Geralmente são vídeos dele, em que fala sobre temas de saúde, explica os mecanismos da doença ou da cura, aconselha de forma simples e acessível. Mas aqui está à conversa com Antonio Tabet, que eu gosto imenso na Porta dos Fundos, e é outro prazer ouvi-lo.
Drauzio Varella reflete sobre a morte: 'Acho que não tenho medo de morrer'
Não sei como é quando tem que se lidar com um bando de surdos, com malta que não se aguenta, incontinente de todo, com gente descoordenada, com malucos que se atiram para a piscina sem saberem nadar, com outros que julgam ser capazes de subir às alturas mesmo não passando de umas galinhas, nem sei se os gregos antigos tinham melhores tácticas do que os Marx e Engels desta vida. Não sei mesmo.
O que sei é que quem resolve o jogo é Sócrates. Marcou um senhor golo e arrumou com a confusão.
E note-se que o digo sem qualquer conotação, preconceito ou segundas intenções.
Almocei depois das duas e meia e lembrei-me de ligar a televisão. Deparei-me com uma cena engraçada. Moedas portava a chave de Lisboa que entregaria a Vitali Klitschko, o calmeirão que preside ao burgo de Kiev e, excitadíssimo (o Coins), naquela sua vozinha fofa, afirmava que estava na Ucrânia e que é ucraniano. Parecia empolgado. Parecia, até, querer convencer Vitali que assim era. Só faltou confessar-se irmão gémeo de Vitali.
Ele falava, certamente, em sentido figurado mas eu, ao reportar o sucedido, estou a ser literal.
E só me ocorreu que ainda bem que o ucraniano Moedas é bem comportado pois, senão, ainda correria o risco de rodopiar na ponta da mão do lisboeta Vitali.
Dia longo e, graças a ainda não nos termos visto livres dos efeitos pós-covid, um bocado cansativo.
Para já a noite foi muito em branco. A minha mãe tinha encostado a porta do quarto e o dog, que tem que ter sempre o que guardar, começou por deitar-se, no corredor, à porta do quarto dela. E até aí tudo bem. O pior é que, a partir de certo ponto, deu-lhe para ganir. Aliás, mais parecia que estava a chorar. Uma coisa impressionante. Pensei que, com aquela choradeira, não estava a deixar a minha mãe dormir.
A chatice é que, de noite, quando tentamos impedi-lo de fazer o que quer, não reage lá muito bem.
O meu marido dormia a sono solto e eu equacionava ir eu tentar tirá-lo dali ou acordar o meu marido. Não queria acordá-lo mas não sabia como é que conseguiria tirar o urso felpudo dali. É teimoso como uma mula e, fixado como estava em estar de sentinela ao quarto da minha mãe, era certo e sabido que seria debalde.
Então, vendo que o tempo passava e ele não se calava, acordei mesmo o meu marido. Vestiu-se e lá foi. Só que, como por milagre, o guardador de rebanhos calou-se. E o meu marido, passado um bocado, apareceu e disse que ele se tinha calado e que não o tinha visto. Pensou que tivesse ido para junto da janela do primeiro andar, onde gosta de dormir.
Só a partir dessa altura consegui dormir.
De manhã, quando lhe perguntei sobre o safado que tinha feito aquela linda choradeira à sua porta, a minha mãe disse que não ouviu, que dormiu profundamente. Mas que, já de madrugada, ouviu empurrar a porta à força. Assustou-se. E ainda mais se assustou quando sentiu alguém a saltar-lhe para cima da cama. Claro que percebeu logo que era ele. A excelência, tendo conseguido o que queria, aconchegou-se e dormiu. Só que aí foi ela que espertou, não conseguindo dormir mais.
De tarde, eu e o meu marido fomos com os dois meninos, um dos quais está quase a fazer anos, comprar-lhe o presente de anos.
Basicamente agora o presente principal que querem (os rapazes) é chuteiras ou ténis de modelos ou marcas que eles lá sabem. Portanto, para ser ao gosto deles e para os provarem, temos que ir com eles. Não dá para arriscar.
O mais velho, recém chegado do passeio de Paris (onde parece que fez das dele) foi connosco, como conselheiro.
Eu ou o meu marido escusamos de opinar pois eles têm ideias muito bem definidas.
Gostamos também de oferecer sempre roupa pois precisam sempre. Como a minha filha me tinha dito que ele precisava de tshirts e de um casaco aberto à frente, enquanto eles dois desataram a escolher por eles, eu fui escolher tshirts. Quando as viram, tshirts normais, discretas, com uns desenhos engraçados, disseram que nem pensar, que 'sem ofensa, Tá, já não estás bem ao corrente do que se usa...'. O mais velho disse que 'basicamente, Tá, se ele usasse isso seria vítima de bullying'. Fiquei a olhar para as tshirts a tentar descortinar a razão de tão dramáticas consequências. O mais novo elucidou-me: 'Basicamente, Tá, eu seria alvo de chacota'. Fiquei na mesma. Mas, pronto, ok.
Quanto aos casacos com fecho, não quiseram saber dos requisitos da mãe. Sweatshirts com capuz e mais nada. Casacos com fecho já não estão com nada. E lá escolheram. O mais velho escolheu tudo. Para já que o irmão precisava de umas calças beige. Depois tshirts lisas ou só com algum dizer, simples. Sweatshirts lisas, claras, simples. E um boné como deve ser. O irmão vestia e pedia para eu chamar o irmão, para o irmão se pronunciar. E o irmão opinava. Com bom gosto e ultra despachado. Gostei de ver.
Mas a perdição na loja dos ténis foi a secção das tshirts dos clubes, perdição sobretudo do mais velho, e a das chuteiras, perdição de ambos. Depois de escolhidos os ténis, dirigiram-se para lá. Qualquer deles já as tem, boas, mas, com o pé a crescer-lhes a ritmo acelerado, estão sempre a precisar de novas.
Imagino que a vossa literacia sobre chuteiras seja equivalente à minha. Mas deixem que vos conte que é todo um mundo novo.
Há um ou dois anos eu acharia aquilo uma bimbalhice. Agora já sei que é mesmo assim. E eles adoram. Dizem que umas são as do Ronaldo, outras as do Messi, outras as de não sei quem. Parecem umas sapatinhas de plástico ultra coloridas, com uns espigõezinhos que parecem uns saltinhos fofinhos. Mas consta que os jogadores de futebol acham o máximo. Os meus netos põem-mas na mão para eu lhes sentir a leveza, quase não pesam, e parece que são resistentes e confortáveis. E carérrimas.
Se bem percebi, saíram de lá já a saber quais as que o menino dos anos vai 'cravar' ao pai.
Depois, já atrasados para o treino do mais novo (um grande guarda-redes que já joga a sério), íamos no carro quando o mais velho se saiu com uma, certamente no seguimento da conversa anterior sobre as suas aventuras em Paris, 'Agora a Mona Lisa...? Uma aldrabice.'. Apanhados de surpresa, reagimos, o meu marido referindo o sorriso enigmático da dita, eu rindo e referindo também a intemporalidade da obra. Ele continuou: 'Filas enormes, depois temos que ficar a dez metros e, afinal, aquilo é uma coisinha de nada, com dois centímetros, e não passa daquilo'. Protestámos. Corrigiu, dois centímetros não, mas não mais que isto - e mostrou com as mãos a fraca dimensão da coisa. Continuou: 'Quadros maiores, melhores', como se não percebesse a fama da Mona Lisa quando comparada com coisa melhor. E concluiu: 'O Louvre, uma seca'.
Perguntei pelo Orsay. Disse que outra seca. Rebatemos. O mais novo veio em defesa do irmão: 'Tá tens que perceber, basicamente esses museus são uma seca para putos como nós'. Não me dei por vencida. Falei nos impressionistas, pinturas tão lindas.
E falei no Rodin.
Aí lembrou-se. 'Ah, Rodin, sim, o Thinker'. Tendo chegado de uma 'visita de estudo' a Paris, estranhei: 'O Thinker?'. O meu marido disse: 'Le Penseur'. Ele comentou que sabia mas preferia dizer em inglês, o Thinker, e era por causa dumas cenas do Tik Tok. Mas fiquei com a impressão que eram coisas de que ele, basicamente, não podia ou não queria ali falar.
Fomos a casa para deixar o mais velho e para o mais novo se trocar. Dali levámo-lo ao treino. E viemos para casa. De caminho apanhámos uma pizza. Ainda fomos fazer uma breve caminhada. Quando chegámos a casa já era de noite. E, adivinhem, basicamente perdidos de sono.
Quando vejo testemunhos de ucranianos -- sejam os que perderam entes queridos, sejam os que viram amigos ou familiares a serem torturados e assassinados a sangue frio pelos soldados russos e que depois os viram a começar a ser comidos pelos cães, sejam os que têm familiares mortos dentro de casa e não têm como retirá-los dali e enterrá-los, sejam os que se aguentam em casa enquanto soam as sirenes e à volta tudo arde, sejam os que pegam nos filhos pequenos e vão, com quase nada, para o desconhecido, sejam os idosos que querem é morrer em paz -- não apenas fico com lágrimas nos olhos e com o coração apertado como me espanto.
Que coragem têm... Como conseguem força para tamanha capacidade de resistência?
Ao ver a entrevista aos irmãos Klitschko feita já há 18 anos, penso que percebi um pouco melhor a coragem ucraniana.
A par do amor que têm à liberdade e ao seu país, têm medo de vir a ficar sob o jugo putinista e, certamente, medo do que a guerra está a fazer às suas casas, às suas famílias, às suas vidas. E o medo move-os. Motiva-os. Torna-os mais ágeis, mais argutos, mais fortes.
Vitali Klitschko, agora Presidente da Câmara de Kyiv, tem 50 anos, mede, 2,01m, 3 filhos e, quando praticava box, era conhecido por Dr. Ironfist (Dr. Punho de Ferro)
Wladimir Klitschko tem 46 anos, mede 1,98m, tem 1 filho e, quando praticava box, era conhecido por Dr. Steelhammer (Dr. Martelo de Aço)
The Klitschko Brothers: The 2004 60 Minutes Interview
Former world heavyweight champions Vitali and Wladimir Klitschko have taken up arms against the Russian invasion of their native Ukraine, where Vitali is the mayor of Kyiv. In 2004, while still fighting in the squared circle, the brothers spoke with Dan Rather about their lives.
Pode parecer que não mas há por aí quem tenha medo de apanhar vacina (*). Pode ser medo de adversidade, medo de que o líquido na seringa esteja trocado ou, estando fora do frigorífico, tenha ficado que nem leite azedo ou pode ser, pura e simplesmente, medo de agulha.
E medo não escolhe em quem se alojar: pode ser em amelinha, pode ser em zé valentão, pode ser em anónimo ou em figura pública. Não sei qual a percentagem de medroso porque medroso não se confessa, não se declara para a estatística, medroso disfarça, arranja desculpa. Acho que medroso está em minoria mas, quando os há, de cada um a gente pode fazer um filme. São criativos, arranjam desculpa cheia de erudição ou, para ninguém suspeitar deles, ainda se riem dos outros.
É como aqueles homens que levam a vida inteira a esconder que são gays e que, apesar de toda a gente ver que há neles um piquinho a azedo que não engana, não fazem senão contar anedotas de gays. Contam e riem, contam e insinuam que os outros é que são. E a gente faz de conta que não percebe nada para eles, por dentro, poderem continuar fechados no armário enquanto, por fora, se armam nos maiores machões. Mas deixa. Tem pai que é cego.
O vídeo abaixo, mostra um desses. Todo prosa e, na hora, logo a fugir com o braço à seringa. Um pândego todo fóbico.
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6 bilhões de anos de evolução humana, 3 séculos de revolução industrial, 25 anos da clonagem da ovelha Dolly, chips, nanochips, óculos VR, rede 5g, câmera Tekpix, drones, privadas japonesas high tech e nada de inventarem essa vacina em gotinhas. Sacanagem.
Prefeito vacinado
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Mas, vá, não devemos rir das fobias dos outros não vá alguma descer também em nós. Ando a ficar medrosa, é o que é. Por exemplo, imagine-se que ficava com medo de calçar sapatos não vá enganar-me e ir com um sapato de cada nação (já me aconteceu; quando me chamaram a atenção fiquei para morrer, meti-me no carro e fui a casa repor a boa ordem), medo de cortar o cabelo em casa não vá dar uma tesourada abusiva e ter que quase cortar o cabelo à escovinha (já me aconteceu, apareci na sala a chorar, sem saber o que fazer. O meu marido ainda hoje se ri dessa minha aflição. Era uma jovem na altura, se fosse hoje assumia a assimetria), medo de comer figos não vá não conseguir parar (acontece-me todas as vezes que os como). As fobias são tramadas. Mais vale a gente deixá-las sossegadas para ver se não se assanham e não nos saltam em cima.
Por isso, já virei a minha boca para lá e vou focar-me num outro assunto. O da locução. Nada daquele tom de quem a sabe toda, jargões técnicos, comparações com outras sumidades. Nada. Aqui a locução é de outro estilo. Mais terra a terra, mais todo o terreno. Desta locução eu gosto.
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Do comentário abaixo, do Paulo B, transcrevo uma parte:
Tenho encontrado muitas mais pessoas com medo do que imaginava! E com razões tão díspares como:
a) pessoas de um tempo em que o médico era pouco mais que o padre que ia dar a santa unção (o meu avô) e que tem um medo de morte dos médicos no geral e da vacina em particular;
b) pessoas de poucos estudos e muito trabalho que têm sobretudo medo do desconhecido, dada a sua vida no limite da dignidade que as torna irracionalmente avessas ao risco (a Sra da pizzaria onde fui no fim de semana, que confessou ainda não se ter ido vacinar...),
c) pessoas supostamente informadas e bem formadas (formação superior) mas crentes na religião dos bio cenas e afins que os levam a desconfiar das intenções do sistema económico dominante e, claro,
d) a religião dos neofascismo que por aí proliferam, que têm dado a mau a tudo o que é teorias das conspiração que os.ajuda a vender as suas ideias... (A de que são os novos Messias).
Pois, de facto, cada um terá os seus motivos, mas a verdade é que, por cada não vacinado, há um elo de transmissão que não foi interrompido. Ou seja, para além da fobia, há um acto que pode ser visto como de irresponsabilidade social.
Aviso: se calhar este post é politicamente pouco correcto. Podia disfarçar e, em minha defesa, dizer que isto não é de mim, que é da silly season. Mas, está bem, está, me engana que eu gosto.
Este post é o que é porque sim, sem mais explicações. Mas, ainda assim, tenho que informar que:
Este post não fala do Medina e do Trocos, nem sobre a indigência de o Trocos andar a copiar os cartazes do Medina nem sobre o nonsense de andar a agourar pouca sorte aos lisboetas prometendo-lhes sangue, suor e lágrimas.
Também não fala da opinião de Marcelo, Professor em Infecciologia, sobre a vacina para crianças, ao antecipar-se aos estudos dos especialistas, mostrando que lhe está na massa do sangue opinar sobre tudo nem que seja na base da fezada.
Nem fala das garantias que Vieira apresentou para poder ir à rua, antes tão poderoso, todos a lamberem-lhe o rabo, e agora, sozinho, a fazer contas para ver se o super-alex o deixa pôr o pé fora de casa.
Também não fala na minha incompreensão sobre a marcha, um desporto que me parece quase maluqueira dos Monty Python, uma coisa que mais parece uma cena de passos amalucados a fingirem que querem mas não querem correr, agarrem-me se não eu corro.
Também não fala das dietas de verão nem dos cuidados de saúde a ter em tempos de sol.
E, obviamente, muito menos este post fala da pressão que dizem que os desesperados e os brincalhões andam a fazer sobre o Rangel -- essa águia, esse leão, essa fera, esse macaco de rabo pelado, esse gato, esse galaroz, esse falcão, esse potro, esse ursinho peludo, essa coisa fofa -- para que dispute a liderança do PSD ao mangas-de-alpaca.
Ná. Este post não fala de nada desses temas interessantes e politicamente aceitáveis.
Tenho a impressão que se fosse um homem a fazer um post assim, como este, toda a gente lhe cairia em cima a pés juntos. Chamá-lo-iam de machista para baixo. Para baixo ou para cima. Por isso, não sei se, ao fazer eu este post, terei direito a ser chamada de feminista. Se tiver, também está certo. Não ligo a rótulos: que ponham os que quiserem.
A questão é que, nestes inícios de Agosto, abro os onlines e há uma coisa que me salta à vista. E isto sendo eu míope, faria se não fosse.
No outro dia estava a escrever que o título era só para chamar a atenção para a biografia e a pensar que está bem, abelha, engana quem quiseres, ó Ujota Emezinha, que a mim não me enganas tu. Se fosse sincera, o que teria escrito é que 'o título, na componente do sexo bem aviado, claro que tem a ver com a justa medalha atribuída ao Pichardo'.
Ó Pichardo
Que a lavas no rio
Com um pé em cada margem
Salta este desafio
Carregadinho de vantagem
[Amofinado]
Talvez até acrescentasse 'curioso nome, este' ou, ainda, 'Pichardo -- what's in a name'. Mas, pronto, nesse dia contive-me. O tema era o de louvar a biografia do Cardoso Pires bem como o biógrafo e o biografado, não ia pôr-me a ser parva.
Ora hoje, já imbuída no indecente espírito do fim de semana, deixo-me de coisas e olho para o que está bem à vista. Bom... 'bem à vista' é uma maneira de dizer que também não exageremos. Aliás, aquela moda de se querer que as raparigas usem roupa bem curta e bem reveladora nos desportos de praia deveria estender-se aos homens, seja em que desporto for. Não uns bem comportados calções de lycra mas uns shorts bem shortinhos. Em tom nude, para quase parecer que o 'bem à vista' não é completamente uma metáfora.
Agora acho que, assim como assim, deveria haver um protocolo, alguma homogeneidade. É que isto de uns usarem tshirt por cima, outros a esconderem não se percebe bem onde, uns a guinarem para a direita, outros para a esquerda, é algo desestabilizador. A gente quer apreciar os dotes desportivos e, mesmo sem querer, põe-se a apreciar os dons ocultos ou, como soe dizer-se, as soft skills. Bem, não sei se tão soft assim (and, of course, the pun is intended)
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Bem, para me redimir, vou aqui ouvir uns meninos a cantarem um belo canto gregoriano. Ouço isto e fico logo santificada. Claro que melhor seria se, em vez de estarem de vestidinho até aos pés, também estivessem com uma reveladora lycrazinha. Mas, enfim, quem nos garante que o não estão? Quiçá, mesmo, sem qualquer underware. Quem é que diz que isso é exclusivo da Sharon Stone?
Quando começaram os Jogos Olímpicos fui ver se Katelyn Ohashi lá estava. Não estava. Fiquei muito admirada. O que lhe teria acontecido?
Quando aconteceu isto de Simone Biles ter desistido, afirmando-se atormentada e sem vontade anímica para se atirar para o ar pois receava que o corpo agisse descomandado face à mente, voltei a tentar saber de Katelyn.
Sendo jovem e superlativamente brilhante, alguma coisa deveria ter acontecido. Lesão? Paixão ou ocupação incompatível com a carreira desportiva? Algum drama pessoal?
Fui ver algumas das suas brilhantes actuações para me certificar de que hoje a minha opinião ainda seria equivalente à de quando a tinha visto há uns dois anos.
E é.
Enquanto Simone Biles é uma máquina programada para a perfeição, um corpo pequeno e poderoso que executa os mais arriscados movimentos com mestria e coragem, parece até que com um certo sentimento de dever, Katelyn é de outra cepa, mais intuitiva e brincalhona. Tudo nela é alegria e desafio, arrojo e prazer.
Mas eis que fico a saber que também ela foi vencida pela insegurança, pela falta de autoestima. Gozavam com ela: era a sua baixa estatura, era o seu corpo com curvas generosas, era bicho não destinado a altos voos, pássaro anafado, insucesso anunciado.
Poder-se-ia pensar que uma pessoa com o talento dela faria ouvidos de mercador a quem não via o seu valor, prendendo-se, antes, a preconceitos. Mas não. Katelyn, afinal, foi mais outro ser que revelou ser humano. Katelyn é de borracha, não de ferro.
Habituamo-nos a ver estas jovens que avançam destemidamente para os aparelhos, que se elevam dando saltos pelos ares como se confiantes no poder impulsionador das suas asas, e não nos ocorre a pressão a que estão sujeitas e que pode desprogramá-las. Nem nos ocorre a inconsciência do risco que correm, pondo em causa a sua integridade física para se superarem aos olhos de quem delas exige tudo. Sobretudo, não nos ocorre que, se alguma coisa falha, por milimétrica que seja a falha, a queda pode ser fatal. Ou, se não fatal, pelo menos muito dolorosa, porventura incapacitante.
A pressão a que estas ginastas são sujeitas é permanente, brutal e, de facto, não estou certa de que o espírito olímpico seja isto.
O que aconteceu a Kerri Strug em 1996 é exemplo da superação que se espera (que se exige) aos desportistas de eleição: aguentou a dor até conseguir o salto perfeito que lhe valeu a medalha de ouro.
Mas faz isso sentido? Faz sentido que se exija a dor, física e mental?
Não estou certa disso.
Até não há muito, quem mostrava as suas falhas anímicas era alvo de troça. Miolo mole. Cabeça fraca. Maricas. Fracote. Por isso, quem sofria -- dor física ou dor de alma -- sofria para dentro, nada revelando. Deuses em forma de máquina, corpos amestrados para serem mais do que corpos humanos, corpos habituados ao esforço supremo e à dor. A elegância e a leveza que revelam é, sobretudo, uma construção. Uma longa e dolorosa construção.
As ginastas, e agora apenas falo delas, sorriem, avançam determinadas, saltam, praticam, correm e, ao mesmo tempo, estão disponíveis para entrevistas, palestras e sessões fotográficas. Se têm dúvidas ou dores, prudentemente disfarçam-nas.
Até ao dia em que não aguentam mais. E aí todos nós ficamos espantados. Não tínhamos dado por nada, só víamos a perfeição, os sorrisos abertos, a destreza. Não víamos a insegurança, as dúvidas ou as dores que sentiam.
Aconteceu com muitos desportistas de alta competição, desde o nosso Mamede até ao fabuloso Phelps. Os JO do Japão vão ser os jogos em que Simone falou dos problemas que tem por a mente não conseguir comandar o corpo e ter atingido um ponto de saturação, levando-a à desistência.
Mas, como podemos ver abaixo, algo de idêntico tinha acontecido a Katelyn Ohashi. É pena.
Pode ser que com estes casos a virem a público, aos poucos volte a ser possível que os desportistas sejam também seres humanos.
E os humanos, nós todos, se formos espertos, poremos a mão na consciência. Pode ser que se aprenda alguma coisa com isto. Mas não sei, não...
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Desejo-vos uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
Estamos em Agosto e desejo que, para todos os que aí estão desse lado, seja um querido mês.
Como é bom de ver, de desporto pouco sei e da pressão que os desportistas de alta competição sofrem ainda menos.
O que sei é que nunca tive qualquer vontade que os meus filhos levassem demasiado a sério qualquer desporto que praticassem.
A filha de uns amigos nossos, praticamente da idade da minha filha, fazia já não me lembro se ginástica artística se natação. Tenho ideia que praticava ambos os desportos mas posso estar a confundir. O que sei é que um deles lhe consumia várias horas por dia, todos os dias. E que havia provas e que lá andavam eles atrás da miúda.
Tenho também um ex-colega, competentíssimo e afamadíssimo, inclusivamente muito ligado a grandes casos mediáticos, que reduziu à mínima expressão a sua actividade para poder acompanhar o filho que, praticando um certo desporto, se foi dedicando cada vez mais, obrigando os pais a terem staff permanente, nomeadamente um treinador, uma psicóloga e, a tempo parcial, uma nutricionista e um fisioterapeuta. Ele passou a viver para alimentar a dedicação do filho, um adolescente, a esta actividade desportiva.
Nunca percebi esta opção. Pensava sempre que ou o rapaz era egoísta até à décima casa, não se importando por ter o pai reduzido a seu agente, ou era uma vítima da ambição ou exigência do pai.
Lembro-me do meu colega dizer que havia muito trabalho a fazer diariamente, nomeadamente a gestão de patrocínios que, legitimamente, queriam ver resultados, queriam contrapartidas, com quem era necessário aturadas questões discussões jurídicas. E quando eu o questionava por quase viver em função do filho ele relatava-me peripécias e casos em que, se não fosse ele a agir como intermediário, era pressão e perturbação que caía em cima do rapaz, correndo o risco de, segundo ele, lhe fritar os miolos.
Estou a falar de um jovem pertencente a uma família estruturada, sem dificuldades financeiras ou outras e com uma estrutura de apoio que amortecia quaisquer pressões exteriores.
Quando, ao entrar na idade adulta, se percebeu que a carreira do jovem, sendo boa, jamais o levaria aos primeiros lugares, desistiu da carreira e hoje pratica essa actividade apenas por lazer, ou melhor, apenas por desporto.
Imagine-se isto numa outra dimensão, num contexto muito mais profissional e mais mediático, mas com uma jovem que, em menina, a par dos seus irmãos, esteve a cargo de uma mãe com problemas de álcool e drogas, várias vezes presa, sem possibilidade de lhes proporcionar estabilidade ou, até, a alimentação suficiente. Simone Biles viveu consecutivos dias de fome e de medo. Acabaria por ser criada pelos avós. Já adolescente viria a sofrer agressões sexuais por parte do médico que acompanhava as atletas americanas e, segundo tem referido, disso guardou um trauma para o resto da vida, ainda receando que a toquem mesmo que em actos meramente clínicos.
Simone Biles é mais baixa, muito mais elástica e forte do que a maioria das mulheres da sua idade. O que ela faz com o seu corpo desafia as leis da gravidade. Parece levada nos braços de um anjo.
Horas e horas e horas de treino, horas e horas e horas de exercício, de busca da perfeição. Com as câmaras sempre em cima, escrutinada em permanência, Simone, tal como os desportistas de alta competição, está sujeita a uma pressão esmagadora. Ela tem que ser a melhor, a superlativa, a ganhadora de medalhas, a perfeita, o exemplo, a mais resiliente, a mais inspiradora. Se, por acaso, tiver dias de desconforto, dias de hesitação, dias de dor física ou de dúvida terá que escondê-los e ultrapassá-los para que ninguém suspeite de que não é Simone Biles.
As suas articulações, os seus músculos, os seus ossos e a sua força anímica têm que estar sempre no máximo para que, nunca, nada falhe, Nos treinos, Simone corre, salta, eleva-se no ar, rodopia no chão e no ar, contorce-se, aterra e eleva-se e voa. Horas e horas, dias e dias. E, pelo meio, entrevistas, sessões fotográficas.
Na sua cabeça, os seus demónios: a recordação do medo, da angústia e da fome dos tempos em que a mãe se perdia dos filhos, a par da repulsa e da vontade de esconder a memória do toque abusivo de Larry Nassar, devassando o seu corpo inocente.
Enquanto corre para saltar e rodopiar, esses diabos rodeiam Simone. E rodeiam estes e rodeiam os outros, os diabos menores, os diabos avençados pelos mercados, pelos investidores, que alertam: se não continuas a ser a melhor, retiramos-te o tapete, cuidado...
Ao elevar-se para saltar, agora nos Jogos Olímpicos, Simone perdeu momentaneamente a consciência de si, deixou de saber onde estava e, em vez das duas voltas e meia no ar, apenas deu volta e meia. Ao aterrar, vacilou, estremeceu. Nela, super-mulher, perfeita, isto é estranho. Em qualquer outra pessoa, em mim, em si, se nos conseguíssemos elevar no ar meio metro e, ao mesmo tempo, darmos meia volta, certamente ficaríamos sem saber de que planeta seríamos e cairíamos desamparados, estatelados, partidos, no chão. Para nós, não para Simone -- que costuma saltar, voar, encarpar-se, rodopiar, tudo como se fosse um boneco de molas -- que cai sempre de pé, aprumada, elegante e segura.
Nessa altura, quando, no ar, o corpo tentou evadir-se da mente, percebeu que, a continuar, poderia enlouquecer ou cair desamparada, magoando seriamente o seu corpo.
Parou e, corajosamente, explicou o que se passava.
O mundo pasmou com a surpreendente retirada de Simone e com a inesperada confissão. Simone é humana, afinal.
Não sei bem que mundo é este nosso em que se pretende que os bons sejam muito bons, bons demais, excelsamente bons e em que se desprezam aqueles a quem os deuses deixam de levar nos braços. Mas sei que Simone Biles, a gigante, fez mais pelo verdadeiro sentido desportivo e pela necessidade de acarinharmos a humanidade daqueles que admiramos do que mil discussões estéreis e mil palavras cheias de lágrimas de crocodilo.
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Fotografias de Simone Biles, algumas da autoria de Annie Leibovitz.
Sarah McLachlan interpreta In the arms of an angel
Aqui em casa gritou-se a plenos pulmões Spoooooooooorttiiiiinnnnng....!!!!. Sendo contido como sempre é, quando toca ao seu Sporting, a efusividade do meu compagnon de route é total.
De casa da minha filha, mal a coisa se confirmou, veio a alegria dos meninos. Um deles vestido a preceito, o outro mais contido, todos contentes, o meu marido de cachecol ao peito para festejar com os netos, uma videochamada de alegria partilhada.
O pai dos meninos, também sportinguista, já lhes prometeu que, no fim de semana, também vão festejar para o Marquês (de carro). Ora bem. Quem pensava que o Marquês era encarnado, que encaixe lá esta.
De casa do meu filho, encarnado convicto, veio, para o grupo da família, um desportivo 'Parabéns aos Sportinguistas'.
Quanto ao ajuntamento e à molhada que as televisões têm mostrado, uma onda verde e feliz a inundar as ruas de Lisboa (e, se calhar, do País inteiro), o que posso dizer é que hoje até o corona se vestiu de verde.
Corona versão campeão
[E, se é certo e sabido que os sportinguistas são gente fina, só espero que o corona, certamente also in green dress code, também esteja a portar-se bem, educadamente, e que, numa de ser polite, esteja a bater as asinhas e a encolher os totós para não se enfiar na boquinha dos patuscos que, no meio da confusão, se esqueceram de usar máscara]
De regresso e já a casa quase virada do avesso com tropazinha miúda de pernoita.
Preparámos as camas no lugar delas, o lugar do costume, mas, vá lá saber-se porquê, hoje não quiseram ficar ali. E, se um não quer, o outro também não, e, depois, o sono já é muito e a rabujice também e, portanto, nestas coisas é preciso a gente perceber que se não os podemos vencer o melhor mesmo é juntarmo-nos a eles e, vai daí, tudo alterado e o acampamento mudado de sítio. Uma festa, a quererem ajudar, o bebé o mais activo. Vamos ver como corre a coisa.
O que vejo é que crescem a olhos vistos, qualquer dia já não cabem nas camas. Depois quiseram que contasse uma história. Invento, claro, mas, a cada passo, intervêm, questionam, fazem observações, apanham-me em contradições. Por vezes desato a rir, outras fico sem resposta.
Mas, enfim, estão a dormir, lindos.
De novo, percebo que deve ter havido outro debate, não sei se hoje, se ontem ou se em ambos os dias. Continuo por fora. Agora passei pelo Expresso da Meia-Noite e uns quantos comentadores respondem a perguntas do Mano Costa e do amigo Ferrão e nada do que dizem me interessa. Conversas ditas, reditas, deglutidas, regurgitadas, reprocessadas, recicladas. Nada de nada de novo. E é o que se sabe: todos concluem que não existe nada à direita do PS, zero, o PSD e o CDS estão a ir pelo ralo, não têm nada para oferecer, nem já sabem o que são. So what? Ok, isso já sabemos.
Ninguém tem uma ideia nova para se discutir? Uma visão inesperada? Uma seca. Um déjà-vu pegado.
E isto por cá.
Lá fora foi o ex-rottweiler Schäuble que descobriu a pólvora. Infelizmente tarde demais, depois de muitos estragos feitos. Diz o estúpido: Deregulating Financial Markets Was 'Stupidity,' e eu volto a pensar que sobre gente que comete reiteradamente erros crassos e que depois vêm de fininho, como se nada fosse com eles, reconhecer que o que fizeram foi uma estupidez, só se pode concluir que é gente estúpida. E pessoas que, contra todas as evidências, apoiaram toda a porcaria que os estúpidos fizeram, são outras que tais, umas estúpidas. Ou seja, sendo que toda a política de Passos Coelho (e Portas!) -- ou seja, do PSD e CDS, as so-called direitas reunidas & encostadas -- foi seguidismo puro e duro da estúpida linha Schäuble, então o que dizer dos estúpidos que a aplicaram e dos estúpidos que bateram palminhas?
São os que andam agora, às rodas à volta do rabo, a ver onde se acoitar? E a equacionar se devem manter-se junto a Rio ou a Cristas ou se, pelo contrário, devem assobiar para o lado e, empolgadamente, ir apoiar o BE? Não sei, apenas pergunto.
Coisas tristes de tão parvas. A natureza humana tem o seu lado mau, imprestável.
E o que posso dizer é que de tudo o que vejo, no meu olhar a vol d'oiseau, a única coisa que me desperta atenção é o que se relaciona com as palhaçadas dos maiores palhaços da actualidade. Quando se diz que a ficção, por vezes, ultrapassa a realidade nunca se pensa que a ultrapassagem pode ser tão aparatosa. Um Boris a fazer discursos que não passam de meras patacoadas, sem eira nem beira, ou com tiradas parvas, um Trump a alterar mapas para justificar tweets parvos, Bolsonaro com comportamentos abaixo de anta -- tudo abaixo de mau, tudo inqualificável.
E eu, talvez por andar com a cabeça de férias, não me apetece perder tempo com coisas dessas. Por isso, que me desculpem os que aqui vêm à procura de temáticas bem afiambradas porque, por estas bandas, agora, tudo o que é política me parece fruta do chão, nada de primeira água (nem de segunda, nem de terceira, nem de...). Portanto, se me permitem, dou meia volta e regresso às tépidas águas algarvias.
O tema hoje é mesmo paddle. Há quem passe sobre as águas, na maior limpeza. Direitinhos, passando sobre as ondas, aí vão eles, sem pestanejar. Parece coisa de nada, Coisa simples. Coisa que qualquer um se monta nela e upa-lá-lá, é só cavalgá-la -- mesmo de pé, na maior bravura, enfrentando corrida, ventania a vergastar a garupa do animal, seja o que for.
Mas não é fácil, não. Não mesmo.
O jovem e garboso cavaleiro que aqui mostro a fazer a sua primeira tentativa é bem a prova de que montar o animal requer mais do que perícia, requer prática, muita prática.
Claro que, se ele vier, um dia, a ver-se aqui espero bem que ache graça -- mas, se não achar, é só dizer-me que eu, logo, logo, retiro as imagens. Contudo, como habitualmente, escolhi fotografias em que não dá para identificar o interveniente. Na volta é o o Clive Owen.
E, já agora, reparem bem na dificuldade acrescida: enquanto o valente tentava dominar a besta, as duas mulheres, a dele e a do amigo-instrutor, divertidamente gozavam o pratinho. Não se faz. Era muita pressão.
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E, por ora, só isto. Daqui a nada os meus galinhos e pintainhos estão a pé, como sempre cheios de fomeca. Portanto, hoje nem comento comentários nem me alongo mais.
Um belo sábado a todos. Saúde, alegria, sorte e trocos para os gastos -- pelo menos isso.
Depois de ter escrito sobre mais uma big palhaçada em terras de Sua disfarçada e distraída Majestade e de ter estado a responder aos mais recentes comentários, já são quase duas da manhã. Não posso, pois, alongar-me.
O dia hoje foi tranquilo. Junto à piscina, na esplanada, vimos o japonês. Estava sozinho, a ler. Tentei perceber que livro era. Na capa, só consegui ler Sartre. O outro, o que anda vestido de igual, só vimos ao pequeno almoço, tisnado como um tunisino, e também sozinho -- e incompreensivelmente de chapéu posto.
Ontem surpreendemo-nos com um jovem casal, tal a desproporção: ele deve medir quase dois metros, todo ele amplo. Ela deve medir metro e meio e toda ela uma bonequinha miudinha. De costas percebe-se que o volume dele deve ser o dobro do dela. A falar, ela vai o tempo todo de cabeça virada para o alto e ele quase como que a olhar para o chão. Pois bem, hoje ao pequeno almoço quase a mesma coisa mas em mais velhos. Ingleses. Aliás, não sei se já o escrevi: muitos ingleses, creio que mais do que é costume. Numa mesa, ao pequeno-almoço, um senhor muito inglês, muito grande, muito forte. Em frente, a sua senhora, muito pequenina, muito sorridente, talvez de origem indiana. Quando se levantaram, ele muito cortês, ela muito querida, era a mesma desproporção. A diferença estava, pois, na idade: estes andariam pelos quase setenta. Mas a forma afectuosa como se olhavam e falavam era a mesma do jovem casal.
Na mesa ao lado da nossa, uma coisa estranhíssima, daquelas em que o meu marido está a controlar-me o tempo todo não vá eu distrair-me e pôr-me a olhar, à descarada. Um homem que, diria eu, deve andar pelos cinquenta. Sotaque acentuado de irlandês. Alto, magro, cabelo um pouco comprido, ar boémio. Em frente uma miúda talvez tailandesa, pequenina, cabelo curtinho, calções muito curtos, tshirt justinha e curtinha. Quando ele se levantou para ir buscar chá para ambos, perguntei ao meu marido: 'Mas o que é isto, percebes? A miúda já terá dezoito? Não me parece'. O meu marido disse-me: 'Não sei, não dá para perceber, pode ser que tenha. Ou pode ser filha. O gajo tem ar de maluco'. Não me pareceu que fosse filha pois ele derretia-se com ela, ia buscar-lhe a comida, dizia graças, coisas que não me pareciam ter nada a ver com instinto paternal Eu diria que a miúda teria uns catorze ou quinze anos. Mas é daquelas situações em que não se sabe, não se percebe e em que, civilizadamente, achamos que não temos nada a ver. Espero bem que não.
Na praia fiz muitas fotografias e gostaria de divulgar algumas aqui, fazendo como que umas séries. Uma é a habitual série de casais, demonstrando aquela minha teoria de que os membros do casal, quando são casais de verdade, acabam por ter muitas afinidades na forma como andam, como se vestem, como se articulam entre si. Outra sobre gaivotas, em especial uma que fiz com gaivotas e uma mulher. Poderia chamar-lhe 'a encantadora de gaivotas'. O problema é que se vê o rosto. Se eu tivesse tido coragem, teria ido ter com ela e ter-lhe-ia pedido autorização para publicar as fotografias. Mas temo sempre que as pessoas se assustem, achem que sou pirada da cabeça. E outra série com a tentativa frustrada de um senhor caminhar sobre as águas. Tão engraçado. Neste caso penso que o apanhei algumas vezes de costas pelo que não dará para ser identificado.
No meio das fotografias, a melhor parte: 'fui ao banho' prolongada e repetidamente. A água boa, boa, boa, daquela de não se conseguir sair dela. Fui várias vezes. E estava aquela ondulação boa, que dá para andar feita pata, a flutuar sobre as ondinhas. Tão bom. E os mergulhos, tão bons. Gosto imenso de me meter debaixo de água.
Também consegui ter hoje o jacuzzi só para mim. O meu marido, já nem me lembro porquê, não quis. Ah, já sei, disse que estava muito quente, custa-lhe suportar aquela água fumegante e aquele vapor tão quente. Eu, bicho de água -- lá está --, não me faz diferença nenhuma. E dali fui para a piscina nadar. Com tanta caminhada e tanta natação até poderia ser que estivesse mais elegante. Infelizmente as tartes de alfarroba, de figo ou a torta de amêndoa estragam tudo. Também fui comer gelado àquela casa de gelados recomendada por quem sabe e foi do de figo, claro, figo e amêndoa. À maneira, portanto.
Ainda se eu fosse aplicada e fizesse exercício a sério... De manhã acompanho, mal e porcamente, o meu marido na caminhada na praia. Cerca de quatro ou cinco quilómetros. Só que, enquanto ele não pára e mantém o ritmo eu, volta e meia, sou forçada a parar para fotografar alguma coisa. Portanto, ele leva sempre avanço e acaba sempre por fazer um bocadão a mais que eu. Depois, quando volta para trás, apanha-me e lá vamos mais ou menos a par porque ele, no regresso, já não vai a tanta velocidade.
Hoje vi uma senhora, a da primeira fotografia, aquela lá em cima, que fazia flexões a sério, à beira de água. E dobrava-se que era uma limpeza. Uma energia e uma força e elasticidade que me deixaram a olhar para ela, cheia de pena de não ser assim.
Ou seja, para abreviar: quando regressar à torre de vidro, talvez leve um ligeiro tom de pêssego sobre a pele mas quilos a menos nem pensar.
E, por falar em tom de pêssego, vou ponderar se mostro também as fotografias que o meu fotógrafo particular me fez. Quando estou a ler ou a dormitar ou a olhar o mar, é ele que caça a caçadora. Parece-me difícil pois talvez sejam demasiado explícitas, tenho que avaliar. Mais depressa, se calhar, mostro algumas que fiz com ele, à sua revelia. Logo vejo.
Se calhar fico-me só por esta em que até parece que estou com bolhas na pele. Mas não, está um bocado marcada é de ter estado deitada antes de me pôr sentada, a tentar ler, e as manchinhas claras são entradas de luz através do chapéu que é de palha. Ou melhor, de papel entrançado. Embora, agora que reparo, tenha também uma mancha mais clara a meio, de protector solar (50!, que eu, com a minha pele, se não me cuido, apanho escaldões que até fervem). Por isso, ou estou à sombra, ou escondida debaixo do chapéu ou, então, espero que o sol comece a querer amansar, lá mais para o fim da tarde.
Nota: eu sou a da fotografia de cima, não esta felpuda e maldisposta branquelas aqui abaixo que, em vez de ir à praia, ficou à porta de uma loja a roer-se de inveja.
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Lá em cima, o extraordinário Kodi Lee volta a ter uma actuação emocionante e, ainda por cima, cantou uma canção que me enche as medidas, You are the reason. E a mãe, comovida, sempre presente, é outra coisa que me toca especialmente. Ser mãe é isto, estar presente em qualquer circunstância em que a gente sinta -- ou pressinta -- que um filho precisa de nós.
O Verão agora começa em Setembro. Antes, em Maio ou Junho, assoma ao de leve e, nesses dias em que se anuncia, vem com força. Mas é apenas um preview, coisa breve. Verão a sério, do bom, é em Setembro. Uma luz indecorosa de tão límpida que é, um azul vibrante e omnipresente, um mar que chama por nós, afável, bom para mergulharmos nele, peixes em nossa volta, a pele num sossego, um entardecer suave, dourado, umas noites tépidas, boas para passear, para estar nelas.
No trabalho, tudo regressando, tudo a bombar e a gente nem aí, a gente assistindo de longe, a gente no bem bom.
Não há televisão, não há rotinas ou horários, o carro nem a gente se lembra dele, parqueado, em repouso.
Bom mesmo é nadar. Entrar nas águas, entrar, ir andando até que é só um pequeno impulso para começar a nadar e ir. Nadando, mais ao longe as águas mais verdes, mais fundas, aquele cheiro bom do mar. E mergulhar. O corpo todo debaixo de água. Tão, tão, tão bom.
Vejo agora, pelos títulos, que deve ter havido debate na televisão. Costa e Jerónimo, não foi? Na volta, pela cidade, já cheira a eleições. Aqui não, aqui só cheira a maresia. Por isso, não posso pronunciar-me: estou fora. Ontem também vi título com uma tiradinha do Marques Mendes. Certamente mais uma das suas abelhudices, coisa de chico-espertinho que mete o bedelho em tudo. Não retive: estou fora. Ou isso ou o arrufo, de verdade ou pseudo, entre o Costa e a Catarina. Tenho visto título por aí, gente a tomar posição. Não sei detalhes, não me assiste: estou fora. E também quase me sobressaltei com a perspectiva de uma snap election lá por terras da Sta Sua Majestade, terras daquela santa senhora que pode ver o reino desmoronar-se que não mexe um dedo, quanto mais uma palha. Mas não mergulhei no assunto: estou fora. Mergulhar só mesmo na água: ou no mar ou na piscina. Bom, mesmo bom. Sou bicho das águas. E às vezes da terra, das pedras, do regaço das árvores. Sou bicho, portanto.
Ah, é verdade: levei mesmo um livro para ler enquanto estava na praia mas não sei onde estava com a cabeça para achar que teria cabeça para ele (e sorry pela redundância da cabeça mas a falta de cabeça dá nisto, para usar o seu santo nome em vão). O solzinho bom a dar em mim, a aguínha boa a chamar por mim, os motivos a florescerem chamando pela minha câmara e eu... filosoficamente a ler o José Gil...? Está bem, está. Ainda tentei, ainda li salpicadamente umas quantas páginas mas naquelo registo vadio em que à segunda página a gente já nem sabe bem de que se tratava na primeira. Um desperdício. E a culpa não é do José Gil, atenção. Os seus Trajectos Filosóficos devem ser coisa fina, nada em que alguém possa pôr defeito. É minha a culpa, mea culpa, mea maxima culpa. Amanhã tentarei outro, mais à medida das minhas limitadas circunstâncias.
A registar ainda um facto que, por sinal, é identicamente pouco épico mas não tem mal, é o que é. De manhã, antes de irmos para a praia, o meu marido disse que tinha visto uma loja de chineses numa das ruas a caminho da baixa e que achava que deveríamos ir lá ver se tinham candeeiros pequenos para agarrar ao computador. Queixa-se amargamente de eu, à noite, ficar de luz acesa, custa-lhe a adormecer. Percebo. É sempre isto. Por causa disso, noutra vez, já se arranjou um desses candeeirinhos mas, como é bom de ver, esqueci-me de o trazer. Lá fomos. Duvidei que tivesse. Contudo, a chinesa, mostrando ser muito à frente, não desarmou: 'É USB?'. Dissemos que sim. Chamou um colega, falou-lhe em chinês e ele lá nos levou. E tinha mesmo. E dá boa luz, até tem duas intensidades à escolha. Tem é um problema: o cabo é minúsculo. Como não me apetece estar sentada à secretária ou ali no sofá ou, mesmo, num dos cadeirões, estou a escrever deitada, ligeiramente soerguida. Numa perna, que está flectida, o portátil e, na outra, aberta talvez a 45º. o candeeiro em equilíbrio, apontado ao computador. Uma ginástica. Mas ilumina bem o que escrevo e não interfere com o sono do meu companheiro de leito.
É extraordinário como estas lojas têm de tudo o que se possa imaginar. O que também sei é que andava a precisar de uns calçõezinhos brancos, que dão imenso jeito para usar com uma túnica ou coisa assim ligeira para a praia, já que os outros que tenho já estão muito usados, bons para usar é lá no campo quando ando ao figo ou a cortar mato -- e, já que ali estava, resolvi ir espreitar. O meu marido, como é fácil perceber, passa-se: 'Só visto, vens a uma loja de chineses no Algarve comprar calções?'. Pois comprei, sim senhor. Uma bela compra. Nove euros. Altura e largura certas, tecido levemente elástico, cós na cintura também elástico. Mesmo tudo no ponto. E, na caixa, outro achado. Estava ele já a pagar o candeeiro e os calções, vi uns brincos de pérola, pérola genuína, uns em cor-de-rosa e outros em azul claro. Um jeitaço. Um euro cada par. Hoje à noite já estreei os azuis. Lindos.
Bem. Abreviando. Fotografo de gosto, estou nas minhas sete quintas. Fotografo os casais que passam, meu motivo habitual, fotografo momentos de ternura maternal, fotografo veleiros, velhos e novos, gaivotas armadas em patinhos -- tudo. E hoje pensei: vou fotografar actividades mais ou menos desportivas na praia. Pensei: desportos náuticos. Mas depois alarguei o âmbito. É o que aqui agora mostro.
Fotografei também outra coisa -- e as feministas que não me roguem pragas nem ranjam os dentes que isso me arrepia. O meu marido, observando-me sempre a ver através da lente, disse-me: 'Olha lá, um bom motivo para fotografares sabes qual é? Fios dentais. Para se poder eleger o melhor fio dental'. Penso que já deve ter dado para perceber que ele tem um lado bem safadão. Não machista, não senhor, que eu isso certifico. Simplesmente safadinho. Mas eu gosto dele assim, malandreco. Pareceu-me bem, a ideia. Não propriamente para eleger mas para glorificar. É que há corpos que, a descoberto, são obras de arte e acho que glorificar o corpo das mulheres nunca será de mais.
Mas, depois, derivou. O tema já não era 'fios dentais' mas 'cus dentais'. Volta e meia, estava eu a focar uma mãe a ajudar uma filha a equilibrar-se numa prancha ou uma gaivota a sobrevoar um veleiro ou um casal a passar e dizia-me ele: 'Cu dental à esquerda, junto ao chapéu de sol verde'. E, portanto, fiz fotografias de uns quantos.
Mas é o que vos digo: apesar de nada fazer, chego a esta hora e estou pedrada de sono. Por isso a ver se durante o dia publico a série de cus dentais que, entretanto, colhi. Hoje fico-me pelos desportos náuticos. Lato sensu, claro está. Tanto lato sensu que termino com a fotografia da bela nadadora-salvadora que, a bem dizer, se tudo correr bem não precisará de nadar para salvar ninguém. Mas, pelo menos, passeia a sua beleza pela praia e isso também me parece um desporto bastante meritório.
E até já. Bons dias de sol.
[E, como bem vêem, até faço de conta que isto das alterações climáticas nem tal e coiso]
PS: Amanhã teno responder aos comentários e aos mails que tenho pendentes, está bem.? Agora não consigo mesmo, estou para lá de Bagdad,