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quarta-feira, novembro 15, 2017

Where the wild roses grow

-- O FIM --





E, então, Benedita deixou-se levar por aquela estranha intuição que parecia tomar conta dela, como se se visse como a lente de Filipe a iria ver. Sabia escolher o ângulo de luz, sabia elevar o queixo e deixar descair o ombro para que os seios tombassem de forma mais evidente, sabia encostar os lábios para que a inocência fosse mais sentida, sabia deixar esvair o olhar para que a tentação fosse mais subtil, sabia mostrar a curva do torso, a elevação da anca, a melancolia que pede protecção, o apenas adivinhado meio sorriso, o movimento casual do cabelo. 

A música tocava e Benedita nem a ouvia, entregue ao prazer de se deixar capturar. E toda ela se entregava. E se o sabia fazer. Sabia deixar que o corpo se esgueirasse, que a camisa se entreabrisse, que a saia se levantasse num assomo de pecado, que os olhos se toldassem e não por arrependimento, que o coração lançasse um silencioso grito, um apelo sem palavras, só a luz pousada na pele, só o olhar de Filipe pousado nela.


Ao movimentar-se sabia exactamente a forma como a câmara a captaria. Filipe mal se mexia. Se com algumas modelos tinha que circular em volta delas para descobrir a melhor perspectiva, com Benedita não era preciso. Ela transfigurava-se mal sentia a objectiva apontada na sua direcção. 

Era, então, um perigoso felino, uma leoa vagarosa, uma gata dengosa, um cavalo sem rédeas, um pássaro em pleno voo, uma boneca dócil e profana, uma deusa espiritual. Uma wild, wild, oh so wild, rose. Umas vezes, não mais que uma criança vaporosa ou talvez uma mulher com mil histórias; outras, uma alma vadia, uma selvagem tentação, uma perdição consentida.

Não falava. Apenas olhava. 


Ela própria vestia e despia roupas, descobria-se e logo se cobria com véus invisíveis. Sem hesitações ou pudor, o seu corpo aparecia ou encobria-se como se estivesse sozinha. Filipe, como sempre, ficava em êxtase olhando aquele corpo disponível mas inacessível, aquele corpo desejado e sempre negado. Um corpo como um instrumento usado com mestria. Um corpo sem alma, sem rédeas, livre, livre.


Meninha assistia, encantada mas com traços de tristeza no rosto. De todas as vezes que via Benedita a ser fotografada sentia aquele desgosto antigo que feria como uma lâmina já familiar. Gostava de ter um corpo assim. Não tanto o rosto mas o corpo. Gostava de ter uns seios que enchessem as mãos que os segurassem. Gostava de ter umas ancas que ondulassem para que, quando estivesse deitada, se elevassem como uma montanha suave.

Zezinho diz-lhe que é linda assim mesmo, com seu corpo quase liso, que não pense mexer nele. Mas Meninha não quer saber. Anda a juntar dinheiro. Faz maquilhagem, faz limpeza, passeia cão, toma conta de menino, canta em bar, faz o que aparecer. Já andou a informar-se, já foi a médicos. É muito caro mas um dia ela vai ser capaz de pagar para esculpirem seu corpo.

Então, enquanto Beny se perde em seus delíquios, rebolando e se mostrando, insinuando e escondendo, Meninha vai comparando para avaliar o que teria que fazer: enxertar aqui, retirar dali, preencher no cantinho, disfarçar ou acentuar na curvinha.

Nem ouviu quando Filipe lhe disse: 'Vá Meninha, agora tu.'.

Benedita reforçou: 'Acorda, Meninha. Vem. Deixa o Filipe fazer de ti uma diva'.

Meninha despertou. Sem nada dizer, limpou as lágrimas que tinham voltado.


Depois, 'Não. Não, Filipe. Esquece. Não sou lindeza que nem Beny. Continua deixando que Beny dê conta de teu juízo... Eu fico só vendo.' e tentou rir.

Mas Filipe não ligou: 'És linda, sim. Deves pôr a cabeça de muito homem à roda'.

Meninha confirmou: 'Muito homem me quer pegar, sim. Dou desejo nos homens e nem eu sei porquê, que me vejo no espelho e não vejo aquele abismo que puxa os homens. Mas puxa, sim.' E ficou calada. Até que logo depois: 'E muito homem já me pegou, sim. Deixei. Me pagava as conta. Me habituei a não ligar. Deste que deixei de meninar, já eu me entregava. Nem sei. Dez, doze anos. Nem sei. Um corpinho ainda por fazer. A fome faz isso, o abandono, a vontade de uma cama, de um bolo na pastelaria, de um sapato novo.'

Filipe, já aflito: 'Deixa, Meninha, não pensa nisso. Deixa. Não quer fotografar, não fotografo'.


E então Benedita, abraçando Meninha: 'Deixa isso para trás, não penses. Filipe tem razão. Deixa só que ele fotografe teu rosto para veres como és tão linda. E alegra-te, menininha. Não deixes que o passado te deixe triste. Já passou. Olha, sorri. Vai, Filipe, apanha este olhar tão bonito.'

Filipe fotografou. Mas o ambiente estava ensombrado. Meninha ajeitava a juba de Meninha e chamava: 'Vá, Filipe, agora, vá, olha o jeito doce dela'. Depois puxou-lhe a blusa para baixo, de um lado, deixou o ombro à mostra. 'Vá, Filipe, vê como é bonito o ombro dela'.

E, então, como que ganhando coragem, Meninha se pôs de pé. Limpou os lábios, com a costa da mão tirou a pintura dos olhos, quis que seu rosto ficasse nu. 'Vá, Filipe, fotografa.' E começou a despir. Benedita sentou-se, o coração descompassado. O pudor de Meninha não deixava nunca que o corpo se descobrisse. E agora...

'Vá, Filipe, vá disparando', desafiava Meninha, a voz rouca, como se em sofrimento. 'Olha bem, olha pr'a mim, vai, vê o corpo que tanto homem já pegou'.

Filipe obedeceu. Meninha puxando a sua roupa. 'Vá, Filipe, dispare. Apanhe uma wild rose como nunca viu'. O traje caindo devagar. Nem Filipe nem Benedita falavam. Mal respiravam.


Meninha já não falava. O rosto triste, triste. Estava revelando o seu corpo. O seu corpo de menino à vista. Seu segredo exposto. Seu silêncio desnudado.


Encobrindo sua vergonha, de frente, o seu corpo ainda em bruto, ainda por esculpir. Incapaz de uma palavra. Nem Meninha, nem Beny nem Filipe.

Depois, achou a última coragem que faltava e descobriu o que faltava mostrar.

Nenhum falava. Nem uma lágrima ousava correr. Apenas o silêncio ocupando o vazio que, de súbito, tinha ocupado todo o espaço.


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The end

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Meninha
(Filomeno de seu verdadeiro nome; aka Jaye Davidson fazendo de Dil)
interpreta The Crying Game



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O episódio que acabaram de ler, o nono e último do folhetim 'Where the wild roses grow', vem na sequência de:
Oitavo episódio: Memórias com lágrimas
Sétimo episódio: Noite de histórias
Sexto episódio: Noite de juízo
Quinto episódio: A solidão das mulheres bonitas
Quarto episódio: Actos falhados, sentimentos desencontrados 
Terceiro episódio: Uma wild rose com red carnations nos seios 
Segundo episódio: Beny e Meninha numa tarde especialmente quente
Primeiro episódio: Wild Rose
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quarta-feira, março 30, 2016

Como funcionam os testes de compatibilidade? - A matemática por detrás dos encontros online.
E, já agora, o que é o amor?



Continuemos, pois.

E, se não se importam, vamos com uma das músicas que, quando me quero lembrar de uma que tenha a ver com amor, logo se me ocorre. Faz parte da banda sonora de um grande filme, Closer (de que aqui já falei algumas vezes)


No post abaixo mostrei um vídeo sobre os mecanismos que levam à atracção entre duas pessoas e, quando ainda estava envolta nas minhas próprias questões, rebatendo cada uma que se me colocava, olhei para o lado e vi que o algoritmo da google já ali tinha mais dois vídeos para mim, um eles, muito justamente, ligado a algoritmos.

Já estive a vê-los e até fiquei a saber de um site para descobrir compatibilidades, o OK Cupid. Fui à procura e, toda afoita, até ia experimentar -- mas sou afoita mas é o tanas porque parei logo, aquilo já me estava a pedir a identificação e eu não quero cá nada disso, não quero cá encontrar mais nenhum amor, que já tenho que me chegue, queria era perceber o que é que saía dali, se o dito Cupido me recomendava algum monge tibetano ou um jihadista no activo. Mas pronto, fica para outra vez. De qualquer maneira já fiquei a perceber como é que funciona.


Logo uma das perguntas que são referidas no vídeo que aqui partilho convosco e em que explica como é que aquilo funciona -- se a pessoa é organizada, se quer que o outro seja organizado e se isso é importante para si -- faz-me perceber a lógica da coisa, já que há uma atribuição de pontuação e uma calculatória que me parece fazer sentido.
[Já agora respondo: eu, no trabalho, sou organizada mas no resto não sou, gosto que o outro seja organizado mas não muito e não é tema muito relevante para mim. Por exemplo, odiaria viver com um daqueles obsessivos compulsivos que quer tudo simetricamente arrumadinho, não suportaria que me moesse a paciência a dizer que queria os livros aqui todos muito organizadinhos ou, pior, que não admitia nem um livro fora das estantes. Acho que ele é que ia porta fora. 
Nem suportaria viver com um sujeito que quisesse ser o centro das atenções. E isso para mim é relevante pois andar com um palhaço ao lado deve ser do pior que há, detesto dar nas vistas, seja por mim, seja por quem me acompanha. 
Ou se me perguntassem se prefiro um betinho ou um insolente, diria, sem hesitar, que prefiro um insolente (dá-me vontade provocar, ver se tem poder de encaixe ou se escorrega como uma mariazinha; ou seja, para mim um permanente desafio)]
Estou a escrever isto e já com vontade de construir aqui um teste e fazer uns cálculos para ver se construo o meu próprio algoritmo. Um dia que esteja acordada, a ver se me lembro disso que deve ter graça.

Mas se já percebi como é que funcionam os algoritmos que estão por detrás dos sites que arranjam parceiros compatíveis, fico na dúvida se isso funciona, de facto. Acho que se está no domínio da teoria, quase tanto como a folha de excel está para a economia real. Eu acho que a coisa só funciona se funcionar fisicamente e fisicamente só se sabe quando os dois estão face a face. Acho eu. Embora, acredite que o poder das palavras, mesmo que remotas, é efectivo, talvez até demolidor. 

Espero que, mesmo os que não apreciam grandemente a matemática, gostem do vídeo que aqui vos mostro pois é muito facilmente compreensível e é interessante para se perceber como funcionam os testes de compatibilidade de personalidades.


Inside OKCupid: The math of online dating - Christian Rudder 

(um dos fudadores do dito site)


When two people join a dating website, they are matched according to shared interests and how they answer a number of personal questions. But how do sites calculate the likelihood of a successful relationship? Christian Rudder, one of the founders of popular dating site OKCupid, details the algorithm behind 'hitting it off.'



O outro vídeo que o youtube me recomendou também é interessante. Tem a ver com uma daquelas perguntas que, tal como a outra, 'O que é a arte?', pode ter milhões de respostas e nenhuma será a definitiva. O que é o amor?
É viciante? Viciamo-nos numa pessoa? Não conseguimos passar sem saber dela? Não descansamos enquanto não a vemos, não a ouvimos ou não lemos as suas palavras? É bom o amor? É um vício bom? É daqueles vícios dos quais não nos queremos curar? Tem explicação? Ou é bom que não a tentemos sequer encontrar?

What is love? - Brad Troeger


Is love a signal winding through your neural pathways? A cliche? A cult? Love is easy to compare but difficult to define, maybe because we're fundamentally biased; we try to define love while falling in or out of it. And love feels differently to every person who feels it, but this subjective emotion has evolutionary explanations, too. Brad Troeger takes a shot at the definition of love. 

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Isto já vai longo e eu já devia estar a dormir há horas mas, já viram como é, ponho-me aqui de roda disto e esperto, parece que agora é que estava bom para começar a escrever. Caraças. Mas antes de me ir, apetece-me ainda ouvir Pablo Neruda. Devia ouvi-lo na língua original mas apetece-me dito assim, com fadiga na voz.


Here I love you de Pablo Neruda (lido por Tom O'Bedlam)


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Bem, agora é que é. Vou. 
O tema, como disse acima, complementa-se com o post a seguir, sobre a importância dos sentidos nisto da atracção.

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sexta-feira, março 30, 2012

Vítor Gaspar e o Orçamento Rectificativo; o Banco de Portugal e o agravamento da recessão; o autismo deste Governo face à evidência dos factos. É hora, meus amigos de Calling all Angels. E, para não falar mais disto, que me enerva, vou falar-vos de Eva, da sua entrevista e da respectiva sessão fotográfica.

Música, por favor
Jane Siberry - Calling all Angels


Os sinos tocam a rebate.

Notícia de quinta feira: a economia cai ainda mais aceleradamente do que o próprio Banco de Portugal tinha previsto. É a recessão a cavar uma cova mais funda. O BdP, a insuspeita entidade governada pelo insuspeito Carlos Costa,  revê em baixa as previsões. Claro. Quando se trabalha tão afanosamente no sentido da destruição do tecido económico e quando se retira tanto dinheiro da economia, o que se esperaria? Claro que  o consumo cai abruptamente e todo o edifício vai ruindo.

E a receita fiscal diminuiu. Apesar do pesado agravamento da carga fiscal, apesar de todos nós recebermos muito menos, a colecta é inferior. Claro. De que é que estavam à espera...?

Com tantas empresas a colapsarem ou a patinarem, é natural que os resultados (leia-se: ‘lucros’) caiam a pique (e o IRC, acompanha a queda, é claro). Com tanta gente desempregada ou a ganhar menos, é natural que o IRS também caia. Com tantas dificuldades, é natural que o consuma caia e, portanto, menos IVA. Era difícil prever isto? Eu acho que não. Eu acho que isto era mais do que óbvio, um óbvio do mais cristalino que há.

Quando a economia é atacada, todos os impostos que dela dependem, caem também. Aumentá-los numa altura de definhamento económico é pura parvoíce. O efeito é sempre contraproducente pois, ao agravar a carga fiscal, depaupera-se ainda mais a economia. Medidas destas aceleram os movimentos recessivos. Medidas destas nestas alturas põem a história a andar para trás, anulam o desenvolvimento atingido, dão cabo da vida de uma geração. São inaceitáveis.


Claro que há quem se fie na virgem e mesmo com a fera enraivecida a correr na sua direcção, se deixe estar quieto à espera que a virgem salte da azinheira para vir em seu socorro. Não haverá muita gente assim mas ainda há alguns.

Ou é isso ou, então, não é por parvoíce, mas sim, acções estudadas para que isto fique tão de pantanas que, quem queira, possa vir comprar tudo a preço da uva mijona. O tecido empresarial todo nas mãos de estrangeiros (e mais: de estados estrangeiros!)

É verdade que a dívida baixa, isso é verdade. E assistimos aos nossos fantásticos governantes a gabarem-se disso. Mas, de facto, é mesmo aquela coisa de deixar de gastar dinheiro a comprar ração para o cavalo – poupa-se é certo. A chatice é que o cavalo, ao fim de algum tempo, morre. Será isso pormenor?

Perante este lindo cenário, as consequências são as óbvias: os juros voltam a subir, o risco do País enfrentar a bancarrota volta a subir. E o BdP prevê que este ano o País vai perder mais cerca de 170.000 postos de trabalho.

Se me perguntarem se eu acho que Passos Coelho, Miguel Relvas e respectiva entourage já perceberam que estão a fazer asneira da grossa, posso confessar-vos que não estou certa disso. Acho, isso sim, que tudo isto é muita areia para a camioneta deles.

O mais que Passos Coelho consegue, seguindo certamente um conselho do gabinete de Imagem (onde lhe devem ter dito para se mostrar solidário com os sacrifícios dos pobrezinhos), é dizer o que disse no Congresso do PSD e passo a citar: ‘Como se costuma a dizer, isto está a sair-nos do lombo’. Gente erudita exprime-se assim.

Quanto a Miguel Relvas, não nos esqueçamos que se licenciou apenas há 4 anos e em Ciências Políticas e Relações Internacionais, coisa em que o dizem influente e exímio, mas, note-se, isso é matéria que se encontra a anos luz de números, de ciência exacta, de gestão económica. O negócio dele é outro. 

Isto, meus Caros, é muito preocupante. As pessoas estão a ficar sem dinheiro, há gente demais a ficar sem emprego, há empresas demais no limiar da sobrevivência, a economia afunda-se a uma velocidade crescente – e, no Governo, não há capacidade ou vontade de inverter caminho.

E cá estamos, ainda em Março, e já com um Orçamento Rectificativo que não apenas vem repor a nabice de se terem esquecido de orçamentar as despesas originadas pela absorção do fundo de pensões dos bancos, como também de se terem enganado a prever as receitas, e, também, de se terem enganado a prever as despesas. Enganaram-se redondamente. Nabice, nabice pura, incompetência primária. 

Riem-se de quê? Riem um do outro? - só se for isso...

Vítor Gaspar não sabe o que é gerir uma pasta de finanças (dizem que é jeitoso como estudioso nos bancos centrais mas isso não sei; o que sei é o que vejo e o que vejo é que, a fazer o que está a fazer agora, vem dando sucessivas mostras de que se engana vezes demais). Perigoso isto.

Mario Draghi, no BCE, nos últimos meses, fez aquilo que tinha que ser feito: injectou liquidez na economia europeia, emprestando dinheiro barato aos bancos. Fez isto para ver se consegue reanimar minimamente a economia. Contudo, cá, essas medidas não produzem efeito porque o País está ser governado por pessoas que não percebem estas questões elementares, que não conseguem estabelecer qualquer nexo causal, que continuam apostadas no estrangulamento económico.

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Se a prece de Calling all Angels, linda, já acabou, é agora vez de pormos esta a tocar
Maria Bethania - Teresinha, composição de Chico Buarque


Sinceramente, isto deixa-me apreensiva e desgostada e tira-me a vontade de brincar, de ficcionar.

Assim, nem tenho grande ânimo para vos contar o que se passou hoje com Eva. Dir-vos-ei apenas meia dúzia de coisas:

1.   Teve lugar uma entrevista para um jornal de referência sobre a operação da véspera (a aquisição de uma grande empresa). Por ser uma mulher interessante e dada a comportamentos assim 'a modos que' out of the box, desafiaram-na para uma sessão fotográfica um pouco diferente. Concordou. A coisa teve lugar no seu gabinete. Depois de uma noite bem dormida, Eva estava pronta para a guerra. O fotógrafo tinha-lhe dito que gostava de explorar o seu lado sexy até para evidenciar que uma mulher pode ser atraente, preservar esse lado feminino e sedutor e ser capaz de compatibilizar isso com a assertividade na condução nos negócios. Coisas assim despertam a curiosidade de Eva, desafiam-na, divertem-na. Em casa pensou nas roupas que haveria de vestir. Pensou num vestidinho simples, coisa singela - e pérolas. Bastam pérolas para criar todo um ambiente. Depois pensou que precisaria de música para se desinibir e logo lhe veio à ideia a Teresinha, a história da sua vida cantada pela Diva. Assim foi. Esteve com tanto à vontade que o fotógrafo, o jornalista e sua secretária estavam surpreendidos. 



     Numa das fotografias fez questão de estar sentada à secretária de modo a que se vissem alguns dos objectos que lá tem, especialmente uma certa moldura. Insistiu com o jornalista que gostaria que se visse essa fotografia pois, explicou, é um instantâneo de um momento de especial romantismo. O jornalista e o fotógrafo ficaram um pouco atrapalhados mas disseram que sim e nada perguntaram, até porque a fotografia é explícita.

2.    Na entrevista zurziu forte e feio neste governo. E defendeu o empreendedorismo, a boa gestão, uma estratégia de desenvolvimento, de conhecimento, de reforço de competências desde os bancos da escola, de reforço da formação profissional no seio das empresas. Explicou, e exemplificou para que ficasse bem claro, que o problema da competitividade do País não está, nem nunca esteve, na legislação laboral. Explicou que a motivação dos trabalhadores é fundamental, que a boa organização  dentro das empresas é fundamental, que uma liderança forte é fundamental, que trabalhar-se seguindo uma estratégia ambiciosa é fundamental.

3.     Perguntaram-lhe se são verdadeiros os rumores que correm de que está ligada à maçonaria. Eva disse que só respondia a questões que tivessem que ver com as empresas, com o contexto em que as empresas operam e com questões de ordem geral relacionadas com o país em que vive.

4.       Perguntaram-lhe se é verdade que apoia pessoalmente algumas causas humanitárias. Confirmou mas disse que não as publicita, que apenas divulga as causas que as suas empresas apoiam e que apenas o faz como incentivo a que muitas mais façam o mesmo e contou que são várias e contou como os trabalhadores das empresas estão envolvidos e solidários nas acções que levam a cabo. O empreendedorismo social e o voluntariado são causas que apoia com apaixonada convicção. 


No final da entrevista, Eva estava um pouco cansada. Tomara que as fotografias não ficassem disparatas e deslocadas no artigo. Tomara que as mensagens que quis passar não ficassem submersas no meio de observações relativas ao vestido, ao costureiro ou a imbecilidades do género.

Depois de todos terem saído, mudou de roupa e ligou a cada um dos filhos. Estavam bem e o coração de Eva fica instantaneamente doce, Eva sossega depois de falar com eles. 


Depois fez outra chamada. 'Correu bem' respondeu logo pois, do lado de lá, alguém lhe deve ter feito a pergunta. Alguém que queria saber pormenores. Eva contou o que tinha feito relativamente à fotografia na moldura. Riram. Ela imaginava a reacção dos parvalhões que a tinham mandado seguir ao verem a fotografia clandestina ali exibida perante o mundo. Mas Eva estava exausta, mesmo a precisar de descansar. Pediu-lhe então, com voz doce: 'Sabes? Está na minha horinha zen. Podes tratar de mim...?' e sorria carente, a precisar de mino. Do lado de lá alguém devia perguntar qual o tratamento pretendido. Eva ria-se: 'Então, tu sabes... Quando estou assim, uma litania'.


Eva, então, pousou o telefone, deixou-o em alta voz em cima da secretária e, enlevada, enternecida, absorta, ouviu a tão amada voz:


                                  O teu rosto inclinado pelo vento;
                                  a feroz brancura dos teus dentes;
                                  as mãos, de certo modo, irresponsáveis,
                                  e contudo sombrias, e contudo transparentes;


                                  o triunfo cruel das tuas pernas,
                                  colunas em repouso se anoitece;
                                  o peito raso, claro, feito de água;
                                  a boca sossegada onde apetece


                                  navegar ou cantar, ou simplesmente ser
                                  a cor de um fruto, o peso de uma flor;
                                  as palavras mordendo a solidão,
                                  atravessadas de alegria e de terror;


                                  são a grande razão, a única razão.


Eva, fecha então os olhos, apaziguada, cansada da guerra. A poesia produz nela este efeito. 


Sobretudo a poesia dita por Miguel fá-la sempre sentir uma mulher muito amada e isso, mais que qualquer outra coisa, é o que lhe importa. 'Todas as glórias do mundo não valem uma noite de amor', referiu uma vez Eugénio de Andrade. Eva concorda, é coisa que nunca esquece, é quase o lema da sua vida.


Damien Rice - The Blower's Daughter
da banda sonora de Closer

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A poesia é Litania de Eugénio de Andrade.

Se quiserem respirar luminosas partículas, convido-vos a clicarem aqui para irem até às minhas palavras que voam em volta de uma fotografia que fiz há bocado e de uma certa Pele de Carmim de Ana Marques Gastão. Mendelssohn hoje é magnífico. É no meu blogue Ginjal, claro.

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E tenham, Caríssimos, uma belíssima sexta feira!