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quinta-feira, fevereiro 10, 2022

O ano do pensamento mágico

 


Hoje estou contente com uma pequena vitória pessoal: consegui ler um pouco à hora de almoço. Coisa rara e gostosa. 

Em casa, depois de uma manhã sem história, estava com frio. Resolvi que era coisa com fácil solução: fui para o sol. Levei a biografia do Pina e 'O ano do pensamento mágico' para espreitar o segundo e depois regressar ao primeiro.

Depois, aqueci e despi a blusa de manga comprida. Como o sol estava a dar com força e me incomodava a leitura, com a blusa fiz uma cobertura à árabe: coloquei-a sobre a cabeça, cobrindo os ombros e a modos que descaindo sobre a testa para fazer alguma sombra. Com as mangas, ajustei-a com um nó atrás da cabeça. 

O little teddy bear, como geralmente acontece, veio comigo. Primeiro escovei-o. Disse-lhe: 'Vamos pentear?' Começou logo a tentar tirar-me a escova da mão. Disse-lhe: 'Deita que a dona vai para o pé de ti'. Então deitou-se. Sentei-me ao lado e escovei-o. Depois disse: 'Vá, agora do outro lado'. E dei-lhe um toque para o rebolar. Assim fez. Deixou muito bem. Depois encostei a minha cabeça ao seu corpinho felpudo e macio. Estava quentinho, ali deitadinho ao sol. Ficou todo quietinho, sabendo-lhe bem o chamego.

Passado um bocado, pensei que não bebia há um bom bocado e fui lá dentro buscar-lhe a tigela da água. O meu marido, quando me viu, desatou a rir: 'Eh pá...! O que é isso...!?'. 

Dantes, à hora de almoço, estava em restaurantes ou noutros lugares decentes. Agora estou à porta de casa, sentada numa cadeira, os pés em cima de outra, com umas calças que arregaço até ao joelho (vitamina D oblige), uma tshirt com braços ao léu e uma blusa a servir de chapéu-turbante. 

Por vezes, quando me vê nestes preparos, o meu marido diz: eu devia era tirar-te uma fotografia e mandar para os teus leitores para eles verem o estado em que te apresentas. E era. Um dia em que resolva dar-me a conhecer há-de ser assim para vos provocar uma barrigada de riso.

Mas, dizia eu, levei os dois livros mas um deles, o da Joan Didion, era apenas para lhe tomar o pulso. 

Afinal não consegui parar. 

Uma escrita seca, desajectivada, depurada. Muito sincera. Fez-me pensar. Por diversas vezes, fiquei a pensar. 

Joan Didion quis ficar em casa sozinha na noite em que o marido morreu. Sentiu necessidade disso. Com a minha mãe aconteceu o mesmo. Será que também queria ter esperança que não tivesse acontecido?

O documentário sobre a Joan já me tinha deixado com esta impressão: o acaso e a precaridade de tudo. Num instante está tudo bem e no instante seguinte já está tudo mal. E quando queremos contar como tudo aconteceu, temos necessidade de contar que antes estava tudo bem. No outro dia, quando contei o que aconteceu ao meu ursinho felpudo, sem querer, também comecei por contar como antes estava tudo tão normal, tão bem. Talvez queiramos mostrar como é tão chocante as coisas ficarem tão mal quando antes nada prenunciava o que aí vinha.

Ou será que, quando está tudo mal, nos ocorre que antes estava tudo bem e não o valorizámos o suficiente? Desvalorizámos porque achámos normal. Em vez de termos retido o momento, aspirado bem o ar que se vivia no momento em que estava tudo bem, não, deixámos o momento passar. A mim acontece isso. 

No entanto, por vezes, quando sinto que tudo está perfeito, apercebo-me do milagre que é essa convergência virtuosa e, interiormente, recolho-me, agradeço e tento assimilar para todo o sempre a felicidade daquele momento. 

Mas isso não é frequente. O frequente é não pensar que tudo pode mudar de um momento para o outro e desaproveitarmos os momentos bons.

Ela escreveu uma outra coisa que também me deixou a pensar. Recorda um período em que estava num lugar agradável, em que tinha uma rotina agradável com o marido, em que estavam mesmo bem. E interroga-se: estariam excessivamente dependentes um do outro?

Percebo-a. A posteriori, ao escrever, amputada da companhia do marido, recordando o tempo, depois da sua morte, em que desejava que ele regressasse, provavelmente pensou que, se antes não fosse tão chegada a ele, talvez depois não sentisse tanto a sua falta. 

Percebo-a. Mas tenho para mim que é um pensamento inútil, póstumo, até perverso. Se não se viver um grande amor e se não se souber degustar esses momentos depois não se sente falta dele. É um facto. Mas será preferível uma vida sempre vazia só para não se sentir falta de quando a vida era boa? Não creio.

E a roupa de John Dunne, o marido dela? O separar tudo para dar... mas ficar com algumas coisas. Por exemplo, alguns sapatos. Pode ele regressar e depois não ter sapatos para se calçar. Parece uma piada. Mas pode ser uma piada para quem está de fora, não para quem sofre a dor da perda e, mesmo sem querer, se agarra às mais improváveis esperanças. Ao fim de algum tempo a minha mãe separou a roupa do meu pai. No entanto, no outro dia fiquei surpreendida ao saber que ainda conserva algumas coisas. Não digo nada. Percebo-a. 

Pode acontecer que um dia seja comigo. Ou com o meu marido. Sabemos lá o que a vida tem guardado para nós. Melhor nem pensar. Mas tenho que confessar: cada vez me custa menos pensar nisso. A vida da gente é assim mesmo. Numa visão microscópica a vida é um segmento: nascemos, vivemos, morremos. E somos todos importantes, indivíduos com nome, história, família. Mas, se a visão for macro, a vida é uma recta, um contínuo, um infinito devir em que os que entram e os que saem da cadeia são episódios irrelevantes.

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Mas depois chegou um telefonema e mais os problemas do costume, pedidos, explicações. E eu tive que pedir análises de rentabilidade, contextualizações, essas coisas das quais não se consegue extrair matéria para romances ou poemas. E o ano do pensamento mágico ficou para trás.

A seguir fomos fazer uma brevíssima caminhada. Depois fomos à consulta no hospital veterinário para se confirmar a alta. A pequena fera não queria subir para a mesa de observação, depois rosnou quando sentiu que o termómetro o estava a penetrar, depois não quis mostrar a língua, estrebuchou, deu alguma luta. Mas, felizmente, estava tudo bem. Um alívio e uma grande alegria. Quando o pusemos no chão, ficou numa alegria e até festejou com a veterinária. 

Ainda passámos por casa do meu filho, que ainda não estava mas estavam os meninos com a sua mãe. Tudo recuperado da covid, os meninos bem encarados, a mãe ainda com ar um pouco debilitado, mais magra e tudo.

Chegámos a casa tarde. Claro. Não é essa a história da minha vida? Por um motivo ou por outro, todos os dias há qualquer coisa. E tanto que me apetecia poder estar mais tempo como hoje estive, ao sol, a temperatura amena, os passarinhos a cantarem, eu a ler, o meu amiguinho felpudo ao meu lado, e tudo bem, todos bem, tudo tranquilo, tudo em paz.

(Embora saiba que isto de não chover é uma chatice)

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Pinturas de Paul Klee na companhia de Elisabeth Leonskaja que interpreta de Mozart: Piano Sonata No. 6 in D Major, K. 284: II. Rondeau en polonaise

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Desejo-vos um dia feliz

Paz de espírito. Saúde. Força. Confiança.

segunda-feira, outubro 22, 2018

Cenas da vida, a minha e a de toda a gente, casamentos à primeira vista e à vista de todos e, com vossa licença, um novo passeio in heaven com direito a reportagem vídeo.




Ora bem. O dia foi talvez um pouco atípico e com uma componente inicial de tristeza. Vão partindo aqueles que amamos e que, de alguma forma e, pelo menos em alguns momentos, foram uma presença importante na sua vida. Mas vão chegando novos seres e a nossa família é cada vez mais os que viverão muito para além de nós do que os que chegaram antes de nós. E isto significa que estamos a aproximar-nos da linha da frente. Quando a última das minhas avós morreu, uma amiga da minha mãe abraçou-a e disse isso: 'Agora já somos nós que estamos na linha da frente'. Fez-me impressão isso. No outro dia a minha mãe contou-me que essa sua amiga tinha morrido. Diz-se nestas circunstâncias: é a lei da vida. E é. As gerações vão dando a vez às gerações mais novas.

E eu, talvez porque essa consciência está sempre presente, dou, cada vez mais, mais valor à vida.

Enfim.

Mas a tarde foi descansada. Até dormi um pouco. (Era bom que todos os dias pudesse dormir um bocadinho à tarde. Penso que seria o regime mais adequado ao meu biorritmo).


Agora, depois de afazeres diversos, arrumações, montagem de uma mini-estante para arrumação de brinquedos dos meninos e outras coisas, elas sim, muito típicas na vida doméstica, eis que estou aqui na sala enquanto na televisão passa o primeiro programa do Casados à Primeira Vista.

A minha mãe tinha-me já falado deste programa que se passa noutro país qualquer e que ela costuma ver não sei em que canal, talvez na Sic Mulher. Como não costuma ser de gostos fáceis mas acha graça a este, deixou-me, a mim, curiosa. E, de facto, o programa tem graça. Comecei a pensar que era uma parvoíce e que tinha tudo para ser uma foleirada, cheia de gente esquisita para, ao fim de algum tempo, estar a achar que é preciso coragem para uma pessoa se meter nisto, assumindo publicamente que precisa de ajuda para encontrar um parceiro (que precisa ou que, vá, não rejeita). Faz-me um bocado impressão as pessoas exporem a sua vida a ponto de se casarem perante as câmaras de televisão (e, do que vi no final -- porque, entretanto, já acabou -- também a lua de mel) mas, do que percebi por esta amostra, a coisa passa-se com decoro e sem grandes apelos ao choradinho, pelo que vou dar um bocadinho de benefício da dúvida. Acho que isto já é fruto de tantos anos de reality shows: mesmo que a gente não veja e rejeite liminarmente este tipo de exposição, acaba por já não se escandalizar perante um programa destes.

Mas achei graça à forma como as famílias e os amigos aceitam tão bem uma decisão tão arrojada como esta de alguém se atirar nos braços de um perfeito/a desconhecido/a. E achei graça à forma como aparentemente os pares deste primeiro programa parecem acasalar tão bem. Assim como acho que é preciso nem sei bem o quê -- também coragem? -- para uma pessoa acreditar assim na presciência alheia a ponto de deixar que decidam o seu destino. 


O casal de cinquentões do Porto, então, pareceu-me, a todos os títulos, perfeito. De tal maneira que até os respectivos amigos parecem também feitos uns para os outros. E as famílias também. Tudo parece feito de propósito para se completar -- ou seja, tudo muito inteligentemente escolhido.

Mas os outros casais, do que se viu, também. O surfista e a sua noiva sonhadora e emotiva, o camionista e a sua poderosa instrutora de ginástica. Tudo ali parece encaixar às mil maravilhas. Tem graça, isso.

Até comuniquei ao meu marido que se calhar vou também candidatar-me a ver se arranjo algum melhor que ele. Parece-me uma boa ideia, na volta com resultados inacreditáveis. Não reagiu. 

Mas vou aqui cometer uma indiscrição: ele odeia este género de programas, não condescende, não facilita, aborrece-o até que eu tenha curiosidade. Pois bem, esteve aqui calmamente, sem tentar mudar de canal e, em especial quando o antiquário do Porto chegou à sala e se submeteu ao divertido exame das extraordinárias amigas da noiva, até se riu (em particular quando uma delas, entusiasmada com o charme do noivo, se esqueceu da situação e lhe perguntou se era casado).

Bem.

Neste momento estou a ver na RTP 2 uma bela pianada. Distraí-me e não vi que peça está Elisabeth Leonskaja a tocar. Tão bom. Vou pô-la aqui a tocar para nós.

Agora com esta conversa e a verdade é que estou aqui a pensar que deveria era ir rever a apresentação que amanhã vou fazer e deveria também preparar-me para uma investida que pretendo fazer; mas estou sem disposição porque há situações que prefiro que aconteçam sem preparação, em que preciso da adrenalina da espontaneidade e do acaso. Tenho isto: no que é relevante para mim não deixo que a perfeição de uma performance bem ensaiada diminua o nervosismo de que preciso para sentir que estou a atirar-me às cegas para o meu destino. (Não sei se já vos tinha confessado que não sou boa da cabeça)

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Entretanto, no pouco tempo que ontem tive para estar descansada da vida, in heaven, andei por lá cirandando, respirando o ar cheiroso, ouvindo a música da aragem e dos pássaros e, imagine-se o dispautério, outra vez a filmar. Esforcei-me por, desta vez, não fazer o pino com a máquina para mostrar a altura das árvores, tentei não deslizar rapidamente demais as imagens para não causar tontura e tentei falar mais alto para não parecer que estou a dizer segredinhos ao vosso ouvido. Contudo, como poderão comprovar, não fui lá muito bem sucedida.

Fiz este que aqui partilho e fiz mais uns quantos mas só mais um é que tem um mínimo de préstimo pois em dois ouve-se a roçadora de um vizinho do lado de lá e que, apesar de relativamente longe, naquele silêncio, parece que é ao lado e noutros não sei como manejei a máquina que apareço reflectida nos azulejos, perfeitamente identificável. Portanto, a menos que amanhã ou depois consiga mesmo repescar o outro, a faena não foi famosa.

Bom, chega de desculpa. Bora lá a uma caminhadazinha.

Terceiro passeio in heaven com a Sta UJM


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Conselho: nada de descer até ao fake post que se segue, Rui Rio contrata Cristina Ferreira para Ministra da Cultura do seu Governo sombra. Aquilo ali é tudo mentira.