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domingo, maio 08, 2016

Os mistérios dentro de nós
[E as palavras, os números e a música no nosso cérebro]




Por vezes espanto-me com o que me parece ser a burrice alheia. Pergunto-me como é possível a pessoa parecer normal, falar bem, andar bem e, afinal, ser tão troca-tintas, tão desmemoriado, tão trapalhão, tão destituído, tão burro.

Outras vezes espanto-me com o que me parece ser a parvoíce alheia. Pergunto-me como é possível a pessoa parecer normal, ter imensos conhecimentos, uma memória articulada e oportuna, ter bom gosto e, depois, ser tão estúpida, tão mal educada, tão boçal, tão irremediavelmente insuportável.

Está a explicação para isto no cérebro das pessoas? Fazendo um varrimento a todos os recantos dos seus cérebros encontrar-se-ão as explicações para estas maneiras de ser? Será que, ao mapear todas as regiões do cérebro de um mentiroso compulsivo ou de um ressabiado crónico, se detecta que há diferenças consideráveis em relação ao cérebro de uma pessoa normal, bem formada?

Ou os cérebros, estaticamente falando, são idênticos e o que difere é a forma como as ligações se estabelecem?

Antes do meu pai ter o AVC extenso e profundo que o deixou como está, teve dois ligeiros e vários AIT's que apenas posteriormente relacionámos com pequenos estranhos eventos que não tínhamos valorizado. 

No primeiro dos dois ligeiros não conseguia falar, parecia que tinha a fala entaramelada, queria falar e custava-lhe mas achava que isso se devia a ter dormido mal. Foi para a rua andar a ver se refrescava, sentia-se melhor a andar. Mas quem o viu percebeu que alguma coisa não estava bem. A minha mãe queria que ele fosse ao hospital mas não queria. Então ligou para o irmão dele e foi ele que o convenceu a ir ao hospital. Quando lá chegou já estava bem mas ficou em observação. Saíu no dia seguinte, pelo seu pé, como se nada se tivesse passado, despreocupado em relação ao que se tinha passado.

Na segunda vez, naquela vez em que por sorte não tiveram um acidente, já que ficou com a perna presa, o pé sobre a embraiagem, só que estava a estacionar e o carro dali não saíu. Depois acho que foi a conduzir para o hospital e deve ter ido porque a minha mãe apanhou um tremendo susto. Saíu também bem mas com uma coisa estranha: não reconhecia números. Olhava para o relógio e não conseguia perceber que horas eram. Nem sabia dizer os números. Aquilo fez-me muita impressão. Contudo, aos poucos, foi recuperando. A minha mãe ensinava-o como se ele fosse um seu aluno. E ele foi progredindo e gostando - aliás sempre foi bom a matemática. Depois já sabia os números e começou a fazer as operações simples, adições, depois subtrações. Depois aprendeu a tabuada. Gostava. E gostava de relatar os seus progressos. Por fim, já fazia coisas complicadas sozinho. Já nem a minha mãe se lembrava e lembrava-se ele. Aliás, quase que nem eu. Punha-se a fazer, à mão, raízes quadradas complicadas. Já as fazia nas calmas.

E, portanto, recuperava, ficava normal, nem mais nos lembrávamos do que tinha acontecido. Não sei se era a zona lesionada que se regenerava se era outra zona do cérebro que assumia as funções da que tinha ficado inutilizada.

O médico queria que ele tomasse Varfin mas ele não quis, achava que aquilo tinham sido epifenómenos que não se repetiriam.  

Já o contei mas, por ser tão extraordinário, conto de novo. Uma vez, falando com um médico amigo e relatando-lhe isto de o meu pai ter perdido o conhecimento dos números, ele contou que uma tia, quando acordou de um AVC, só falava em espanhol. Nunca antes tinha falado em espanhol. Apenas em pequena tinha tido contacto com alguém espanhol, já não me lembro se seria uma empregada. Depois, com o tempo, voltou ao normal, isto é, a falar em português.


Também já o contei aqui, às tantas torno-me uma repetitiva maçadora. Mas permitam que reincida. Neste último AVC que o meu pai sofreu, em que perdeu metade do campo visual e parte da mobilidade de um dos lados do corpo, perdeu também uma coisa curiosa: a orientação espacial de proximidade. Lembra-se de como se vai para todo o lado, para o mercado, onde se pode deixar o carro, qual a farmácia mais próxima da paragem do autocarro, o estádio de futebol, o pavilhão desportivo, tudo. Mas, em casa, não sabe de que lado é a porta do quarto, qual a direcção da casa de banho ou a porta da rua. Aliás, quando ainda andava -- a custo, mas andava - uma vez arranjou um sarilho dos grandes pois, vindo da varanda, encadeado pela luz e baralhado com a direcção, entrou na sala que há à direita e, convencido que a porta da sala era a porta da rua, fechou-a e deu a volta à chave e retirou-a da porta, como costumava fazer com a chave da rua, colocou-a na estante convencido que a estava a colocar no pequeno móvel de parede onde a costumava pôr e, assim, ficou fechado à chave dentro da sala. Depois, como mal se aguentava de pé e quase não via, não conseguia achar a chave e, de resto, não percebia onde estava. Foi um drama. A minha mãe ia-lhe dando instruções do lado de fora mas ele pensava que estava junto à porta da rua e que a minha mãe é que tinha ficado do lado de fora da casa. E, por isso, dizia para ela dar a volta pelo jardim e tentar entrar pelas traseiras. 

A minha mãe já chorava e ele enervadíssimo. E eu, também aflita, à distância pois, por acaso, isto passou-se enquanto a minha mãe estava ao telefone comigo e, portanto, acompanhei tudo de forma remota, tentando ajudar, dando sugestões, tentando acalmar a minha mãe mas incapaz de o fazer pois o meu pai não percebia o que se passava e a minha mãe estava com medo que ele caísse, e não queria sair dali para pedir ajuda para não o deixar sozinho. Por fim, lá a convenci e ir chamar um vizinho . Mas ele não quis partir o vidro da sala, e depois de muitas tentativas, conseguiu, com ferramentas, destrancar e abrir a porta da sala.

Tanto o meu pai se enervou nesse dia, pois achava que tinha deixado a minha mãe na rua e estava aflito porque não lhe conseguia abrir a porta e depois porque se assustou com estar durante muito tempo a ouvir mexer na porta e a voz de um homem, que acho que a partir daí piorou consideravelmente.


O neurologista disse-nos que quem tem um AVC com aquela extensão geralmente não fica cá para contar. Deve ter uma grande parte do cérebro inutilizada e não conseguiu regenerá-la como aconteceu noutras vezes. Não sei se é regenerar ou arranjar outros caminhos.

A mulher de um colega meu teve um AVC quando era ainda bem nova, quarenta e picos. Perdeu o andar, a fala e também parte do campo visual. Acabou por recuperar o andar e a fala (o campo visual não) mas ficou com falhas a nível do vocabulário que ultrapassa dizendo o significado. Se quer dizer botão diz qualquer coisa como isso que entra na casa para apertar o casaco. Outras vezes engana-se e nem dá por isso. Uma vez, sendo ainda fumadora, estendeu o braço na direcção do cinzeiro e pediu-me: passa-me o relógio?

Isto para mim é tudo muito estranho. Pensamos que somos assim ou assado como se isso estivesse impresso em nós, desde que fomos concebidos, como se a nossa maneira de ser fosse uma marca única e indelével, mas, afinal, tudo pode ser fruto de circunstâncias que não controlamos. Mais depressa sabemos sobre estrelas ou planetas longínquos e o que compõe a sua atmosfera do que como funciona o nosso cérebro. Claro que digo isto porque sou leiga porque, certamente, há quem saiba muito. Mas a procura do conhecimento nestes domínio é um work in progress.


Os vídeos abaixo mostram alguns aspectos dessa fascinante procura.
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Os efeitos da música no cérebro

Bach versus Beethoven no cérebro de Oliver Sacks


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Os números e o cérebro


Your brain seems to treat numbers and words very differently (even if the number is written as a word!). So says cognitive neuropsychologist Brian Butterworth.

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As palavras e o cérebro -- ou o dicionário do cérebro


Where exactly are the words in your head? Scientists have created an interactive map showing which brain areas respond to hearing different words. The map reveals how language is spread throughout the cortex and across both hemispheres, showing groups of words clustered together by meaning. The beautiful interactive model allows us to explore the complex organisation of the enormous dictionaries in our heads.

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Já agora algumas curiosidades sobre o cérebro


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As imagens que usei para ilustrar o texto são, de novo, da autoria de Greg Dunn.

 A música é De Profundis de Arvo Pärt

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E, caso desejem observar as evidências que contrariam as afirmações de um exemplar que talvez encaixe num dos tipos acima referidos, queiram, então, por favor, descer até a um desfile de inaugurações nas quais Passos Coelho participou 
(ele que convictamente disse que nunca, por nunca, participou em alguma inauguração)

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quarta-feira, maio 04, 2016

Quem tem razão: os gregos ou a SUSI? Ou tudo nasceu de uma corda?

- ou talvez baste olhar o mistério do universo com a beleza luminosa da mente



Dentro da nossa mente desconhecida, como num céu iluminado, elevam-se arabescos abstractos, signos misteriosos, um alfabeto que transporta enigmas e rastos de luz, elegantes hastes floridas, raízes que mergulham em doces memórias, etéreas asas de pássaros transparentes, palavras muito simples, a essência do mundo, silhuetas que se movem sem pressa, florestas nuas, quase invisíveis.
The tremendous knot of cells when connected in a certain way gives rise to a strange sense of “I” that is able to ponder and learn things about its environment. It is an utter miracle, and is at the root of why we are conscious beings able to appreciate this world and all of its beauty. How can you not love it?! 


Cercados pelo que não vemos, sujeitos ao que desconhecemos, levados por forças que não compreendemos, temos, contudo, a felicidade de poder testemunhar a perplexidade de estarmos perante um imenso mundo que nos aceita.
The Greeks had a simple and elegant formula for the universe: just earth, fire, wind, and water. Turns out there's more to it than that -- a lot more. Visible matter (and that goes beyond the four Greek elements) comprises only 4% of the universe. CERN scientist James Gillies tells us what accounts for the remaining 96% (dark matter and dark energy) and how we might go about detecting it.


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Na vigília de uma só das minhas noites,
mil anos passam e por isso sei,
Deus de Moisés, que o homem amado
não é barro nem será pó,
é Matéria da tua matéria:
para mim foi ontem,
para ele, carne do Teu espírito, mil anos
numa mínima volta do relógio.
E também eu Te pedi, Deus de Moisés,
que me ensinasses a contar o tempo
na Tua língua, que é de sempre e para sempre,
para abrir as portas à sabedoria e dar o mesmo
descanso ao coração: a erva crescida de manhã,
de tarde seca, depois se corta.

Este dia e as horas deste dia são
um número a menos dos que me cabem contar 
(...)

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As primeiras palavras em itálico são de Greg Dunn e o primeiro vídeo mostra as suas obras, de uma beleza abstracta, oriental.
Greg Dunn is a neuroscience PhD student at the University of Pennsylvania and an artist passionate about Japanese minimalist scrolls. While these interests may appear radically incongruous, Dunn’s artwork suggests otherwise. The artist creates dazzling works of enamel, gold leaf and ink inspired by science.
Some of the works, like “Hippocampus II,” give those of us who do not spend a lot of time around a microscope a look at the complex architecture of our neurons. And then there are the occasional stumpers that are impossible to decipher as neuron or nature. “Two Pyramidals,” for example, look like upside down dandelions far more than, as Dunn explained over the phone, “a type of neuron found in the brain that integrate information received from their dendrites, process it, and transmit it to other cells through its axon.”
in Neuroscience Art: Greg Dunn’s Neurons Painted In Japanese Sumi-e Style 
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O segundo vídeo é Dark matter: The matter we can't see - segundo James Gillies, numa animação TED-Ed.


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O poema, aqui incompleto, é Plano A, sobre o salmo 90 de Moisés e, de novo, pertence ao estranho e luminoso livro de Eugénia de Vasconcellos 'o quotidiano a secar em verso' da Guerra e Paz.