segunda-feira, abril 07, 2025

No reino da beleza

 

Desde que frequento as agitadas paragens do Instagram deparo-me com milhares (quais milhares... certamente milhões, biliões, zetaliões) de coisas. Cada um mostra ali o melhor que sabe e pode, ou o que lhe apetece, ou sabe-se lá o quê. Mil obras de arte, mil arranjos florais, mil restauros de móveis, mil maneiras de parecer mais nova, mil maneiras de parecer bronzeada, mil maneiras de cortar o cabelo, mil exercícios e mil dietas para perder barriga, mil maneiras de fazer bolos sem ir ao forno, mil maneiras de fazer panquecas, mil livros, mil citações, mil gracinhas do cão, do gato, dos filhos, mil arco-íris, mil decorações de nails, mil, mil, mil de tudo e tudo elevado a um expoente que transforma os mil em muitos, muitos mil.

Apercebo-me, como se me pusessem uns óculos de realidade aumentada, excessivamente nítidos, quase insuportavelmente saturados, que há gostos para tudo, conceitos díspares a propósito de tudo, teorias para tudo. Não que não o intuísse, não que não o soubesse da minha vida real. Mas a amostra era curta: era apenas a realidade que eu conhecia. Agora a amostra é o mundo. Aparecem-me imagens e vídeos e palavras de todo o mundo.

E, no entanto, se, ao fim do dia, eu quiser dizer o que é que me ficou de tudo o que vi, vou ter a maior dificuldade. Talvez fiquem umas palavras límpidas ou uma pintura singela de alguém que já conhecia de outras paragens e que fui ali encontrar, talvez as imagens genuínas e as palavras espantosamente sinceras e simples da Gina, talvez uma forma engraçada de dobrar camisolas com capuz.

Mas aquilo é o mundo. Uma tremenda cacafonia em que parece que o que é mesmo relevante se esbate no meio de tanta exposição.

Fica-me, isso sim, a vontade de silêncio, de alguma reclusão, de regresso às origens, às flores, à terra molhada, ao canto dos pássaros, a vontade da amabilidade sincera, simples, autêntica, a saudade de palavras transparentes.

Debruço-me, então, e vou em busca de uma pedra, de um cogumelo, de um líquen, de uma gota de água a escorrer de uma folha, do reflexo de uma nuvem na água que fica sobre a terra.

E depois é isso. Só isso. O reino da beleza das coisas simples. E chega-me.



O rapaz-pássaro

 

Samuel Hendersen tem 11 anos e imita, na perfeição, o canto de 50 pássaros. É autista e tem síndrome de Tourette e, no recreio, isolava-se dos colegas para ensaiar o canto dos pássaros. Por isso, os outros meninos não conheciam as suas habilidades.

Quando se colocou a hipótese de o levar a um palco onde pudesse mostrar o seu talento, a mãe morreu de medo com medo que as outras crianças troçassem e o fizessem sofrer.

Mas o que aconteceu foi que, depois da estranheza, os colegas ficaram surpreendidos e rendidos. 

Samuel, o menino um pouco peculiar, é agora o mais conhecido da escola.

E eu comovo-me quando vejo crianças que, por serem um pouco diferentes, são olhados com estranheza fazendo com que os pais se sintam ainda mais angustiados.

Não sabia que um rapazinho desta idade poderia ter Síndrome de Tourette mas, pelos vistos, pode. Contudo, neste caso, os sons que emite são o canto de pássaros.

11-year-old boy who can imitate 50 birds wows at school talent show

domingo, abril 06, 2025

A tristeza de ver vidas interrompidas. E a beleza das flores, tão efémeras

 

Uma árvore gigante levantou-se do chão. Anos e anos e anos para ficar daquele tamanho e, num instante, o vento destruiu-a. Um desgosto muito grande.

Custa ver uma coisa assim. Na aparência ainda está viva. Aliás deve mesmo estar viva. Mas, infelizmente, não há possibilidade de a salvar. 

A terra está tão molhada, tão ensopada, que o vento não encontrou resistência.

Mais à frente uma outra, enorme, tombada, o canteiro todo partido. Não foi o único mas um bem pior e mais periclitante que o outro.

É a segunda vez que o vento faz grandes estragos por aqui, in heaven. E é sempre com o coração apertado que os vejo. Gostava que as minhas queridas árvores durassem para sempre. Sei que a vida leva algumas mais cedo e isso eu compreendo. De vez em quando, algum pinheiro seca. Fica de pé mas está sem vida. Isso não me custa tanto. O que me custa é ver árvores fortes, saudáveis, e, por um cruel golpe de vento, serem derrubadas.

Mas, pronto, é o que é. Agora é ver como resolvemos tudo isto. E bola para a frente.

A terra está coberta de musgos, de líquenes, de ervinhas, tudo verde. O ambiente húmido, frio, oxigénio puro, limpo, fresco, cheio do canto dos pássaros.

As videiras estão a rebentar, muitas folhinhas, tudo molhado e viçoso. Muita beleza. A natureza mostra-se pujante, fértil.

Até os troncos das árvores estão cobertos de líquenes. E há florzinhas de toda a espécie, cor e feitio. Maravilho-me. A simplicidade e a espontaneidade maravilham-me.


E depois há nuvens quase etéreas em verde. Creio que será funcho. Não sei se será comestível mas receio arriscar. Se calhar, numa salada com alface e coentros, ficaria muito bem. E estar a incluir na minha corrente sanguínea algumas destas plantas seria pura magia. Mas sou medricas. E se esta variedade é venenosa? Ou se me provoca alguma alergia?

Devia trazer cá algum ou alguma botânica... Mas não conheço nenhum/a.

Portanto, não os comendo, em contrapartida, fotografo -- de longe, de perto, de cima, de baixo. Parece-me tule, parece-me um vapor, parece-me quase irreal.


E depois os lírios. Uma beleza rara, exótica. Uma perfeição muito além do que é normal. Umas cores, uma delicadeza. Podia ficar horas a filmar (aliás filmei para o Instagram). Mas tem choviscado, nunca dá para estar muito tempo pois logo vem um aguaceirozito.

E, neste mês de águas mil, parece que este domingo também promete. As rochas escorrem, tudo escorre. Até a casa, quando chegámos, estava húmida, fria, incómoda. O que vale é que a salamandra e o ar condicionado já resolveram o assunto.

Mas já viram bem a incrível perfeição desta flor? O raiado, as subtis nuances, a intimidade resguardada, a fragilidade... 

______________________________________________________

Desejo-vos um belo dia de domingo

sábado, abril 05, 2025

Lamento mas não são passarinhos a comer os meus flocos de aveia. Isso tem que ficar para outro dia...

 

Ultimamente tenho feito flocos de aveia. Num tachinho com água deito uma pitada de sal, raspa de uma laranja ou de um limão, a casca inteira de uma tangerina, a tangerina ela própria, em gomos, um pouco de canela e os flocos (suaves ou pequenos ou lá o que é) de aveia. Deixo ferver mexendo sempre, senão pega-se ao fundo, e, depois de começar a fazer bolhinhas, mexo mais um pouco, um minuto talvez, e desligo. Está feito. 

Ao pequeno almoço, como sou lambona, misturo uma colher de sopa daquela papa no kefir, misturo também umas sementes (como quero ver se perco mais algum peso, controlo-me e não misturo também uma mão cheia de nozes e amêndoas e arandos e tudo o que calhar), misturo uns pós de latte dourado... e fica uma maravilha. 

O meu marido come as papas de aveia, mas apenas isso, e nem consegue conceber como é que alguém consegue gostar das mistelas que eu faço. Por isso, mantém-se dentro do peso ideal sem qualquer esforço enquanto eu é o que é.

Mas durante muitos anos ninguém se lembrou de comer papas de aveia. Por isso, há algum tempo descobrimos um pacote de flocos esquecido, já completamente fora de prazo. Em vez de deitar para o lixo, tive uma ideia: iria espalhar os flocos no pátio para atrair os passarinhos. 

Só que, com a chuva, fui retardando. 

Há uns dois ou três dias, estando sol, pensei que era a altura. Espalhei, então, os flocos no dito pátio e sobre a relva. Pensei que os passarinhos desceriam de imediato dos céus para se banquetearem. Fui a casa buscar o telemóvel pois pensei que iria fazer uma reportagem extraordinária. Só que, do nada, começou a chover. Claro que fui a correr apanhar a roupa que estava alegremente ao sol. Entretanto, o cão recolheu-se também e fui limpá-lo. Conclusão: nem mais me lembrei dos flocos de aveia. 

Quando me lembrei, os flocos tinham desparecido. Ia até a pensar que poderiam estar feitos em papa. Mas nada. Desaparecidos da superfície do planeta. Se a chuva os lavou e arrastou e se diluíram na terra ou se a passarada se atirou e os devorou em três tempos, não sei. O que sei é que as belas imagens que eu desejava ter feito com espécies raras, aves de belíssima plumagem, quiçá até avestruzes, não aconteceram.

Mas, em contrapartida, tenho aqui um vídeo adorável. Lindo, lindo. 

Relax with the Cornell Lab's 21 Favorite Bird Videos from 2024

The Cornell Lab of Ornithology's Macaulay Library collects and archives videos, photos, and sound recordings of wild species from around the world.  This year, we combed through all 33,000+ recordings that users uploaded to the archive in 2024, looking for our favorites. We searched all seven continents to bring you this compilation highlighting fascinating species, intriguing behavior, stunning beauty, and skillful cinematography. 


Desejo-vos um belo sábado!

Be happy.

sexta-feira, abril 04, 2025

E ele aí está.
Com 83 anos, uma lucidez assertiva, uma esperança indestrutível, uma energia contagiante, uma fantástica capacidade de comunicação.
Bernie Sanders contra o trumpismo (autoritarismo, oligarquia, estupidez)

 

Interrogo-me, com alguma frequência, quantos mais anos terei de vida útil, isto é capacidade de me manter autónoma, independente, lúcida, com a maneira de ser que hoje tenho. Faço contas, comparo com o percurso dos meus pais. Temo que surja algum acidente (como o AVC que quebrou o meu pai, que levou a mãe dele e vários outros dessa linha familiar) que intercepte o que, já de si, não é um período folgado. 

Mas, mesmo que nada de grave ou degenerativo me aconteça, imagino que daqui por uns quantos anos comecem a falhar algumas das minhas actuais faculdades. É a lei da vida: somos assim, efémeros, seres que resultaram dum acaso e que se vão aguentando, sabe-se lá como, no meio de condições muitas vezes completamente precárias.

Mas depois vejo um homem como o Bernie Sanders e penso que há pessoas que transcendem as expectativas. Tem 83 anos. Poderia pensar que já não será na vida dele que vai ter de volta uns Estados Unidos livres, democráticos, justos, inclusivos. Mas, em vez disso, aí está ele. Determinado, pujante. Dá entrevistas, grava vídeos, está nas redes sociais, participa em comícios. Está a querer que o povo se levante, se organize, lute. 

Acredita, do fundo seu seu coração, que não há lutas impossíveis.

Um exemplo que me comove.

Where Do We Go From Here?

Yes, the oligarchs are enormously powerful. They have endless amounts of money. They control our economy. They own much of the media.

But, from the bottom of my heart, I am convinced that if we are well-organized, they can be defeated.

My thoughts on the current moment:


Como destruir a democracia

 

Começou num sítio, surtiu efeito, começou a ser imitado, resultou, e já estava a fazer escola, e, em todo o lado, resulta, e, às tantas, já são as pessoas a querer disto. Votam no impensável. De sua livre vontade escolhem a pior opção possível, a mais nefasta.

Assim acontece um pouco por todo o lado. Talvez tenha sido a Rússia a espalhar a semente mas agora já está aquém e além mar.

O vídeo abaixo aborda a actual realidade americana mas vê-se e percebe-se que é isto.

HOW TO DESTROY A DEMOCRACY (1952)
Trump's five step plan for destroying a Democracy. 

quinta-feira, abril 03, 2025

O PSD já é mais populista que o Chega?
Já não há gente decente no PSD? O Montenegro e o Hugo Soares dissolveram a decência em todo o PSD?

 

+


Estou incomodada com o que está a passar-se. Isto do Conselho de Ministro em pleno Bolhão e todo o desfile pela Rua de Santa Catarina excede os limites. A convocatória de militantes para fazerem uma arruada é mau demais, parece coisa impensável entre gente decente.

Espanta-me que Marcelo não faça nada. O que o PSD está a fazer atenta contra a inteligência e a tolerância dos eleitores.

E liguei a televisão na RTP 1 antes das 20h e tive a pouca sorte de aterrar dentro de um tempo de antena do PSD e assisti a um exercício de propaganda eivado de alto a baixo de falsidades, de manipulações, de provocações. Quando acabou estava agoniada. Um ultraje, tudo aquilo.

A Comissão de Eleições ou o Presidente da República vão assistir a isto sem fazer nada?

Nem o Chega actua assim, com tanto desplante. E, quando fazem perguntas a Montenegro, nem o Ventura responde com tamanha desfaçatez.

Montenegro está pois, a toda a força, a ultrapassar o Ventura em demagogia, em populismo, em indecência. 

quarta-feira, abril 02, 2025

Clara Ferreira Alves e a 'manosfera' - a 'percepção' em vez da estatística
-- Isto para não dizer: a ficção em vez da realidade --

 

Li com algum espanto e até alguma pena o artigo da Clara Ferreira Alves no Expresso, "Manosfera, manual de combate". 

Parece que existe uma manosfera. Sempre existiu, sem ter meios de comunicação tecnoinclusivos ou nomenclatura e sociologia a gosto. Welcome to my world.

No mundo em que nasci, o da expansão económica do pós-guerra, e do nascimento das marchas e lutas dos direitos civis, a violência masculina era um dado adquirido. Nascer mulher era não só nascer imiscuída nessa violência e prisioneira dela como nascer forçada a aceitar essa violência. E considerá-la parte do estádio civilizacional da época. Ou seja, normal.

Começava em casa. O pai, ou pater familias, era o único detentor do poder paternal, do poder financeiro e do poder disciplinador, que exercia com maior ou menor benevolência. A mãe era o polícia bom, o pai o polícia mau, chamado a depor no tribunal do casal sempre que havia a ameaça de desobediência ou rebelião. (...)

Na minha família não havia sevícias físicas, mas a violência verbal do pater familias era assustadora. Era uma violência exercida sobre toda e qualquer liberdade residual que uma rapariga ousasse ter. O mundo estava medido e escolhido para ela. O que podia e não podia fazer era designado desde o nascimento, mesmo quando se aceitava que a rapariga estudasse. E “estudar” num curso dito superior não era assim tão comum. Mais comum era fazer o liceu, o secundário, e a seguir arranjar um emprego, talvez de secretariado, uma posição subserviente, ou de qualquer modo um emprego que implicasse saber datilografia. Escrever à máquina. Na pequena burguesia da época, a capacidade era considerada um trunfo. A seguir, a rapariga casava e o marido teria de ser alguém aceite pelas duas famílias. Depois de casar-se, a rapariga seria mãe e colocar-se-ia numa situação financeira de pura dependência em que era norma aceitar as infidelidades conjugais. (...)

Na escola de repetentes, fui confrontada pela primeira vez com abortos, alunas lésbicas, e as “galdérias”, as raparigas que tinham dormido com rapazes. Pairava uma insurreição na escola, e a violência no recreio era bestial. De besta. Dos rapazes sobre as raparigas. Era uma coisa nova, e foi uma educação. Descobri que fora do estreito círculo feminino, oprimido, a relação entre os sexos era eminentemente violenta.(...)

Ao longo da vida, as situações de violência e discriminação que tive de enfrentar ou sofrer, e foram muitas, não cabem aqui. Assisti a muitas mais. Mesmo depois do 25 de Abril, que mudou tudo e não mudou logo tudo, a violência continuava, exercida muitas vezes na clandestinidade. Como os abortos. Como as violações, nunca reportadas. A posição subalterna da mulher era um dado adquirido e sofrida em silêncio. A trabalho igual nunca salário igual. E continua. 

(...)

---------------------     ---------------------    ---------------------

Como escrevi acima, tudo o que aqui leio me espanta. Sou contemporânea de Clara Ferreira Alves. E, no entanto, se eu fizer uma resenha do que têm sido os 'meus tempos' e qual a minha experiência, quer como interveniente directa quer como espectadora, seria totalmente diferente.

O ambiente em que vivi nunca foi violento. Nunca testemunhei violências. Não digo que não houvesse violência. Haveria. Mas da mesma forma que não consigo dizer que eram tempos absolutamente tranquilos, todos eles peace and love, também me parece abusivo retratá-los como um farwest.

Em minha casa trabalhava o meu pai e trabalhava a minha mãe. Opinavam e decidiam de igual para igual. Talvez uma parte significativa das mães dos meus amigos não trabalhasse, até porque era um meio relativamente burguês, mas muitas trabalhavam.

Além disso, todas as minhas amigas desde a infantil, à primária prosseguiram para o secundário. E a grande maioria das minhas colegas de liceu seguiram para a universidade. E há várias engenheiras, gestoras (e médicas e professoras e psicólogas, incluindo de germânicas, e uma escultora e sei lá que mais). Todas escolheram o que quiseram. Se há alguma Secretária, desconheço. Não que isso fosse mau - simplesmente não era regra nem imposição nem coisa nenhuma.

A regra também não era casar, ter filhos e ficar na dependência do marido. Não conheço uma única que tivesse ficado na dependência do marido. E a minha melhor amiga engravidou antes de casar e eu e todas as minhas outras amigas não engravidámos porque tivemos mais cuidado.

O liceu em que andei era misto mas as aulas e os recreios não eram mistas. Contudo, no meu 3º ano, actual 7º, tal como aconteceu com Clara Ferreira Alves, criaram turmas piloto. Mas o piloto traduzia-se em serem mistas. Os melhores alunos, femininos e masculinos, na mesma turma, a turma A. A partir daí o liceu passou a ter um encanto suplementar. Nunca, nunca, nunca, houve qualquer episódio de violência masculina sobre as raparigas. Pelo contrário, eram os tempos da pré-adolescência e depois da adolescência, em que nos encantávamos uns com os outros. Havia sempre alguém que fazia anos e fazia festas em que se dançava, íamos ao cinema, só miúdos, no verão íamos à praia, um grande grupo supostamente vigiados pela mãe e pela tida de uma das minhas amigas.

Depois do 25 de Abril, na faculdade, nunca, nunca, nunca assisti a nenhum episódio de violência de rapazes sobre raparigas. Zero. Eram tempos de maravilhosa liberdade, de afecto, de descoberta.

Comecei a trabalhar aos 20 anos, dando aulas. Quer a nível de alunos e alunas quer a nível do corpo docente, nunca assisti a qualquer violência masculina. Nunca.

Tinha ainda 22 quando me mudei para o ambiente empresarial, indo trabalhar para uma das maiores empresas do País, uma empresa em que a larga, muito larga, a larguíssima maioria dos funcionários, incluindo os dirigentes, eram homens. No transporte para lá, eu era a única mulher. Durante anos só lidava com homens. Nunca fui alvo de violência, desconsideração, desrespeito. Nunca. Sempre ganhei o mesmo que os meus colegas homens. Progredi profissionalmente e em pouco tempo integrei o corpo de dirigentes. Durante muitos anos era a única mulher nas reuniões de gestão. Nunca me senti inferior, inibida ou prejudicada. 

Com o tempo começaram a aparecer mais mulheres em todas as funções, sempre a par e par com os homens. 

Nunca soube de violações mas assisti a vários momentos de assédio e todos eles foram de mulheres sobre homens. E, identicamente, nunca assisti a casos de assédio de homens mais 'poderosos' sobre mulheres em situação de 'inferioridade hierárquica' mas, pelo contrário, a mulheres que faziam de tudo para terem um caso com o doutor, o engenheiro, o director. 

Por isso, se não posso dizer que o artigo de Clara Ferreira Alves é pura ficção ou um disparate sem pés nem cabeça, o que posso dizer é que tendo eu trabalhado sempre em empresas muito grandes, frequentado meios muito diversos e sendo uma pessoa razoavelmente informada, o testemunho que posso partilhar é o oposto.

Sei que há casos, certamente mais do que deviam, até porque deviam ser zero, de violência de homens sobre mulheres -- mas estatisticamente são marginais. E claro que ainda há muitos grunhos, machistas, marialvas, abusadores. Mas são uma minoria. Os que há não chegam para tornar a sociedade, no seu todo, um antro de homens violentos, estúpidos, assediadores, prepotentes.

Uma das coisas que sempre achei nocivas para a sociedade no seu todo é a atitude das mulheres que se colocam no patamar em que Clara Ferreira Alves se põe: a de vítima, de ser inferior ou inferiorizado perante os homens. Em toda a minha vida pessoal e profissional nunca, nunca, nunca me apresentei assim ou me coloquei nessa posição. Nem tal me passou pela cabeça. E tendo chefiado durante quase toda a minha profissional grandes equipas, inicialmente predominantemente masculinas mas progressivamente cada vez mais totalmente mistas, nunca nenhuma pessoa das minhas equipas me acusou de privilegiar uns ou outros em função do sexo. 

O artigo da Clara Ferreira Alves deixou-me, pois, algo incomodada. E a única explicação que tenho para o que ela escreveu é que ela está a deixar-se tomar pela grave e, pelos vistos, contagiosa doença das percepções.

_________________________________________

Desejo-vos uma boa quarta-feira

terça-feira, abril 01, 2025

Jardinar. Pintar com flores.

 

O dia teria sido todo muito bom (festejando o aniversário de um carneiro muito querido) se não tivéssemos depois, no regresso a casa, apanhado um trânsito que, tal a demora, acabou por se misturar com o normal congestionamento de fim de tarde. Anos e anos metidos em filas de trânsito tornaram-nos alérgicos a isso. 

Eu ainda tentei adoptar a estratégia que seguia naquelas alturas: se não posso fazer mais nada senão deixar-me estar e seguir ao ritmo a que vai o resto do rebanho, já o meu marido vinha numa impaciência crescente...

E, depois de termos estado a almoçar numa esplanada (coberta) num belo dia de verão, quando chegámos a casa o céu estava quase coberto e pingava.

Parece que a chuva vai estar de volta e, se não for uma chuvada pegada e se não arrefecer estupidamente, posso até não me importar muito. 

Afinal. está tudo viçoso que dá gosto. Há florzinhas por todo o lado, ervinhas e mais ervinhas, tudo rebenta numa grande alegria, uma primavera pujante.

Por exemplo, as florzinhas amarelas (Euryops pectinatus?) estão floridas e rebentam por todo o lado. O alecrim floresce em força, as glicínias pendem em lindos cachos lilases. E por entre a relva há florzinhas do campo que eu teimo em que aí fiquem.

Jardinar é pintar? Ou é apenas cuidar? Amar? 

O vídeo abaixo enternece-me. 

Art Of Gardening: A Painter's Garden With Anne Ngan