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quinta-feira, novembro 28, 2019

Cores, perfumes, sentidos, burnouts, pedras em equilíbrio, banho no gelo, coisas assim


by Tim Wlaker


No outro dia uma menina do escritório cruzou-se comigo, apressada, e eu também apressada, de entrada para uma reunião, e disse-me: a Cláudia tem uma pergunta para lhe fazer. De passagem pela secretária da Cláudia, abrandei o passo e perguntei-lhe o que era. Estava sentada mas rodou na minha direcção, chegando-se à frente para me segurar nos braços e perguntar: 'Cheira sempre tão bem... Mas ontem, então, deixou um cheirinho tão bom... Mesmo. Quando entrei na sala onde tinha estado, senti aquele cheirinho que pensei logo que tinha que ganhar coragem para lhe perguntar qual era o perfume'. Pensei um bocado e disse-lhe. Pela expressão, vi que nunca de tal tinha ouvido falar. De facto, é pouco divulgado.

Sou incapaz de sair de casa para o trabalho sem me perfumar. Que me lembre, nunca me esqueço. Dos brincos já me esqueci. Ainda no outro dia. Estava carregada de coisas e, ainda por cima, com sombrinha. Tinha umas calças pretas e uma camisa também preta com flores azuis. Levava uma écharpe também preta e também com flores azuis mas num azul mais forte que o da camisa. Olhei para mim no elevador e reparei que me tinha esquecido dos brincos. Olhei para o relógio. Ficaria apertado se voltasse a casa. Consolei-me: não tenho brincos mas tenho o piercing, sempre dá um ar de sua graça, e, além disso, o contraste das flores azuis sobre fundo preto talvez seja motivo suficiente para disfarçar. Quando cheguei à rua, ao fazer o movimento de passar o casaco de um braço para o outro, on the fly (como soi dizer-se), reparei que o colar que tinha posto puxava para o turquesa e não para o alfazema como o azul das flores da camisa. Foi um sobressalto. Impossível ir assim. Se há coisa a que sou excessivamente sensível é à harmonia cromática. Furiosa, dei meia volta e voltei a casa. A luz artificial é traiçoeira para estas nuances. A correr, mudei de colar e, claro está, aproveitei para resolver a outra lacuna: coloquei uns brinquinhos mínimos, duas bolinhas de azulinho transparente.

Coisas que acontecem. Pode parecer que são coisas que não interessam para nada mas é ilusão: interessam e muito. Se vou com alguma coisa que não me parece bem, é razão suficiente para ficar a tender para o indisposto e, com isso, o dia pode ficar irreversivelmente toldado e, lá está, pode até haver o risco de, com a minha indisposição, toldar o dia a quem não tem nada a ver com o assunto. É, em ponto pequeno, aquilo da borboleta que espirra na China e o gato no Chile, sem saber por quê, ficar com o pelo eriçado. 


E também escolho o perfume em função do dia, de como vai ser o programa de festas, da roupa que visto, da disposição que antecipo: o perfume é uma peça relevante do cenário que monto em mim. 

Aos poucos, tenho-me vindo a transformar. Depois da extrema lealdade, agora vario completamente. O Nº 5 continua o ser o special one até porque, em mim, se transforma de uma maneira que me agrada muito. Não é pesado, não é quente, não é cansativo. Pelo contrário, é leve, subtil, íntimo. Tenho lido muito sobre perfumes e sei que os perfumes são diferentes, ou melhor, evoluem diferentemente ao longo do dia, consoante a pele em que pousam. Mas a partir do momento em que comecei a ousar, primeiro dentro dos Chanel, depois com um que consumi com o maior prazer e que infelizmente deixou de ser comercializado (pelo menos nas perfumarias que costumo frequentar), o She Wood da DSquared2, fui-me libertando.

for Bulgari

Creio que já contei: no outro dia, deixei-me tentar por um da Elizabeth Arden: figo e chá verde. Uma coisa... Invulgar e, no entanto, de tal maneira cativante... 

Reza assim a sua descrição: 
Inspired by the lusciously sweet fruit, Elizabeth Arden Green Tea Fig takes you to a rustic countryside full of sparkle, warmth and laughter. A burst of Clementine, Green Tea Accord, Kadota Fig, Violet Leaf and Musk wrap you in the refreshing simplicity of this musky fruity floral. Green Tea Fig. Delight your senses.
E só estas palavras já contêm, em si, o perfume de todo um bouquet de emoções. Isto dos perfumes é uma arte. Cada vez mais acho isso.
Penso que é por descender dos bichos do interior da terra que tenho os sentidos todos muito activos. 
Nunca me deu para me doutorar e acho que nunca dará. Não teria paciência para perseguir um tema, um único tema, e aprofundá-lo, dissecá-lo, mumificá-lo, transpô-lo para um texto encavalitado por números e deitado sobre um rodapé sempre pejado de anotações que não são senão a ferramentaria transformada em bibelot. Coisa boa para gente paciente e muito dada ao intelecto, coisa que duplamente não sou. Eu é mais sentidos. Os seis.
© Gabriella for Vogue IT

Há bocado vi um artigo que pensei que me ia interessar: Il rapporto fra profumi, libri e letteratura. Mas não, nada do que eu pensaria. Estabelecer uma relação entre literatura e perfumes parece-me uma boa ideia mas uma coisa mais na base de um quizz. A gente dizia os livros de que gosta e um algoritmo adivinhava qual a fragrância que melhor nos assenta. Fiz agora uma pesquisa e há vários quizz para identificar a fragrância que melhor nos assenta mas tudo na base da banalidade, nada na base das preferências literárias. Portanto, o artigo desiludiu-me: é chato e não me traz dicas interessantes. 

Um blog que gosto de espreitar é o Bois de Jasmin. Tudo ali é de bom gosto. E depois há muita gente a comentar, com conversas curiosas, todo um mundo. 

Há muitos mundos paralelos. A todo o momento me apercebo disto. Habitamos o mesmo planeta, um planeta em exaustão, mas, sabe-se lá como, ainda assim conseguimos habitar mundos diferentes, mundos que se ignoram e que, na maior parte das vezes, se excluem mutuamente. Eu não sei bem qual o meu mundo. Talvez um limbo resultante da intersecção de vários outros mundos. 

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Hoje estou assim, sem energia. Durante estes dias, muita gente enervada à minha volta,  embora alguns negando-o, dizendo que estão tranquilos,  um ou outro provavelmente naquilo que dantes se dizia que era esgotamento -- e que agora se internacionalizou para burnout -- a chorar compulsivamente à minha frente, e, em cima disso, muita decisão para tomar, muitas vezes ter que fechar os olhos para não arranjar chatice e bola para a frente, e, ao mesmo tempo, em alguns aspectos, muita indefinição, muita procrastinação -- ou seja, alguma canseira. 

by Tim Wlaker

E, para ajudar à festa, um mau jeito que me traz dores. Ontem à noite, ao preparar-me para sair do carro, já a segurar na tralha que ia transportar, toca-me o telefone. E que é dele? Estiquei-me para o lado, para baixo e para o lado, para trás, em diagonal, toda esticada a apalpar até onde o braço atingia. Até que o telefone se calou. Felizmente, a seguir veio nova chamada e baixando-me mais, para perceber de onde vinha o toque, lá o descobri. A seguir a esses alongamentos forçados, foi vir carregada para casa. Conclusão: algum dos músculos que se esticou não gostou da ginástica. 

Vou tomar um ben-u-ron e vou dormir a ver se, durante o sono, os músculos de desensarilham. Hoje não estou nos meus dias. Que me desculpem os autores dos comentários mas hoje não vai dar. Logo hoje que são tantos e tão bons, tão sumarentos. Mas, para mal dos meus pecados, hoje não dá mesmo.

Mas, para que não sintam que aqui vieram para nada, permitam que partilhe convosco dois vídeos de Jonna Jinton, aquela jovem que vive uma vida que deve ser uma maravilha, num lugar fantástico. Este de colocar as pedras (que me faz lembrar aquele senhor que está ali no Terreiro do Paço, à beira de água) dá-me vontade de, lá in heaven, ir experimentar. Parece-me uma coisa muito interessante.



E este do banho no gelo também me parece uma boa coisa, bonito, embora não me imagine a ter tal coragem. Fogo...

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E é isto. Peace and love, minha gente.

quarta-feira, agosto 08, 2018

Cenas fora da caixa




Por alguma estranha forma de distopia -- e é se distopia for a palavra adequada para isto -- tudo o que é muito bonitinho e perfeitinho me desagrada. Uma paisagem muito feita ao boneco, uma carinha demasiado laroca, uma pessoa muito boazinha, um livrinho cheio de lindos pensamentos -- tudo isso me parece prova de mau gosto.
E agora, por livro com lindos pensamentos, lembrei-me do que uma vez um sujeito que eu tinha por inteligente e de pensamento escorreito me perguntou com o ar iluminado de quem tinha tido uma epifania: 'Já leu O Alquimista?'. Eu não tinha lido. Ele, superior, feliz por me aconselhar: 'Leia. É a sua cara.'. Nestas ocasiões tento apôr a minha melhor poker face a ver se não deixo transparecer que a minha consideração cai a pique de forma irreparável. Nunca mais fui capaz de olhar aquela cara ou conversar como o fazia antes. Impossível. Não é apenas por ele gostar de Paulo Coelho ou achar que aquela filosofia é coisa que se aproveite. É também pela dificuldade demonstrada na avaliação: o que é que eu fiz ou disse que o tenha levado a crer que o alquimista do paulo coelho era a minha cara? Não disse que se fosse catar porque sei conviver elegantemente com desaforos mas nunca mais a convivência foi a mesma, isso não. 

Para mim, tem que haver nas pessoas um grão de mau comportamento, o gosto indisfarçado por pisar o risco, a capacidade de me fazer ver as coisas de outra maneira, e o livro tem que ser capaz de me levar pela mão e, de quando em vez, trocar-me as voltas, e as palavras têm que ter uma vida nova, e a música tem que ser surpreendente, tem que me transportar para outras paragens, tem que me fazer ter vontade de fechar os olhos para melhor a ver e a pintura tem que ser quase louca, imprevista, nunca vista. E tudo assim. Naquele caso do alquimista a coisa podia ter corrido bem se, depois de me ver com ar de quem comeu e não gostou, ele tivesse gozado comigo por eu ter caído na esparrela, por eu ser tão burra que tivesse achado possível que ele tivesse gostado daquilo. aí eu teria desatado a rir e alguns pontos teriam sido somados na consideração que tinha por ele.

Enfim.

Os meus dias não têm andado muito fáceis. Quando a coisa parece sair dos eixos, eu gosto de ir ver o meu horóscopo. Podia rezar, fazer promessa, fazer jura, acender vela. Mas dá-me para ver o horóscopo. E cá está, confirmado com todas as letras: o Julho viria feito besta, alarve, pulha.

E foi. Quase me deixei abalar. Quase deixei que a onda me passasse por cima. Dormi mal. Pensei: é do calor. Mas de noite ficava a pensar no que me tinham proposto, no que estava a ser quase intimada a aceitar. Como sempre faço, tento dar a volta: comecei a tentar descobrir uma forma de melhor me habituar, de melhor aceitar, de minimizar, de fazer com que até me fosse agradável. 


Mas, sei lá eu como, uma noite dormi bem. Pela primeira vez desde há dias, foi sono de pedra. E, mal acordei, era dia 1 deste mês, como se o sono me tivesse dado a volta ao miolo, pensei: vão dar banho ao cão, comigo não, violão. Fui todo o caminho a pensar que ia partir a louça. Mas á bruta. Na base do rais ta parta. E assim foi. Logo nesse dia. A mesa virada, coice que até ferveu. Não que me tivesse armado em mula. De mula não tenho nada. Égua talvez. Coice de égua selvagem. E, de aí para cá, uma força brava parece ter tomado conta de mim. Virei a mesa e, desse modo, virei o jogo. Inteira onde os outros se dividem. Viraram-se para mim, espantados: Não?! Não...?! Cuidado... está a entrar por caminhos muito complicados...

-- Ai é? Explique lá bem isso. O que é que está a dizer-me? Está a ameaçar-me? - devolvi.

Esta segunda-feira nova conversa muito complicada. Decisiva. Um não redondo. De frente. Sem vacilar: não.

Agora não sei qual o caminho à minha frente. Nem sei se, à frente, ainda há caminho. Ou se há mas são caminhos muito perigosos. Não sei. Não sei mesmo. E, curiosamente, não quero saber.

O que for soará.

Mas continuo inteira. Mal comportada, fora da caixa, incontrolável, desalinhada. Mas inteira.


Já agora: o horóscopo diz que em Agosto viro a mesa, que o Agosto vem em meu socorro e abre-me as portas do futuro e que, a seguir, vêm as férias e que o regresso será radioso.

Tomara. Como gosto de acreditar no que me convém, vou acreditar -- até porque isso me dá ainda mais força para enfrentar o pelotão de fuzilamento que ousou encostrar-me à parede.


Eis aquela que parou em frente
Das altas noites puras e suspensas.

Eis aquela que soube na paisagem
Adivinhar a unidade prometida:
Coração atento ao rosto das imagens,
Face erguida,
Vontade transparente
Inteira onde os outros se dividem.

[Sophia]
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Reparei agora que comecei o post com uma em mente e que, a meio, quando fui buscar imagens para aqui intercalar e quando fui escolher uma música, regressei ao post e, como se não tivesse escrito nada antes, comecei a escrever num registo que nada tinha a ver com o anterior. Claro que agora poderia apagar a primeira ou a última metade para a coisa não ficar incoerente. Mas fica como está. Desculpar-me-ão. É como se estivessemos a conversar e, depois de eu interromper para ir buscar um copo de água, voltasse com outra conversa. Acontece.

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As fotografias são de Michael Goldrei e têm a ver com essa coisa boa que é a serendipidade. Andreas Scholl interpreta de Antonio Vivaldi: Cantata "Cessate, omai cessate" - " Ah, ch'infelice sempre"

domingo, julho 03, 2016

Porque não falo da Maria Luís Albuquerque, essa descarada, ou do Durão Barroso, esse naco de inutilidade, ou do Schäuble, esse cão sem dono, ou de vários outros assuntos da nossa pequena actualidade




Acabei o livro do outro dia. O Lobo das Estepes. Sem surpresa assisti à reaprendizagem, à descoberta, ao delírio, ao efeito de estilhaço que o calor tem sobre o gelo. Os lobos transportam o mistério das noites, os enigmas da loucura, as indiziveis falhas que se abrem nas ruas escusas. Quando levados para a luz do dia, podem, num primeiro momento, parecer dóceis cães dispostos a todas as aprendizagens mas logo, logo, um uivo se soltará do seu coração e o apelo do negrume lhes toldará a visão.

Tenho agora aqui à minha volta alguns outros. Hesito.

O calor arrasta-me para a indolência mas o cansaço traz-me impaciência. Parece que só a escrita muito rara me prende a atenção. Falem-me da sensação de passar devagar a mão pela madeira para sentir o seu veio, falem-me de sonhos ou de memórias, falem-me com o coração nas mãos e elegância nos gestos, falem-me com a simplicidade das pessoas boas e aí talvez eu me deixe ficar, feliz, a ler, sossegada, com vontade de mais. Ou poemas com palavras normais, despidos de afectação. Tragam-me poemas que me soem como subtis melodias, toadas que me lembrem os mares do sul ou os gritos das gaivotas, abraços tristes ou sombras desenhadas, paisagens desconhecidas, lamentos, cantares de amor. Poemas assim eu quero.


Da actualidade nacional agora dei em fugir. Causa-me uma insuportável náusea tudo o que vem da gente do anterior governo -- o Passos Coelho, o Moedas, o ex-doutor Relvas, todos esses. Causa-me, por exemplo, uma grande náusea o que aquela mulherzinha diz (refiro-me à maria luís albuquerque, tudo escrito com letra pequena), sempre pouco séria, pouco digna, sempre sem um pingo de vergonha. Causa-me também um desconforto muito grande a história daquele Diogo Gaspar que era director do Museu da Presidência, que foi condecorado duas vezes e de quem se suspeitam coisas terríveis. Leio essas notícias e fico agastada, tenho vontade de me manter higienicamente ao largo.

Depois as notícias de Bruxelas, aquilo do défice, as ameaças feitas por senhorzecos. Dá vontade de os mandar dar banho ao cão, pentear macacos. Quem é essa gente para se dar ares desta abusadora maneira, senhores?

E aquele rafeiro do Schäuble, sempre a ladrar? Não há pachorra. Só com desprezo. Não acho que se lhe deva dar palco. Gente assim deve ser ignorada, mancha os dias, mancha o nosso sossego.

Não tenho paciência, francamente não tenho.

Por isso fotografo flores, veleiros, gatos, leio romances ou poesia, faço testes de personalidade que de científico pouco ou nada têm mas que me descansam o espírito, escrevo sobre devaneios, invento histórias, passeio pela beira do rio, pela rebentação das ondas, ouço música. Por vezes recebo mails em que me pedem para falar sobre isto ou aquilo, política, crises bancárias, coisas assim. Gostaria de conseguir mas não consigo. 

Enquanto este calor ou esta canseira não me passarem, devo continuar neste registo. Nada a fazer. Na volta já entrei foi na silly season.


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A primeira fotografia mostra veleiros no Tejo vistos através de umas espigas e as duas últimas mostram a praia, maravilhosa, nestes dias de calor.

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E, portanto, a quem entrou agora, aconselho que se deixe deslizar até ao post seguinte onde há mais um teste de personalidade, este com base científica e à base de cores. Como habitualmente, a bem da total transparência, revelo o resultado do meu teste.


E há ainda texto novo no meu Ginjal. Ide que é coisa cada vez mais rara.