Hoje foi um dia quase normal, com reuniões e tudo. Contudo, bem mais moderado do que era antes. E teve trabalho de mails, de despachos, de apresentações, telefonemas. Mas tudo melhor doseado.
Junto à hora de almoço, o meu marido pegou numa cadeira e num pequeno sacho e eu peguei numa taça e fomos apanhar nêsperas. O meu marido subiu da cadeira para o muro e, lá em cima, com o sacho fazia vergar as pernadas da nespereira. E ou ele ou eu apanhávamos as nêsperas. Estão gordas e doces e temos ali uma bela quantidadezinha. Adoro nêsperas.
Ao vê-lo empoleirado, pensei que, se os netos o vissem, talvez tivessem orgulho nele tal como eu sentia ao ver o meu avô andar em cima da nespereira para me dar as nêsperas a mim.
Quando fui despejar o balde das rodas ao monte da compostagem, passei pela horta e apanhei (e comi) framboesas. Depois fiquei a recear que não fossem framboesas mas outro fruto não comestível. Mas já tinha comido. Agora, já passaram umas boas horas e ainda estou viva. Portanto, eram inocentes framboesas.
Claro que não falei na minha dúvida ao meu marido para que não ficasse a achar que não pode confiar em mim.
Ontem aconteceu uma coisa que só serviu para lhe dar razão. Conto-vos.
Geralmente não tomo medicamentos. Há uns anos, receitaram-me glucosamina e disseram que era melhor tomar todos os dias. A minha prima médica já antes me tinha dito que com os antecedentes da nossa avó, que padecia de dores nas articulações, mais valia prevenirmo-nos e tomarmos glucosamina. Mas esqueço-me e passam-se temporadas sem tomar nada. Contudo, ultimamente andava a tentar não me esquecer pondo o frasco em cima da mesa onde tomamos as refeições. Se o tirava de lá, certo e sabido que, até me lembrar, passavam semanas ou meses de esquecimento.
Acresce que tive que fazer, entre outros, um exame que requer a tomada de contraste por via endovenosa. Como o contraste é à base de um produto que existe num alimento a que sou alérgica, foi-me prescrita a toma prudencial de um corticoide de manhã e um anti-histamínico à noite com quatro dias de antecedência. E que, no dia do exame, não apenas tomasse de manhã o corticoide como, ao almoço, o anti-histamínico.
E aí veio o receio de me esquecer: se da glucosamina era o que se sabia, faria agora como mais três. Então, para ter a coisa bem controlada, passei a fazer assim: à noite punha os quatro medicamentos directamente na mesa. E, à medida que tomasse cada um, punha a embalagem dentro de uma bandeja. Portanto, não tinha que enganar: fora da bandeja, significaria medicamento não tomado.
Pois bem. De manhã, ontem, dia do exame, corticoide tomado, caixa para a bandeja. Quando, à hora de almoço, fui tomar o anti-histamínico, vi que já havia cinco comprimidos tomados. Fiquei baralhada. O que ia tomar era o quinto. Como... já cinco tomados?
Puxei pela cabeça. Nada. O que quer que fiz, fiz distraidamente, sem dar por ela.
Ou seja, no dia em que tinha mesmo que tomar os medicamentos para prevenir reacções alérgicas, não sabia se tinha tomado o comprimido. Fiquei sem saber o que fazer: ou arriscar-me a não tomar ou arriscar-me a tomar o dobro da dosagem...?
O meu marido passado comigo: como é possível? como é possível que não prestes atenção a estas coisas?
Mas, pronto, fazer o quê? Mea culpa, mea maxima culpa. Pelos vistos não tomei mesmo a devida atenção. E quando lá cheguei tive que fazer a figurinha triste de dizer que não sabia se tinha ou não tomado o anti-histamínico. Disseram-me para não tomar que eles iam estar atentos a alguma reacção e a postos para actuarem. E, no fim, tive que ficar à espera a ver se não aparecia a reacção.
Cá para mim, tomei foi no sábado dois em vez de um pois no sábado andei ainda mais espapaçada que nos outros dias.
Por isso, o meu marido tem a ideia que, se não verificar minimamente o que faço, é mais do que certo que irei despistar-me. Mas como também não tenho pachorra para prestar contas e muito menos para ser controlada, quando troco mesmo as mãos, ele não tem como ajudar-me... e fica todo irritado.
Isto contado assim deve parecer coisa de marretas. E, na volta, é o que é. Mas a verdade é que é assim agora e desde sempre, desde o tempo em que éramos praticamente adolescentes: ele muito compenetrado das suas tarefas e responsabilidades e eu desvalorizando o que considero minudências. No entanto, dou-lhe razão: o meu conceito de minudências é muito alargado pois, sem querer, encaixo nas minudências coisas como a toma de medicamentos críticos, em momentos críticos.
A minha mãe é a mesma coisa. Hoje dizia, quase como se implorasse: e, por favor, deixa de comer tantas nozes, tantos cajus..!. Já lhe disse que primeiro vamos ver o que se conclui dos exames mas que uma coisa é sabida. colesterol alto não tenho. As minhas análises, do que se viu e até ver, estão bem e que nada do que se passou tem a ver com frutos secos. Mas... e ela ouvir-me....? Diz que sou dada a excessos, recorda-me episódios que, em sua opinião, provam que sou desmedida e, sem que haja ainda conhecimento médico da situação, já quer, à viva força, que prometa que não vou voltar a comer tantos frutos secos. Por mais que lhe diga que não tem nada a ver, que os médicos não descartam que seja algum efeito da vacina, ela quer, porque quer, que eu espie pecados que não cometi. O meu marido tende a alinhar pela mesma bitola e, volta e meia, diz-me: a tua mãe é que te conhece bem.
Ou seja, na cabeça deles de alguma coisa eu hei-de ser sempre culpada. O que me vale é que esse conceito do pecado e da culpa não faz lá muito o meu género.
Tirando isso, tivemos visitas ao fim da tarde: o meu filho e a sua trupe. Dantes, quando alguém chegava, beijávamo-nos. Agora não. Qualquer dia esquecemo-nos desses hábitos de afecto e proximidade. Tenho, em especial, muita vontade de abraçar, beijar e ter sentados ao meu colo os meus pequeninos. Um dia destes, estão do meu tamanho e ficará absurdo querer que se sentem ao meu colo.
Meus meninos mais queridos.
E é isto. Por hoje, nada mais a acrescentar. Daqui a nada estamos no verão mas, por cá, ao fim do dia outonou. E agora estou aqui e até tenho um poncho vestido. Certo que é de linha, aos buracos, mas aconchega-me. Está fresco.
______________________________________
As pinturas sã da autoria de Manuel Mendive enquanto Rhiannon Giddens interpreta Round about the mountain
____________________________________________________________
E umas palavras para melhorar o dia
"Toda limitação é estimulante"
| Guimarães Rosa e Maria Bethânia