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domingo, dezembro 04, 2022

Dez magníficas bibliotecas

 

Vou confessar umas coisas que, antevejo desde já, vão publicamente comprovar a minha ignorância. Não faz mal, não é surpresa para ninguém que tenho muito para aprender.

E são coisas tão simples quanto isto: 

  • todos os livros que estão naquelas bibliotecas fabulosas que o mundo aclama podem ser consultados pelo público? Livros centenários podem ser requisitados?
  • como se limpa o pó aos livros naquelas estantes que estão a metros e metros de altura?

Quer a Biblioteca Joanina quer a do Palácio de Mafra parecem ser sobretudo monumentos para serem observados, de preferência de longe, e não para poderem ser usufruídos. 

Gosto imenso de ver bibliotecas mas quase que prefiro vê-las em vídeo pois, in loco, ou estamos no meio de muita gente, turistas que circulam, não dando jeito que fiquemos por ali parados a empatar o fluxo, ou, se são mais usáveis, não podemos nem piar, parecem templos destinados a gente perturbada que não consegue suportar outra presença humana. 

Uma vez entrei numa destas com dois miúdos. Avisaram-me logo que não se podia fazer barulho. Um dos miúdos perguntou qualquer coisa e fizeram-nos logo sinal. Alguns dos leitores deitavam-nos olhares reprovadores como se fosse óbvio que não pertencíamos àquela sacristia. Dei uma circulada só para ficar com uma ideia e veio logo o funcionário a avisar que não podia mexer em nada. E seguiu-nos, desconfiado.  Deve ter percebido que tenho pouco de rata de biblioteca. Com crianças pela mão, o risco de perturbarmos o ambiente deve ter parecido excessivo. Saí logo, incomodada. Esperava que houvesse um recanto para os miúdos, uma mini-biblioteca para eles consultarem e desfrutarem e, afinal, parecia que ali imperava a rejeição.

Mas isto é um dos aspectos. O outro, o segundo que acima referi, tem a ver com o meu lado prático. É como quando vejo uma casa daquelas modernas cheia de painéis de vidro com metros de altura, alguns até ao telhado. Penso logo: como se limpa uma coisa assim? Não se podem limpar à mão. Tem que se contratar uma empresa que venha com escadas, guindastes, máquinas industriais. Nestas biblioecas ocorre-me a mesma dúvida: como limpam tantos livros? em especial, como limpam os que estão lá em cima? com aspiradores voadores? com alpinistas com espanejadores? How? What?

O vídeo abaixo mostra bibliotecas maravilhosas, magníficas, lindas, e, para nosso orgulho, duas delas são em Portugal e uma outra relaciona-se connosco. As músicas são também de primeira água, se é que assim posso dizer. 

Contudo, vendo-as, as duas minhas comezinhas dúvidas redobram-se. Respondam-me se souberem (e se quiserem, claro).

10 Magnificent Historical Libraries

Over the course of history wealthy rulers, institutions and private patrons have spent massive sums of money building magnificent libraries. In this video we take a look at 10 of the most beautiful results of this.


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Desejo-vos um belo dia de domingo
Saúde. Boas notícias. Paz.

terça-feira, julho 07, 2020

Uma certa biblioteca secreta





Nesta fase da minha vida em que tudo muda, é como se estivesse a começar de novo. Ou seja, estou como peixe na água. Gosto de recomeços. Quando estou nesta, pouco ou nada me prende ao que era. Pelo contrário, quanto mais depressa despir toda a pele que ainda me prende à minha vida anterior melhor.

Hoje ao fim do dia, tive que ir a um sítio para escolher uma coisa. Mas, mal lá chegada, quando me preparava para ir tratar do que lá me tinha levado, uma pessoa chamou-me para me mostrar uma coisa. Fui. Pensava que era coisa rápida. Afinal foi demorado. Ia mostrar-me umas coisas simples. Afinal, de uma coisa, veio outra e, de outra, veio outra. Sempre mais coisas para me serem mostradas. E, às tantas, chegámos a uma sala e ali havia muita coisa para ver. E, estava eu a ver uma estante, diz-me: não está ver o que é esta estante? E eu: não. Então, a estante rodou e descobriu-se uma porta. Fui atrás. Máquinas. Não percebi que máquinas eram aquelas. De outro lado, caixas, arcas, coisas indistintas. Então, quando pensava que não havia nada mais a ver, dizem-me: e aqui atrás há isto. Espreitei.

Não queria acreditar: uma sala cheia de estantes e livros, livros, revistas. Explicou-me: uma biblioteca privada. Mas privada em todos os sentidos da palavra. Secreta, oculta, quase como se não existisse. Olhei em volta, perplexa. Estantes a toda a volta e, se não estou em erro, também ao meio, Se eu pudesse ter uma biblioteca assim, a library of my own, secreta, vasta, sigilosa, um espaço quase infinito... Fiquei sem dizer nada. Nunca poderia ter imaginado tal.
Quando saí daquele labirinto, já as pessoas com quem tinha ido encontrar-me se tinham ido embora, certamente cansadas de esperar por mim. O tempo tinha passado sem que eu tivesse dado por ele e sem que eu tivesse conseguido interromper quem tinha estado a conduzir-me naquela inesperada visita guiada.


O tempo não anda a ser-me suficiente para me entregar à absoluta descoberta de uma vida nova que se desdobra a toda a hora à minha frente até porque tenho que conciliá-la com o lado prático da minha actividade quotidiana mas, apesar disso, o que posso dizer é que, para mim, o mais estimulante são estes momentos em que passam por mim estas vibrações prenhas de expectativa e descoberta.

Há algum tempo, naquele longínquo tempo pré-covid, estava eu a almoçar, acompanhada, quando ouvi uma voz conhecida a exclamar: 'Olha quem ela é,,,!'. E já lá vinha ela de braços abertos e eu levantei-me e abraçámo-nos e demos o beijinho que, em tempos, as pessoas trocavam quando se encontravam. E logo ali, de pé, pusemos a conversa em dia. Quis que ela se sentasse e almoçasse connosco mas não, estava atrasada, ia ter com outra pessoa, já estava nas horas. Perguntei-lhe como estava a dar-se nessa sua nova vida. Sorrindo, transbordante de entusiasmo, disse: 'Bem! Óptima! Se eu soubesse que ia ser assim, há que tempos que tinha mudado'. Adorei ouvir, era bem ela, sempre pronta para ser a eterna adolescente que conheço há anos. Provavelmente sou também um pouco assim. Não fazer as coisas pela metade, não negar a experiência que se faz convidada, ousar, ir em frente.

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Uma vez mais, fotografias que nada têm a ver com o texto (ou será que têm?) da autoria de Eylül Aslan e que, cá para mim, se forem como eu, curvam-se perante Ennio Morricone que, pela milionésima vez, aqui nos traz o Oboé de Gabriel. 
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Talvez um dia destes regresse ao mundo dito real e fale da notícia do dia: o que o super-judge Alex -- o implacável justiceiro que parece odiar visceralmente quem tem dinheiro ou poder -- fez agora ao Mexia (o da EDP) e ao Manso Neto. Todo um filme. Uma opera bufa. Uma soap. Mas terá que ser num dia de muito estômago. 

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E boa sorte e muita saúde e alegria para si que aí está desse lado.

sábado, dezembro 01, 2018

Palavras sobre coisas de nada.
E frutas exóticas e espaços do outro mundo.




Tem-se juntado a confusão no trânsito -- que me faz perder tempos infinitos -- com um hábito de uns e outros que me agonia: o de, para cumprirem objectivos (e receberem um bom prémio), desatarem a querer despachar tretas que deveriam ter sido feitas ao longo do ano. Ou seja, não apenas tenho tido trabalho a perder de vista, intercalado com reuniões pelos mais díspares motivos, como, a somar a isso, têm sido sucessivos engarrafamentos e acidentes e não apenas chego tarde ao trabalho como tarde a casa.

Hoje uma colaboradora sentou-se na mesa de reuniões do meu gabinete e, com ar estafado, disse-me que andava com tanto que fazer, a saltar de uns assuntos para outros e a ter que aturar toda a espécie de problemas, que chegava ao fim do dia com a sensação que não tinha feito um décimo do que devia. E eu percebi-a muito bem e disse: fará eu que, para além disso, ando de empresa em empresa. 

Vou de umas para outras, saio de uma reunião para entrar noutra sem tempo para me preparar, sem tempo para deixar assentar a poeira. Se num destes intervalos -- em que penso que vou ter tempo de perceber qual o assunto que aí vem ou para ir à casa de banho ou ir à copa beber um chá -- alguém me liga, sinto que a impaciência transborda da minha voz.


Hoje de tarde tive uma reunião com dois que andavam há séculos a querer reunir comigo e eu empurrando com a barriga. Até que não tive como não fazer a reunião. O assunto era interessante mas o momento péssimo. E não se calavam. Eu já estava que não podia. Tentei atalhar mas parece que vinham com o script empinado e determinados a não se deixarem empurrar porta fora. Uma dor. Juro. Para o fim já tive que fazer um esforço por me manter educada. Credo. Uma canseira que não se aguenta.

Não há dia em que, quando à noite me sento aqui no meu abençoado sofá, não me dê logo um sono que me deixa pedrada. Se consigo pegar no tapete ainda esperto. Mas hoje nem isso ainda consegui fazer.

O meu marido diz que devíamos tratar dos presentes do natal e eu respondo que, parecendo que não, estamos em entrar em dezembro e o natal é só lá mais para o fim do mês. Ele, como gosta de fazer tudo com tempo, diz que não é bem assim. Mas eu que tenho um mês de sufoco pela frente com vários almoços e jantares de natal que começam já nesta semana que aí vem, um dos quais a centenas de quilómetros, só me apetece que passe o natal para poder ficar livre do encargo de andar nestes festejos em série e de, ainda por cima, me meter em barafundas em lojas cheias de gente vagarosa. O ideal seria poder fazer as compras do natal no princípio do ano: lojas tranquilas e as coisas a metade do preço.


Esta semana ainda não consegui pegar num livro. Tenho ali um sobre mulheres na arte e só penso em sentar-me, acordada e fresca, a lê-lo. Mas nem energia tenho para ir ali buscá-lo. Passa da meia noite e eu tenho vontade de ver pinturas ou belas fotografias, ouvir música, gostava de ser capaz de escrever palavras límpidas, gostava de conseguir trazer aqui temas interessantes. Mas não consigo.

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As fotografias acima provêm do The Guardian. Não têm a ver com o texto mas são tão bonitas, não são?

E junto dois vídeos bem bons de ver: um que mostra um mercado de frutas, onde se podem conhecer frutos nunca antes vistos. E outro com bibliotecas de assombro.




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terça-feira, novembro 27, 2018

É mesmo viciado em livros? Será...?
Ora faça lá o teste.





Rondo as livrarias. Ainda hoje: espreitei en passant, ou seja, passei ao largo. Bem comportada, mostrando indiferença, sem querer saber das novidades. A gente consegue disfarçar e, quando quer mesmo, disfarça tão bem que chega a parecer indiferença a indiferença que a gente não tem. Parafraseio para tentar dar um ar da minha graça. Ia dizer desgraça mas seria seria um exagero. Não se pode chamar de desgraça a uma opção racional. Mas a verdade é que não é fácil. Inquieto-me por não poder saber se algum dos meus escritores de eleição terá escrito um livro que me deitaria por terra e que eu aqui esteja, como se nada se tivesse passado, na maior ignorância.

Não sei dizer melhor: sinto-me como se tivesse entrado num convento, tivesse virado as costas aos prazeres do mundo, a caminho de ficar esquecida de tudo. Mas ainda hesitante. Que pode haver de melhor que justifique uma pessoa fugir das alegrias do mundo? Êxtases divinos? Não, não sou dessas. 


Mas persisto. Fecho os olhos, não quero saber, cansei-me de pecar. Tanto, tanto livro é pecado. Tanta, tanta palavra é perdição. Estou rodeado por eles. A toda a volta os há: objectos de desejo, tesouros, promessas de conhecimento infinito. Mas chega. Os que aqui estão chegam-me. Não preciso de mais.

Afasta de mim, esse cálice. No more livros. Os que tenho chegam-me e sobram-me. Enough is enough.


Ora bem. Chega de converseio que eu a fazer de santinha nem a mim me convenço. Nasci para pecar e não me arrependo.

Bora mas é fazer o teste a ver se há por aí mais viciados como eu, gente agarradinha, daquela que chuta para a veia: palavras a circular no sangue, a oxigenarem a mente, e perfumar o coração.

Assinale as frases em que se revê para no fim fazer a contabilidadezinha:


1 — Comprar mais livros do que é capaz de ler.



2 — Deliciar-se com o cheiro de um livro novo.



3 — Mergulhar incansavelmente num livro e depois ficar arrasado porque a leitura acabou.



4 — Apaixonar-se por um personagem.



5 — Entrar numa livraria prometendo que só vai dar uma “olhadinha”, mas sair com um saco cheia de livros novos.


6 — Torcer para as visitas se irem embora rapidamente para poder voltar a ler.

7 — Insistir para os amigos lerem aquele livro que você adora.

8 — Acordar com dor nas costas depois de adormecer sentado, durante a leitura.

9 — Encontrar posições impensáveis para ler com mais conforto.


10 — Fazer contorcionismos para tentar descobrir o título do livro que um desconhecido está a ler num local público.



11 — Desenvolver a habilidade de ler em qualquer lugar.



12 — Ter a certeza de que a sua estante de livros é o que há de mais valioso em casa.


13 — Prometer não comprar livros novos até terminar a leitura de todos os que tem, mas não cumprir (nunca).

14 — Julgar um livro pela capa.

15 — Amar e cuidar dos livros como se fossem bichinhos de estimação.

16 — Insistir para alguém ler um livro só para ter com quem conversar sobre ele.

17 — Imaginar diferentes maneiras de matar uma pessoa quando ela interrompe a sua leitura por nada.



18 — Ler o mesmo livro após anos e ter a impressão de que é um livro completamente diferente.



19 — Prometer ler “só mais um capítulo” e atravessar a noite mergulhado na leitura.



20 — Ter insónia ao descobrir que um livro que você estava a amar tem um fim terrível.

21 — Comprar livros para presentear alguém, mas acabar por ficar com eles.

22 — Começar um livro novo quando ainda está na metade da leitura do anterior.

23 — Sofrer quando alguém pede um de seus livros emprestado.

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Resultados

Se se identifica com todas as frases ou, vá, com mais de vinte, digo-lhe: é agarradinho, viciado mesmo, coisa na base da maluqueira, caso perdido. Coloque-se uma rédea curta porque V. não é de fiar. Qualquer dia tem que pôr pilhas de livros debaixo da cama, no frigorífico, a servir de mesa e de cadeiras.

Se se identifica com mais de doze e menos de vinte, então saiba que está a caminhar para lá, que é um verdadeiro wannabe, se lhe dão corda ainda acaba pior que o Marcelo que tinha lido tudo, que tinha todos os livros á superfície da terra, que doava livros, que faz feiras de livros 

Se o seu score é abaixo dos doze então ok, esqueça os books, não é a sua praia, na boa. E, olhe, fique-se por blogs como o meu, onde não se aprende nada, que aqui é que se tá bem. Tá do verbo tar, claro.


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As frases e a ideia do post, com alguma adaptação vêm da Revista Bula, de um artigo de Jéssica Chiareli

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E agora não deixe de descer até aos Casados à Primeira Vista para ver se consegue perceber porque é que um Conde que leva com um ferro de engomar nas costas não salta logo para cumprir com a faena para a qual a sua doce e paciente mulher está a aliciá-lo. 

(Paciente é como quem diz, que aquela ali pode ter graça mas paciência e compreensão para com a dormência de parte do corpo do Conde está quieto. Estou a ver que, não tarda, está a despejar-lhe caixas de Viagra em pó no sumo de laranja, que o Conde, sem saber como, ainda fica a fazer a prancha da próxima vez que levar com um ferro de engomar nos costados). 

Mas desça até ao post seguinte que aqui neste é mais livros.

sábado, novembro 03, 2018

O exantema está praticamente despachado




Acredito que o tema já seja, para vocês, meus Caros Leitores, não um tema mas, sim, um verdadeiro exantema. E, se não é, já não deve faltar muito. A dose tem sido de leão. Reconheço.

Mas deixem que acrescente uns pós. E faz de conta que isto é um diário, que estou a escrever só para mim, não se incomodem a ler, a sério. 

O que aqui quero deixar como apontamento é que, como disse no post anterior, ainda não arrumei os que estão aqui ao meu lado no sofá, ou porque foram os últimos ou porque receio perdê-los de vez assim que me separe deles. Os livros são como as pessoas: a gente pode gostar muito de alguém que, se a vida nos separar, aos poucos a mente vai-se habituando à privação, depois esquece, arranja alternativas (e disse mente como podia ter dito o corpo porque o corpo também é bicho muito arreigado a uma boa afeição) .

E agora que ia aqui dizer quais eram eles, eis que, não sei como, me aparecem outros. Ele há coisas. Juro que não sei. Quem os pôs aqui? É que nem me lembro de os ter visto no chão ou por aí. São as chamadas coisas do caraças. Parece que os livros vêm ter comigo. Tinha hesitado quando tinha arrumado dois da Adélia Prado. Agora olho e vejo aqui outro. Como? Quando o comprei? Não me lembro. Não foi dos últimos. Então como me apareceu aqui ao meu lado? E o Botas? E os escritos de amor do Fernando Pessoa?

Mistérios.


A noite passada sonhei com livros. Havia uma casa com uma escada em caracol. Era igual à do Clube da Marinha no Marquês. Acho que não era Clube da Marinha que se chamava. Seria Clube Naval? Não interessa. Não sei se ainda lá está ou se ainda existe. Era uma mordomia das boas. Uma casa maravilhosa de linda que era. E tinha uma escada em caracol que era uma belezura. Sonhei. E tinha livros à volta, nas paredes em volta. E passava-se para as estantes maiores que forravam todas as paredes por umas pontes que faziam vertigens. Mas eu ia. Andava a tentar descobrir a lógica da arrumação e encantava-me quando a descobria.

Acordei com vontade de continuar a sonhar mas um bocado assustada, com medo de cair daquelas perigosas pontes que ligavam as estantes umas às outras, com passagem pela escada de caracol. Maluqueiras minhas. Felizmente maluqueiras inofensivas.

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As fotografias foram tiradas sem qualquer cuidado. Peguei na máquina e disparei. Isto foi ontem à noite. Pelas horas das fotografias, vejo que passava das duas. Mas, tanto o sono que tive o bom senso de me ir deitar e deixar a inclusão delas aqui no texto para hoje. Entretanto, hoje de manhã já praticamente despachei as arrumações, o meu marido já pendurou os quadros que estavam nas paredes agora ocupadas com estantes e estou feliz da vida. Missão cumprida. E, por dentro, tento encontrar forças para tentar não comprar mais livros nos próximos cinquenta anos. Será que vou conseguir?

sexta-feira, novembro 02, 2018

Book affair -- PdS




Foi desde que me levantei até depois da meia-noite, com intervalo para almoço que foi na praia, seguido de passeio à beira-mar e visita aos meus pais. Mas de tal forma a minha cabeça está nisto que que nem me lembrei de levar a máquina. O mar lindo, prateado, alteroso, as gaivotas em grupo, saracoteando e cavaqueando no areal ou em dançantes voos baixos e eu, com os olhos incompletos, sem poder capturar o momento.

Mas, tirando esse pouco tempo de intervalo, o resto foi aqui de roda dos livros. O meu marido resolveu ajudar e deu um bom avanço. Mas invectivou-me, esconjurou-me, diz que eu nos meto sem trabalhos esforçados, que não havia necessidade nenhuma disto. Mas havia, sim. Agora está tudo na sequência certa, tudo bem acondicionado.

Ainda há uns quantos por aí, daqueles que uma pessoa nem sabe bem em que género encaixam ou em que companhia melhor se sentirão acolhidos.

E há os de gestão, de política, ensaios sobre diversos temas da actualidade -- Chomsky e nessa base. Penso que esses deverão ir para a estante da televisão que, não sei porquê, talvez por ser muito funda e eu aproveitar para pôr as 'peças de museu' -- como o mais crescido um dia se referiu a elas -- acaba por não dar muito jeito.


Mas estou um bocado desiludida pois queria que os livros estivessem mais à larga. A estante das biografias, autobiografias, diários, correspondências, crónicas e entrevistas está a rebentar pelas costuras. E é uma estante enorme. Mas penso que, para esta tenho escapatória. Há três prateleiras que estão ocupadas com colóquios/letras, 'egoístas'e 'ler' e que, quando o meu filho levar os livros dele, podem ir para essa estante. Mas a estante dos de língua espanhola também já está no limite. E mesmo a estante nova dos portugueses, com os que apareceram hoje, está quase sem margem. Isto deixa-me arreliada e com a firme determinação de nem tão cedo voltar a comprar livros. Não dá.

Tenho ainda que dizer que o meu marido, que acabou a faina antes de mim, chegou à noite a queixar-se das costas mas, vá lá, não especialmente furioso. Talvez por reconhecer que eu é que tenho razões para estar furiosa com ele... e não estou. Eu gosto de fazer as coisas com cuidado: tiro todas as bugigangas que estão nas prateleiras, ponho-as em lugar seguro, faço as coisas com calma. Ele não, quer fazer tudo a despachar. Resumindo, pôs uma peça de vidro no chão e, às tantas, distraíu-se e pôs-lhe um joelho em cima. Pimbas, já foste. Pior: partíu uma porta de vidro do móvel do hall dos quartos e isso, sim, é, não apenas prejuízo como uma complicação para mandar fazer uma igual. Diz que eu não a deveria ter deixado aberta. Mas juraria que não deixei. Deve é ter ficado mal fechada e com a velocidade a que anda e sem acender a luz, deve ter roçado nela e, ao abrir-se, nem sei bem como, arrancou-a das dobradiças e pimbas, já foste. Não se percebe a que velocidade teria que ir para aquilo acontecer mas também a mim, estando parada, veio o outro, que estava atrás de mim e que também estava parado, julgou que o semáforo tinha aberto para nós, e pimbas, amachucou-me o carro e partiu-me o guarda-lamas. Acontece. Paciência.

São praticamente duas da manhã, amanhã tenho que me levantar cedo --- e, upsss..., agora é que estou a sentir os músculos das pernas um bocado doridos. A ver se amanhã consigo andar direitinha.


O que concluo da jorna é que esta chatice de as estantes terem prateleiras até abaixo não dá jeito nenhum. Quem tenha casarões e possa ter estantes com fartura, pois que os livros estejam a não menos que a uns setenta e cinco centímetros do chão. É por causa das prateleiras de baixo que me doem os músculos posteriores e superiores das pernas e ao meu marido as costas. Outra coisa que concluo é que livros com formatos esquisitos, em especial, grandes formatos, são um desastre para arrumar. Por exemplo, tenho ali uns livros da Maria Gabriela Llansol com umas dimensões estapafúrdios que nem sei como arrumá-los. Outro que também vai pernoitar fora da mãe é a Obscénica. Uma bananona de um tamanhão obsceno que não cabe em lado nenhum.

Bem, vou retirar-me para os meus aposentos. Deixem ainda que refira que, à hora a que aqui me vêem, a sala está melhor do que estava quando a fotografei: há menos livros no chão ou em cima de tudo o que é sítio e as estante já estão sem interstícios livres. 

Amanhã vou almoçar a um sítio onde há livrarias e faz parte dos meus hábitos de higiene (mental) ir ver o que há de novo. Mas não me aproximarei. A partir de agora vou fugir de livrarias. Os livros que descobri, com surpresa, e dos quais não me lembrava de todo deixam-me firmemente decidida a dedicar-me a eles e não a novos. Vou mas é pedir para me porem uma pulseira electrónica para, se eu entrar numa livraria, tocar uma sirene na polícia.


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A ver se amanhã acabo a arrumação e se não há novo PdS (leia-se: Ponto de Situação) pois acredito que isto seja, para vocês, uma seca à antiga. Mas, depois de tão absorvida nisto ao longo de todo o dia, percebam, por favor, que não me ocorrem outros assuntos. Sorry.

quinta-feira, novembro 01, 2018

Noite fria com livros


Acordei agora. Estou com frio apesar de ter um casaquinho de malha. Tenho que ir ali buscar a mantinha fina de veludo. Arrefeci.


Pronto, já estou melhor. Calcei também umas meias quentinhas, daquelas que têm umas bolinhas andiderrapantes nas solas. Passo o tempo quente a andar descalça cá em casa mas agora, de repente, com esta baixa de temperatura, fiquei com os pés frios.

Adiante.

Mais outro dia. Estou a querer escrever e a tentar combater a pedra de sono que tenho em cima. Um castigo, este sono.
                                                                                                                                                                  Depois de uma manhã tramada, à hora de almoço levei quase três horas para fazer um percurso que costuma ser feito para aí em vinte minutos. Cheguei perto das cinco ao escritório. A exasperação em que estava nem consigo descrever. Tanta coisa para fazer e ali enfiada num carro parado. Valeu-me ter um saquinho com doze miolos de amêndoa. Costumo andar com isto na carteira. Segundo a nutricionista deve ser usado como snack. Quando saio tarde e estou esfaimada, costumo entreter a fome com isso. Mas hoje foi mesmo a meio da tarde. A impaciência e saturação estavam a desidratar-me e a deixar-me capaz de desatar à dentada. Portanto, as amêndoas vieram a calhar. À noite levei mais de uma hora num percurso que, sem trânsito, é de cerca de meia hora. Mesmo assim, nada mau. Em contrapartida o meu marido levou três horas. Chegou quase às dez, cheio de fome, impaciente.

Depois do dia de ontem, veio, pois, hoje outro ainda pior. Não há explicação. Vem a chuva e começam os acidentes que congestionam a cidade. Como se já não bastasse a dureza que é, ainda o caos das ruas de Lisboa nestes primeiros dias de chuva.

Enfim. É o que é. Tem coisas boas, não é só este xarope de fígado de bacalhau. E já estamos num dia feriado o que é ainda melhor.

Mas, então, dizia eu que cheguei tarde mas ele chegou ainda mais. E, assim sendo, enquanto ele não chegou fui-me a eles. A coisa continua bagunçada. O chão continua pejado, o cimo das estantes baixas, o sofá pequeno, a cadeirinha, a mesa, tudo continua revirado. 


Mas a estante dos portugueses já está. Aliás, ontem já pensava que estava. Mas hoje, tendo aparecido mais uns quantos e já mal lá cabendo, fiz aquilo que queria evitar. Peguei num conjunto de autores com vasta obra e levei-os para a estante grande do hall, onde estão os brasileiros e outros de língua portuguesa. Tirei de lá as biografias dos reis, as biografias de portugueses 'especiais', biografias de imperadores romanos e de um francês e mais uns quantos, libertando a estante para ficção de língua portuguesa. E, assim sendo, numa das prateleiras coloquei essas pilhas de portugueses. Ficou, pois, com brasileiros, angolanos, moçambicanos e agora também os portugueses mortos que, enquanto vivos, foram altamente produtivos. Já tinha feito isso com os poetas que não couberam na estante da poesia portuguesa: foram parar a outra localização.


Ou seja, o que se conclui é que, apesar de tudo isto, as estantes continuam curtas.

Mas, enfim, agora, com esta 'limpeza', a nova, a dos portugueses, está à larga, disponível para ir acomodando os próximos. Só espero que amanhã não apareça mais uma teca deles que vá desestabilizar este equilíbrio.


Mas uma coisa vos digo: tendo que arrumar tanto livro bom e ainda não lido, parte-se-me o coração. Enquanto os arrumava só pensava: nem tão cedo volto a comprar livros, tenho que tentar ler grande parte destes livros. Estes vão passar a ser a minha prioridade.

Custa-me tê-los nas mãos, revê-los, e agora andar a encafuá-los em estantes para se calhar nunca chegar a lê-los.






Amanhã (isto é, hoje, porque já passa da uma da manhã) vou-me à ficção estrangeira e, se a faina render, talvez às crónicas, ensaios, diários, etc.

E hoje fico-me por aqui. Mais uma vez não consigo responder a comentários e mails: estou francamente ensonada. Vou ver se consigo dormir até mais tarde para ver se reequilibro os meus chacras (seja lá o que isso for).

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Adélia Prado é a primeira da estante dos brasileiros. Gosto tanto dela. Andavam sempre por aqui. Agora estão os três livrinhos já atrofiados na estante.

Para me compensar, Adélia lendo um poema


Um bom feriado, minha gente.

terça-feira, outubro 30, 2018

WIP




Só para dizer que, por estes dias, a minha cabeça e a minha escassa disponibilidade estão entregues a virar a casa de pantanas. O reviralho já começou. Não fica pedra sobre pedra. E, do que me é dado perceber, as novas estantes  não vão chegar. Neste momento os portugueses de ficção estão na nova e, salvo os que ainda derem à costa, o trabalhinho ali quase pode ser dado por concluído. Mas sei que ainda há uns quantos por aparecer. Já os procurei mas em vão. Só aparecerão à segunda, terceira ou quarta monda.

Pior a poesia portuguesa. Pensei que ficaria a nadar e afinal não coube. Nascem. Quase baqueei sem saber como resolver. Depois de andar às voltas, resolvi que alguns dos espaçosos e já mortos, ou seja, cuja obra não deve aumentar, vão para outro lado, mais concretamente, para uma prateleira da estante dos portugueses que é larga e hospitaleira. Concretamente, Pessoa, Sophia, Herberto, Vasco Graça Moura.


As colectâneas, antologias e colectivas terão que ir ainda para outro lugar. Talvez para perto dos poetas estrangeiros. Ainda não sei onde será mas tenho uma vaga ideia que terei que aprofundar face ao equilíbrio de tudo o que ainda falta decidir.
[E, enquanto isto, chove que deus a dá. Oh sonzinho mais bom. Chove com força e está frio e eu penso que quando chegar à cama vai estar quentinha e eu vou gostar de estar enroscadinha e tapadinha. Quando está calor não suporto roupa nem perna peluda a aquecer ainda mais a minha existência mas, quando vem este mau tempinho, viro outra, gatinha que gosta de ronronar no calorzinho bom].
Mas então, dizia eu, que a barafunda está instalada. Já retirei da estante pequena do hall dos quartos os portugueses que já eram e que escreveram que se fartaram. Tinham sido postos ali para não estorvarem os mais parcos. A saber: Aquilino, Eça, Ferreira de Castro, Miguéis, Virgílio Ferreira, Namora, Camilo. Obras completas ou quase que açambarcavam muito espaço. Pois bem. Agora que há uma estante grandona só para eles já foram para junto dos seus. Assim, ganho espaço para os brasileiros que, na outra estante desse hall, já estavam a ficar acanhados, sem espaço para acomodar os novos que vêm tomamdo o meu coração. Vai ser a tarefa de amanhã.


E o que se segue é ciclópico pois passa por revoltear tudo o que está nesta sala. Antes de vir escrever aqui, pequei a eito em tudo o que tinha sobrado da faena de hoje e que estava no chão e pus em cima dos sofás. Isto para ser possível aspirar o chão e transitar porque, parecendo que não, falta-me alguma leveza para levitar. Mas não quis antecipar o caos onde gosto de me desnortear, quando o chão desaparece sob pilhas e mais pilhas e eu ainda sem saber bem como rateá-las.

Por exemplo. Tenho que arranjar um espaço para diários, outro para correspondências. E fico depois na dúvida se separo as cartas ou os diários da restante obra. Por exemplo: correspondência entre Cesariny e outro qualquer deve estar ao pé da obra do Cesariny? Acho que não pois como resolver quando são os dois escritores: Jorge de Sena e Sophia, por exemplo? 

Um Leitor disse-me que se catalogasse tudo e registasse a localização, ficava o assunto resolvido. Não ficava, não. Porque a mística está nesta dúvida, neste processo de decidir, nesta dúvida que persiste, neste prazer de mexer nos livros sem saber como melhor os manter perto de mim, perto da minha memória, perto da minha vontade de os poder ver bem.


E há as crónicas. E os ensaios. E os que não são bem coisa alguma. Um desafio.

Nisto já dei com três repetidos. Isso é que me aborrece mesmo. E ainda por cima são daqueles que penso que nem o meu filho nem a minha filha apreciarão que eles ainda são muito conservadores, ainda não atingiram o estado de hiperbolização mental da mãe.

A ver se amanhã me dá para fotografar este WIP (leia-se: work in progress) para que melhor possam perceber a trapalhada gostosa em que me estou a meter.

No meio disto, e porque uma confusão nunca vem sozinha, caíu o varão do roupeiro pequeno com toda a cabideria que lá estava pendurada. Nem quero pensar. Tem que se tirar tudo e só espero que aquilo não esteja partido, ou o varão ou os suportes. Os deuses brincam comigo, põem-me à prova. Mas eu, quando assim é, digo que fiquem a brincar sozinhos. Portanto, do roupeiro ocupo-me amanhã.

Ah, sim, é verdade: e já estive a fazer o euromilhões porque bom, bom mesmo, era se eu pudesse ter uma casinha com estantes como a destas fotografias que aqui vos mostro. Isso, sim, era uma boa. Aí até podia ser tudo de carreirinha, tudo à larguinha.


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quinta-feira, outubro 25, 2018

Uma revolução na calha




Pois bem. A régua de tomadas que estava atrás da secretária já foi retirada e colocada na ponta da parede que vai ficar livre pois a parede vai levar a meio uma estante e não podíamos ficar sem tomadas à vista. Na parede da frente tem um armário fechado, na do lado tem outra estante e noutra uma porta-janela que dá para a varanda. Agora ainda tenho que tirar os quadros e um espelho que ainda estão nessa parede e arranjar-lhes outro paradeiro. Vai ser outra luta. Vai dizer que não gosta de esburacar as paredes. Mas a mudança das tomadas ficou muito bem, com calha e tudo. Ainda nem estou em mim. Já lhe disse que, se afinal leva jeito, tenho outros trabalhinhos em carteira. Não gostou da sugestão.


Agora estou é desejando que venham trazer as estantes. Não vejo a hora de virar a casa de pantanas, reformulando toda a organização da biblioteca. Ainda não pensei bem como vai ser. Se calhar, nesta alta e estreitinha que vem para encostar à coluna desta sala vou colocar a poesia portuguesa. Acho que esse vai ser o ponto de partida. 

Penso que o critério seguinte será o de, nas prateleiras de baixo das várias estantes, colocar os livros menos interessantes. Não dá jeito nenhum uma pessoa procurar livros em prateleiras ao nível do chão. Tenho que me dobrar toda ou sentar-me no chão. Um desconforto. Não dá para ser frequente. Por isso, para lá... o quê?

Não sei. Por cada ideia que me ocorre, logo a rejeito. Revistas Ler? Colóquios Letras? Não sei. Pouco interessantes não são. Menos susceptíveis de querer ir à procura de algum número? Não sei. Não sei mesmo.

Não é fácil.


Entretanto, estou com outro problema que carecia de resolução antes da revolução. A estante baixa, em cima da qual está a televisão, está a abaular. Tem dois metros e meio de comprido e deveria ter mais apoios do que tem ou, então, ter menos livros. Eu acho que deveria ser esvaziada e analisada para se perceber como desabaulá-la. O meu marido diz que não é marceneiro, que não faz ideia do que lhe fazer. Aliás, fez uma coisa que achei um disparate e que aceitei pacificamente porque achei que era temporária. Tirou os livros da posição normal e fez pilhas nas pontas para retirar peso do meio das prateleiras e para que sustenham as prateleiras de cima. Com isto só vejo as lombadas de baixo. Se quiser procurar um livro é impossível. Mas ele acha isto normal. Por ele ficavam assim. 

Como tenho os livros de literatura estrangeira por ordem alfabética de autores (não os russos, não os latino-americanos, não os brasileiros, não os portugueses e não os de séries completas de autores -- que esses têm espaços próprios noutras estantes) e nesta estante estavam, salvo erro a partir do S, tenho que ter a estante disponível pois, obviamente, entre os que estão agora espalhados há nomes a partir do S. 

Portanto, arranjar esta estante vai ser outra luta. Diz que por saber que uma decisão de ter estantes novas esconde uma série de mil outras decisões e que o trabalho acaba sempre por sobrar para ele é que tenta sempre adiá-las até mais não poder. 


E debato-me, internamente, com um grande dilema. Se não arrumo os livros novos, acabam por se formar montanhas deles, uma coisa ingerível. Mas, se os arrumo, perco-lhes o norte. Tenho a sensação que se perdem de mim. Só os encontro se me lembrar deles. Caso contrário, ali enfiados entre outros, perdem identidade, afastam-se de mim, parece que passam à história. Na última reorganização que fiz, deixei-os à larga para que fosse mais fácil manuseá-los caso quisesse puxá-los para fora. Mas é para esquecer. É como se ficassem arquivados, arquivo morto, esquecido, como se já tivessem sido lidos, como se já tivesse desistido deles. Por isso, prefiro-os por aqui, em pilhas ad-hoc.

Penso que a solução para este dilema passará por uma arranjar uma arrumação inteligente, acessível.


Tenho ainda um outro assunto para resolver. No que era o quarto da minha filha e que, quando ela saíu, açambarquei, há uma estante cheia dos livros, cadernos e sei lá que mais do meu filho. Conservou religiosamente todo o seu material de estudo mas não tinha onde guardar tudo quando se mudou para a sua casa que era pequena. Agora já tem uma casa grande mas nos pisos que estão habitáveis não tem espaço para mais livros e a cave e o sótão ainda não estão arranjados. Mas, logo que ele tenha condições para levar tudo aquilo, fico com mais umas prateleiras livres. Talvez aí pusesse enciclopédias médicas, livros de puericultura, plantas medicinais, coisas assim. E com isso libertava outras estantes.

Enfim.

Tal como aquele meu amigo caçador que vibra com a perspectiva de se levantar de madrugada, de chegar ao campo ainda frio e orvalhado, de sentir os rumores que se começam a levantar com a chegada da madrugada, assim eu com a chegadas das novas estantes, com a perspectiva de ter o chão da sala e corredor pejados de livros, com a emoção de voltar a tocar, um por um, todos os livros, com saber que durante dias esta parte da casa fica intransitável.

Parece loucura e, na volta, é.


E hoje passei por uma rotunda e já estavam a montar umas estruturas para as iluminações de natal e eu fiquei a pensar que passou já um ano desde que, o ano passado, me surpreendi com a mesma coisa. O tempo passa de uma forma um bocado inclemente. O que vale é que os meus livros não passam, não envelhecem, não são de modas.

E hoje é tarde, e eu adormeci em vez de me despachar e daqui a nada tenho que estar a sair de casa e estes tempos não andam fáceis e cai-me trabalho em cima de uma forma estúpida e eu tento lembrar-me que o povo é sereno porque os meus problemas são coceirinha inofensiva aos olhos de quem tem problemas de verdade.


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Partilho convosco dois vídeos que mostram duas casas extraordinárias. Eu que gosto tanto de decoração, pelo-me a ver casas assim.




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As pinturas que plantei ao longo do texto são de Egon Schiele

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Uma boa quinta-feira a todos

domingo, setembro 16, 2018

Uma melancólica despedida
(ainda que seja apenas um breve até já)




Sempre que fomos ao supermercado ficámos espantados com o dinheiro que gastávamos mas a verdade é que pouco lá tivemos que ir. Ontem o almoço foram restos. Tudo é aproveitado ao máximo. Tinha duas costeletas congeladas que tinham sobrado do outro dia, tinha o caldo da caldeirada e tinha o resto do cabrito assado. Então cozi dois ovos e juntei-os ao caldo da caldeirada que ainda tinha batata, cebola, tomate e uns fiapos de peixe. E ficou uma boa sopa de peixe. Fritei as costeletas. Desossei os dois bocados de cabrito e fiz arroz de carne em que, para líquido da cozedura, metade foi o molho do cabrito (foi assado com o forno a baixa temperatura, pelo que o que ficou de caldo foram os sucos da carne, das cebolas, da salsa, do alho, do alecrim) e outra metade foi água e ao que juntei dois tomates e dois marmelos pequenos cortados aos bocadinhos. 

Ainda sobrou um bocado de arroz que foi metido numa caixa de vidro para servir para o jantar, com salada.


Ao fim da tarde, fechámos e arrumámos as espreguiçadeiras, varri a casa, sacudi os tapetes e cobertas, lavei o fogão e a bancada da cozinha, lavei as casas de banho, arrumámos tudo, a pouca roupa que tínhamos levado, o resto da fruta, o resto do tomate, o resto do arroz, os queijos, o mel, um ramo de alecrim. 

Estava o sol ainda muito dourado quando de lá saímos. Tão bom estar lá ao fim do dia, quando entardece em doçura, quando a luz banha tudo a ouro e serenidade.

Ainda fui à figueira comer mais uns figos. O meu marido já tinha apanhado um saco deles mas deu-me aquela vontade de voltar a sentir a seiva muito viva a vibrar na carne doce e rubra dos figos acabados de colher.

Com que pena fechei a porta, com que pena fechámos o portão. 

Sei que no trabalho não me esperam tempos fáceis e o contraste com a vida simples e boa que tenho vivido nestas três semanas parece-me abissal, quase difícil de suportar. Quantos mais anos passam, mais me custa pensar na qualidade de vida de que abdico para continuar a trabalhar de sol a sol, para perder horas no trânsito, para me ver enfiada em salas sem janelas, em reuniões intermináveis com pessoas que me parecem incompatíveis comigo. 
Mas como me disse há tempos uma pessoa que ainda há dois ou três dias vi a opinar na televisão, todo ele prosa e muito cheio de propriedade, 'todos temos uma cruz para carregar'. Carreguemo-la, pois.


Já tudo no carro, voltei a casa. Fui buscar o livro do Manguel para acabá-lo no carro. E, de repente, fiquei com pena deles, dos que lá estão, uns por ler, outros lidos, outros que me parecem melhor lá do que cá, outros à espera que um dia, outros que nem sei como lá foram parar. Fui ao carro buscar a máquina fotográfica e fotografei-os. Só fotografei os que estavam espalhados, uns num sofá, outros noutro, outros na mesinha de apoio, outros na mesa da casa de jantar, um sobre um prato de louça que está esquecido em cima de uma pilha de livros de museus.

Não fotografei as estantes embutidas na larga parede do corredor, a parede que separa a parte original da casa e a que foi acrescentada. Um dia fotografo-os. Nem os que estão nas duas estantes que o meu pai me fez, um só com livros de pintura e fotografia e outra com livros de viagens. Nem os de arquitectura que estão ao pé da lareira, tantos livros de arquitectura, lindíssimos. Um dia também vos hei-de mostrar.

Pelo caminho, enquanto lia o livro que fala da paixão por livros e por bibliotecas ocorreu-me que lá, in heaven, podia fazer uma biblioteca. Em pedra, entre as árvores. Vim de olhos fechados a imaginá-la, livros em volta, de alto a baixo, janelas estreitas com vidros de igreja, uma mesa larga ao meio. Pensei que se fosse uma única divisão, pequena, tinha que ter dois andares. Aì a coisas começou a complicar-se, comecei com ideias avançadas -- uma das paredes ser a rocha da barreira, talvez ficar à altura do passeio que circunda a casa para se poder entrar por cima. Cá em baixo, à volta da casinha, todo em redor, um canteiro de alecrim, rosmaninho e alfazema. Depois comecei a pensar na organização. E aí começou outra vez a complicar-se. Uma loucura este amor por livros.


Entretanto, fomos a casa dos meus pais, deixei lá um saco de figos, agora aqui já arrumámos tudo, jantámos, viémos para a sala, vimos televisão e aqui estou, cheia de saudades. Parece impossível mas é verdade. Gosto muito da minha casa, desta, gosto mesmo, mas estar lá no campo, acordar com o canto dos pássaros, passear à sombra de árvores que plantei, sentir o perfume da terra... não há o que se lhe possa comparar.

Enfim. Daqui por uma semana, talvez, lá esteja a recuperar da semana que aí vem.

segunda-feira, setembro 10, 2018

O querido numen que habita in heaven






Os meninos dormem toda a noite. Uma sorte. E eu a noite passada também dormi bem. E o bebé acordou com um apetite que me pôs logo contente. Para o pequeno-almoço, os manos tiveram ovo mexido, pão com queijo, acompanhado, no caso do mano do meio, com um copo de leite frio e, no dela, com um iogurte (até nisso é parecida comigo: por ela, comia vários por dia). Pois o bebé comeu um bocado de ovo mexido, depois uma tigela de nestum e depois ainda comeu o pão que sobrou de um dos manos. Entretanto, algum tempo depois, viu o avô a comer uma bolacha de aveia tufada com algas e também quis, pelo que comeu um pouco. A satisfação que me dá entregá-los a todos bem alimentados ninguém imagina.

Depois lavaram-se, vestiram-se, pentearam-se e foram brincar enquanto os pais não os foram buscar.


Quando saíram, já eu estava cheia de saudades. O meu marido disse: olha a diferença. E era. O silêncio. A casa, de repente, ficou silenciosa. Durante uma porção de tempo andámos a arrumar, a apanhar coisinhas do chão, a acasalar pecinhas de jogos, a pôr tampas em canetas. Depois fiz uma máquina de roupa e o meu marido pôs a secar.

A seguir, voltámos a pegar em armas e bagagens e ala moço que se fazia tarde. Campo. Claro que no carro aconteceu-me aquilo que acontece aos bebés: ao fim de pouco tempo, estava a dormir. Acordei  logo a seguir, quando o meu marido parou para abastecer. E viémos a relembrar coisas deles: a assertividade dela, a malandrice do mano do meio, a teimosia do bebé, a graça de todos.

Quando liguei para a minha mãe, ela perguntou se já estávamos a caminho e disse que devíamos arranjar um helicóptero. E é. Dava jeito.


Quando chegámos aqui ao campo, a casa estava como a tínhamos deixado na sexta à tarde, quando de cá tínhamos saído com os três meninos. Num instante, pusemo-nos a arrumar e limpar e, mal acabei, deitei-me no sofá, com um livro, pensando que dava para descansar por uns minutos. O meu marido lembrou-me que tinha a máquina cheia de lençóis, que podia pô-la a lavar. Eu respondi-lhe que nem pensar, que ficava para depois, que precisava de pousar por um bocado e que, para mais, eles não deviam tardar. Pois, nesse preciso instante, ouvimos apitar. Era a minha filha, a chegar com os meninos. E pronto.

Grandes, grandes. Posso passar dois ou três dias sem os ver que, quando os revejo, já lhes noto diferença. O mais velho caminha a passos largos para, não tarda, estar da minha altura.

Estivemos a apanhar sol, a ler, a conversar, a apanhar figos, os meninos a treparem às árvores, a implicarem um com o outro, a serem amigos como se nada fosse. E fomos ver a casa de troncos que o tio fez e fomos passear e, ao fim do dia, jantámos e claro que é sempre uma boa disposição. São uns brincalhões, sempre muito bem dispostos, com um fantástico sentido de humor. Farto-me de rir com eles.

Depois foram cedo porque esta segunda-feira é dia de escola.

Quando nos vimos aqui na sala, só os dois, o meu marido disse que já sentia falta de ter que fazer alguma coisa. E eu fiquei numa inércia total, incapaz de ter acção para fazer o que quer que fosse. O meu marido ainda disse: temos que resolver se vamos a algum lado. Mas pode ser que amanhã eu consiga pensar se quero voltar a fazer a mala e pôr-me a caminho para algum destino ou se quero é deixar-me aqui ficar a descansar. A minha filha esteve a sugerir um lugar muito bonito onde esteve recentemente mas ainda não consigo pensar.


E eu, aqui sossegada, a televisão a dar nem sei bem o quê, finalmente consegui disponibilidade para passar as fotografias da máquina, para as ver, para escolher algumas para aqui ilustrar o que têm sido estes dias felizes. Como se vê, apanhámos bom tempo e assim-assim, estivemos no campo e na cidade, na rua e dentro de casa. Claro que as fotografias mais bonitas são aquelas em que se vêem os seus rostinhos lindos e felizes da vida. Mas como não os quero aqui ter à vista, vejo-me condicionada a escolher aquelas em que estão de costas ou de lado. Como é bom de ver, quando os fotografo, quero 'apanhá-los' no melhor ângulo e, portanto, são poucas as fotografias em que estão com os rostos ocultos. Não interessa. Dá para dar uma ideia de como desfrutam bem este seu tempo mágico da infância. E, para mim, é um prazer vê-los e um privilégio assistir ao seu crescimento.

Entretanto, vi no mail da empresa que esta segunda-feira há uma big reunião de dia inteiro fora de Lisboa e só me apeteceu benzer-me por estar de férias e não ter que madrugar para passar um dia inteiro numa cena que, para mim, ia ser um castigo. Cá para mim, fizeram de propósito e tenho que agradecer a amabilidade porque o meu colega que convocou a reunião, conhecendo-me bem como me conhece, sabia bem que, se eu lá estivesse, a coisa corria sérios riscos de não correr especialmente bem. Portanto, acho que isto de ter férias na altura em que as empresas fazem a rentrée é uma grande ideia.


E, assim sendo, enquanto os outros estiverem fechados numa sala a aprender uma coisa que deveriam ter nos genes e, se não têm, também não é com coisas daquelas que lá vão, eu vou estar numa espreguiçadeira ao solinho ou à sombrinha, a ler, ou vou estar a passear sobre a caruma perfumada, ou a apanhar figos, e a preguiçar, a deixar-me dormir ao ar livre, a ouvir os passarinhos, a sentir o perfume das árvores.

Para mais, estou com três livros em simultâneo e qualquer deles me enche de prazer: os Diários da Virginia Woolf, o Solte os Cachorros da Adélia Prado e o Embalando a minha biblioteca de Alberto Manguel.

Que mais se pode querer de umas férias?

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Sempre que deambulávamos pelo jardim, dizíamos que éramos os seus guardiões, nunca os seus donos, porque (como em todos os jardins) o sítio parecia-nos possuído por um espírito independente, aquilo a que os antigos chamavam numen. Numa explicação acerca da numinosidade dos jardins, Plínio diz que ela acontece porque, outrora, as árvores foram os templos dos deuses e que os deuses jamais o tinham esquecido.



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Tinha nas prateleiras dezenas de livros muito maus de que não me desfiz, não fosse dar-se o caso de alguma vez precisar do exemplo de um livro que eu julgasse mau. Balzac, n'O Primo Pons, avança uma justificação para este comportamento obsessivo: "Uma obsessão é um prazer que atingiu o estatuto de ideia."

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A itálico, dois pequenos excertos de 'Embalando a minha biblioteca' de Alberto Manguel