A menininha linda também gosta de podar árvores. Sozinha cortou uma rodada de ramos altos de cedro. Ajeitou-se com aquele serrote na ponta de um grande cabo que ofereceram ao avô pelo Natal. O bebé pegou num pau grande, uma estaca redonda e comprida, e andava também com ela ao alto debaixo das árvores a fazer de conta que fazia o mesmo que a mana e os grandes faziam. Também andou com o carrinho de mão onde punhamos as folhas secas e ia despejar, todo contente por ir despejar o 'lixo'. O mano do meio preferiu andar de bicicleta, anda em grande velocidade e, se cai, levanta-se, sacode-se e volta a montar-se e a pedalar. No carro, quando íamos petiscar, enquanto eu falava com a minha mãe, pediu para eu contar que também andou a pôr ramos na fogueira.
O pai deles deitou abaixo, à machadada, um pinheiro. Dito assim custa a crer e eu, se não tivesse visto, ficaria admirada. Mas assisti e confirmo: atirou abaixo um pinheiro alto à força de machadadas. E cortou um ramo gigante de eucalipto. Quando o ramo estava quase separado do tronco principal, começou a ouvir-se ranger, depois as folhas a agitarem-se e, de repente, aquele grande volume desabou lentamente, a despegar-se progressivamente, até que, num grande estrondo, caíu por terra. Desramou também vários pinheiros em altura, serrou os troncos grandes em troncos pequenos e ajudou na fogueira. Ao fim do dia estava, tal como os filhos, cansado e cheio de sono. A mãe dos meninos também desramou pinheiros e varreu o 'campo de futebol' que estava pejado de folhas secas. Ao fim do dia adormeceu no sofá mas, à noite, era a que estava mais acordada pelo que foi ela que foi a conduzir de volta para casa.
Eu também desramei árvores mas hoje não muitas pois, sobretudo, andei atrás do bebé (que já não é bem um bebé mas um rapazinho lindo e terrível, muito independente e cheio de personalidade e, não menos importante, com um sentido de humor fantástico: faz patifarias e, se vê a minha cara espantada, desata a rir à gargalhada). Também trouxe os meninos para casa para lancharem e para ficarem a brincar aqui à porta de casa enquanto os crescidos ficaram no trabalho pesado lá em baixo. E fiz também um ditado à menina já que vai ter teste na segunda-feira e os pais fazem questão que se prepare.
O meu marido, por seu lado, arrastou toneladas de ramos para a fogueira (queima esta devidamente autorizada, refira-se, que isto agora está, e bem, tudo controlado) e disse-me que também desramou árvores.
Conto-vos: é impressionante a quantidade brutal de ramos e de árvores que se têm cortado e queimado e de cuja falta não se sente -- já que tudo o que fica se desenvolve à força toda, num vigor assombroso.
Como sempre, quando já estavamos apenas os dois, cheguei aqui e adormeci. O meu marido anda na mesma e queixa-se: 'um gajo não descansa'. É que, se as semanas úteis pedem o descanso do fim de semana, a verdade é que há não sei quantos que não temos podido ter as merecidas tréguas.
De cada uma das coisas de que aqui falei tenho fotografias. Vou acompanhando o andar do tempo quer com as minhas palavras, quer com as minhas fotografias. Não é apenas a permanente transformação da natureza que vou registando, é também a transformação dos meninos. Estão grandes, desenvoltos, amorosos.
Entretanto, ao abrir o YouTube, voltou a aparecer-me, como sugestão, o trailer do filme que tentarei não perder quando cá aparecer: Celle que vous croyez. Não sei bem como traduzir: Aquela em que acreditas? Aquela que achas que conheces? Aquela que tu julgas que eu sou? Talvez seja mais este último.
Já tinha visto pois tem-me aparecido amiúde. E já li e vi entrevistas, nomeadamente com a actriz principal, Juliette Binoche.
É a história de Claire, uma professora universitária com 50 anos, que, para se vingar de um amor perdido ou para se desforrar da sua condição de mulher a perder o viço ou apenas para tentar viver uma situação emocionante (não sei -- nem sei se ela sabe), cria um perfil falso, o de Clara (Clara Antunes porque, quando estava a criar o perfil, ao pensar no nome, pousou o olhar num livro de Lobo Antunes).
Para tal inventa que tem 24 anos e, para a coisa ser credível, arranja uma fotografia de uma rapariga bonita e usa-a. Aproxima-se, então, de um jovem, amigo do ex-amante. Aos poucos o jovem apaixona-se por ela. Ela é simpática, sempre presente, usa frases joviais, emojis e outros bonequinhos, e assim vai enleando o ente cada vez mais seduzido. E do facebook passa para o telefone. E, aos poucos, vai, também ela, ficando prisioneira do avatar que criou, passando de sedutora também a seduzida. Rejuvenesce, apaixona-se. E, no entanto, ela é apenas uma voz, palavras, uma presença remota. Só que o mistério e intangibilidade seduzem. O trailer mostra as sessões que Claire tinha com a psicóloga, onde explica o que se passa.
Sem culpa: pelo contrário, com desarmante franqueza, Claire explica que, se não se disfarçasse de jovem alegre e descontraída, Alex, o jovem, não se apaixonaria por ela.
É a história de Claire, uma professora universitária com 50 anos, que, para se vingar de um amor perdido ou para se desforrar da sua condição de mulher a perder o viço ou apenas para tentar viver uma situação emocionante (não sei -- nem sei se ela sabe), cria um perfil falso, o de Clara (Clara Antunes porque, quando estava a criar o perfil, ao pensar no nome, pousou o olhar num livro de Lobo Antunes).
Para tal inventa que tem 24 anos e, para a coisa ser credível, arranja uma fotografia de uma rapariga bonita e usa-a. Aproxima-se, então, de um jovem, amigo do ex-amante. Aos poucos o jovem apaixona-se por ela. Ela é simpática, sempre presente, usa frases joviais, emojis e outros bonequinhos, e assim vai enleando o ente cada vez mais seduzido. E do facebook passa para o telefone. E, aos poucos, vai, também ela, ficando prisioneira do avatar que criou, passando de sedutora também a seduzida. Rejuvenesce, apaixona-se. E, no entanto, ela é apenas uma voz, palavras, uma presença remota. Só que o mistério e intangibilidade seduzem. O trailer mostra as sessões que Claire tinha com a psicóloga, onde explica o que se passa.
Sem culpa: pelo contrário, com desarmante franqueza, Claire explica que, se não se disfarçasse de jovem alegre e descontraída, Alex, o jovem, não se apaixonaria por ela.
Este mundo virtual em que se podem criar personagens, inventar-lhes uma identidade, criar laços com outros seres que igualmente são nada mais do que presenças intangíveis do lado de lá do espelho é algo que me interessa bastante.
Tenho conhecido personagens assim, por aqui.
Uma coisa é uma pessoar ser anónima. Por razões pessoais ou profissionais uma pessoa pode não revelar a sua identidade. É o meu caso. Mas, em tudo o resto, haver verdade e, até -- se no mundo virtual faz sentido falar nisso -- haver transparência. UJM sou eu.
Mas outra coisa é inventar personas, dar-lhes um nome e criar para elas uma imagem, uma história, uma maneira de ser. Note-se que, ao falar, não critico isso pois admito que seja um caso psicológico, uma impersonalização, uma transposição de uma personalidade ficcional para um avatar. Não sei explicar bem mas admito que possa até não ser coisa voluntária ou racional. Suponho que o próprio acaba -- tal como Claire ficou prisioneira de Clara -- também refém das mentiras que vai criando para dar vida ao seu personagem, e isso dá-me alguma pena.
Tenho conhecido personagens assim, por aqui.
Uma coisa é uma pessoar ser anónima. Por razões pessoais ou profissionais uma pessoa pode não revelar a sua identidade. É o meu caso. Mas, em tudo o resto, haver verdade e, até -- se no mundo virtual faz sentido falar nisso -- haver transparência. UJM sou eu.
Mas outra coisa é inventar personas, dar-lhes um nome e criar para elas uma imagem, uma história, uma maneira de ser. Note-se que, ao falar, não critico isso pois admito que seja um caso psicológico, uma impersonalização, uma transposição de uma personalidade ficcional para um avatar. Não sei explicar bem mas admito que possa até não ser coisa voluntária ou racional. Suponho que o próprio acaba -- tal como Claire ficou prisioneira de Clara -- também refém das mentiras que vai criando para dar vida ao seu personagem, e isso dá-me alguma pena.
Há depois outras pessoas, pessoas com frustrações, que vivem vidas de solidão, e que preenchem o vazio aproximando-se virtualmente de outras pessoas, imaginando amizades maiores do que são na realidade, ficcionando afectos, insinuando-se, seduzindo. E, se percebem que, do outro lado não há disposição para alimentar essa fixação, forjam novas personagens que usam para se vingarem, para acusarem, para difamar, intimidar. E, de novo, falo nisto sem crítica. Acontece e há que aceitar que a vida é cheia de situações que preferíamos que não existissem. Mas o mundo não é perfeito. Há pessoas com problemas, que precisam de ajuda. Mais do que rejeitá-las, tenho pena, desejo que procurem apoio, que se tratem. Viver uma vida na sombra de personagens, ou mostrando uma carência afectiva muito grande ou mostrando rancor pela felicidade alheia, é uma forma estranha e, creio, pouco saudável de viver a vida.
Mas, enfim, não tenho conhecimentos suficientes para saber qual a melhor forma de lidar com estas situações. Diria que não se deve alimentar a dependência dessas pessoas, que o melhor é deixar que percebam que devem procurar tratamento ou alguma outra forma de apoio. Mas não sei mesmo.
Mas, enfim, não tenho conhecimentos suficientes para saber qual a melhor forma de lidar com estas situações. Diria que não se deve alimentar a dependência dessas pessoas, que o melhor é deixar que percebam que devem procurar tratamento ou alguma outra forma de apoio. Mas não sei mesmo.
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Lamento não conseguir responder aos comentários ao post de ontem. Passa bem das duas da manhã, estou perdida de sono. Se conseguir ligar o computador durante o dia, tentarei responder. Vai ser muito preenchido mas pode ser que tenha uma aberta. Aceitem as minhas desculpas.
As pinturas que usei neste post são de Hee Sook Kim.
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A todos desejo um feliz dia de domingo
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