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Janelas de Guimarães |
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Portas de Portugal |
Se a paisagem chama, eu, logo de cabeça no ar, nem vejo onde ponho os pés. No outro dia, encantada com a natureza e banhada por uma luz doce e perfumada, pisei uma pedra. O pé deslizou, despousou em vão. Uma dorzinha infantil. Passou logo, nem mais me lembrei dela. Dois dias depois começou a doer ali de lado, onde tinha mordido na hora. Não liguei. De resto, o salto alto é profiláctico. Mas, na sexta-feira, a dor foi subindo de tom. Ainda fiz a minha caminhada à hora de almoço, breve, apesar de tudo, mas até parecia que, se andasse mais, o músculo pequeno ali da lateral do pé, desenrolava. À noite já coxeando. Fomos jantar com uns quantos. Logo o mais pequeno, três anos, vendo-me avançar assim, decretou: tens que usar guletas. Disse-lhe que também não era caso para tanto.
Este sábado, ao levantar-me, o pé já não queria estar no chão. Inchado de lado, umas dores daquelas. Prescrevi: ibuprofeno, 600 e avancei na toma. E mais: gelo e descanso. A excepção foi a ida a casa dos pais. E, claro, o pequeno doutor estava certo, lá fui de guletas (mais propriamente, as ditas canadianas) que, de outra maneira, só se fosse ao colo.
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Janelas do Porto |
De resto, o dia quase todo no sofá. Como sempre que vou para qualquer lado, e ir para o sofá não é excepção, muni-me de livros. Ainda o da Agustina, e mais A Arte da Meditação, do homem mais feliz do mundo, o Matthieu Ricard, e também Um sol esplandecente nas coisas, cartas de Mário Cesariny para Alberto de Lacerda e, para terminar, Aproximações a Eugénio de Andrade, com um desenho de Jorge Pinheiro.
Fui lendo poemas, cartas, divagações, reflexões, e fechando os olhos, e, depois, como num sonho, voltando a ler.
Pelo meio, chegaram mais uns quantos, de pé no ar preparei uma refeição, um arroz de peixe, tenho sempre receio que durante a semana comam pouco peixe e, por isso, quero compensar, depois alimentámo-nos, e, quando já mais irrequietos e eu que estivessem quietos à mesa, pediram-me uma história e eu inventei uma que metia corujas, coelhinhos vadios, grutas, aventuras nocturnas. A seguir, regressei ao sofá e, aflita, descobri que me desapareceu a Agustina. Perguntei por ela. Ninguém viu. Forneci a informação: vestida de azul. Nada. Só pode ter sido enquanto estive na cozinha. Já revirei, espreitei: nada. Os outros aqui estão, já os trouxe do sofá, mas dela nem rasto. Não tenho explicação.
Depois, eles brincando à minha volta, entretidos com desenhos ou a improvisar agrafos -- já que eu escondi os legítimos, não vão eles magoar-se com o agrafador -- fiz o post do amoroso Hotel parisiense do André Saraiva. E voltei ao sofá na esperança de que a descarada da Agustina tivesse regressado. Que nada, deve andar por aí, rindo, espreitando novas modas. Queria cruzar as palavras do Cesariny sobre a Helena (Vieira da Silva) e o Arpad com as dela sobre eles e nada, deixou-me descalça.
Agora regressei aqui -- estou descalça (como disse) -- com um saco daqueles que tem um líquido azul que congela agarrado ao pé através de uma écharpe encarnada, e com a perna em cima de outra cadeira. E ouço que está a chover. Gosto de ouvir chover enquanto estou aqui, quase às escuras, nesta conversa mole e a ouvir a Keren Ann a cantar, precisamente, Where did you go?
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Janelas da Ericeira |
Cheguei, pois, aqui ao computador e vejo, no google, que começou a Primavera. Ainda não me habituei a isto. Não que seja avessa à mudança mas isto acho que nem foi mudança, que foi imposição. Eu, pelo menos, não dei por nada. A Primavera começava a 21 de Março, acho eu, e agora, sem mais nem ontem, começa a 20. Não é de hoje, já foi assim umas vezes antes mas não dei conta de quando foi a primeira vez. Também pensava que no primeiro dia de Primavera era o Dia da Poesia e afinal a Poesia foi a 19 e eu queria ir ao CCB, tinha tanta vontade, ia gostar de ver os rostos de quem ama a poesia e, afinal, fiquei aqui retida e a pensar quem me manda a mim andar sempre a olhar tudo em volta em vez de andar a ver por onde pára a minha sombra ou as pedras que vêm esconder-se debaixo dos meus pés.
E, com isto tudo, acho que não tenho mais nada para dizer a não ser que amanhã espero bem já poder andar quase normalmente porque o ibuprofeno e o gelo têm mais é que fazer efeito e que, como passei o dia quase todo fechada em casa, me lembrei de aqui ter janelas. Fui à procura e encontrei o André Vicente Gonçalves, um Portuguese computer-scientist-turned-photographer que, entre outras coisas, fotografa janelas e portas por todo o mundo. Só aqui coloquei montagens relativas a Portugal pois são lindas as nossas.
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Janelas de Sesimbra |
E, assim sendo e nada mais havendo a dizer, vou-me mas, já que é Primavera, não sem antes oferecer flores a cada um de vós:
Trouxe-te um ramo de frésias
(não eram essas as flores dos jardins de Castelo Branco?)
embrulhadas em celofane
por causa do frio
Trouxe-te um ramo de frésias
já que não te podia trazer um rio