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num jardim da antiga china podia ler-se que era proibido colher flores, mas o vento não sabe ler... * |
Rosa. Rosa do mundo.
Queimada.
Suja de tanta palavra.
Primeiro orvalho sobre o rosto.
que foi pétala
a pétala lenço de soluços.
Obscena rosa. Repartida
Amada.
Boca ferida, sopro de ninguém.
Quase nada.
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
é como se prendesse entre os meus dentes
todo o luar das noites transparentes,
todo o fulgor das tardes luminosas,
o vento bailador das primaveras,
a doçura amarga dos poentes,
e a exaltação de todas as esperas.
Ali, onde as rosas se doavam
a quem, pousando a mão, se debruçasse,
ficou uma saudade sem história
Nem dor... Só de alegria
o sentimento pleno a quem ousasse
colhê-las na memória.
Ninguém perceberá morta a distância,
nem o aroma breve que evolavam.
Só a saudade de uma luz perfeita,
descendo na minha alma a minha vida,
descobre, junto a uma pétala desfeita,
o teu olhar puríssimo.
Coroai-me de rosas,
coroai-me em verdade,
de rosas —
Rosas que se apagam
em fronte a apagar-se
tão cedo!
Coroai-me de rosas
e de folhas breves.
E basta.
Abro a rosa com as pétalas viradas para dentro
de mim, sugando-me o ser com os seus lábios
de veludo. E quando estou dentro da rosa, ouvindo
a música que corre ao longo do caule, num êxtase
de seiva, troco em versos o que a rosa me diz,
sentindo que a rosa se fecha, em botão, para
que o meu ser não saia de dentro dela. Então,
sei que habito o próprio centro do efémero,
enquanto as pétalas vão caindo, uma a uma,
à medida que a rosa se abre, e o sol que entra
para dentro da rosa, empurrando o meu ser
para fora do seu centro, corre nas minhas veias,
como seiva de fogo, até fazer com que os outros
botões nasçam, para que me suguem o ser, até
entre mim e a rosa não haver senão a frágil
fronteira de um espinho, em que me pico,
sentindo que a gota de sangue do meu dedo
podia ser a seiva em que a rosa nasce do ser
que a deseja, no instante efémero do amor.
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Um Ramo de Rosas Colhidas por José da Cruz Santos na Poesia Portuguesa e Estrangeira Direcção gráfica de Armando Alves da Editora Modo de Ler |
Todos os poemas podem ser lidos no muito belo livro cuja imagem mostro acima entre ramos de rosas aqui em casa.
- O primeiro é de Eugénio de Andrade e chama-se Rosa do Mundo.
- O segundo chama-se As Rosas e é de Sophia de Mello Breyner.
- O terceiro, Ali, onde as rosas... é de Ruy Cinatti.
- O quarto é uma ode de Ricardo Reis.
- O último é Rosa com Espinho e é de Nuno Júdice.
- A fotografia a preto e branco é Rose de Robert Mapplethorpe.´
- A inscrição em itálico como legenda da fotografia encontra-se na entrada do livro
- O primeiro vídeo é o desdobrar de uma rosa ao som da Suite Nº 1 para Violoncelo de Bach.
- O seguinte é The Rose interpretado por Janis Joplin.
- O bailado é o ballet Le Spectre de la Rose dos Ballets Russes baseado num poema de Théophile Gautier aqui com Lillian Gish e Patrick Dupond.
- O último vídeo é A red, red rose de Robert Burns cantado por Andy M. Stewart
- A seguir à rosa com espinho está Marilyn Monroe.
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Se vos apetecer continuar um pouco mais na minha companhia, convido-vos a virem até ao meu Ginjal e Lisboa onde as minhas palavras se deliciam com um cesto de laranjas e com as palavras de Herberto Helder. A música é outra grande interpretação de Martha Algerich, desta vez tocando Domenico Scarlatti.
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E nada mais por hoje.
Mas quero ainda desejar-vos uma terça feira muito feliz.
E, com este ramo de rosas, quero dizer-vos que vos desejo que o perfume e a graça da vida nunca vos abandone.