Ontem fiz um exercício de meditação. Mergulhei. Senti-me medusa, alga, sereia. Ou seja, mulher. Uma medusa de alma lavada.
Mas a vida não está para fantasias e, que remédio, tive que vir à superfície e aqui estou de novo.
Música, por favor
Melody Gardot - Sweet Memories
(Se esta música acabar antes de tempo, permitem que vos sugira que ou façam o replay dela ou desçam até lá abaixo e ponham a tocar a fantástica música cubana, está bem?)
*
Mas hoje, apareceste com este desafio.
Comecei por pensar em aparecer-te muito madame às compras na Tiffany, ou uma balzaquiana em versão viscondessa discreta, sei lá, ou mesmo uma cocotte à solta na Place Vendôme. Já me estava ver e já estava a ver a tua cara de surpresa.
Escolhi o vestidinho preto justo, decote discreto à frente, pronunciado atrás, sapatos pretos bem altos, colar comprido de pérolas em várias voltas a descair atrás e, se o quisesses para a frente, que o ajeitasses tu. Estudei o penteado, escolhi uns óculos escuros, uns brincos a condizer, e olha, se queres que te diga, até acho que estava com uma certa graça.
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Ah, e claro, luvas altas. Adoro luvas altas, tu sabes. Luvas pretas de seda. Para dar um toque de je ne sais quoi - e escuso de ser mais explícita - um gelado, muito gelado.
Mas não: desisti. Seria uma recriação e recriações não são bem comigo.
Depois pensei naquele género descontraído, provocador, bad girl assumida. Despenteei-me ainda mais do que o habitual, vesti um top preto, com uma blusinha quase transparente preta por debaixo, enrolei-me em tule preto, muito tule, ondas de tule, e improvisei um chapéu fantástico de pêlo preto. Chegarias e encontrar-me-ias assim, visual desorganizado, reclinada nesta minha cama que é linda. Senti-me bem.
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Olhei-me ao espelho. Não seria novidade. Eu sou assim. Não, se é para ser uma coisa surpreendente, terei que sair da minha zona de conforto.
Então pensei que terias que ser tu a inspirar-me porque terias que me descobrir, terias tu que chercher la femme.
Comecei por coligir colares dourados, muitos colares e depois não eram suficientes e, então, fui buscar fitas douradas, enfeites de natal dourados, muitos. Depois, quando a quantidade era razoável experimentei deitar-me por baixo, e ainda não era suficiente para o efeito que eu estava a imaginar.
by Alix Malka |
Ainda se me viam as pernas, os braços... e a ideia não era essa, era, antes, esconder-me. A ideia seria chegares e dares com uma erupção dourada de essência feminina, e uma sobreposição de brilhos, uma exuberância, eu quase nula no meio de tanta beleza. Um chão luminoso, acobreado e lá por baixo, quase invisível, uma mulher por descobrir.
Chegarias e ficarias ofuscado: mas onde estás tu, mulher?
E só verias a sumptuosidade dos colares e cordões e festões e galões dourados, e, então, com as tuas mãos cegas, desatarias a remexer - até que descobririas uma perna nua e só então perceberias que era meu aquele rosto adormecido, lá mais acima.
E só verias a sumptuosidade dos colares e cordões e festões e galões dourados, e, então, com as tuas mãos cegas, desatarias a remexer - até que descobririas uma perna nua e só então perceberias que era meu aquele rosto adormecido, lá mais acima.
Eu então mostrar-me-ia. Confirmaria que era mesmo eu, mostrando apenas mais algumas partes de mim, aquelas que melhor conheces.
Mas desisti. Tanta resplandecência toldar-te-ia a consciência, provavelmente as fotografias não ficariam nada de jeito.
Tive então a ideia oposta. Um fundo de constelação, talvez Andrómeda, a princesa. Agora era uma ideia etérea, uma sumptuosidade mas feita de nuvem, de céu, um anjo feminino e luxuoso, folhos, folhos, folhos, sedas, rendas, tules, organzas, brilhos, bordados, plumas, tudo branco, uma sugestão de rosa lilás quase branco, um excesso de feminilidade.
Na mesma, chegarias e não me verias. Onde estás tu, mulher?
E eu, coquette, quase pouco virtuosa no meio de tanta alvura, mostrar-te-ia, para começar, uma perna coberta por uma fina meia de seda. De resto, cobrir-me-ia (excepto o colo, claro: já sabes que sou encalorada, preciso de sentir o ar a circular junto ao decote) e, ao veres-me, parecer-te-ia que eu flutuava num qualquer espaço celeste, mulher feita de nuvens com uma perna ao léu para inquietar os fotógrafos bem intencionados.
Pronto: recuei. Não quero que digas que te desestabilizo, logo eu que sou tão bem comportada.
Portanto, olha, vou deixar-me de fantasias. Vai ser uma coisa bem simples. O mais simples possível. Cada vez gosto mais de coisas simples, despojadas. Acho que a surpresa vai ser essa. Habituado que estás à minha criatividade efervescente, não vais estar à espera de tanta singeleza. Prepara-te, pois.
by Mario Testino |
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Tempo de paixão: vamos dançar mi corazón.
Grupo Corpo interpreta Mi Corazón, música de Ernesto Lecuona
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E, meus Caros, por hoje é isto.
Hoje lá pelo meu Ginjal as minhas palavras desencontraram-se em volta das instruções de Nuno Júdice. Gostaria que fossem até lá pôr alguma ordem naquilo. Continuamos, claro, com Mozart e hoje tenho uma descoberta (para mim) de que acho que vão gostar. O que eu aprendo com os meus Leitores...
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Tenham, meus Caros Leitores, uma belíssima quarta feira. E haja alegria!