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terça-feira, novembro 13, 2018

Palavrão, calão.
[Post com bolinha encarnada]


A palavra de calão é cristalina. Melhor ainda, muitas vezes, a palavra de calão, ou seja, o palavrão, cristaliza. Instala-se então na língua como uma tiara na cabeça de uma princesa, para não usarmos a equívoca imagem de um broche todo feito à mão no vestido da rainha de Inglaterra. Passa desse modo a ser concorrente daquelas admiráveis expressões idiomáticas que nos põem a ver Braga por um canudo. Nasce, assim, o palavrão idiomático.

O palavrão idiomático embeleza a língua, cumulando-a com as bênçãos da imaginação popular. Usa do oxímoro, da homofonia, é hábil na metáfora e na metonímia, joga na aliteração e recorre, quando lhe dá a preguiça, à desgarrada rima ligeira, até porque quanto mais prima, mais se lhe arrima.

O palavrão é o assalto do povo ao Palácio Imperial da Língua, levando de arrasto dois ministérios. Primeiro, o Ministério da Imaginação, área de governação já tradicionalmente sob tutela (ou, na mínimo, protectorado) do poder popular. Mas depois, prosseguindo a vaga insurrecional, o povo toma também conta do Ministério da Libertinagem, lambuzando-se a turbamulta com o tabu, a blasfémia, as delícias do obsceno, a coprofilia.

O palavrão, na boca popular, advoga uma ideologia igualitária e põe cara e cu de olhos nos olhos. O palavrão idiomático cuida dos seus e tem uma política de habitação, dando casa mesmo ao caralho mais velho. O palavrão idiomático é também defensor de um serviço nacional de saúde: a uma trombose prefere uma trombada. 

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O palavrão é, convenhamos, uma libérrima utilização da linguagem. Dir-se-ia até, uma nua utilização da linguagem, que nos entra, porta dentro, despida do traje de cortesia, da sua requintada casaca, da elegante cinta. O palavra é a linguagem em cuecas ou, porventura, sem elas; é a linguagem gorda, sem regime dietético; é a linguagem que já não cuida de esconder a raiz da sua vulgaridade, autorizando-se tudo o que é baixo, rústico, grosseiro e rude. Os dicionários chamam-lhe também gíria e calão, acentuando o seu cunho ofensivo e agressivo.

O palavrão é o destemido herói que visita, sem inibições morais, todas as mais proibidas e sagradas fendas, colinas, picos, matas, dunas e enseadas do corpo humano. Na boca do palavrão, todo o sagrado é profano, e as transformações que têm lugar no nosso metabolismo também não lhe são estranhas, nem o intimidam ou impressionam. Para o palavrão, o mais hiperbólico, duro ou cruel disfemismo é tal qual limpar o rabinho a meninos.

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[Excertos não sequenciais de 'O pequeno livro dos grandes insultos' de Manuel S. Fonseca. As expressões dos três posts abaixo, o da Baronesa da Perna Aberta, o do cornudo da ordem de S. Cornélio, e os Alfacinhas sem tomates, também]

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E agora uma simples: 'porque é que os habitantes de Lisboa se chamam alfacinhas'?


Pronto. Já vi que não acertam uma. Nem descobriram quem é a Baronesa da Perna Aberta nem o ilustre membro da Ordem de S. Cornélio. Uma pena. Se acertassem, tinha mais umas quantas na manga. Assim, desolada que estou e antevendo que também não vão ser capazes de  descobrir um acoisa tão simples, dou eu própria a resposta à pergunta em epígrafe -- e, pronto, não se fala mais nisso.
Os habitantes de Lisboa chamam-se alfacinhas porque não têm tomates. Se tivessem, seriam saladinhas.
Simples.

E de que cavalheiro, bem conhecido de todos nós, diríamos que 'pertence à Ordem de S. Cornélio e ainda ninguém lhe disse'?


E não dou pistas que não quero influenciar ninguém ou lançar a confusão em lar alheio. Só pergunto. E é mesmo só para perguntar. 

PS: E se não consegue descobrir, tente acertar na resposta à pergunta abaixo.

A quem é que, na sociedade portuguesa, ficaria bem o título de 'Baronesa da perna aberta'?


Não é por nada. É mesmo só para perguntar. Caso ajude, posso acrescentar que, em inglês, diríamos que a dita Baronesa tem umas lazy legs.