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quarta-feira, agosto 20, 2014

É entrar, é entrar! Vídeo novo no CINE POVERO! Em tempo de férias: Liberdade. Fernando Pessoa, João Villaret, Philip Glass, Uakti. É entrar, é entrar!


Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
(...)

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca. 

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...


Boa.




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Transcrevo o texto do Cine Povero:

Fernando Pessoa (1888-1935), “Liberdade” (1935). In «Cancioneiro»
João Villaret, «Fernando Pessoa por João Villaret» (1951). Reeditado em CD, em 1991 e em 2008.
Música: Philip Glass, “Madeira river” in «Águas da Amazônia», interpretado pelo grupo Uakti.

Filmado em Zadar (Croácia).

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quinta-feira, julho 03, 2014

'Nunca mais amarei quem não possa viver sempre, porque eu amei como se fossem eternos a glória, a luz e o brilho do teu ser'. 'Nunca mais servirei senhor que possa morrer'. Assim escreveu Sophia, a eterna.


No post abaixo, a propósito do comentário de uma Leitora, já falei de amor. De amor impuro, terreno, imenso, frágil, egoísta. Ou generoso, forte, incondicional, condicionado. Ou tudo misturado. Mas eu não sei o que é o amor. 
Mil vezes descrito, cantado, discutido e, no entanto, tão indecifrável e tão variado. 
Por isso, mais do que enunciar o que é, pergunto-me: o que é o amor? E dou o meu contributo para uma possível definição, tentando descrever como é, para mim, o meu amor pelos que mais amo.

Mas isso é a seguir. Agora, aqui, a conversa é outra. 


Aqui falo de Sophia, a senhora das palavras cheias de luz, a senhora dos rios correndo azuis entre as palavras, a senhora da verdade justa e limpa.


Não ligo a isso do Panteão. Nunca lá fui. Não são os restos mortais dentro da pedra que me dizem alguma coisa. Para mim são mesmo as palavras que importam. 




Mandei gravar vários poemas de Sophia em azulejos que cobrem os meus muros silenciosos in heaven

Entre árvores cobertas de verde e de pássaros, há recantos onde quase se pode ouvir a voz ciciada de Sophia dizendo por mim que pudesse eu não ter laços nem limites ó vida de mil faces transbordantes, ou que este é o amor das palavras demoradas, moradas habitadas ou que há sempre um deus fantástico nas casas em que eu vivo ou a perguntar, por mim, quem como eu em silêncio tece bailados, jardins e harmonias? 

E mais.

Para a fotografia, virei a salva de pernas para o ar
(Precisa de ser areada, é certo, mas, de facto, não está como aqui a vêem:
tive que escurecer a imagem e saturar as cores para que a fotografia tivesse
o contraste suficiente para se conseguir perceber mais ou menos o poema)

Há tempos, num Abril especial para nós, ofereci-me a mim e ao meu marido uma espécie de salva de prata com pés, que tenho aqui ao pé de mim, na mesa onde escrevo, e onde mandei gravar por trás o poema 

És tu a Primavera que eu esperava
a vida multiplicada e brilhante
em que é pleno e perfeito cada instante


porque, para nós, Abril não é apenas o mês da liberdade mas, na nossa petite histoire, o mês do nosso casamento.


Sophia, para mim, é, pois, uma presença muito física: posso ver as suas palavras, posso passar as mãos pelas superfícies onde fiz inscrever a luz imensa das suas palavras. Quando me sento à sombra fresca e perfumada de uma grande figueira, leio a sua poesia e as suas palavras misturam-se com a paz do lugar, com o perfume do rosmaninho, dos orégãos e das estevas, com o sabor carnudo dos figos pingo de mel.


Por isso, tenho a poesia de Sophia no meu coração, nas minhas mãos, em todo o meu corpo. Cerimónias, efemérides, prebendas, rapapés  não são para mim quando se trata de poetas e, em especial, de Sophia.

Mas ouvi na rádio o discurso de José Manuel dos Santos aquando da transladação dos restos mortais de Sophia para o Panteão e gostei muito. José Manuel dos Santos escreve bem e é um Senhor. 


Gostava de ter aqui esse discurso na íntegra. Tomara que o tenham gravado e que o coloquem o vídeo no youtube.

Procurei e apenas encontrei excertos. Transcrevo uma parte do artigo do i online:


José Manuel dos Santos citou amiúde a poetisa, cujo “nome lhe foi dado como uma predestinação: Sophia, Sabedoria”, e afirmou que “não é ela que precisa de nós, somos nós que precisamos dela”.

Sobre a poesia de Sophia, afirmou que “há nela a liberdade livre, a vida viva, a grandeza nua, o fogo firme que não a deixa ser senão de quem nela encontra o que ela é”.

“A poesia de Sophia, que deu à língua portuguesa a soberania da sua exatidão, é uma arte do ser, uma mnemónica do mundo, um vértice da vida”, afirmou o orador, acrescentado: “O fio que a percorre, feito de claridade e de assombro, tem três nós de escuridão: o nó da noite, o nó do nada, o nó do não”.

Sobre a poesia de Sophia, o orador voltou a suportar-se das palavras da poetisa para afirmar: “Podemos dizer dela o que ela disse de Cesário: ‘Às vezes, algo de rouco, de alucinado e de visionário atravessa a lucidez dos seus poemas’”.

“Na vida de Sofia, os livros sucederam-se como as sílabas da primeira palavra dita no mundo. Foi dessa palavra que ela fez nascer todas as palavras da sua poesia”.


As eternas e luminosas palavras de Sophia. A poesia de Sophia. O amor de quem ama as palavras de Sophia. O amor das palavras demoradas. A beleza imaterial das palavras materiais de Sophia.


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[Volto a este post em 8 de Julho para deixar aqui o link para o discurso completo que pode ser visto no blogue Chove]

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Mostro agora o filme de João César Monteiro (que então ainda não se assinava exactamente assim) com Sophia. Um gosto.




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E, para terminar, o poema de onde extraí o título deste post, Meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal, dito por João de Villaret.




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Relembro: sobre o amor tal como o vejo, em toda a sua fantástica impureza, falo a seguir, no post abaixo deste.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira. 
Saúde, sorte e muito amor é o que desejo a todos.

segunda-feira, abril 16, 2012

Em dia de ventania, 'vou onde o vento me leva e então não preciso de pensar': Fernando Pessoa, plural como o universo - uma grande exposição na Gulbenkian, uma festa feita de palavras


Poesia, por favor

João Villaret - Tabacaria de Fernando Pessoa



Depois de um sábado atribulado, eis que este domingo de tarde, por razões circunstanciais e imprevistas, fomos para os lados da Gulbenkian. Em boa hora.

Nem me lembrava da exposição do Fernando Pessoa mas o acaso tem destas felizes coincidências.

O dia estava todo ele uma ventania mas o vento quando sopra em sítios assim - sítios de um verde suave onde as crianças correm e gritam de alegria, sítios que são recantos a seguir a recantos, recantos em que a intimidade verde e fresca se acolhe, e regatos, lagos, patos e pombos, um alvoroço de sorrisos, arbustos floridos, plumas, imponentes árvores, uma subtileza permanente - em sítios assim, o vento é festa, é brincadeira, é vontade de abraços, de beijos dados às escondidas. E as pessoas festejam o lugar e a vida sem se importarem com o vendo ou, até, abençoando-o. E agora, ao ver esta fotografia, o que vejo é a quietude, a paz. O vento é apenas uma ideia que ficou dentro da minha cabeça.


Nos belos jardins da Gulbenkian tudo é, pois, perfeito e o vento não é senão música, dança, um sopro que nos conduz.

E, portanto, sem que eu tivesse disso ideia, o vento conduziu-me pelos jardins até que cheguei à Exposição Fernando Pessoa, Plural como o Universo.



Como transmitir-vos agora aqui o que senti naquelas salas escuras, em que a personalidade de Fernando Pessoa se desdobra em imagens, em poemas, em sons, em cores?


Pelos vários espaços e recantos, a tal intimidade que os recantos sempre nos reservam, e vozes que vão dizendo poemas ou, sem se perceber de onde vem uma outra voz quente e quase silenciosa dizendo poemas, poemas que se vão multiplicando, uma toada quase sem palavras, ou palavras soltas, palavras que nos vão soando mágicas, puras, muito puras. 

E o ambiente é escuro, íntimo, variado. E o escuro é pontuado por elementos de uma luz azul, limpa, ou por uma luz amarela, quente, ou uma luz encarnada, vibrante.


E as pessoas, tal como eu, deslizávamos em silêncio, um silêncio perturbado, andando no meio dos vários eus e era a caligrafia de cada um, de Ricardo Reis, de Alberto Caeiro, de Álvaro de Campos e os eus continuam e é Bernardo Soares que depois escreve, e as vozes continuam, os recortes, a época, os jornais, os recantos, os poemas. E eu e as pessoas íamos deslizando, recortando-nos contra os painéis com os poemas e nem eu nem as outras pessoas éramos mais do que figuras recortadas, sombras andando no meio de palavras, silhuetas deslizando no meio das muitas palavras.


E o poeta que finge e o poeta sem amigos íntimos, o poeta que colhe flores e depois o homem, o homem que escreve cartas, que escreve, que escreve, que escreve, que fez das palavras a sua vida, o seu sentido de ser, e que precisou de ser muitos para poder dizer o muito que tinha para dizer, o guardador de rebanhos, o pastor que apascentava pensamentos, palavras, o engenheiro, o médico, o homem múltiplo, o homem antes do tempo, o homem grande, inteiro, o homem todo em cada coisa, o homem que pôs quanto foi no mínimo que fez.



E no fim ficou uma arca, uma arca de madeira lisa, uma bela madeira macia e dentro da arca havia milhares de papéis, milhares de palavras, de poemas, de frases, de lamentos. Dentro da arca havia fragmentos de vida, amores não ditos, sonhos por sonhar, palavras, tantas, ainda por dizer. E a arca lá está como arca sagrada num templo feito de palavras.


:::: algumas vozes, só algumas ::::

Alberto Caeiro, O guardador de rebanhos:

                                      O essencial é saber ver,
                                      saber ver sem estar a pensar,
                                      saber ver quando se vê
                                      e nem pensar quando se vê,
                                      nem ver quando se pensa.


                                      Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
                                      isso exige um estudo profundo,
                                      uma aprendizagem de
                                      desaprender.


Bernardo Soares, Livro do Desassossego:

                                                                Criei-me eco e abismo, pensando.
                                                                Multipliquei-me
                                                                aprofundando-me.

De Álvaro de Campos:

                                   Pertenço a um género de portugueses
                                   que depois de estar a Índia descoberta
                                   ficaram sem trabalho.


De Ricardo Reis:

                         Tenho mais almas que uma.
                         Há mais eus do que eu mesmo.
                         Existo todavia
                         indiferente a todos.


De Fernando Pessoa:

                                Não pertencer nem a mim!
                                Ir em frente, ir a segui
                                a ausência de ter um fim,
                                e da ânsia de o conseguir!

                                Viajar assim é viagem.
                                Mas faço-o sem ter de meu
                                mais que o sonho da passagem.
                                O resto é só terra e céu.


::::: Fernando Pessoa, palavras ditas, palavras cantadas :::::


Poesia e música, por favor

Maria Bethânia declama poemas de Fernando Pessoa e canta o Doce Mistério da Vida


Música, de novo, por favor

Marisa  interpreta Cavaleiro Monge, letra de Fernando Pessoa


:::::::::

Apontamento de ordem prática: por ser domingo a entrada foi gratuita. Percorrer os Jardins da Gulbenkian também não custa dinheiro. Afinal, vendo bem, há grandes prazeres que não custam dinheiro. 

«««»»»

Hoje, lá no meu Ginjal temos palavras que caminham em volta de Hélia Correia e de um gato (e tanto que Hélia Correia gosta de gatos) que tem um olhar orgulhoso. William Tell abre, por aquelas bandas, a semana que dedico a Rossini. Gostarei de vos saber por lá.

«««»»»

E tenham, meus Caros, uma bela semana, a começar por esta segunda feira.