente o Limoeiro que também figura neste CD.

O meu marido diz que, no carro em que ele veio, foi a mesma coisa: toda a gente cantava ao som de um cd que tocava alto e bom som.

Hoje tinha um comentário dizendo que este é o blog da abundância. Talvez seja, sim. Quando me dá a veneta, disparo abundantemente, se me dá para o sentimento, a emoção é abundante e, quando relato estes momentos familiares também conto a abundância de cantorias, alegrias, comes e bebes, e animada convivialidade.

Tendo para a imoderação, confesso. Por ser extrovertida, não me retraio na manifestação de pensamentos e sentimentos. Felizmente, tendo a relativizar o que de menos bom me acontece e a vibrar com o que me agrada. Como, às vezes, aqui conto, não é que não tenha problemas como toda a gente os tem, e, como eu, têm problemas as pessoas do meu núcleo familiar mais próximo. Mas temos isto em comum, todos: chatices para trás das costas e vamos mas é curtir a vida no que ela tem de bom. E tem tanta coisa boa. Termo-nos uns aos outros é uma dessas coisas boas - talvez a melhor de todas.
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Podia agora ter aqui uma das músicas que veio animando a viagem mas, com vossa licença, faço uma inflexão.


Amira Willighagen interpreta O Holy Night (St. Jacobs Church, The Hague) - cantando para uma senhora com 105 anos no Concerto de Natal  2015, num programa de televisão dinamarquês

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A ver se consigo fazer, nestes dias que antecedem o fim do ano, um balanço do que se passou (livros, filmes, passeios, etc) ou um caderno de intenções para 2016. Tenho muitas dúvidas que o consiga, não sou dada a isso, esqueço-me do que se passou e gosto de deixar ao improviso o que vem. Mas, enfim, talvez consiga tentar. 
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia de domingo.

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domingo, outubro 05, 2014

'Branca e radiosa vai a noiva' com o seu noivo, junto a um lago com cisnes



De tarde, no parque, rodeados de verde, sob a copa frondosa das árvores, junto ao lago onde deslizavam patos e cisnes, uma noiva deslizava também, majestosa em branco imaculado, rendas e infinitos folhos. Feliz, radiosa, toda ela transbordante de ternura pelo seu noivo, que a seguia e lhe arranjava os caracóis, lhe ajeitava as alças que se queriam descaídas, as flores do cabelo, a maquilhagem nos sorridentes olhos.

De vez em quando, perante uma visão assim, parece que aterro num outro tempo, num outro país. Tanta inocência e candura.

Imagino a feliz expectativa ao escolher o vestido, ela, o fato, ele. E o bouquet, e as flores do cabelo. E tinham uma pequena sombrinha de rendas brancas. O noivo transportava a sombrinha mas depois foi ela que mais fotografias tirou com esse adereço, inclinando a cabeça, dama de uma corte imaginada, e ele o pajem devoto. Ou a princesa e o príncipe encantado, enlevados debaixo da pequena sombrinha que podia ter vindo do castelo dos sonhos da menina que ela ainda é. Podia ser um filme de época. Não parecia uma cena deste inclemente século XXI, parecia um filme, ou um livro cheio de sonhos, a menina que se viu uma deslumbrante pretty woman no dia do seu casamento.

E eu, perante uma cena assim, sinto que às vezes me esqueço das coisas mais essenciais da vida.

Com eles apenas uma fotógrafa. Nenhum convidado, apenas eles e a fotógrafa. E eles posaram, abraçados, a beijarem-se, sob a pequena sombrinha, ou a esconderem-se atrás do tronco de uma árvore, olhar sedutor, ela, olhar quase embaraçado, ele, felizes neste dia tão especial das suas vidas.

O futuro espera-os e acho que eles não exigirão demais um ao outro, amar-se-ão com inocência, ver-se-ão bonitos nos olhos do outro, e saberão ser amigos, companheiros.






Estarão a esta hora festejando a sua noite de núpcias e, de qualquer forma, não me pareceram pessoas que gastem o seu tempo com o Um Jeito Manso. Contudo, gostaria de lhes oferecer alguma coisa e, por isso, não sabendo se tiveram música no momento em que celebraram o seu casamento, arrisco a deixar-lhes aqui o Ave Maria interpretado por Amira Willighagen (a menina holandesa que, há um ou dois anos, deixou todos boquiabertos com o seu talento).











E, como quiseram registar os seus momentos de felicidade junto a um lago onde deslizavam alguns cisnes, deixo-lhes também o Lago dos Cisnes (em que apenas o cisne branco pontua, sem sombras no horizonte).





Svetlana Zakharova, Andrei Uvarov. Swan Lake White Adagio. Bolshoi theater


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Aos noivos desejo que sejam felizes para sempre.


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quinta-feira, outubro 31, 2013

Paulo Portas e o Guião da Reforma para um 'Um Estado Melhor', guião que nunca mais nascia, nunca mais nascia e que, afinal, ao ser dado à luz, é coisa nenhuma (confira aqui o Documento completo). Face a isso, por comiseração, daqui lhe envio algumas dicas do que é necessário para Portugal voltar a ser um País credível. Read my lips, senhor vice Paulo Portas. ..//.. E para que os meus Leitores não fiquem aborrecidos com a aridez do tema, aqui lhes deixo uma notável interpretação de 'O mio babbino caro' por parte de uma menina holandesa de 9 anos no programa 'Holland's Got Talent', Amira Willighagen.

No post abaixo falo-vos da minha opinião sobre o conjunto vazio, do mais vazio que há, que é o célebre Guião da Reforma de Estado do Paulo Portas dado à luz ao início da noite desta quarta feira, dia 30 de Outubro do ano da graça de 2013. Na melhor das hipóteses (na melhor? qual na melhor: na pior) a cerca de 1 ano e picos de se irem embora, agora é que aparece este artista a dizer o que gostavam de fazer. Uma gestação de cerca de dois anos e meio para dar nisto: uma vacuidade absoluta.


Para ver o documento completo, de seu nome 'Um Estado Melhor', clicar aqui.


Se Paulo Portas é inteligente - coisa de que até já começo a duvidar - porque se deixa andar sistematicamente enredado nas armadilhas que o Coelho lhe estende? Dá para perceber? 

A mim o que já me começa a parecer é que, na volta, o mais espertalhaço e maquiavélico é o frio e vingativo ex-Doce. 

Tudo isto poderia ser visto como uma novela de mau gosto, feita de traições, cinismos, hipocrisias, ardis, faltas de moral. Mas o drama é que aquilo a que estamos a assistir é mais do que isso: é a nossa carne a ser devorada a sangue frio, é o nosso país a ser esvaziado, vendido, fragilizado. Portugal entregue a um bando de incompetentes, do mais incompetente que há. Mas daqueles incompetentes perigosos: bem falantes, a apelarem sistematicamente aos sentimentos de culpabilização tão arreigados na matriz cultural portuguesa, a serem capazes de dizerem uma coisa e o seu contrário com cara de quem é do mais coerente que há. Uns farsantes. 

Aparentemente o que querem, ou dizem que querem, é reconquistar a confiança dos mercados, é recuperar a soberania - coisas do género.

Mas, ignorantes encartadados como são, julgam que é com patacoadas escritas em letra de tamanho garrafal para encher o olho e parecer que o documento tem uma dimensão respeitável, que conseguem enganar alguém.

Uma infantilidade.

Mas, enfim, para que não digam que sou bota-abaixo, enquanto não adormeço, aqui deixo (porque até me dá dó) alguns conselhos a Paulo Portas e a todos quantos queiram mesmo recuperar a confiança dos mercados:





1. Saiam do Governo. Já.

2. Se não souberem onde está a porta de saída, então limitem-se a brincar uns com os outros às estátuas. Quietinhos. Sem fazer nada.

3. Se não forem capazes de estar sossegadinhos, então entretenham-se a fazer legos ou a brincar às cabeleireiras ou aos doutores ou ao papai e mamãe - o que quiserem desde que sejam brincadeiras adequadas à vossa idade mental.

4. E, enquanto isso, percebam uma coisa: o que qualquer investidor precisa para ter confiança é de ser capaz de fazer planos, é de saber quais as regras, impostos, etc, para os próximos anos. O que qualquer investidor teme é pôr o seu dinheiro num país em que mudam as regras a meio do jogo, onde o governo é formado por um inqualificável rebotalho político, em que tomam medidas sem avaliarem as consequências, em que tudo o que fazem é para atentar contra a economia, em que não têm noção nenhuma de coisa nenhuma.  


Ora, como já demonstraram à saciedade que a única coisa que sabem fazer é desestabilizar tudo, fazendo porcaria por onde passam, por favor, deixem-se estar quietos. Até que o Cavaco ou a população corra convosco, não toquem em mais nada.


Se os sacrossantos mercados perceberem que, apesar de Portugal estar entregue a gente sem noção nenhuma do que está a fazer, os ministros estão apenas a legislar sobre cães e gatos e o chefe dos ministros não tem cabeça para agir sozinho, talvez resolvam acreditar que, no dia em que vocês, suas abéculas, levem uma corrida em osso, Portugal será capaz de se reerguer e, portanto, talvez ponham cá o dinheiro a juros decentes ou talvez cá voltem a investir.

Por isso, senhor irrevogável vice Portas, conceda-se um favor: não faça mais nada, não volte a aparecer em público a fazer tristes figuras. Reserve-se, antes, para, em privado, convencer os seus colegas a limitarem-se a respirar. Quietinhos, bonitinhos. Se for preciso, até lhes vou aí levar uma chupeta. Todos quietinhos a chucharem na chucha, entretidinhos, caladinhos. Se necessário for, podem ficar deitadinhos no chão, enroscadinhos uns nos outros (isto se tiverem frio, claro). Por mim, está tudo bem.

*

E agora vou dormir que isto me dá sono. 




*

Mas, antes de ir dormir, permitam que aqui vos deixe um presente para ver se compenso a aridez dos temas com que vos tenho andado a maçar.

Vejam, por favor, Amira Willighagen, uma menina holandesa de 9 anos a interpretar 'O mio babbino caro' a famosa ária de Giacomo Puccini. Isto passou-se numa sessão de Holland's Got Talent e é digno de ser visto.




Espantoso!

*

A mulher fotografada lá mais acima é, escusava de dizer, Brigitte Bardot, a célebre BB.

*
Relembro: se quiserem conhecer mais em pormenor a minha opinião sobre o conjunto vazio que é a palha com que Paulo Portas pretende enganar o freguês, é, por favor, descer até ao post seguinte. O Nítido Nulo (obrigada jar!) na sua mais triste evidência.

*

E, por hoje, nada mais. Resta-me, portanto, desejar-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.