Cansada, mal dormida, hoje de nada me apetece escrever. As poucas notícias que ouvi em nada contribuem para me animar. Para lá andam a brincar às coisas impossíveis, às cimeiras europeias de que história que se preze alguma vez rezará. Estabelecer para todos os países, por decreto, limites inatingíveis é forçar alguns a saltarem fora. Merkel continua pôr e a dispor e toda a gente a balir atrás. Quase todos, melhor - porque parece que os dois rebeldes do costume disseram que não brincam às uniõezitas. Um défice de 0,5%. Quando? Em quantos anos? Quem é que consegue isto todos os anos? Olha, Portugal, até aqui acho que nunca oa conseguiu.
A UE transformada numa turma da catequese. Não tenho paciência para isto.
Noemie Lenoir por Mario Testino |
Quando há pouco cheguei a casa, deitei-me no sofá e instantaneamente caí num sono profundo; só acordei, e a custo, à força. Ora isso teve um lado bom: não tive a desagradável sensação de ouvir o Relvas ou o Passos Coelho, ao menos fui poupada a essa provação.
E depois, do pouco que ouvi, é só desgraças, só gente a morrer sozinha, gente desempregada, empresas a fechar, e eu hoje não consigo ouvir mais falar disso, nem falar destes dramas. Não. Que apareça, por favor, gente divertida, gente maluca, que digam coisas imprevistas, que me façam rir, que me despertem, que me façam ficar boquiaberta com palavras nunca antes ditas.
por Mario Testino |
Mas não, só banalidades, só coisas mil vezes repetidas, mil vezes irrelevantes. Neste momento, vejo o Prós e Contras e nada que se aproveite. Toda a gente reclama e muito justamente mas tantas vozes, tanto ruído e ninguém que saiba transformar as reclamações em concretizações válidas e justas. E a Fátima Campos Cunha tão excessivamente afirmativa, às vezes com um tom de voz tão chato, fala muito alto, cansa-me. Gente que fala muito ou que fala muito alto cansa-me.
E inquilinos e senhorios e todos se queixam e todos têm razão e a ministra Cristas, coitada, que culpa tem ela se a puseram em ministra?, sabe lá ela alguma coisa destas vidas complicadas?
Acho que a Arquitecta Helena Roseta é a única que diz coisa que se aproveite mas o que é uma voz no meio de tanta barafunda?
Acho que a Arquitecta Helena Roseta é a única que diz coisa que se aproveite mas o que é uma voz no meio de tanta barafunda?
Mas estou para aqui a queixar-me e até nem é verdade que não me pareça uma alma que me deixe especada. Há pouco aconteceu, até peguei a correr na máquina.
Judite de Sousa na TVI 24 |
Judite de Sousa no seu programa com Medina Carreira a quem ela trata como se ele fosse um velhinho senil ou, outras vezes, como se estivesse deslumbrada e infantilizada perante um professor ancião, ou nem sei, nem consigo classificar aquele tom de voz suplicante, 'mas ó sô tôr ...mas então ó sô tôr...', mas, dizia eu, a Judite hoje deixou-me de boca aberta.
Com um penteado à Marie Antoinette, cheia de ganchos e travessões brilhantes, com uma pintura espectacular, com um vestido que tinha ao ombro umas fitas que não consegui compreender, unhas azuis e um cachucho brutal num dos dedos! Ali andei de pé, de roda da televisão, a tentar perceber o que era aquilo. Mas até estava gira! Fica-lhe bem. Estas coisas espampanantes valorizam-lhe a assimetria.
E até gostei daquele tom de voz soava surreal, com aquela produção versailliana: tudo aquilo era uma coisa digna de ser vista e ouvida, uma performance improvável, mesmo como eu estava a pedir.
Claro que Medina Carreira, com um senhor bem informado de que não captei o nome (apanhei o programa já quase no fim), me deixaram um pouco mais preocupada pois concluíram que o mal de Portugal é a desindustrialização e a dependência energética, coisas estruturais e que não se ultrapassam de um dia para o outro. E que este é também o mal de grande parte da Europa. E é verdade. Nisto radica todo o mal profundo deste país. Desindustrializou-se, tornou-se dependente. Um drama só superável com uma grande visão e compreensão da dimensão real da tragédia, com gente culta, abnegada, experiente, bem preparada. Gente de outro mundo, portanto.
Mas, olhem, hoje não estou para isto. Deixem-me procurar imagens loucas, imprevistas, quero ser surpreendida.
Mario Testino para a Vogue |
Está difícil. Não me aparecem sonhos materializados em pássaros coloridos e enormes, cantando e gritando aqui à minha frente, não descem dos céus bailarinos de fogo dançando em roda desta minha mesa cantares do fim da terra, batendo palmas e rindo, não me aparecem anjinhos dando cambalhotas nos ares enquanto entoam os violinos. Já dei tempo mais que suficiente para isso e nada. Nem a lua desceu do céu para vir bater no meu peito. Nada.
Não havendo nada disso, queria que me aparecesem aqui os homens que, à noite, saem das cavernas, cobertos de peles, meio despidos, sedentos, olhos suplicantes.
Fur Men por Mario Testino |
Mas não. Talvez porque não tenho aqui uma fogueira para se virem aquecer, os homens das grutas hoje passaram por aqui e logo seguiram. Queria que aqui se deixassem ficar, desfilando, lentos, carentes, belos, queria-os aqui em silêncio à volta desta minha mesa coberta de livros, mas nada. Foram em busca das raparigas de caras pintadas, vozes loucas, alegres, dançarinas frenéticas, mulheres livres que dançam com grandes pássaros emplumados.
Kate Moss por Mario Testino |
Por isso, como a festa hoje se faz por outras paragens, vou-me embora. Talvez vá ver se descubro onde andam esses cuja companhia hoje me apetece, que eu hoje só me apetecem coisas incomuns, gente com horror ao cinzento, quero luzes, cores, cantos, saltos, voos, risos, futuros.
Lana del Rey, grande voz - ouçam-na, por favor
[.]
E poemas?, perguntem-me lá vocês... Não podemos enfrentar o dia sem um poeminha - digam-me lá...
Ok, assim seja, então (um poeminha bom para as minhas leitoras decorarem e surpreenderem os seus compagnons de route quando eles menos esperarem, está bem? Mesmo as de fraca memória vão conseguir que ele é bem pequenino, vão ver):
Das tuas mãos saem
coisas maravilhosas
- por exemplo,
os meus seios.
[ 'Das tuas mãos', poema de Ana Duarte em Criatura]
.&.
Pronto, é desta, vou-me deitar.
Tenham, meus Caros, uma bela terça-feira.
E que viva a vida cheia de cor!