Criança feliz brinca no jardim |
Tenho estado a evitar escrever sobre isto porque não conheço os factos com a profundidade que o assunto mereceria. Talvez que o que eu penso que é uma coisa brutal seja afinal uma coisa normal, benéfica. Mas o assunto tem andado a incomodar-me. Vou escrever com reservas - esperando estar totalmente enganada.
Pelo que ouvi e li nos media, desde há alguns anos as autoridades alemãs enviam para Portugal, para famílias de acolhimento ou para associações, jovens problemáticos. Ouvi falar em já cerca de 300 jovens. Li também que o presidente do Instituto da Segurança Social, Edmundo Martinho, diz que nenhuma dessas associações tem existência legal. Aparentemente são constituidas por pessoas que se associam porque vêem nesta actividade uma forma de ganhar dinheiro, cerca de 3.800 euros por mês por cada jovem.
Além disso, não se trata, ao que parece, de associações ou famílias com preparação para lidar com a delinquência juvenil ou com problemas psicológicos ou neurológicos; nem usam o dinheiro que recebem para garantir que os jovens tenham os cuidados médicos ou apoio psicológico de que necessitam. Algumas dessas pessoas estarão, aliás, também sinalizadas como consumidoras de drogas.
Como se isso não bastasse, as notícias dão conta da grande inadaptação desses miúdos à realidade portuguesa e ao meio específico em que se viram inseridos. Alguns acabam por se entregar, eles também, à droga ou à delinquência; e, pior que tudo, é tanto o seu sofrimento que, pelo menos dois, já terão tentado o suicídio.
Avó ajudando o seu neto a andar num carrinho |
Quando o assunto se refere a crianças ou a jovens o meu coração imediatamente entra em red alert. O meu sentimento pessoal vai sempre no sentido da necessidade absoluta de se protegerem aqueles que não pediram para existir e que ainda não têm os recursos íntrinsecos para serem psicologica e socialmente independentes.
Pensar que uma criança não tem pais - ou, na falta deles, outra família - que a cuide, a proteja, a ame, a eduque, a apoie no seu desenvolvimento, enche-me de profunda tristeza.
Mas, enfim, a vida por vezes é assim, desencontra-se de algumas pessoas. E é aí que deve entrar o Estado.
Quando falha o núcleo próximo, as instituições estatais devem zelar por que qualquer criança tenha quem a ampare (no sentido inglês de care, take care). Podem ser instituições sérias, de reputação imaculada (e não como foi, até tempos atrás, a Casa Pia, autêntica agência de lenocínio infantil masculino), poderão ser instituições de tratamento médico se for esse o caso, podem ser até famílias de acolhimento. Pode ser qualquer solução tecnicamente reconhecida como a mais adequada às circunstâncias concretas.
Agora o que o Estado não pode fazer, em meu entender, é 'despachar' as crianças para longe, ver-se livre delas. Não sei se o que a Alemanha faz, é feito também noutros países. Eu nunca ouvi. A palavra deportação é a que me ocorre. Mas nem quero fazer essa associação de ideias.
Agora o que não consigo imaginar é que possa fazer bem a qualquer jovem, problemático ainda por cima, enviá-lo para um país estrangeiro, onde a língua e a cultura são tão diferentes, desenraizá-lo de uma forma tão brutal, deixá-lo à mercê de quem vê nisto apenas uma forma fácil e pouco escrupulosa de ganhar dinheiro (a fazer fé no que a comunicação social tem relatado).
É esta a Alemanha da alta produtividade, do crescimento económico exemplar, que tem nas mãos o futuro da zona euro... e que assim trata, como resíduo tóxico, os seus jovens problemáticos e desprotegidos?
Aperta-se-me o coração por pensar que isto pode acontecer num país desenvolvido; aperta-se-me o coração pensar que se um dia, por cá, uma família nossa tem a infelicidade de se desestruturar e de ter uma criança desenquadrada, o Estado pode pegar nela e despachá-la para um qualquer outro país longínquo, à mercê de gente que não a vai amar nem proteger...
Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser!
Mãe levando o seu filho ao colo |
Uma sociedade não poderá ser considerada desenvolvida se não garantir que todos os filhos possam ter um colo que os acolha, uma voz que os acalme, uma mão que os acaricie.
Mesmo que o colo, a voz, a mão não sejam as de sua mãe.