segunda-feira, janeiro 31, 2011

Jovens alemães problemáticos enviados para Portugal


Criança feliz brinca no jardim

Tenho estado a evitar escrever sobre isto porque não conheço os factos com a profundidade que o assunto mereceria. Talvez que o que eu penso que é uma coisa brutal seja afinal uma coisa normal, benéfica. Mas o assunto tem andado a incomodar-me. Vou escrever com reservas - esperando estar totalmente enganada.

Pelo que ouvi e li nos media, desde há alguns anos as autoridades alemãs enviam para Portugal, para famílias de acolhimento ou para associações, jovens problemáticos. Ouvi falar em já cerca de 300 jovens. Li também que o presidente do Instituto da Segurança Social, Edmundo Martinho, diz que nenhuma dessas associações tem existência legal. Aparentemente são constituidas por pessoas que se associam porque vêem nesta actividade uma forma de ganhar dinheiro, cerca de 3.800 euros por mês por cada jovem.

Além disso, não se trata, ao que parece, de associações ou famílias com preparação para lidar com a delinquência juvenil ou com problemas psicológicos ou neurológicos; nem usam o dinheiro que recebem para garantir que os jovens tenham os cuidados médicos ou apoio psicológico de que necessitam. Algumas dessas pessoas estarão, aliás, também sinalizadas como consumidoras de drogas.

Como se isso não bastasse, as notícias dão conta da grande inadaptação desses miúdos à realidade portuguesa e ao meio específico em que se viram inseridos. Alguns acabam por se entregar, eles também, à droga ou à delinquência; e, pior que tudo, é tanto o seu sofrimento que, pelo menos dois, já terão tentado o suicídio.

Avó ajudando o seu neto a andar num carrinho

Quando o assunto se refere a crianças ou a jovens o meu coração imediatamente entra em red alert. O meu sentimento pessoal vai sempre no sentido da necessidade absoluta de se protegerem aqueles que não pediram para existir e que ainda não têm os recursos íntrinsecos para serem psicologica e socialmente independentes.

Pensar que uma criança não tem pais - ou, na falta deles, outra família - que a cuide, a proteja, a ame, a eduque, a apoie no seu desenvolvimento, enche-me de profunda tristeza.

Mas, enfim, a vida por vezes é assim, desencontra-se de algumas pessoas. E é aí que deve entrar o Estado.

Quando falha o núcleo próximo, as instituições estatais devem zelar por que qualquer criança tenha quem a ampare (no sentido inglês de care, take care). Podem ser instituições sérias, de reputação imaculada (e não como foi, até tempos atrás, a Casa Pia, autêntica agência de lenocínio infantil masculino), poderão ser instituições de tratamento médico se for esse o caso, podem ser até famílias de acolhimento. Pode ser qualquer solução tecnicamente reconhecida como a mais adequada às circunstâncias concretas.

Agora o que o Estado não pode fazer, em meu entender, é 'despachar' as crianças para longe, ver-se livre delas. Não sei se o que a Alemanha faz, é feito também noutros países. Eu nunca ouvi. A palavra deportação é a que me ocorre. Mas nem quero fazer essa associação de ideias.

Agora o que não consigo imaginar é que possa fazer bem a qualquer jovem, problemático ainda por cima, enviá-lo para um país estrangeiro, onde a língua e a cultura são tão diferentes, desenraizá-lo de uma forma tão brutal, deixá-lo à mercê de quem vê nisto apenas uma forma fácil e pouco escrupulosa de ganhar dinheiro (a fazer fé no que a comunicação social tem relatado).

É esta a Alemanha da alta produtividade, do crescimento económico exemplar, que tem nas mãos o futuro da zona euro... e que assim trata, como resíduo tóxico, os seus jovens problemáticos e desprotegidos?

Aperta-se-me o coração por pensar que isto pode acontecer num país desenvolvido; aperta-se-me o coração pensar que se um dia, por cá, uma família nossa tem a infelicidade de se desestruturar e de ter uma criança desenquadrada, o Estado pode pegar nela e despachá-la para um qualquer outro país longínquo, à mercê de gente que não a vai amar nem proteger...

Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser!


Mãe levando o seu filho ao colo

Uma sociedade não poderá ser considerada desenvolvida se não garantir que todos os filhos possam ter um colo que os acolha, uma voz que os acalme, uma mão que os acaricie.

Mesmo que o colo, a voz, a mão não sejam as de sua mãe.

Momentos de beleza

Hoje.


Entardecer com muita beleza

Tapetes de Arraiolos modernos (desenho livre) - e que lãs se usam

Porque há uma entrada permanente neste blogue para procurar Tapete de Arraiolos, tenho todo o gosto em continuar a partilhar convosco alguns dos tapetes que tenho feito.

Começo por responder a questões relativas a lãs que são também frequentes. Eu compro-as em lojas normais que vendem lãs. Não existem estas lojas nos centros comerciais mas existem na baixa das cidades, onde ainda se encontra algum comércio tradicional. Por vezes algumas retrosarias também vendem lãs e bases para tapetes de Arraiolos. 

Tanto compro em meadas como em novelos. Têm que ser lãs próprias para o efeito, com tratamento anti-traça e tem que se verificar se a lã que se traz da mesma cor é da mesma tintura pois, se forem de lotes diferentes, podem ter tons diferentes.

Os tapetes que hoje mostro são uns tapetões (2 m x 1,3 m) que tenho numa salinha onde vemos televisão,  e estão junto aos sofás, com puffs de várias cores que se usam como assento ou como descansa-pés. São uns tapetes que fui fazendo, inspirando-me na pintura de Rothko (pintura que aprecio muito, tal como que já referi muitas vezes neste blogue).

À esquerda a banqueta de tecido amarelo ocre 

À esquerda a banqueta cujas cores mais ou menos inspiraram o tapetão


Uma vez que neste blogue há mais uma meia dúzia de posts sobre Tapete de Arraiolos, caso haja interesse, sugiro que, na tabela de temas no lado esquerdo do écran ou em cima no campo de pesquisa, procure os outros onde mostro mais modelos.

Qualquer questão, disponham.

domingo, janeiro 30, 2011

Sophia, Afonso Duarte e Aquilino - natureza, vida e morte e as palavras de que nos alimentamos

Da Magnólia, leitora de Um Jeito Manso, e com a sua devida autorização - e porque me revejo nas suas palavras - permito-me transcrever o seu comentário sobre o meu post sobre Sophia de Mello Breyner Andresen e sobre a nobre e generosa doação à Biblioteca Nacional do seu espólio por parte dos filhos.

"Há pessoas que não deveriam morrer. E essas, mesmo morrendo, não desaparecem da nossa vida. Apenas muda a sua maneira de ‘aparecer’: deixamos de as ver fisicamente, e passam a estar connosco de uma forma ainda mais íntima. Acontece com aqueles que amamos e nos amaram. E, estranhamente, acontece com aqueles que apreciamos, e que, mesmo sem nos terem conhecido, ajudaram a formatar uma grande parte do nosso verdadeiro ‘eu’. Sinto isso com a Sophia. Através dos livros que li desde que me lembro de saber ler, posso dizer que cresci com ela. Às vezes dou comigo a ‘repeti-la’, já sem saber se, sem ela, eu seria capaz de me expressar assim ou, mais do que isso, sem saber se, sem a ter lido, eu pensaria daquela maneira…

Canteiro forrado de azulejos com poema de Sophia 

E a dita ‘formatação’ lançou em mim raízes ainda mais profundas - porque telúricas e que estão na origem da minha pequena mata de ‘pinheiros, tílias, abetos e carvalhos’, árvores que povoavam o meu imaginário desde que, em miúda, li o Cavaleiro da Dinamarca, e que ao longo da minha vida, tornei reais, palpáveis e… minhas.

Pinheiro grande, já independente


Pinheirinho pequenino, ainda de fralda

Porque ao plantá-las e acariciá-las (agora que vão sendo grandes e independentes), vou inevitavelmente reflectindo sobre a vida – a delas e a minha, acode-me ao pensamento muitas vezes, aquele soneto ‘Rosas e Cantigas’ de Afonso Duarte, que me permito lembrar aqui:

‘Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosa here in heaven
Rosas? - Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.’


E confesso que, nesses pensamentos, se mistura a dúvida do nosso Aquilino, que, em momentos de maior fragilidade, faço minha: 

‘A Primavera, tantas vezes rebelde ao calendário, rejuvenesce tudo menos o homem. As leis da ciclicidade fisíca assim o mandam. Para o ano, por esta altura, voltarão as aves a cantar. Que chova, que faça um sol radioso, com o mundo vegetal pletórico de seiva, ou mais aganado, à triste planta humana é que nada a afasta da sua carreira para a morte. Será ela a obra prima da Criação ou a pior de todas’?

Musgo dourado, viçoso, prenuncia a vinda da Primavera

São estes todos – Aquilinos e Sophias, etc, que nunca vão desaparecer do nosso mundo, porque estão aconchegadinhos dentro de nós...

Foi notável o gesto dos filhos da Sophia de Mello Breyner: dignificaram-se e honraram-na como escritora e como Mãe."

Escrito por: Magnólia
Fotografias minhas de hoje, here in heaven

sábado, janeiro 29, 2011

Tenho Lisboa à minha janela

Hoje de manhã lá estava ela. Como se fosse uma gaivota. Às vezes tenho gaivotas na minha varanda (já aqui contei aquela vez em que uma ficou lá presa). São lindas as gaivotas. E Lisboa. Seja ao amanhecer, seja ao entardecer, esteja nevoeiro ou um sol intenso, está sempre linda esta minha Lisboa que me aparece à janela, espreitando aqui para dentro.

E eu, que não me canso de a ver, tirei-lhe esta fotografia.

Lisboa, suave, tal como hoje de manhã se apresentava

PS: Afinal ainda não encontrei o Almocreve das Palavras à venda. Mas desforrei-me. Falta-me é tempo para ler tudo o que gostaria de poder ler, com vagar - à lareira no inverno *, à sombra no verão.

Ultimamente tenho menos apetência por ficção, interesso-me mais por ensaio, ou crónicas (ando a ler as do João Bénard e ando deliciada) ou correspondência entre gente com interesse, ou livros de entrevistas, ou diários mesmo que não sejam diários. E poesia, claro.

Descobri o mês passado o poeta pintor Emerenciano e estou a gostar. No Ginjal e Lisboa, a love affair coloquei ontem um poema que vos convido a ler. Na véspera tinha colocado um do Pedro Mexia a que achei um piadão. Escolhi uma fotografia que tinha tirado a semana passada que penso que ilustra bem a situação ali descrita: uma mulher a embarcar, virando as costas à eternidade.

A vida, meus amigos, não é maçadora. Convém, de facto, é que se tenham alguns recursos intrínsecos para o poder perceber. 


(*) Na versão original deste post, em vez de inverno, apareceu inferno. Lapso terrível. Escrevo tarde e más horas e, quando acabo, geralmente já com sono, não me dou ao cuidado de uma revisão cuidadosa pelo que só dou pelos erros quando mos referem. Quando fui avisada, vim logo a correr alterar este até porque a frase ficava redundante (para quê uma lareira no inferno? Não é suposto o inferno estar, todo ele, em chamas?)

sexta-feira, janeiro 28, 2011

Um filme revelador de Iris Berardi, a mais recente namoradinha de Silvio Berlusconi

Não me interpretem mal. Acho que Silvio Berlusconi ser primeiro ministro de um país como Itália é de opereta, tal como aconteceu, por exemplo, com Ronald Reagan ao ter sido presidente dos EUA. Inimaginável e ilustrativo do estado de degenaração a que a democracia pode chegar.


Silvio é prepotente e usa os meios de comunicação social que controla para manipular a opinião pública e é demagogo e é pouco polido e talvez mais mil razões para não se perceber como chegou ao lugar e, sobretudo, como lá consegue manter-se (e já nem falo das acusações de corrupção ou da incompetência).

Mas tem carisma, sentido de humor, tem reacções que o tornam próximo do italiano classe baixa e o facto é que a maioria dos votantes o voltariam a escolher, se fosse a votos. Acho-o um personagem óptimo para uma british com.

Dito isto, gostaria de ser sincera mesmo que política e socialmente incorrecta. Eu percebo que a ex-mulher de Berlusconi tivesse que dizer basta pois as aventuras do marido eram já demais e, sobretudo, demasiado públicas. Não apenas nomeia para cargos públicos mulheres que seduziu ou gostaria de seduzir como começaram a ser divulgadas as festas de sexo e álcool, de desbunda e excesso, que envolvem prostitutas e, pior que isso, menores.

E oferece colares, apartamentos e outros presentes a meninas e faz de tudo o que é suposto não fazer. E, ainda por cima, aparece, cheio de base, maquilhado, e a rir, gozão.

Claro que não vou dizer que acho extraordinário que o sexo seja comprado, que acho inofensivo que homens ditos poderosos levem jovens para festas em que o álcool, a droga e o sexo são entretenimentos banalizados, claro que não. Ao saber o que se passa naquelas fantásticas e luxuosas villas, parece que voltamos aos tempos da Roma decadente em que a luxúria escorria livremente apadrinhada por Baco.

Tudo o que é mocinha chegada do Brasil, de Marrocos e de outros países que exportam carne fresca, se for bonitinha e extrovertida, ambiciosa e aspirante a modelo ou a actriz, deve fazer de tudo para se aproximar de alguém que conheça o Condottiero, o Senhor que abre todas as portas – sejam elas as portas de agências de moda, de estúdios de gravação, do parlamento.

(A outro nível e com outro tipo de protagonistas, estamos perante uma outra versão da história Renato Seabra e Carlos Castro. Mas sem a carga de culpabilização e de conflitos interiores de Renato e sem a carga de paixão obsessiva e possessiva de Carlos Castro).

As meninas podem ter 17 anos mas, em termos de ser crime um adulto ter sexo com alguém de 17 anos (rapaz ou rapariga) isso já me parece, hoje, uma coisa do passado. Hoje já não há virgens aos 17 anos. Para quem não lide de perto com jovens, basta ver as reportagens de televisão. Claro que se pode dizer que, dada a diferença de idades, o adulto pode estar a coagir psicologicamente o jovem. Mas também pode não estar. Podem apenas estar ambos a aproveitar o que o outro quer dar. Olhemos as meninas de quem se fala, no que ao Berlusconi se refere: têm corpo de mulheres e têm com certeza mais experiência sexual que muitas mulheres de 50, não são meninas saídas de colégio de freiras ou do coro da igreja.

Claro, "mas têm 17 anos! E aos 17 anos ainda não há maturidade". Claro. E é essa imaturidade, associada ao deslumbramento dos meios onde dinheiro e sexo andam a par, é essa ilusão que toma conta da vida que, por vezes, conduz a situações de fractura psicológica. Mas isso deve ser visto numa perspectiva mais global, numa vertente mais sociológica e menos moralista.

Por exemplo, quando se ouve censurar o Berlusconi por ter sexo com raparigas que nem adultas são - e, agora, falando da realidade portuguesa - interrogo-me: e as meninas de 12, 13 e 14 que, com o consentimento dos pais!, andam alcoolizadas no Bairro Alto à noite? Que falam com naturalidade das pastilhas, dos shots e da confiança que os pais têm nelas? Que descrevem como os pais e as mães confiam e as deixam chegar a casa às 6 da manhã? Que andam com dinheiro no bolso que chega para começarem à tarde com cerveja no Campo Pequeno e continuarem, noite fora, com vodka e shots no Bairro Alto? Que praticam sexo sem que se lembrem bem do que aconteceu na manhã seguinte?

E têm 14 anos ou menos!

Porquê, então, tanto moralismo, nestas mesmas pessoas, com as 'meninas' de 17 anos a quem Berlusconi oferece colares? Prostitutas imigrantes ou meninas cujas mães as oferecem? Teve sexo com elas? Olhem, meus caros: não fico nada chocada com isso. Vejam a menina Iris Berardi. Parece-me uma mulher feita e certamente não seria uma virgenzinha pura e inocente antes de passar pelos braços de Berlusconi. Não creio que tivesse sido coagida. Win-Win: ganha ela, ganha ele. Ele, um homem libidinoso, com poucos escrúpulos, elas, jovens cuja educação ou condição social não condena esta forma de ascensão social.

Mil coisas piores são socialmente aceites perante a passividade de todos.

Para começar: olhe-se para os nossos meninos que passam dias e noites no facebook (que, no caso dos jovens, pode traduzir-se numa aberração comportamental, numa preversão emocional), olhe-se para a iliteracia dos jovens que não leêm, que quase não sabem falar nem escrever, que bebem desalmadamente destruindo os fígados e os cérebros, que têm sexo sem saberem antes o significado do amor, que dizem 'ando' e querem dizer que andam a fazer sexo, que com a maior das naturalidades falam das curtes de uma tarde. E tudo sob a 'confiança' dos pais que compram o seu alheamento da vida dos filhos com dinheiro que chega e sobra para que estes se entretenham sem os maçarem.

Olhe-se para isso que está bem próximo de nós antes de se agitar a espada do moralismo contra esse doido excessivo que é o Berlusconi.

Acordar e ver um navio sobre um telhado e depois ouvir sobre o Almocreve das Palavras de Henrique Segurado

De manhã gosto de ir à janela e todos os dias há "matéria de facto" para registo. Claro que geralmente tenho a decência de poupar os meus caros leitores a essas minhas visões diárias. Mas às vezes não resisto.

Para ser rigorosa na descrição da imagem abaixo dava-me jeito a diferença entre os british "on" e "above" porque o navio que aqui vemos claro que não está assente no telhado. Mas parece pairar sobre ele.

O que eu gosto de fotografar o rio tal como o avisto da minha janela...

O Tejo ao amanhecer: navios pairando num céu imenso
À ida para o trabalho ia ouvindo a Antena 2, onde se entrevistava Henrique Segurado àcerca do lançamento de Almocreve das Palavras livro de poesia, ilustrado pelo genro, o escultor Rui Sanches, e editado pela Joana Varela. Gostei tanto de ouvir. A sabedoria, a simplicidade, a graça, a franqueza de Henrique Segurado são cativantes. Jornalista no Século, administrador de O Jornal, livreiro (quantas e quantas horas passei na simpatiquíssima livraria Castil), não sabia que era poeta. Mas é. Ao longo de toda a vida tem escrito poemas que ia guardando. Aparecem agora, neste livro, os poemas de 1969 a 1989. A julgar pelo que ouvi na Antena 2, gosto. A ver se daqui a nada adquiro o livro.

Disse atrás laconicamente 'gosto' porque foi pouco o que ouvi mas confesso-vos que, ao volante, hoje de manhã - e bem feliz depois de ver o navio pairando no Tejo - um poema em particular me fez ficar arrepiada e com lágrimas nos olhos, um poema sobre amigos que estão longe.

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Sophia


Eu estava na praia de Vale do Lobo e via-a a passear à beira de água com o marido, Francisco Sousa Tavares (por vezes também com um dos filhos), quase sempre assim, com um lenço apanhado atrás. Frequentemente puxava para baixo o fato de banho e ficava com os seios à mostra, passeando tranquilamente, os pés na água, entrando, mergulhando, seguindo, feliz, radiosa. Por vezes rodopiava, parecia dançar. Eu via-a encantada: a poesia dela sempre me tocou de forma muito especial.

As suas palavras, que eu conhecia dos livros, continham a emoção primordial, a luz, a água, os sons, os sentimentos descritos de forma palpável. Eu era pouco mais que uma menina e via perto de mim a mulher que me fazia amar tanto as palavras. E via-a perto da água ou sentada ou deitada na areia, ou a olhar o céu, a luz e, ao vê-la, sentia que ela via o mundo através dessa luz que lhe iluminava as palavras.

As suas palavras acompanham-me, pois, desde sempre. Quando a ouço - e esta manhã, no carro, ouvi excertos de gravações em que a sua voz, límpida, diz as suas poesias - é aquela toada, que parece soprada pelos anjos, que sempre ecoa dentro de mim.

Sophia a poeta e a diseuse.

E, por isso, tive necessidade de materializar as suas palavras. Agora não apenas as ouço como as vejo, as toco. 


 Este é o amor das palavras demoradas
moradas habitadas
Nelas mora
em memória e demora
o nosso breve encontro com a vida



Pudesse eu não ter laços nem limites
ó vida de mil faces transbordantes
pra poder responder aos teus convites
suspensos na surpresa dos instantes

Hoje a família de Sophia de Mello Breyner Andresen doou - ou melhor, ofereceu - o seu espólio, devidamente inventariado, catalogado, arquivado, ao longo de anos pela sua filha, a também poeta Maria Andresen, à Biblioteca Nacional. 'Aos seus leitores, a sua obra' como referiu o filho Miguel Sousa Tavares. É um gesto nobre que dignifica os filhos, é um gesto despojado, grande, que honra a memória de sua mãe.

Ouvi as palavras de Maria, chorando enquanto falava. Durante anos foi a sua ocupação: ler os papéis de Sophia, ler os cadernos, as cartas, os diários - e assim se foi aproximando ainda mais da mãe, conhecendo a sua alma, desvendando os seus segredos, a sua intimidade.

Imagino como agora lhe custe pegar em tudo e oferecer tudo isto que foi a sua vida nos últimos anos, que é a recordação material e viva da sua mãe. Mas imagino também que se orgulhe do seu próprio gesto pois sabe, certamente, que a sua mãe se orgulharia dela e dos seus irmãos pela infinita generosidade de que hoje deram provas.


Quando penso em Sophia, imagino-a assim: abençoada, sentada a ver o mar, num céu cheio de luz, a sombra de uma cedro a perfumar o ar, um pássaro de longas asas atravessando o espaço imenso que a envolve.

Sophia, menina do mar, princesa das palavras.

quarta-feira, janeiro 26, 2011

Despojos: a irrelevância do que se tem - e o carinho que sinto por esses objectos que alguém, um dia, amou

Durante algum tempo trabalhei perto de um senhor de idade que tinha uma pequena loja de velharias. Não era um antiquário: não, era mesmo aquilo a que se chama ferro-velho. A loja era pequena e escura, cheirava a mofo, e lá dentro mal se podia andar: cadeiras ao monte, candeeiros no chão, gavetas em cima umas das outras cheias de tralha. Uma confusão. Mas o que eu gostava de por ali andar...

Comprei lá algumas coisas mas era sempre uma odisseia: o senhor nunca sabia o preço; procurava papéis em gavetas, em molhos de papéis sujos, tentando saber quando tinha dado pelas peças e, depois de muito revolver, invariavelmente, fazia um preço a olho.

Uma das coisas que lá comprei foi o espelho abaixo, que acho muito bonito, lacado, em verde-água. Em que casa terá ele estado antes? Alguém o escolheu, alguém o colocou numa parede, centrando-o, harmonioso no contexto em que se inseria, um quarto talvez ou uma sala, talvez sobre uma lareira - e alguém, antes de mim, se viu nele.


Numa outra vez descobri umas gavetas ainda com objectos pessoais. O senhor explicou-me que acontece muito, os herdeiros não têm onde colocar as coisas, não têm tempo nem paciência para estar a escolher esses restos de uma vida, nada daquilo lhes diz o que quer que seja. E, então, desfazem-se das coisas de qualquer maneira.

Nesse dia trouxe uma caixinha muito bonita, metálica, com um recorte na tampa e um baralho de cartas lá dentro.

Mas trouxe uma outra preciosidade, um leque de madeira.

O meu leque com uma fitinha de cetim encarnado

Nas pequenas tabuinhas estão desenhos, dedicatórias, poemas, em português, francês, alemão e italiano.

Vejo que a dona era uma senhora que usou este leque entre 1891 e 1892 e que andou entre Matosinhos e Lisboa.  

Vejo nomes em diferentes caligrafias, algumas parecem assinaturas, outras simples identificações: Francisco de Paula Ferreira e Mendes(?), Th. Gautier, A. de Musset, Adelaide Cecília - não consigo perceber algumas palavras.

Pela repetição do nome e pela forma como aparece caligrafado junto aos pequenos desenhos, sou levada a deduzir que este meu estimado leque terá pertencido a E. de Labourdonnay Roque.

Gostava de saber como era esta mulher. Terá escondido parte do rosto, em jogos de sedução? Quando passeava entre Mattosinhos e Lisbonne (tal como vejo nas dedicatórias), pediria aos seus amigos e admiradores para lhe escreverem um poema?

Nas tardes de verão, sentada no fresco do salão, pintava flores mimosas, delicadas libelinhas e provavelmente abanava-se prazenteira e sorria, lendo os versos que os amigos ali tinham escrito, com gentil caligrafia, com elegantes canetas de aparo.

Mas é isto: tal como o homem mais importante do mundo, que ao ressuscitar 7 dias depois de ter morrido, não consegue arranjar emprego nem como porteiro (Brecht dixit), também os bens mais queridos, mais valiosos, que justificaram toda uma existência, perdem toda a importância no dia que se segue ao desaparecimento do seu dono.

E é assim que estes objectos tão pessoais - o leque que uma mulher encostou aos seios, ao rosto, o espelho em que se mirou, revolteando vaidosa - acabaram no chão sujo de uma loja escura. Felizmente consegui resgatá-los e hoje mantenho-os com carinho, como uma forma de manter viva a memória de alguém que viveu um século antes de mim, alguém de quem nada sei.

Nesses tempos longínquos E. de Labourdonnay (Elisa?, Elizabeth?) leu várias vezes o que, um dia, alguém lhe escreveu: "Aimer c'est comprendre le bonheur/ Etre aimé, c'est le posséder".

Assim a imagino: bela, feliz, coquette, culta, inteligente, amada, eticamente decente.

E, por ela, mantenho bem resguardado o seu leque que, de vez em quando, seguro entre as minhas mãos.

terça-feira, janeiro 25, 2011

Hortas no meio do asfalto - as hortas urbanas em Lisboa

Proliferam as hortas urbanas em Lisboa
Não é da horta da fotografia que vou falar que essa até é fácil de perceber pois está num terreno baldio junto a prédios. Quero é falar das hortas que nascem nos pequenos bocados de terra que se encontram junto à 2ª Circular, ao IC19, à CRIL, sobretudo naquele novo nó que tem vários viadutos, planos inclinados, e nenhuns acessos pedestres.

Não percebi ainda como é que as pessoas para lá vão pois os carros circulam permanentemente e a velocidade considerável. Não se pode parar o carro nem há transportes públicos com paragens (como é óbvio pois são vias de circulação rápida).

Pois bem, apesar disso, quando ali passo, vejo sempre pessoas a cavar, a plantar, a mondar as ervas daninhas. Parece que estamos no campo e, afinal, estamos em pleno coração do asfalto lisboeta, na zona talvez de trânsito mais intenso.

E que belos favais, verdes, viçosos, que belas couves portuguesas, grandes, que gosto que é ver estas belas hortas. Tenho pena de não poder tirar nenhuma fotografia, que pena não poder ir lá falar com aquelas pessoas (irão a pé de muito longe, arriscando-se a atravessar as estradas no meio daquele mar de carros? Só pode...).

Imagino o orgulho que terão nas suas belas hortas! E que bela ajuda que deve ser no orçamento familiar!

Tapetes de Arraiolos, hoje apenas modelos clássicos

Recebo sempre muitas visitas no Um jeito Manso e até alguns mails querendo conhecer modelos e querendo saber se sou eu que os faço. Claro que sou, mas apenas para uso próprio. A minha profissão não tem nada a ver com isso... e felizmente porque não me daria muito bem... Os modelos clássicos que faço baseiam-se em desenhos complexos que requerem muita atenção, que levam imenso tempo e dificilmente me poderiam pagar o valor justo.

Mas é um prazer enorme fazer estes tapetes, descanso a cabeça e, simultaneamente, é uma grande fonte de motivação.

Hoje vou mostrar o primeiro que fiz, um pequeno tapete de corredor, ainda com algumas deficiências a nível da pureza do preceito. Mas, enfim, foi o primeiro e, após vários anos, ainda está como novo.


A fotografia saíu-me um bocado torta mas acho que dá para ver o desenho
A seguir mostro um dos que coloco nos meus tops: deu-me imenso trabalho, tanto desenho miúdo, tanta cor, tanto matiz (rebordo de uma cor, sombra interior de outra cor, recheio de outra)... Levou-me muito tempo. Depois, como é relativamente grande (cerca de 2,60 por 1,70), no verão mal conseguia aguentá-lo, tal era o calor que me fazia (aliás, nisto, o verão é sempre um problema).

O modelo é uma adaptação do original, atribuível ao século XVII que se encontra no Museu Victoria e Alberto em Londres.

Parte da barra, interior e centro de carpete de modelo clássico, sec XVII

Uma vez mais, manifesto a minha disponibilidade para responder às vossas questões: um dia falarei também das franjas, de como lavar em casa tapetes de Arraiolos, etc.

Quando ele é outro; quando nós somos o outro

Há uma pessoa que eu detesto desde que a vi aparecer na televisão. Incomodava-me sem motivo aparente. Mal o via, já eu estava a protestar. Perguntavam-me que embirração era aquela e eu não sabia explicar. Era a voz, era a cara, os gestos, tudo aquilo me parecia ter um ar de falso.

Um dia, há algum tempo, ia eu a descer umas escadas num local público e vinha ele a subir. Quando me viu teve aquela reacção de quem vê alguém conhecido. Não sei se eu tive a mesma reação, penso que não mas pode ter acontecido, dado que eu estava fartíssima de o ver na televisão - antes por motivos normais, depois pelos piores motivos.

Mas ele subiu na minha direcção, sorrindo e cumprimentando-me com à vontade, 'Olá, está boa?'. Fiquei sem reacção. Ele sorria, dizendo-me que não tinha logo falado porque não tinha reparado. Sorria esperando que eu retribuísse mas eu nada, estupefacta. Depois continuei a descer as escadas sem desfazer o equívoco, sem ser capaz de dizer nada, gelada.

Quem me acompanhava, ficou ainda mais admirado: 'Mas então, afinal, conhecem-se?'. Que não, que nunca antes o tinha visto ao vivo. Mas a reacção do outro ali à minha frente a falar comigo como quem fala com alguém que conhecia bem, desencadeou muitas dúvidas, 'Pois não parece'. Pois não, nem a mim. Fiquei a pensar se já o teria antes conhecido em qualquer circunstância de que me tivesse esquecido depois mas não me parece. Não percebi e ainda hoje continuo a não perceber. Quem é que ele pensou que eu era? Olhou para mim e viu uma outra. Uma sensação estranha.

Ao vivo é como o imaginava quando o via na televisão: aparentemente afável, amável, simples. No entanto, voltou a desencadear em mim a mesma inexplicável rejeição, uma profunda rejeição.

Sou leitora omnívora e no outro dia comprei o livro de um ex-casapiano que descreve a sua vida (tão triste) e como o abandono a que a família o sentenciou o tornou frágil, presa fácil. No livro ele conta o que, durante anos, se passou na Casa Pia, se passou com ele, os passeios de carro, a casa das Forças Armadas, a casa de Elvas, os abusos, o nojo, as dores, a vergonha, os medos, os silêncios.


Pois bem, aí ele conta como, de todos os que o violaram, o que mais o marcou era esta pessoa que sempre me incomodou e que naquele dia se dirigiu a mim, me cumprimentou, parou à minha frente, sorrindo, simpático.

Nem todos os monstros têm cara de monstros, nem todos aqueles que albergam demónios dentro de si têm ar demoníaco. Não. Pode conviver-se uma vida inteira com eles e nunca perceber que lá dentro há um outro.

Poderá o mesmo acontecer connosco?

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PS: Todo este caso é uma vergonha, seja sob que prisma o olhemos. Como se não bastasse toda a confusão que o rodeou, os recursos, o arrastar no tempo, a infâmia, aparece agora Carlos Silvino, o célebre Bibi, dizendo que tudo o que disse até aqui era mentira, que estava drogado quando fez as confissões. Despediu o advogado e, surpresa das surpresas, aparece a dar o dito por não dito. Nos dois livros que li com depoimentos de alunos abusados, aparece descrito com um detalhe difícil de imaginar como ficcionado, tudo o que se passou envolvendo o ex-motorista e intermediário da rede pedófila. Custa a acreditar que os miúdos tivessem inventado tudo, que as versões de todos fossem consonantes e que todos os investigadores e juízes se tivessem equivocado. Que coisa!

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Volto a este post, em Junho. A semana passada, no Expresso, Clara Ferreira Alves entrevistou Ricardo Sá Fernandes, advogado de Carlos Cruz no processo Casa Pia.

Diz ele, com absoluta convicção, que aposta toda a sua carreira na inocência dos nomes que foram a julgamento. Diz também que o caso da pessoa acima referida é outro em que não havia sustentação possível. E eu interrogo-me sobre se tal é possível num país civilizado. Poderá ter acontecido que, por alguma macabra razão, tudo não tenha passado de uma tremenda encenação (a mando de quem?) para incriminar algumas pessoas? Mas que as crianças foram abusadas, isso foi provado. Então por quem? Onde estão? Porque não foram acusados?

Em contrapartida, poderá ser possível que se tenha destruído a honorabilidade e a vida de pessoas, acusando-as de crimes que jamais cometeram? Que jamais cometeriam?

Em relação à pessoa em concreto que refiro acimo, posso ter sido imperdoavelmente preconceituosa?

Penso nisso e sinto-me excessivamente mal. O assunto Casa Pia incomodou-me sempre demais. Custa-me pensar em crianças que se são abandonadas pela família, que se sentem um fardo, mal-amadas, entregues ao Estado, e que seja o próprio Estado a não zelar para que tenham o carinho que lhes faltou em casa. E custa-me a pensar que alguns homens, de comportamente animalesco, busquem o prazer violando justamente essas crianças. O meu sentido maternal ressente-se, revolve-se, fico muito incomodada.

Mas eu, que geralmente, sou tão cuidadosa não me deixando levar na onda da comoção pública, não embarcando em julgamentos apriorísticos, posso ter sido, neste caso, vítima da onda de fundo que se gerou na sociedade condenando toda a gente que as crianças incriminaram?

Se assim foi, posso eu também ter pensado de forma monstruosa? É que não deve haver também monstruosidade maior do que um inocente ver-se enlameado por um crime que não praticou e que é dos mais socialmente insuportáveis. Se assim foi, imagino o que deve ter sido a vida destas pessoas, a insuportável vida destas pessoas.

Nesse caso, se com o que escrevi sobre este tema fiz sofrer alguém, as minhas muito sentidas desculpas.

O intelectual distraído

Tempus Fugit

A vida através da obra dos outros (dos livros, dos filmes)

Amanhecer a ver o Tejo e Lisboa (e outra mudança de look)

Hoje quando acordei fui à janela. 

Sobre a margem sul, do lado do Seixal, o Sol levantava-se sobre o Tejo, por entre as nuvens neste dia gelado.

Os barcos rápidos trazem as pessoas que vêm trabalhar na capital


Lisboa ainda se encontrava adormecida, as luzes da noite ainda acesas.
Lisboa a oriente, o Tejo tranquilo

Fico logo feliz.

E hoje resolvi mudar outra vez o look do Um Jeito Manso. Desde que o criei, já lá deve ir meio ano, já mudei várias vezes. Não tenho paciência para rotinas, gosto de mudar. Só que tenho pouco tempo disponível para estas operações demoradas. Hoje já vou para aí na 3ª versão e agora fica assim, depois logo dou um jeito.

PS: As imagens estão a sair com um contorno 'marado' mas não me apetece agora perder mais tempo com isto.

segunda-feira, janeiro 24, 2011

Gaivotas numa dança feliz sobre as ondas do Tejo e Lisboa lindíssima

Mas há coisas boas.

Passear junto ao Tejo, que hoje estava bravo, denso, sentir a maresia, observar o voo das gaivotas que hoje, com a espuma das ondas, brincavam, dançavam, felizes, rodopiavam, subiam, desciam, leves, elegantes, lindas.  

Este domingo, com um frio antárctico.

E Lisboa?

Belíssima.

Feminina, sumptuosa, rosada debaixo de um frio cortante. 

Tudo tão bonito. Que felizes somos por podermos viver dentro de tão magníficos cenários.

O cacilheiro, intrépido, lá vai vencendo a ondulação

domingo, janeiro 23, 2011

Cavaco Silva: mais do mesmo. E o rescaldo e os festejos de uma eleição.

Neste momento em que é certo que Aníbal Cavaco Siva foi reeleito e que, na televisão, o vejo ressabiado, quase vingativo, quase desagradável, a agradecer a vitória a todos, mas em especial à sua senhora (a quem ele sustenta, como fez questão de dizer durante a campanha eleitoral), anunciando um segundo mandato sem chama, sem uma ideia que revele algum sentido de modernidade, não tenho para já mais nada a dizer senão que tenho pena que não tenha aparecido um candidato capaz de mobilizar a população.

Uma abstenção enorme - que mostra bem o desinteresse e o desapontamento que as pessoas sentem perante tão triste panorama - é, para mim, o dado mais marcante destas eleições.

Um centro/esquerda pulverizado por vários candidatos que, em conjunto, se uniram (ainda que sem o combinarem - porque não são suficientemente hábeis nem para isso) para dizer mal do Governo, deu nisto. Por ausência de alternativa, Cavaco, no seu provincianismo, falta de sentido de democracia, arrogante e com um historial recente (relativo a investimentos e a amizades) muito pouco abonatório, lá conseguiu ganhar. À tangente mas ganhou.

Manuel Alegre e Louçã (a cara num esgar) mostraram há pouco que estão a saborear o sabor amargo da derrota em toda a linha, enquanto Fernando Nobre feliz, rejubilante, com a Margarida Pinto Correia atrás, completamente babada, deliciada e embeiçada, Luís Osório, o Luís Represas e outros festejaram não percebi o quê.

Os confundidos senhores cinzentos do PCP lá apareceram a fazer o número do costume, certamente felizes por terem garantido mais 5 anos de Cavaco em Belém. Dá-lhes sempre muito jeitinho ter um adversário para garantirem que têm clientela nas manifestações e greve.

Bem, apesar de tudo, estiveram Defensor de Moura e o impagável contra-poder Coelho que conseguiu um inimaginável resultado na Madeira, quase 40%. Mostraram realismo no que disseram e foram dignos nas suas conclusões.

(Ouvi censurar Defensor de Moura porque não deu os parabéns ao vencedor e relembrou as acusações feitas durante a campanha. Mas para que havia ele de ser hipócrita? Para ser politicamente correcto?)

Mas, em síntese: 'um fraco rei faz fraca a forte gente' e com este fraco nível político não admira que o País esteja como está.

No entanto, como tristezas não pagam dívidas, aqui vos deixo um filme de festejos de eleições. Já há tempos aqui o coloquei e hoje a ele retomo. Não tem nada a ver com o  reeleito e requentado Presidente da República, até porque trata de eleições para primeiro-ministro. Lamento, pois, mas não tenho para vos mostrar as comemorações de Cavaco Silva: não é Aníbal e Nunes Liberato que aqui aparecem felizes e festejantes. Nada a ver. Apenas um filmezinho para nos divertirmos. Little Britain, com Sebastian and the Prime Minister.




PS: Inadmissível e desmazelada a questão dos cadernos eleitorais, das mesas de voto. Não dá para entender.

O (des)equilíbrio, a longa entrevista de Pedro Mexia à Alice, a casa de David Mourão-Ferreira, "toda a glória do mundo não vale uma noite de amor" (Eugénio de Andrade) e um vídeo de 3 jovens que vale a pena ver - e daqui a nada, apesar de não nos revermos em nenhum, talvez devamos ir votar

Nós temos cinco sentidos:

são dois pares e meio de asas.

- Como quereis o equilíbrio?


A poucas horas de se iniciar o período de votação e não querendo pensar na triste campanha para as presidenciais, lembrei-me deste pequeno poema de David Mourão-Ferreira.

Hoje estive a ver um livro que tenho cá em casa há bastante tempo, Casas d'Escritas (Paula de Oliveira Ribeiro com fotografia de João Francisco Vilhena). Nisto sou como o "pessimista romântico" Pedro Mexia (tal como ele refere na loooooonga e interessante entrevista à Alice): tenho o gostinho voyeur de querer saber como é a casa dos escritores ou pintores (e também de lhes conhecer os hábitos, os gostos, os pensamentos).

A casa de David Mourão-Ferreira era requintada, condizia muito bem com ele, com a sua voz quente e sedutora, com a riqueza da sua escrita. Um homem de família e, simultaneamente, um conquistador. A sua vivência multifacetada espelha-se na sua prosa e na sua poesia.

Havia um programa de televisão em que declamava poesia (ou ele ou outras pessoas) e em que convidava escritores. (Havia também um outro programa com o Fernando Assis Pacheco). Não sei qual deles fez um programa com Eugénio de Andrade. Lembro-me que lhe perguntavam como se sentia por ter a sua poesia traduzida em tantas línguas, por ser tão conhecido. Eugénio respondeu parafraseando um outro escritor: "Toda a glória do mundo não vale uma noite de amor". Nunca mais me esqueci.

Casa de David Mourão-Ferreira

Lembrei-me de procurar no YouTube o que há de David Mourão-Ferreira e dei com este vídeo que me tocou. É um trabalho escolar da disciplina de Português, não sei de que ano, da Escola Secundária D. Filipa de Lencastre. Os alunos autores são a Beatriz Chaveiro, a Joana Vaz e o Tomás Silva.

O texto que o acompanha reza assim:

"Trabalho proposto pela nossa professora de Português, Isabel Pinheiro. A ideia era analisar um poema e interpretá-lo com a ajuda de um vídeo, teatro, música, etc.

A nossa idea para este projecto era mostrar um lado bom da sociedade, como aquele que todos desejamos. E depois mostrar o lado mau da humanidade, derivado do nosso desiquilibrio.

Pensámos nisto e associámos a vária disciplinas. Pensamos na maneira de ver a vida através do 5 sentidos apenas (Empirismo) como insuficiente para a Vida. vendo apenas os factos estamos em desiquilibrio.

Tal como os iões, temos de pegar em mais um sentido para nos tornarmos equilibrados. Precisamos de mais um sentido. O 6º sentido é tão simples quanto o sorriso de uma rapariga. Para muitos é Deus, para outros é o Amor, para outros é a Natureza. Para mim, são as pessoas."

Vejam o filme. É o trabalho de três jovens sobre o pequeno poema de David Mourão-Ferreira. Gostei muito. Talvez haja esperança para este País.


sexta-feira, janeiro 21, 2011

O Any Avoila, o Bardo, o Fantástico Coelho, o AMI, o João Semana, o Pipi Cagão - e a falta que fez o Coração de Atum Candidato Vieira


Análise profunda sobre a prestação dos candidatos na campanha para as eleições presidenciais

(A ordem é aleatória)


Cavaco Silva, o Presidente da República em funções, hoje, uma vez mais, tirou o tapete ao Governo e lançou mais uma, que 'o corte nos ordenados era escusado, que bastava aumentar os impostos aos ricos'. Desleal, desleal, desleal.´Que coisa mais feia. 

A Any Avoila parece uma gaiteira maluca, diz-se e desdiz-se, lança intrigas, diz parvoíces, põe-se aos saltos no meio da rua como uma histérica, e depois tenta sair de fininho.

Mas agora, no Coliseu, Cavaco já estava outro, que 'nunca disse mal de ninguém', que só ele pode aguentar os tempos difíceis, de neto ao colo, com a 'minha senhora' ao seu lado, a teúda e manteúda D. Maria.

Tão cínico, senhor Presidente. Tão desagradável. E o desconforto que, com as suas dangereuses liaisons e este populismo bacoco, tem causado ao PSD mais cosmopolita, mais politizado...?

Cavaco Silva, um homem que, nestas eleições,  revelou à saciedade o seu lado negro

Depois temos o Bardo, rosto bom para retratar, voz cheia, um idealista preso à memória da resistência, típico revolucionário inquieto, nostálgico das crises académicas coimbrãs, que grita que é um homem livre, que não é refém de ninguém e se inflama com a sua própria voz, que, em crescendo, vai gritando pela liberdade, pela independência. Entalado entre o Bloco de Esquerda, feroz opositor do PS, e o PS com quem vem mantendo uma relação ambígua, Alegre andou com uma permanente saia justa. Não dá para entender como se meteu nesta contradição dos termos.

Manuel Alegre tem ao seu lado uma bonita mulher, Mafalda, sóbria, serena e, nesta campanha, tenho apreciado a sua presença... e pouco mais que isso.

Mafalda e Manuel Alegre, um bonito casal

E o divertido Coelho, o mais inovador, mais criativo, mais irreverente? Farto-me de rir com ele. Hoje andava de coelho ao colo, gozando que nem um perdido com a casa da Quinta da Coelha, com o gang do BPN, com os amigos de Cavaco. No outro dia andava à porta do CDS com um submarino debaixo do braço, a provocar o Paulo Portas. O fulano tem sentido de humor e uma descontração que me agrada.

Coelho ao Poleiro - Basta de Pastéis: Coelho a Belém

Temos também Fernando Nobre. É-me indiferente. Acho que não sabe bem o que é ser Presidente da República, acho que pensa que organizar uma missão em local de catástrofe é CV suficiente para o habilitar às funções a que se candidata. É o congregador do contra-poder, dos intelectuais e artistas descontentes, dos católicos que acham que 'ainda há esperança', dos bem-intencionados que andam de causa em causa, flutuando em torno de quem se apresente contra o regime, que tenha uma certa aura e, não menos importante, que tenha bom ar.

Fernando Nobre, uma pessoa simpática que se meteu nisto não se percebe bem porquê
Temos também um senhor que me foi simpático, um homem que parece sério, médico de província, um político à antiga, bem formado, com exepriência autárquica, deputado da República, com um discurso simples, directo, um homem muito firme, afável. Claro que não tem qualquer hipótese mas gostei dele e gostei também da simpática mulher que o acompanhou toda a campanha, um sorriso simples e franco.

Defensor Moura, a segunda surpresa nesta campanha. Uma forma diferente de estar na política.

Falta o Senhor Lopes, um senhor cinzento que o PCP retirou do armazém de senhores cinzentos. Este tem a particularidade de ter uns olhinhos pequeninos, piscaretas, não sei se raiados de encarnado ou apenas muito brilhantes. Faz-me lembrar os olhinhos dos peixes pouco frescos. De pessoas com olhinhos assim, diz-se que têm olhinhos de pipi cagão. Por isso, para mim, quando o vejo, mentalmente penso, 'olha cá está o Xixo Pipi-Cagão'. Mas isto dos olhinhos pequeninos e encarnados, em si, não é grave. Disso, a gente apenas pode concluir que o Xico Lopes já não é fresco. O pior é o resto. O pior é ele ser o PCP no seu pior, a irracionalidade, o autismo, a demagogia, a falta de seriedade.

Pois, não é que o Senhor Pipi-Cagão, em Almada, com a quase mumificada no lugar Maria Emília de Sousa, hoje apelou ao 'voto contra quem vos baixa os salários', 'contra quem vos aumenta os impostos'?

Ou seja, numa campanha para a Presidência da República, este par de jarras apela ao voto contra o Governo?

Mas será que ainda não perceberam para que é que são esta eleições?


Francisco Lopes, sem ofensa o Pipi-Cagão do PCP
Será possível que o núcleo pensador do comité central do PCP não percebeu que, com este discurso contra o governo, de forma demagógica e mentalmente desonesta, está a polarizar o descontentamento das pessoas contra o governo e que, na hora de votar, os descontentes vão votar não no Pipi-Cagão (que ninguém conhece) mas, sim, no mais comunista desta campanha, o 'Aníbal Cavaco, sempre, sempre ao lado do povo'?

O que é que o PCP ganha com ter lançado este Sr. Lopes? Não dá para perceber. Fazem sempre esta espartalhice-saloia e, ao fim destes anos todos, ainda não perceberam que não leva a coisíssima nenhuma?

E será que estes senhores cinzentos e naftalinados do PCP não conseguem perceber que, com demagogias ocas e discursos mil vezes rebobinados, já ninguém os ouve?

[Por exemplo, aquele rapaz que nasceu velho não percebe isso? A única coisa que no Bernardino Soares teria graça seria se, qual Benjamin Button, agora começasse a rejuvenescer, a perder aquele ar de sexagenário precoce, de maçador encartado.]

Que falta que nos fez, nesta campanha, o Manuel João, o insubstituível Candidato Vieira...!

Nesta triste campanha, nenhum dos candidatos se dedicou aos assuntos profundos da Nação. Ele, ao menos, prometia fazê-lo

PS: Não seria engraçado se Any não ganhasse a 1ª volta?

Emporio Armani - Primavera/Verão 2011 (Pode parecer heresia mas não há roupa que combine melhor com os perfumes Chanel)

O desfile tem uma duração de quase 15 minutos mas, para quem goste e para queira saber em que vão parar as modas daqui por dois meses, não dura muito: vê-se de gosto.


Receita de Homem - adenda teórica e alguns casos práticos

Adenda

Num muito pertinente comentário, fui chamada à atenção para que a minha Receita de Homem tem como principais ingredientes características quase todas elas intangíveis.

Como saber, a priori, sem o testar aturadamente, se um homem é mesmo inteligente, carinhoso, se não tem manias, se, com o tempo, não se transforma num insuportável maçador? Como saber se vai ser um bom pai?

Pois, compreendo a dúvida.

No entanto, a minha opinião é que a intuição da avaliadora é decisiva. A intuição, na feliz definição que um dia ouvi, é um short cut que a inteligência faz para chegar à conclusão. Ou seja, havendo uma boa intuição, não é preciso experimentar para saber no que a coisa vai dar.

Por isso, permito-me dizer: cada um(a) tem aquilo que merece. Se uma mulher não percebeu o chato ou o maluco com que se ia meter, problema da mulher. Os sinais já estavam, certamente, todos lá.

De qualquer forma, detectado o engano, e sopesados os prós e os contras de remediar a situação, não há porque aturar alguém que tolhe os sonhos, que impede que a vida seja leve, feliz. Namorar é muito bom e para que uma relação valha a pena, o homem e a mulher têm que saber manter viva, vida fora, a chama do amor, da sedução - e isso enquanto a cumplicidade e a amizade se intensificam. Se assim não for, o melhor é cada um ir à sua vida antes que se faça tarde. Vita brevis, meus amigos.

Alguns casos práticos

(A ordem é aleatória)

Clive Owen


Ralph Fiennes


Robert Redford


Bill Clinton, malgré tout
Barack Obama: the way he walks, the way he talks,...
PS: Caso queira saber um pouco mais... (o que torna um homem mesmo especial) ... clique aqui