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terça-feira, outubro 31, 2023

A casa de Bella Freud, filha de Lucien Freud, neta de Sigmund Freud
(para ver se me redimo de vos maçar, outra vez, com os meus problemas...)

 


Estou um pouco esgotada. E o 'pouco' é, claro, uma maneira de dizer. Já passei por tanta crise, tanta situação difícil, por vezes por dentro de situações limite que nunca esperaria viver, e nunca me senti tão exausta e sem saber como dar a volta às coisas como agora.

Ao longo de toda a minha vida, mesmo no meio de furacões ou terramotos, sempre me mantive relativamente serena, com a perspectiva do que fazer para escaparmos o mais incólumes possível. Sempre reconheceram em mim a característica de não perder o pé, não perder o rumo, não perder o sangue frio, não perder o optimismo. Por vezes, eu própria me questionava se isso não seria sinónimo de inconsciência.

Pois, neste momento, isso não acontece.

Quem me veja a lidar com a situação talvez ache que, apesar das circunstâncias, consigo manter o racionalidade, a tranquilidade. De facto, tento manter a argumentação, tento convencer, tento aguentar as coisas, tento mostrar-me calma. 

Mas, por dentro, sinto-me quase derrotada, pois todos os dias, várias vezes durante o dia, sou submersa pela mesma onda, sempre a mesma onda, cada vez mais forte, cada vez mais alta. Como se eu não tivesse dito nada antes, como se antes não me tivesse esgotado em explicações, em argumentações, como se não lhe tivesse feito a vontade e falado com médicos, uma e outra vez, ido a consultas, etc. Sempre a mesma conversa, as mesmas queixas, o mesmo choro, a mesma postura, a mesma respiração de quem está muito mal, e as mesmas reivindicações, a mesma atitude que, sinceramente, já não sei se é genuína ou se é também uma (talvez inconsciente) manipulação para tentar levar-me a fazer exactamente tudo o que quer (e digo isto pois sintomas que eram gravíssimos, insuportáveis, no dia seguinte, por milagre, já desapareceram dando a vez a outros, ou desaparecem se falo com os médicos conforme ela queria, embora no dia seguinte possam reaparecer, já que os médicos nunca dizem o que ela quer ouvir). 

Por mais que lhe evidencie que nada disto faz sentido, que nos últimos tempos isto repete-se diariamente e que a resposta que obtém de todos quantos a examinam é sempre a mesma, não se convence. Ninguém presta, ninguém sabe, ninguém quer saber, nem quem a examina e, certamente, nem eu.

Hoje foi a um outro médico, um que não tinha nada a ver com nada disto, mas a quem, inacreditavelmente, foi contar a mesma história, recorrentemente contada, a de que os medicamentos estão a acabar com ela. O médico, certamente pensando que isto não tem sido objecto de não sei quantas idas a médicos e urgências, disse que ela devia pedir uma segunda opinião. E, então, a seguir, a conversa era esta, a de que este médico tinha aconselhado isto e que era isto que se devia fazer. Ora isto como se já não tivesse pedido mais de umas vinte opiniões. 

Quando, já exausta, lhe digo que, em vez de andarmos nisto, nesta insanidade, se ela quer deixar de se tratar, que tome ela essa decisão pois, como já constatámos, nenhum médico lhe retira ou altera a medicação pois é a indicada (todos o confirmam). E, se os médicos o dizem, não sou eu, que não sou médica, que vou fazê-lo.

Nessa altura, aconteceu o que acontece também frequentemente: que ela não quer fazê-lo, eu é que percebi tudo mal, eu é que não presto atenção ao que ela diz, que eu é que invento coisas. 

E não saímos disto. 

Porque, de facto, o que se passa é que anda obsessivamente a arranjar sintomas e argumentos para justificar que, com carácter de urgência, continuemos a tentar descobrir um médico que faça o milagre de a pôr vinte anos mais nova, sem necessidade de qualquer medicamento. Ora como não sei onde descobrir tal médico, vou continuar nisto. 

Os meus filhos dizem-me que não ligue, que não me deixe abalar. Dizem-me até que lhe diga que não quero falar mais de doenças ou que, se é para continuar com a mesma conversa de sempre, não estou disponível para isso. Ou seja, acham que não devo alimentar a conversa pois é um loop do qual não saímos. Mas é impossível fazer o que sugerem pois ela chora, simula que mal respira, queixa-se de tudo como se estivesse numa fase terminal, sendo que os sintomas, como já aqui referi, vão literalmente da cabeça aos pés e, segundo ela, tudo indicia uma coisa de gravidade extrema. Ora, perante este cenário, como é que posso dizer que não quero falar mais disto? Até porque sei lá se é a pancada de sempre ou se, algum dia, está mesmo doente. 

Hoje voltei a perceber que o que queria mesmo era voltar a ser internada para ser examinada  em contínuo, todos os dias, exames integrais, de todo o tipo. Mas isso não existe, não vou chegar às urgências e dizer um disparate destes. Então fica num desespero como se eu não quisesse que se soubesse o que tem para poder tratar-se como deve ser.

Receio, sinceramente, dar em maluca com isto. 

Mas, enfim, hoje tinha resolvido não falar deste mesmo tema, ninguém tem que estar a levar com coisas tão chatas. Mas como a última cena foi mesmo há pouco e como estou deveras apreensiva sem saber como resolver esta situação, voltou a sair-me esta prosa... 

Garanto que amanhã não vou reincidir... Já dou com cada seca aos meus filhos... Era o que faltava terem vocês que estar também a ser sacrificados. 

Não falo no meu marido pois ele assiste diariamente a esta crise permanente, cada vez mais aguda, cada mais consecutiva, e, portanto, não o massacro a relatar o que se passa pois ele, coitado, também anda a passar por ela. E se, por um lado, é adepto do que os meus filhos dizem, que não devo alimentar a conversa, pois acha que se eu me recusar a falar sobre o mesmo de sempre talvez ela acabe por 'atinar', por outro, percebe que é praticamente impossível, concretizá-lo. Talvez algum psicólogo saiba desviar a atenção de alguém que obsessivamente se alimenta destes medos. Eu não sei. Mas já andou uns meses numa psicóloga e não descansou enquanto não a largou, achando-a incompetente, com conversas parvas que não levavam a lado nenhum. Por fim até ficava quase agressiva quando eu lhe recomendava que lá voltasse.

Bem. Calo-me já. Caraças. Peço mesmo desculpa. Vou arranjar um automatismo para, se um dia destes me der para voltar a falar do assunto, um martelo automático entrar em acção em cima das minhas mãos.

Nem eu já me aguento... Sorry.

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Para ver se me redimo, vou partilhar um vídeo em que Bella Freud (que aparece nas pinturas lá em cima), filha do pintor Lucien Freud (com quem aparece na fotografia aqui mesmo acima) e bisneta de Sigmund Freud, mostra a sua casa e fala do pai. Tem peças interessantes e até tudo muito engraçado.

Está legendado mas algumas palavras, na tradução, saem um bocado ao lado, há que dar o devido desconto.

Inside this Designer’s Eclectic London Home Filled With Sentimental Objects | Vogue

Cult fashion designer Bella Freud's west London abode is filled with playful details that speak to her eclectic circle of friends and collaborators. While taking us throughout the home, Bella talks about her late father, her great grandfather (the legendary Sigmund Freud), shows off a mini golden replica of Nick Cave's hand, and more.


Desejo-vos um dia bom
Saúde. ânimo. Paz.

sábado, março 18, 2023

Lucy

 

Tenho a informar que, certamente fruto da sessão de hidroginástica e da meia dúzia de braçadas de ontem, esta sexta-feira dormi até depois das onze da manhã. Nem mais. Acordei e vi as horas para avaliar se ainda era boa hora para dar meia volta e dormir mais uma ou duas horas. Onze e vinte. De penalti, desde que me deitei, às duas e pouco, até às onze e vinte. Se não tivesse visto as horas de certeza que o sono se prolongaria, o corpo pedia-me mais. Levantei-me com sono. 

De tarde, tanto era o sono, fui para o meu cadeirão reclinável, puxei uma mantinha, fechei os olhos e foi imediato, boa noite cinderela. 

Infelizmente o cadeirão está junto à janela de que o urso de guarda fez guarita. Assim, mal passa um carro ou uma pessoa ou mal o cão do lado se mexe, aí está a fera a ladrar como se não houvesse amanhã. Por isso, a sesta, se existiu, foi de minutos. 

E o dia foi completamente improdutivo. Uma ressaca a preceito como se um ontem tivesse sido um dia de excessos. Mal dá para acreditar.

Parece que continua um qualquer bicho dentro de mim a sugar-me a carga da bateria. Ando sem pilha. O olfacto e o sabor estão repostos, a tosse foi-se e só de vez em quando fico com algum pingo ou alguma sensação de estar como que a resfriar-me ou a começar a doer-me a garganta. Coisas breves, episódicas, mal vêm assim se vão. Agora esta falta de energia mantém-se. É uma estupidez sem explicação

Apesar disso, entre uma breve caminhada a meio do dia (na verdade, a seguir a ter tomado o pequeno almoço) e a do fim do dia, fiz mais de dez mil passos. Mas esta última, debaixo de vento e frio, foi feita a pensar no bem que ia saber-me a caminha daí por mais um bocado. E sinto as pálpebras pesadas como se estivesse com défice de sono. Dá para entender...? Não dá.

E o meu marido está na mesma. Continua a levantar-se cedo, mas, de dia, passa largos períodos deitado no sofá (hoje, por exemplo, a rever os penaltis do jogo de ontem e, provavelmente também a dormitar) e agora, depois de se ter deixado dormir há séculos, já foi para a cama.

Claro que não fomos ao ginásio. Constatámos o óbvio: é melhor deixarmos passar mais uns dias.

Caraças para esta falta de energia. 

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E depois do boletim clínico (sorry por abusar da vossa santíssima paciência), vamos ao que interessa. 

Lucy. 13 anos. Um talento increditável.

O cérebro humano, esse vasto universo desconhecido, é extraordinário. Dá ideia que, nos casos em que os recursos não são distribuídos como usualmente, em vez de se perderem, não: são alocados a outras zonas. 

O caso de Lucy (tal como, por exemplo, o de Kodi Lee), é ilustrativo dessa hipótese. 

Lucy também é autista -- autismo severo --, e cega. Ainda quase bebé teve que ser operada a tumores malignos nos olhos. Tem também algum atraso no seu desenvolvimento. E, no entanto, apesar de parecer viver isolada do mundo, tem um dom extraordinário. Toca piano de uma forma absoluta. Todo o seu corpo vibra. Não se consegue dizer se é ela que procura a música para se entregar ou se é a música que a procura a ela para a envolver e conduzir.

O professor de piano, Daniel Bath, descreve o peculiar e difícil método de ensino. Diz também que nunca trabalhou com ninguém tão talentoso quanto ela. Ele toca, ela reproduz. Ela engana-se, ele põe as mãos dela sobre as suas. Ela escolhe o que tocar. Ou Bach ou Chopin. Ou Debussy. Outras vezes jazz. Intercala. E improvisa. 

Vê-se e ouve-se e não se acredita. Muito comovente. 

Mika e Lang Lang, que fazem parte do júri, também se mostram surpreendidos e emocionados.

Para assistir com o coração.

Lucy 
Ao vivo no Royal Festival Hall na  final de "The Piano"


E abaixo um vídeo em que se percebe melhor

The Amber Trust  -- A história de Lucy


Um bom sábado
Saúde. Amor. Paz.

segunda-feira, janeiro 30, 2023

Post desinteressante sobre a minha maleita

 



Calhou, a semana passada, ter que andar muito a pé. E, dito isto, se forem como o meu marido, corrigir-me-ão lembrando-me que, pelo menos na sexta-feira, se andei cerca de 20.000 passos, foi porque quis. Certo. Pelo menos uma boa metade foi isso. Ninguém me obrigou. Aliás, ele bem tentou atalhar. Mas eu estava numa de urbana e o frisson das montras, das luzes, das esplanadas cheias, da gente a sair dos trabalhos, tudo aquilo me pareceu demasiado sedutor para lhe virar costas. E só não andei o dobro porque vi que, para meu desconsolo, a Casa dos Gelados estava fechada. Senão teria continuado Avenida de Roma abaixo e, depois, dali, a pé, debaixo de um frio hostil, de volta até lá bem acima, ao topo da Rio de Janeiro. Isto depois de ter andado cerca de uma hora a bater perna na Avenida da Igreja e para cima e para baixo -- naquelas transversais que fazem de toda aquela zona até ao Mercado de Alvalade um bairro que tem tanto de tradicional quanto de moderno.

Creio que já contei que noutra vida resolvemos viver por aquelas bandas e, depois de muito escolhermos, encontrámos uma casa ampla com seis grandes assoalhadas e o luxo de um pequeno logradouro devidamente ajardinado. Isto para além de estar perto do jardim de Alvalade. Pensámos que nos tinha saído a sorte grande. Não esperávamos era o boicote concertado dos meus filhos. Não conseguiam ver-se afastados dos amigos, dos lugares que frequentavam, nem ela do namorado, nem ele do pavilhão desportivo onde treinava. Uma crise... Queríamos morar numa casa mais ampla, mais perto dos nossos trabalhos, num lugar de que gostávamos muito. E nunca nos passou pela cabeça que, para eles, fosse tamanho o drama. Abandonámos a ideia, claro. Nunca poderíamos ser felizes se os nossos filhos se sentissem infelizes.

Algum tempo depois ela mudou de namorado, ele passou a praticar outro desporto e quando entraram para a universidade estariam muito melhor ali. Se calhar a casa era a acertada, o momento é que ainda não era. Mas, pronto, fizemos-lhes as vontades e nunca se sabe se a vida que escolheram teria sido essa se nos tivéssemos mudado para aquela bela casa.

Contudo, toda esta zona desde a Guerra Junqueiro, Roma, Igreja, Alvalade e por aí, in between, é e será sempre para mim um lugar de eleição.

Mas isto para dizer que na sexta-feira andei bastante com um frio desgraçado. Já na quarta feira à noite, por razões que não vêm ao caso, tinha feito quase outro tanto num sobe e desce de ruazinhas para cima, ruazinhas para baixo e, identicamente, sob um frio que penetrava até às entranhas, até à medula das articulações.

E no domingo anterior, em que andei também a caminhar, usei uns ténis que vi logo que podiam ser bonitos mas, para caminhada, nem pensar.

Resultado: estou aflita de um joelho. Quando a coisa se anuncia assim forte só lá vai com um anti-inflamatório potente mais gelo e perna estendida. Mas calhou, no sábado, irmos passar o dia ao campo. Por isso, não havia como estar com aqueles sacos congelados nem havia anti-inflamatórios. E ainda andei um bocado. Portanto, ao fim do dia estava péssima. Ontem à noite, para além das dores, sentia-me até febril.

Este domingo foi passado no bem bom, perna estendida, gelo, medicação e... canadianas. 

Ao jantar pedi ao meu marido que fizesse o favor de me ir buscar os comprimidos. Como estava a ver o Paulo Portas e conversando, no fim não sabia se tinha tomado ou não o comprimido. Como estou com a dosagem máxima não me arrisquei a tomar outro. Agora estou aqui a rezar a todos os santinhos que já o tivesse mesmo tomado, senão amanhã não apresentarei melhoras. O meu marido não me apenas me recrimina por achar que tenho andado demais, ainda por cima já não me sentindo muito católica do joelho, provocando esta lesão, como se aborrece por achar que sou cabeça no ar. Amofina-se todo por eu não saber se tomei ou não o comprimido, diz que tenho que passar a prestar mais atenção a estas coisas. Pois tenho. Mas só me apetece dizer-lhe: tarde piaste. Deveria era, antecipadamente, forçar-me a fazer as coisas sem ser en passant. 

Enfim.

No sábado, a minha filha, ao ouvir-nos, dizia que qualquer dia estamos como os marretas, sempre a implicarmos um com o outro. Não digo que não. O que nos vale é que não temos pachorra para andarmos aborrecidos e, portanto, as implicações são sempre sol de pouca dura.

Mas estou lesionada, o joelho um bocado inchado e a doer-me. De tarde estiveram todos na praia, mega jogatina na areia e depois lanche na vila, e eu a roer-me, danada para pegar nas canadianas e ir pôr-me lá a vê-los mesmo que de longe. Para a areia seria impossível de todo. Mas o meu marido tirou-me isso da ideia. E nem teve que se esforçar muito pois quando estou com o joelho assim fico incapacitada de todo.

E, portanto, é isto. 

(E, afinal, todos os males fossem estes, não é?)

[E aqui chegada penso que o mal do joelho já deve ter chegado à cabeça. Senão a que propósito escreveria eu um post a falar de uma treta destas? Desculpem-me, ok? Isto passa]

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Pinturas de Paula Modersohn-Becker na companhia de uma valsa primaveril atribuída a Chopin, muito apropriada sugestão do Ccastanho a quem agradeço.

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Uma boa semana a começar já em beleza esta segunda-feira

Saúde. Boa sorte. Paz.

sexta-feira, maio 13, 2022

Duas coisas: uma sobre a qual não quero falar e outra sobre a qual nem vale a pena falar

 



Hoje é um dia importante na minha vida. Não o festejei senão ao fim do dia quando fui caminhar para a beira da praia. Aí, não é que tenha festejado como costumam ser os festejos. Aliás nem comentei com ninguém. Nem me lembrei de comentar com o meu marido. Mas descontraí, aspirei o ar húmido e perfumado, havia uma maresia quase palpável que me refrescou a alma.

E tanta gente, tanta. Na areia, na água, no passeio. Parecia um dia de verão, de férias. A paz é uma coisa muito boa, uma dádiva.

Durante todo o santo dia trabalhei. A principal reunião da manhã foi tão boa que valeu por um belo festejo. Aquela reunião não devia ter acontecido. Aconteceu a pedido dele. Eu não sabia de que se trataria mas também não perguntei. Gosto de ir para as reuniões (algumas reuniões) sem saber a quantas vou, sem me preparar, sem rede. É o que prefiro: ser surpreendida. E fui surpreendida e foi muito motivante.

Os últimos tempos têm sido algo surpreendentes. Daqui por algum tempo falarei nestas situações, mas falarei en passant, recordações que virão ao correr da pena. Agora não, é tudo ainda muito recente. Agora apenas afloro. E faço-o apenas para eu própria tentar perceber o que me acontece.

Outro assunto.

Por vezes tento contabilizar: quantos homens já choraram ao pé de mim? Não sei. E falo de homens pois é suposto ser menos frequente chorarem do que as mulheres. Não sei se chorarão ao pé de outros homens. Não o creio. Que efeito produzo nas pessoas (em algumas pessoas) que as faz desabafar, confessar anseios, chorar quando estão a conversar comigo? Não sei. Não sou de me pôr a chorar o que poderia ser contagiante, não tenho conversas de apelar ao sentimento. Nada. Acima de tudo gosto de ouvir, de tentar compreender. E, no entanto, acontece.

Neste caso, no outro dia, eu estava a ouvir, a olhar com atenção, estava em silêncio a tentar compreender os argumentos que me estavam a ser expostos. Não esperava que acontecesse o que aconteceu a seguir. No segundo antes de acontecer, ainda o não tinha o antevisto. E foi tão inesperado que quase fiquei paralisada. Depois falei. Mas durante o resto do dia fiquei a pensar no que se tinha passado. Contei ao meu marido. E não tenho parado de pensar.

Há uma coisa que não sei: quando uma pessoa que não costuma chorar -- que cultiva a imagem de ser forte, imbatível -- desmorona e chora como uma frágil criança, será que consegue relativizar, no seu íntimo, a dor que sente? Ou, no momento em que as dores se transformam em lágrimas, todas as dores são imensas, iguais?

Os tempos vão atípicos. A finitude vai tocando uns e outros, vai-se fazendo lembrada, por vezes de forma subtil, por vezes de forma ameaçadora. Todos caminhamos para o fim, bem o sei e bem mo lembram, frequentemente, alguns dos meus caríssimos ensimesmados leitores. Mas, enquanto dura a caminhada, se estivermos bem e felizes, se não nos lembramos disso -- não é preciso, para quê a gente se haveria de estar sempre a lembrar disso, a pensar que estamos a caminhar para o fim? -- é melhor. É lugar comum: o objectivo da caminhada não é o lugar onde vamos chegar, não é chegar ao fim, o objectivo é a própria caminhada, é o que vamos vendo, descobrindo, o prazer que vamos sentindo, as agruras que vamos superando, as memórias que vamos guardando (ou partilhando). 

E, nessa caminhada, vamos tomando como grandes desafios ou grandes problemas, coisas passageiras, sem importância nenhuma. Mas, ao resolvê-los, ficamos contentes e esse contentamento torna a caminhada mais agradável.

E ainda mais um assunto.

No outro dia tinha uma coisa para dizer e, depois, meteram-se outros temas e acabei por não dizer. Digo hoje. Comecei um diário. Achei que era o dia certo. Nesse dia dei um passo importante. E, para o marcar, comecei o diário. Quis que fosse essa a primeira coisa a ser escrita.

Como sou muita dada a aspectos logísticos, comecei por criar uma pasta nos meus documentos. Pensei num nome sugestivo. Depois abri o documento de word e dei-lhe o nome. Depois escrevi a data, a primeira entrada, e comecei a escrever. Quando dei por mim, estava a escrever coisas que não interessavam para nada. Pensei apagar e começar de novo. Depois recebi um telefonema, depois isto e aquilo -- e não voltei a pegar-lhe. Nem ontem nem hoje. Há pouco, pensei que, se era para ser diário, mais valia escrever qualquer coisa em vez de escrever no blog. Mas, quando fui à procura dele, já não me lembrava do nome que tinha dado à pasta. Tive que entrar pelo word para encontrar o dito cujo. E agora estou aqui a escrever isto e a pensar que o melhor é esquecer aquilo. Não tenho disciplina para diários. Venho aqui ao blog porque isto é numa base anarca, escrita-livre: escrevo sobre o que calha e não me preocupo em ter uma sequência coerente. Num diário, digo eu, haveria de ser mais organizada na escrita, mais dissertativa. Não é para mim.

Enfim.

Bem, distraí-me e falei de tudo e de nada e não expliquei porque é que foi um dia importante para mim. E agora já é tarde. 

Também não ia dizer... (queriam...)


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E, agora, para que não se pense que me esqueci da suprema cavalgadura, aqui está ela. Sempre tive para mim que um tipo que nem sequer sabe estar à mesa é para esquecer. Olhem bem para este animal aqui abaixo. Tira um bocado, inspecciona, volta a pôr no prato. Um burgesso, um trongalaronga que nem sabe estar nem conversar. Se não tem maneiras para estar à mesa, como haveria de ter maneiras no resto? 

Nem vale a pena a gente perder muito tempo com uma besta destas (pardon my french), há-de cair por si.

(Quanto ao pormenor da bota acho que também não há muito a dizer. É a kultura, dirão os amantes da grande alma russa. E o que eu tenho a dizer é que sim, sim, está bem, abelha)

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As fotografias provêm de Leap of the imagination: the best of Photo London 2022 – in pictures onde há outras igualmente interessantes

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Desejo-vos um dia tão bom quanto possível

Boas descobertas. Boa sorte. Tudo a correr pelo melhor. Paz

segunda-feira, fevereiro 07, 2022

Depois de um susto dos grandes, o nosso querido ursinho felpudo está de volta a casa

 


Na sexta-feira à tarde, depois do trabalho, fui sozinha comprar uns presentes: estamos na altura dos aquários e na mesma semana há dois. Portanto, lá fui. A pequena fera ficou em casa com o dono.

Quando cheguei, fez uma festa que só vista. Parecia ele que já não me via há décadas. Uma alegria: rodopiou, saltou, deitou-se no chão de barriga para cima pare eu lhe fazer festas, depois levantava-se rapidamente para quase dar meias-voltas no ar. Eu dizia: 'Pensava que a dona o tinha abandonado, era...? Não... a dona regressou... Coisinha mais fofa...' e ele numa euforia. 

Fui colocar os sacos no quarto do fundo, fui pôr-lhe comida e fui lá para fora para fazer os telefonemas do costume. Ele, entretanto, foi comer e depois foi ter comigo.

Primeiro à minha filha: e ele aos saltos na minha direcção, duas patinhas no ar, quase apoiado apenas em duas patas. Quase não me deixava falar, tamanho o entusiasmo dos saltos. Tenho lá uma estaca grande e fina e peguei nela para que ele, ao saltar na minha direcção, esbarrasse nela. Mas logo virou o jogo a seu favor, mordendo a ponta de baixo do pau, fazendo força para fugir com ela. E eu a dar-lhe luta e ele a brincar e eu a a dar-lhe atenção enquanto falava com a minha filha.

Na véspera, o meu marido tinha descoberto cogumelos brancos junto ao tronco do chorão. Parece que aparecem, já grandes, de um dia para o outro. Claro que era para lá que ele queria ir. O meu marido chamou-me para eu buscar a pá pequena enquanto ele, com o pé, tentava impedi-lo de lá chegar. Lá os conseguiu arrancar e deitar fora.

Também na sexta à hora de almoço, estava eu ao telefone com um colega enquanto ia andando para a frente e para trás no jardim, quando reparei que o pequeno urso felpudo que vinha ao meu lado, cheirando, apanhando toda a espécie de coisas para roer ou brincando comigo, de repente estava a prestar atenção a qualquer coisa no chão. Olhei. Quase parecia um monte de folhas mas reparei que se mexiam. Era um monte de lagartas do pinheiro. Chamei-o e fui a correr chamar o meu marido. Quando me vê a correr, ele costuma correr atrás de mim (refiro-me ao urso -- ou seja, claro, ao dog). O meu marido veio e tentou queimá-las mas a acendalha ou o papel que levou deviam estar húmidos e aquilo não ardeu. Fui, a correr, buscar um balde com água e detergente. Isto, claro, enquanto se impedia o cabeludo de se aproximar (e, por cabeludo, obviamente não me refiro ao meu marido).

Com a pá, pôs as lagartas dentro do balde. Dantes, tenho ideia ideia que se gozava com os pescadores à linha dizendo que estavam a dar banho à minhoca. Aqui foi mais dar banho às lagartas. Com um pau verifiquei que no sítio de onde se retiraram as lagartas, também umas cabeludas, havia um buraco onde umas outras se tinham enfiado. O meu marido tirou-as também.

Mas isto foi à hora de almoço. 

Portanto, estava eu a ligar à minha filha, depois da brincadeira dos saltos, do pau e dessas maluqueiras, o urso felpudo mesmo feliz, foi pôr-se a esgaravatar na terra de onde na véspera tínhamos retirado os cogumelos. Estava acesa a luz do terraço mas na relva pouco se vê. Eu ao telefone e ele a escavar, o focinho enfiado entre a folhagem. Com o pé, com a mão e com dificuldade lá o consegui puxar dali. Sabia lá se haveria restos de cogumelos ou alguns novos ainda subterrâneos. Continuava a falar com ela, quando dei com ele deitado no sítio de onde tínhamos tirado as bichas cabeludas, a investigar o local. Numa corrida, fui chamá-lo. Como sempre quando está entusiasmado a deslindar qualquer mistério, ofereceu resistência, não queria, protestou. Peguei numa pinha, corri, e ele lá veio a correr. Como estava naquelas alegrias, desatou a correr a grande velocidade. E, de repente, parou e desatou a vomitar. Vomitou o que tinha jantado. Pensei que as corridas lhe tinham parado a digestão. Mas manteve-se agoniado, com aqueles arranques de quem está cheio de vontade de vomitar. Não foi a primeira vez. Por vezes, engole ervas grandes que ficam inteiras pela garganta abaixo e só descansa quando expele a erva.

Só que se passava qualquer coisa de estranho, estava muito incomodado, a fazer barulhos estranhos. Despedi-me da minha filha e disse-lhe que ia chamar o pai para percebermos o que se passava.

O meu marido veio, contei-lhe e disse-lhe que era melhor vir apanhar o vomitado antes que ele o comesse, coisa não inédita, e que visse se ele tinha alguma erva presa na garganta.  Enquanto isso, porque já era tarde, liguei à minha mãe. 

Mas, entretanto, vimos que o ursinho peludo estava francamente incomodado, já não propriamente a vomitar mas a rebolar-se freneticamente na relva, com uma pata a mexer na cabeça, depois esfregando o focinho na terra. Desliguei a chamada, dizendo que tínhamos que ver o que se passava pois o little teddy bear estava estranho. Chamámo-lo para casa e ele rebolava-se no chão, descontrolado, fazia barulhos, com a pata tentava fazer qualquer coisa na boca. Pensei que estava engasgado. Fui buscar a taça da água. Disse: bebe aguinha, bebe. Tentou mas aparentemente não conseguiu. Ambos dissemos que era melhor irmos rapidamente às urgências no veterinário. Pedi ao meu marido que tentasse ver se ele tinha alguma coisa na boca. Ele não queria deixar mas o meu marido enfiou-lhe a mão na boca. Não sentiu nada mas eu pareceu-me ver que a língua não estava com a cor habitual. Pensei que se calhar era por não estar a luz do corredor acesa. 

Entretanto, começámos ambos a vestir-nos à pressa. Tive um mau pressentimento: não era engasgado, aquilo ou era dos cogumelos ou tinha descoberto alguma lagarta e tinha-a comido. A muito custo, o meu marido conseguiu pôr-lhe o arnês para o prender ao cinto de segurança. Pensei que, no estado de descontrolo em que ele estava, não conseguiria aguentá-lo no banco, se não estivesse preso ao cinto.

Saímos à pressa. O meu marido desatou a acelerar, os quatro piscas. Ele, no banco de trás, esticado como sempre faz, com a cabeça entre nós, ora encostando-se a um ou a outro. Mas estava incomodado, babava-se em fio, uma coisa inusitada, aquela parte do carro encharcada. Eu ia dizendo: aguenta-te, aguenta-te... E, ao mesmo marido, dizia para guiar com cuidado pois ele ia a abrir, à maluca.

Entretanto, eu disse: Não me pareceu que a língua dele estivesse normal. O meu marido disse: está escura, não está? Também achei a língua esquisita, pareceu-me maior.

Chegámos ao consultório para aí meia hora, quarenta minutos no máximo, depois do que o fez vomitar (vi pelas horas em que acabei a chamada com a minha filha). 

Ao chegarmos ao consultório, ele não quis entrar. Resiste sempre. O meu marido pegou-o ao colo e passou-o para o meu colo pois só pode entrar uma pessoa. Mas a empregada, vendo-o, tirou-mo do colo e foi a correr para o consultório. Fiquei na recepção. A outra empregada perguntou-me: ele esteve ao pé de pinheiros? Eu disse que sim. Estava um homem na sala de espera que, tendo visto o meu bichinho e tendo ouvido a pergunta, disse: foi a lagarta do pinheiro, elas já andam aí. A empregada fez que sim e disse: também acho... este ano estão a aparecer mais cedo...

Reparei que estavam ambos com ar consternado, de quem estava a testemunhar uma fatalidade. Disse: Ele também esteve a mexer num sítio onde há cogumelos. Ambos, abanaram a cabeça e disseram: parece a lagarta do pinheiro. Devem ter-lhe visto a língua, não sei. Perguntei: É grave? O homem fez um ar de quem não queria ser portador de más notícias. Ela disse: Depende das lesões... causa necroses...

Fiquei com o coração apertado, numa aflição.

Não o ouvi a ladrar, o que era muito estranho. Nunca mais vinha ninguém falar comigo e não o ouvia. Não consigo descrever a ansiedade em que estava. Ligou-me o meu filho e tenho ideia que mal consegui falar. 

Passada uma eternidade, apareceu a veterinária para me chamar. Vinha com ar de caso, muito triste, com ar de quem não tinha boas notícias para me dar.

Confirmou: foi com certeza a lagarta do pinheiro. Tem a língua rígida, muito inchada, muito escura. Tem que ficar internado. Nunca se sabe. Perguntei-lhe o que lhe iriam fazer e quais as perspectivas. Disse-me que nos últimos dias era o terceiro caso com lagarta do pinheiro. Um estava internado, muito mal, língua, focinho, nariz, vias internas, tudo ferido, necrosado, um caso muito grave. Eu já mal ouvia. Falou-me em cortisona, em injectar anticoagulante na língua, em sedá-lo para evitar as dores, disse que aquilo dava dores horríveis -- e não percebi se as dores seriam das injecções na língua ou se seriam da alergia ou dos tecidos a necrosarem. Mas não consegui perguntar. Ela disse-me que, quando isto acontece, o estado é sempre reservado. Tem que se ir avaliando momento a momento, ver como reagem aos tratamentos. Perguntei-lhe a que se referia quando falava em necrose. Explicou-me que os pêlos das lagartas têm um veneno de efeito retardado que causa necrose: os tecidos morrem. Perguntei o que poderia acontecer. Explicou que, na língua, poderiam cair bocados da língua. Mas que, se fosse a língua toda, teria que ser eutanasiado. 

Senti-me ainda mais aflita, verdadeiramente atordoada de aflição.

Depois apresentou o orçamento. Centenas de euros. Falou que, se não conseguisse alimentar-se, teriam que lhe pôr uma sonda gástrica. Não sei que mais disse. Só horrores que me partiam o coração.

Não sei descrever como estava, a ouvir o que ela dizia. Devastada. Em momentos assim, pouco falo. É como se me sentisse esmagada.

Num instante, o meu cachorrinho querido estava aos saltos, a brincar, feliz da vida e, no seguinte, estava a rebolar-se de aflição e agora estavam a dizer-me que poderia morrer.

Saí de lá a chorar, numa tristeza, numa dor.

O meu marido também estava arrasado. A minha filha tinha-me enviado uma mensagem a saber como estava o ursinho mas não consegui falar. Ligou-lhe o meu marido .

Regressámos a casa só os dois. Ele que sempre brinca e ocupa o espaço e a nossa atenção com a sua alegria não estava ali. E não sabíamos o que lhe iria acontecer.

Quando aqui me sentei à noite, não conseguia escrever, só tinha vontade de chorar. Mas fiz um esforço

Todas as noites, quando vou deitar-me, vou com cuidado para não fazer barulho para não o acordar. Mas nessa noite ele não estava em casa e a sua ausência pesava-me no peito. Pensava nele, tão chegado a nós, ali no hospital, certamente com dores e sem a nossa companhia.

Mal dormimos.

De manhã, bem cedo, o meu marido já tendo ir fazer o seu passeio matinal, sozinho, foi ter comigo ao quarto. Eu estava acordada a pensar como a sua caminhada deveria ter sido triste, sem a companhia do seu endiabrado amigo.

Pediu que eu ligasse para o veterinário. Pedi que ligasse ele. Estava uma pilha de nervos. Mas ele também estava. Pediu que fosse eu. Liguei, o coração apertado. Atendeu-me uma veterinária que me disse que ele estava a reagir bem, que a língua estava menos inchada, que já não estava tão escura. Fiquei feliz.

À hora da visita fomos vê-lo. A minha filha e os meninos também lá foram ter. A empregada da recepção disse que só podia ir uma pessoa e pedimos que um dos meninos fosse comigo. Então apareceu a veterinária e disse que estava lá dentro um caso muito grave e que como o nosso estava melhor, podíamos levá-lo à rua. E então apareceu ele, com um daqueles funis de plástico à volta da cabeça, enfiadinho, os pelos da cabeça molhados, mais magro, mas todo contente de nos ver, a cumprimentar cada um, feliz da vida. A língua já quase normal mas ainda um pouco arroxeada. Ficámos, nós também, todos felizes. Dali, com ele, todos, fomos até casa do meu filho pois estavam todos em casa com um dos meninos ainda com covid (não sei se contei mas, um a a um, foram todos ficando infectados). Eles do lado de dentro da casa, nós com o ursinho peludo, do lado de fora. Todos contentes por termos ali a nossa pequena fera, tão preocupados que tínhamos estado.

Fomos depois deixá-lo, de novo, no hospital.


À tarde, fomos todos outra vez visitá-lo e, uma vez mais, pudemos levá-lo a passeio. Bem disposto, a fazer festas a cada um de nós, a saltar, o nosso animalzinho maluco de volta embora a bater com o funil em todo o lado, um bocado desorientado.

A veterinária disse que a alergia tinha desaparecido, os inchaços também, nomeadamente os da língua, mas que havia algumas lesões embora aparentemente pequenas e não muito graves. Explicou-me que lhe tinham andado a fazer lavagens e a raspar os tecidos mortos e que estas lesões podem ir aparecendo ao longo de dias. Foi um balde de água fria. Eu disse que tinha estado a espreitar e que a língua ainda não estava na cor normal mas que não tinha visto feridas. Ela disse-me que a língua é comprida, que há uma parte que não se vê. Mas disse-me que ele estava a recuperar tão bem, que já comia, embora ainda apenas se lhe dessem à mão, que deixasse ver como estava a língua depois das lavagens da noite e da manhã.

De qualquer forma, embora ainda bastante preocupada, já não estava tão aflita como na véspera.

Este domingo de manhã, liguei. O veterinário falava a rir: Ah ele está muito bem, recuperou mesmo bem, vocês tiveram muita sorte, já não para quieto, está ali só a chamar-nos. E ria, enquanto me dizia isso. Perguntei: E será que já o podemos trazer? Ele disse: Ainda vamos fazer uma lavagem, ver como está a língua. Ligue ao fim da manhã.

Senti-me mesmo feliz, aliviada, aliviada, aliviada.

Ao fim da manhã, liguei. Confirmava-se.

Quando lá chegámos, ouvimo-lo logo. Aqueles latidos de quando quer chamar a atenção. Ao fim de um bocado, ladrava mais insistentemente e chorava. Pensei que me deveria ter pressentido.

Então apareceu, já sem o funil. Uma festa de me ver, uma alegria, a correr na minha direcção. Nem queria sair de lá, para estar ao pé de mim. O meu marido levou-o a dar uma volta e eu fiquei a falar com a veterinária.

Disse-me que a urgência com que o tínhamos levado tinha sido determinante, que a rapidez da intervenção é decisiva. Que a língua tinha descamado mas que não tinha chegado a necrosar. Mas que tinha que ser medicado em casa e que dentro de três dias tinha que lá voltar para ser observado.

Portanto, já cá está e a vida voltou ao normal e o meu coração voltou a serenar. 

O meu marido, que tem outra forma de se exprimir, disse-lhe: 'Então, ó cabrãozinho, lá nos pregaste mais um susto...'

A minha filha foi buscar a minha mãe e almoçaram cá. Mal as sentiu a chegar, foi a correr para o portão, de pé, a latir de alegria.

E cá estivemos, ele um bocado cansado, mais calmo, a dormir mais do que habitualmente, mas já a comer bem, a beber bem, a brincar com os paus, connosco. E nós sempre de olho nele. Agora todo o cuidado é pouco.

O meu marido já pôs uma fita adesiva própria para apanhar as bichas traiçoeiras à volta de um pinheiro. E a ver se amanhã se põe noutro e para um deles se calhar temos que pedir ajuda. E, entretanto, já colocou umas grades para ele agora ficar na parte da frente do jardim, numa zona em que não há pinheiros. 

E eu renasci. 


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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira
Saúde. Boa disposição. Boa sorte.

segunda-feira, novembro 29, 2021

Kate Middleton, Letizia de Espanha, Ursula von der Leyen -
- feridas, com hematomas, desfiguradas, vítimas de violência conjugal

 


É tema que já aqui veio várias vezes. É daqueles que receio sempre não saber abordar por não ser capaz sequer de imaginar o que é uma mulher viver sempre amedrontada na sua própria casa tendo que conviver com um homem que a mantém em permanente estado de alerta, sempre com medo de lhe provocar alguma reação que o deixe zangado, sempre com receio de que, a partir de uma qualquer insignificância, se gere uma situação de violência, seja ela física seja psicológica.

O que será viver sempre no fio da navalha, sempre com medo de uma agressão? Sempre com receio de que os filhos testemunhem uma situação que forçosamente os marcará, Receio de que alguém testemunhe a humilhação a que está sujeita. Receio pela própria integridade física. Receio pela integridade dos próprios filhos. Receio de não aguentar. Receio de não ser capaz de escapar. Receio. Receio e vergonha. Vergonha de assumir a situação, vergonha de que os outros tenham pena, vergonha.

O que será viver assim? Como se consegue viver assim? Como se consegue sobreviver assim, debaixo de uma ansiedade escondida, de um permanente terror?

Nem imagino o que será o carrossel emocional de viver com um homem que ora se faz de infeliz, que arranja desculpas para as suas reacções, que ainda quer receber apoio e comiseração por parte da sua vítima, que pede desculpas e até chora e que, dias depois, por um nada, se vira do avesso, amua sabe-se lá porquê, amua e não diz porque está amuado, um homem que desconfia de tudo, que se vitimiza, que tem ciúmes de tudo e de todos, que inventa pretextos para violentar e agredir aquela a quem dias antes jurou amar para sempre. Nem imagino.

Nem imagino como se consegue tentar ganhar coragem para denunciar a situação sabendo que ele pode vingar-se, pode fazer mal aos filhos, pode fazer chantagem, pode fazer-lhe ainda pior se souber, pode agredi-la ainda mais ao sentir-se acossado. Nem imagino a coragem que é preciso ter quando ele não quer sair de casa e ela não tem para onde ir. 

Nem imagino como se consegue suportar a proximidade física de alguém de quem se teme que um dia lhe cause uma dor irreversível, fracturas, ferimentos, denunciadores hematomas, de alguém que quem se teme que seja capaz de lhe tirar a própria vida. Como se suporta partilhar a intimidade com alguém que deveria estar preso?

Como se consegue dormir e continuar a trabalhar, fingindo que se leva uma vida normal, quando a angústia é uma garra que aperta o coração e destrói a alma?

Como se consegue sobreviver quando já se ultrapassaram mil barreiras psicológicas e já se denunciou a situação e, no entanto, ninguém levou a sério nem tomou as devidas providências?

Como se consegue arranjar coragem para continuar a descobrir forças para proteger os filhos e a família, para que não sofram, para que não vivam aterrorizados? Como se consegue?

E como se consegue continuar a ter esperança quando há polícias que não agem rapidamente e juízes que desculpabilizam os agressores e ainda fazem recair sobre as mulheres-vítimas parte da responsabilidade pela violência? 

O que devemos fazer para, como sociedade, não aceitarmos mais situações testas? O que devemos fazer para criar condições para que qualquer mulher que tenha sido ou receie ser agredida saiba como agir para viver em paz e sossego, livre de ameaças e maus tratos?

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As fotografias foram editadas por Alexsandro Palombo, ao que parece sem ter pedido autorização às respectivas figuras públicas. No entanto, estou em crer que não se importarão. Kate Middleton, Ursula von der Leyen, Letizia, Kamala Harris, Christine Lagarde e outras aparecem em nome de tantas mulheres anónimas de quem só se ouve falar quando são assassinadas pelos companheiros.

Esta série, 'She reported him,' não é a primeira. Já antes tinha feito uma idêntica cujas fotografias foram afixadas nas ruas para denunciar a indiferença com que deixamos que estes crimes continuem a acontecer entre portas. Angela Merkel, Brigitte Macron e outras apareciam igualmente com os rostos desfigurados. 

Todos os anos várias mulheres morrem às mãos dos seus algozes. Mas as que morrem são os casos limites. Por cada mulher que morre, muitas outras sofrem em silêncio, escondendo as agressões, disfarçando os hematomas, sorrindo como se não fosse nada, apenas uma queda sem importância..

Nesta campanha Alessandro tenta chamar a atenção para que não basta incentivar as mulheres a denunciar a situação: há que garantir que o Estado as consegue proteger, amparar, dar-lhes sustento enquanto viverem sob resguardo.

Para quem esteja interessado, poderá ver o artigo no qual tomei conhecimento desta campanha: Kate Middleton défigurée par des hématomes, l’image choc d’une campagne contre les violences conjugales

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Agora que falo nisto, a quem subscreva a Netflix quero sugerir a Maid. É daquelas séries que quem vê nunca esquecerá.

É uma série curta e excepcional baseada em situações reais vividas pela autora do livro sobre o qual se fez a série. Não é uma série negra, não é escancaradamente dramática. É contida, é terna, transporta esperança e mostra como a coragem é uma coisa cheia de riscos e retrocessos mas na qual brilha, ao fundo, uma luzinha que indica o caminho de saída. 

E Margaret Qualley, como Alex, a jovem mãe que foge a um companheiro violento e com problemas de alcoolismo e que, para sobreviver e pagar o seu sustento e o da filha, suporta, com brio, todas as vicissitudes de um trabalho exigente e mal pago, é verdadeiramente excepcional. 

Maid

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Sorte. Boa disposição.

sexta-feira, outubro 30, 2020

O tempo a preto e branco



Voltei aos dias em que a literatura não me acompanha. Desde que me levanto até sair para fazer uma caminhada, agora já bem de noite, não tenho um minuto de sossego. Por vezes penso que talvez consiga descansar um pouco a seguir ao almoço, ler umas páginas. Mas não tem sido possível. Olho o calendário e todos os dias constato que está a passar a correr. 

No outro dia tive uma reunião -- remota, claro -- com pessoas de duas outras empresas. Uma das empresas era aquela para a qual trabalhei até há poucos meses. Revimo-nos, perguntámos uns pelos outros, sorrimos, e um deles, o que me era mais próximo, ao referir-se a mim a um dos da outra empresa, disse que eu tinha saído de lá há cerca de um ano. Não quis interrompê-lo. A ele parece-lhe que já foi há tanto tempo? Como pode ele ter-se enganado assim? Foi no verão, há poucos meses. 

Mas não posso admirar-me: no outro dia recebi a visita de um ex-colega. Contou-me coisas de lá, de outros meus ex-colegas, contou-me como se fossem coisas empolgantes com as quais eu iria vibrar. Esforcei-me por mostrar alguma coisa mas a verdade é que ouvi com absoluto desinteresse. Foi como se fossem personagens de um tempo tão remoto que eu mal recordava. 

Mas, nessa tal reunião, o outro a quem o meu ex-colega se dirigia falando de mim, para surpresa de todos, incluindo minha, disse que me conhecia há cerca de vinte anos, numa outra empresa, que tinha tido três reuniões comigo, recordava-se do meu gabinete, recordava-se do que tínhamos tratado. Eu não me lembrava dele, não o reconheci. Depois, quando ele detalhou, lembrei-me, sim, que tinha tratado daquele assunto, lembrava-me da empresa para a qual ele, então, trabalhava. Mas do seu nome, do seu rosto não me lembrava nada. Mas fiz de conta que sim, que já estava a reconhecê-lo.

No outro dia, experimentei fazer um teste idêntico ao que várias pessoas da empresa tinham feito. À pergunta: 'Sobre o que conheceu no passado, reconhece mais facilmente números e acontecimentos ou rostos e nomes?'. Hesitei. Acho que não ligo muito a coisas que perdem relevância com o tempo como é o caso de números e acontecimentos. Mas depois lembrei-me que passo a vida a encontrar pessoas que vêm cumprimentar-me, dizendo-me que me conhecem muito bem e eu zero, nem ideia. Assinalei como correcta 'Números e acontecimentos'. É estranho. Mas é verdade.

O tempo passa, dizia.

Não sei o que fica do tempo que passa. Vestígios, sedimentos. De uma pessoa ficar-me-á o sorriso, a esperança, a gentileza, as palavras tão cheias de azul e de luz. De outra ficar-me-ão umas palavras ditas numa tarde enquanto olhava pela janela: falava do voo de um pássaro, fazia um movimento ondulante com a mão como se fosse um esvoaçar lento. De outra talvez um poema dito, inesperadamente, na língua de origem. De outra, os livros que me recomendou. De uma outra, num dia em que fui encontrá-lo numa sala mergulhada na penumbra, ficar-me-á o que me disse: 'Agradeço o abraço que sinto que, com as suas palavras, está a dar-me'. De um outro, um que se portava muito mal, as palavras com que se despediu, ao abraçar-me: 'Não lhe digo que se porte bem, porque se porta sempre bem'. Apontamentos soltos. De algumas pessoas guardarei a imagem do rosto, o nome, algumas palavras, o momento em que foram ditas. Poucas essas. De outras, a maioria, não guardarei nada.

[Agora que falo nisto, lembro-me: comprarei algum dia «Sobre as Falésias de Mármore» de Ernst Jünger que um dia me recomendaram? Agora que não frequento livrarias, arriscarei comprar um livro sem o ter antes nas mãos, sem lhe espreitar os interiores? Não será uma desilusão? Se ao menos pudesse ainda sentar-me ao sol do fim da tarde, a sentir o calor dourado e bom sobre a pele, para o poder ler com o coração quente. Foi há quanto tempo que me falaram neste livro? Há uns meses? Há uns anos? Nunca? Sonhei? Como o saberei?]

De algumas pessoas é isso mesmo: nada. No outro dia tive uma reunião com um conjunto de pessoas. Tudo ali me pareceu sem nexo: o tema, o ar convencido dos meus interlocutores. Uns dias depois, perguntaram-me quando é que eu poderia dar feedback. Tive que me esforçar: não apenas não recordo o nome de nenhum deles, nem a imagem do rosto e, pior, nem me lembro de que raio de feedback estão à espera. Mesmo que de forma involuntária, varro para debaixo do tapete do meu esquecimento tudo o que não me interessa. Esqueço-me imediatamente. Se sou forçada a voltar a conviver com quem não me interessa é com indisfarçável sacrifício que me sujeito a isso. 

Nas conversas com a pessoa que me convidou para a presente empresa, quero traçar uma linha vermelha. Quanto sinto que ele quer mais de mim do que o que estou disposta a dar, relembro a linha vermelha. Ele fica desconfortável, muda de conversa. A linha vermelha não é nada de mais, é apenas um horizonte temporal. E eu, que vejo o tempo a passar, interrogo-me sobre como vou conseguir manter-me, firme, do lado de cá da linha que não quero transpor. E, no entanto, para o conseguir, abdico de ler, de fotografar, de me deslumbrar com as flores que, por aqui, são escandalosamente belas, de passear na praia, de ver o mar.

Já estamos no fim da semana, no fim do mês, qualquer dia no fim de um ano que se revelou miserável, um ano prenhe de más notícias, de desgostos, de problemas sem precedente. O que me ficará deste ano? Não sei. Acho que nem vou querer saber. Tomara que zero. Mas não, nem isso. Infelizmente, muito menos que isso.

Um ano de perdas, certamente.

Estou cansada e com sono, desculpem. É isso.


Fotografias de Ana Zibelnik ao som de Prélude No 4 en mi mineur, Chopin, na interpretação de Khatia Buniatishvili

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Uma sexta-feira feliz.

segunda-feira, dezembro 09, 2019

Breve crónica de um fim de semana
-- com a culinária respectiva e com fotografias em casa e na rua






Dois manos estão doentes, um com gripe e outro meio engripado -- espero bem que já na recta final mas, ainda assim, doentinhos, meus adorados meninos. Por isso, não deu para se juntarem aos primos, senão, às tantas, ainda ficavam todos 'agarrados'.

Assim sendo, o fim de semana foi vivido em separado. Fomos, pois, no sábado, jantar a casa da minha filha e, como sempre faço, resolvi levar o jantar. Faz parte da minha natureza, gosto de alimentar os outros. 

Por outro lado, o meu filho gostava de ir passar o domingo ao campo. Como só poderíamos ir no domingo, chegando quase ao mesmo tempo que eles, resolvi que havia de levar o almoço já adiantado.

No sábado de manhã fomos aos meus pais, de tarde ao supermercado.

Para me facilitar a vida, resolvi preparar uma base comum. Para casa da minha filha levaria um tabuleiro de arroz de carnes. Para o almoço de domingo faria rancho.


Preparação da mesma base para duas refeições distintas

Então, no sábado à tarde:
Num panelão com água e um pouco de sal coloquei duas cebolas grandes, cenouras, salsa e frango(s) do campo, carnes de porco (entrecosto, chispe, uma peça de costeletas).
Quase no fim das carnes estarem cozidas, juntei meio pacote de sopa juliana. Não apenas dá bom sabor como a componente dos legumes fica logo assegurada.
Ao fim de um bocadinho, desliguei. 
Arroz de carnes 
Entretanto, num tacho coloquei um fio de azeite, uma cebola grande picada e um bocadinho de salsa, umas cenouras cortadas aos quadradinhos pequenos, uns feijões verdes cortados às lasquinhas e um bocadinho de chouriço do Fundão cortado aos bocadinhos, para dar um toque de graça suplementar. Deixei frigir ao de leve até se perceber que estavam levemente cozinhados. Nessa altura juntei arroz basmati e o dobro da quantidade em caldo da cozedura das carnes.
Entretanto, retirei parte das carnes do panelão, desossei e juntei ao arroz. 
Enquanto isso, o forno estava a aquecer no máximo. Despejei, então, o conteúdo do tacho para um tabuleiro e, por cima, espalhei bacon aos bocadinhos. Foi ao forno, cuja temperatura baixei, até o bacon estar douradinho e a água do arroz toda evaporada.
E foi assim mesmo que o transportei. Coloquei uma folha de papel-alumínio por cima e enrolei num toalhão de banho. Quando o meu marido entrou na cozinha e viu aquilo ia-se passando. Mas o que é isto? Voltámos ao século passado? Dei-lhe razão e pedi que fosse buscar a manta térmica. Como não temos manta térmica, ficámos assim. Colocámos o embrulho atoalhado num sacalhão e, portanto, chegou lá bem quentinho.


Fomos recebidos com uma surpreendente pianada. A minha filha, que andava há tempos a dizer que estava com saudades do piano, voltou. Os meninos é que foram à porta e eu ouvi o som que vinha da sala. Pensei que estivessem a ouvir Chopin. Afinal era ela. Fiquei mesmo contente. Sempre gostei muito de a ouvir mesmo quando ela não estava certa de tocar bem. 

E o mais novo parece que também leva jeito. Senta-se ao lado da mãe e põe-se a tocar, a improvisar, e sai-lhe muito bem. Uma emoção.

Ao jantar, comemos o arroz de carnes com saladinha de alface. Disseram que estava bem bom. No final, sobrou outro tanto que, obviamente, ficou lá.
Quando regressámos a nossa casa -- ia a noite avançada --, ainda fui desossar o resto das carnes. Coloquei tudo, as carnes e o caldo numa big caixa, hermeticamente fechada. Entornar caldo no carro seria o fim da picada.

Rancho
Já no campo:
Lavei um repolho e cortei-o bem ripado, mais cenouras às rodelinhas, mais uma cebola aos bocadinhos -- tudo para dentro de um panelão. Juntei o caldo que chegou intacto, mais um bocado de água e mais um pouco de sal. Por cima, coloquei o resto do chouriço de carne, uma farinheira e uma morcela. Depois das couves estarem macias, juntei um pacote de cotovelinhos riscadinhos. Quando a massa estava cozinhada, juntei uma lata grande de grão cozido e as carnes. Coloquei ainda um bom bocado de hortelã fresca. Misturei. 
Gostaram, estava saboroso e bem cheiroso. Uma vez mais, sobrou outro tanto. Para a casa do meu filho seguiu uma caixa e para nós uma outra.


Tirando isso, estava nevoeiro, orvalho por todo o lado, tudo lindo. As neblinas ali in heaven são mágicas.

Os meninos andaram de bicicleta, correram, brincaram, o meu filho ateou uma bela lareira e ao longo do dia manteve-a sempre acesa, a sala quentinha e boa, e jogámos ao jogo das letras, os meninos puseram os meus chapéus, fizeram colares e pulseiras, o mano do meio jogou subbuteo, o bebé fez das dele. Perguntaram, claro, se os primos não iam. Dias assim pedem o grupo completo mas desta vez não deu. Com febre e uma gripe valente como um está e todo cheio de tosse como o outro está, era impossível um programa como o de hoje, na rua, no meio do nevoeiro.

À tarde, lanchámos (o meu filho trespassou uns pãezinhos com um espeto e colocou-o ao alto, de lado, na lareira para ficarem quentinhos) e depois foi tudo outra vez para a rua, a humidade caindo sobre nós, as pedras escorrendo, o campo todo imerso em névoa, lindo, lindo.


Fotografei muito, como sempre, mas as as fotografias que fiz e que aqui vos mostro não deixam perceber a paz, o canto dos pássaros, as cores difusas, o calor da lareira, o riso das crianças, a alegria de estarmos juntos.

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E foi isto. No carro para lá e, à tarde, durante uns momentos em que estavam entretidos, ainda li umas crónicas do Pedro Mexia no seu último livro, Imagens imaginadas, conversa sempre agradável de seguir.

Quando cheguei a casa ainda fui fazer sopa e algumas arrumações. E ainda devia fazer muito mais. Os dias passam a correr e ainda o fim de semana parece que nem começou e já está a acabar. No outro dia, no jantar de natal, uma colega que não via desde o do ano passado, me dizia: 'Nem parece verdade, não é? Dantes um ano levava um ano a passar, agora nem se dá por ele e já ele passou'. É mesmo.

Enfim. É o que é.

O meu marido já dorme e eu bocejo por tudo o que é canto e esquina. Está prestes a começar uma nova semana e eu começo-a com o coração quentinho, apenas desejando que os meninos que estão apanhados se ponham bons rapidamente.

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E a todos, aí desse lado, desejo uma boa semana a começar já esta segunda-feira.