A minha cabeça parece que entrou em férias. O corpo já tinha dado sinais que era o que queria mas a cabeça teimava em meter-se em trabalhos. Mas agora, para além de festejar a ausência de horários, apetece-me não ter maçadas de qualquer espécie.
Claro que elas aparecem e não há como não enfrentá-las: uma coisa que se avaria e que custa a encontrar quem a arranje, um outro estore elétrico que não funciona, agora este problema da infecção na perna do nosso amicão, afazeres que aguardam que alguém se ocupe deles. Isso acontece independentemente da nossa vontade e, se não formos nós a resolvê-los, não haverá quem mais o faça. Mas depois havia aquilo em que eu sempre fui pródiga: arranjava sempre ocupações com objectivos apertados que me obrigavam a uma disciplina que se sobrepunha à minha vontade (ou necessidade) de descansar.
Agora não. Agora sabe-me bem, cada vez melhor, poder passar a tarde a ler, ao sol ou à sombra, a fotografar, a olhar para a copa das árvores.
Claro que antes disso fiz uma máquina de roupa, estendi-a, fui ao ginásio, estive a varrer o terraço, a regar os vasos, fiz o almoço, recebi e estive à conversa com uma pessoa que cá veio a casa, etc. Mas, a seguir, por mim está feito! e deixo-me levar pelo prazer de estar na boa, sem mais nada que fazer. Claro também que a seguir aparece o meu marido a dizer que está na hora de irmos fazer a nossa caminhada da tarde e vou e sabe-me lindamente e, uma vez regressada, vou fazer o jantar e depois vamos fazer o tratamento ao nosso fofo, que reage mal e o meu marido tem que o agarrar com força para ele não se virar, e depois vamos todos fazer um passeio nocturno, passeio mais curto, coisa para não mais que meia-hora e que também me soube bem.
Ou seja, não é que não faça nada. Faço. Mas, pelo meio, permito-me estar descansada sem sentir que estou a ser improdutiva. Quase desde que me conheço que tinha a pancada de fazer coisas que se vissem, que fossem úteis, que ficassem. Agora não. Estou uma ou duas ou três horas na boa e não me sinto mal por isso.
O meu marido também está muito diferente. Está um jardineiro exímio. Anda sempre com a máquina da relva ou com o corta-sebes ou com a roçadora. Antes não tinha o mínimo dos mínimos de apetência para a jardinagem. Zero, zero. Agora, nem tenho que lhe pedir. Pelo contrário, tenho é que pedir que não corte tanto.
E, como se isso não bastasse, hoje, quando entrei em casa vinda de estar a ler, cheirou-me a bolo. Pasmei. Tinha feito um daqueles simples que se fazem numa tigela, no micro-ondas. Diz que pediu ao chatgpt a receita de um bolo saudável, rápido e simples, que se fizesse no microondas. Fez de alperce com iogurte grego, ovo, mel, uma colher de azeite e flocos de aveia. Estava bom mas com pouco sabor, talvez por estar pouco doce. Então pôs-lhe uma colher de compota por cima, levou-o mais uns segundos ao microondas. Ficou melhor. Depois fez um que improvisou, com cacau em pó, mas deixou-o cozer de mais, ficou rijo, uma bolacha dura. Mas sou de boa boca, como de tudo de bom gosto. Só que não quero alargar-me nos doces. Como nunca faço doces, a cozinha nunca cheira a bolos. Por isso, gostei imenso de sentir aquele cheirinho. O mais parecido que faço são papas de aveia . E ficam boas. O meu marido agora, ao pequeno-almoço, para além de comer uma banana, come uma taça dessas papas.
Já contei como faço mas agora introduzo uma pequena variante: num tachinho ponho água a ferver com uma pitada de sal, um pouco de canela, casca de laranja (ou de limão) e agora tenho juntado também umas três ou quatro tâmaras. E, claro, flocos finos de aveia. Vou mexendo. Quando começa a fazer bolhinhas, mexo bem e deixo estar ali em ebulição controlada durante uns dois ou três minutos. E já está. Solidifica com uma textura de que gostamos. A aveia é muito saudável. Não faço com leite nem ponho açúcar.
Eu, ao pequeno almoço, como uma laranja e depois preparo um copo de kefir ao qual junto uma colher de sopa cheia dessas papas de aveia, um pouco de mistura de sementes e um pouco de pó de latte dourado que compro no Celeiro (curcuma, gengibre, pimenta, noz moscada). Mexo tudo bem. Adoro. Começo sempre o dia com o prazer de ter um pequeno almoço que me sabe mesmo bem. Remato com café expresso, longo, sem açúcar. O cheirinho bom do café e o prazer de o beber ajudam a que o dia seja inaugurado a preceito. Agora só bebo esse café por dia.
Quanto à leitura: continuo (e continuarei, nem que seja intercaladamente) com a biografia do Herberto Helder. É daqueles que leio saltando frases de quando em quando. É uma overdose. É como se ele tivesse juntado referências, opiniões, recordações de outras pessoas, documentos, recortes de jornais relacionados, correlacionados e nem por isso e, no fim, tivesse vertido tudo para o livro, tudo, sem edição. Mas ouvi que, no original, era quase o dobro. Uma loucura, portanto. Mas, o que mais me chateia nem é isso: o que mais me incomoda é quando ele, o João Pedro George, volta e meia se pôe a inventar pensamentos para o Herberto Helder, admitindo que é provável que, naquelas circunstâncias, ele tenha pensado aquilo. Ora isso parece-me não apenas estulto como desnecessário, até descabido.
Bem. Isto está uma bela mescla de assuntos... É que estou a ver notícias enquanto escrevo. A macacada entre Trump e Musk é daquelas que há de dar filmes, séries, paródias, dramas, tratados de política, de psicologia, sei lá. Como só me dá para ligar o computador às quinhentas e me ponho a escrever às tantas, já perdida de sono, chego aqui e já me falta o pedal para desarrincar todo o muito que haveria a dizer. A ver se um dia destes tenho a pachorra suficiente para escrever o no blog a meio da tarde para me pronunciar sobre esta desconformidade. Entretanto, partilho um vídeo: