A improvável indiferença pelo conhecimento de si. É o que eu sinto sobre mim e o que aprecio nos outros.
Há pouco passei na rtp2. Não me toques.Touch me not. Mulheres falando de si, um homem que quis ser mulher, uma mulher dizendo que não saberia o que dizer do seu corpo, homens dizendo coisas que talvez façam sentido, mulheres confidenciando sobre medo, raiva. Ouvem-se com atenção. Há silêncios, hesitações. Adina Pintilie quer saber, presta atenção à intimidade descrita. Parece haver ansiedade entre os participantes. Outras vezes, indiferença. Não alegria.
Nada disso me interessa muito pois a racionalização sobre si-mesmo é matéria que me parece frívola. Bem sei que há quem a ache profunda e bem sei que em certas circunstâncias é fundamental para que algumas pessoas possam ultrapassar alguns demónios ocultos. Que seja. Não julgo. Apenas não me identifico.
Não sei se é essencial uma pessoa conhecer-se. Acho que a pretensão do conhecimento de si é uma pretensão estulta. Ninguém poderá alguma vez conhecer-se. Nem que todas as suas células fossem desdobradas e mapeadas e estudadas à lupa, nem assim alguém ficaria com o conhecimento de si. Não somos células, somos bem mais que isso. Não somos memórias, somos muito para além disso. Mesmo que descodificássemos as nossas emoções ficaríamos na mesma: somos muito mais do que isso. Somos a mais pura abstração. E, para melhor nos identificarmos com abstrações, deveremos olhá-las de longe, sem as querer perceber ou interpretar. A interpretação de uma abstração não é apenas um exercício desnecessário: é, sobretuto, absurdo. Deveremos manter-nos desconhecidos, misteriosos, relativizar-nos, olhar-nos de longe, ignorarmo-nos.
Digo isto sem certezas, só com intuições. Há quem ache que o passado deve ser desenterrado, escalpelizado, interpretado. Mas eu tenho dúvidas. Não é preferível pensar, antes, no futuro? Não é preferível apostar antes na tolerância, na generosidade, na capacidade de ver o outro lado, na ousadia?
Não sei.
Se uma mulher não sabe sobre o seu corpo, em vez de tentar perceber as causas desse desconhecimento, não seria preferível incentivá-la a ousar, a arriscar, a perder o medo ou a vergonha e, sobretudo, a deixar de pensar tanto no assunto?
As palavras são importantes mas devem ser como véus que se vão deixando cair. Quando, pelo contrário, as palavras são usadas como véus que se vão colocando sobre as emoções, sobre os sentimentos, então é como se fossem escolhos que se vão colocando no caminho.
Que interessa ter a pretensão de conhecer o corpo? Conhecer como? O corpo muda ao longo do tempo. Conhecer o que faz bem ao corpo? Como? A cada dia que passa vamos descobrindo novos benefícios de cuja existência antes nem suspeitávamos.
Entrar no mar, mergulhar. Nadar. Apanhar sol na pele nua. Sentir umas mãos sobre o nosso corpo. Ouvir um poema. Beber um sumo fresco num quente fim de tarde. Ouvir contar histórias cheias de mistério. Entrar numa montanha.
Tudo melhor do que falar sobre o próprio corpo, sobre si.
Na rtp 2 vejo agora um encontro de excessos. Corpos nus como que exorcizando fantasmas. Também não me interessam. Há alheamento, alienação nisso. Ou exploração e condescendência face à diferença. Não me identifico. Prefiro os momentos simples, animais que se procuram. O corpo prefere o silêncio. Quanto muito, um poema dito, quase num murmúrio, ao ouvido. Ou, quase em silêncio, rente à pele. As palavras, quando são demais ou quando acontecem em momentos inoportunos, são mera poluição.
Mas, lá está, posso estar enganada. Se calhar não percebi nada.
No fim, a mulher, nua, dança. Os pesados seios dançam também. A mulher ri, os seios também. Disso eu gostei.
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As pinturas são, respectivamente,:
Red nude, Marino Mazzacurati, ~1936 circa
Lily and the Sparrows, Philip Evergood, 1939
Portrait of Madame Tallien, Jean-Bernard Duvivier,1806
Portrait of the Dancer Aleksandr Sakharov, Alexej von Jawlensky, 1909
Saint Sebastian, Bronzino, ~1533
Sleeping Woman, Alexej von Jawlensky, 1910
na companhia de Hildegard von Bingen que compôs De virginibus
Pensava que não ia ser capaz. Fui fugindo e escrevendo outrascoisas. Ainda não sei se vou ser capaz. Não me sinto à-vontade para escrever quando ainda estou sob a emoção de uma perda ou quando sinto que o motivo da escrita ultrapassa a minha capacidade para escolher as palavras certas.
Mas, por tudo o que devo a Pedro Tamen, acho que devo tentar mostrar o agradecimento e a pena que sinto pela sua partida.
De vez em quando há mortes que são duras. Pensei isso, por exemplo, quando soube que tinha morrido o Bernardo Sassetti. Já foi há nove anos e continua a custar-me. Continuo a pensar que há um lugar que ficou e ficará para sempre vazio. Diz-se que o tempo tudo cura. Mas há ausências que o tempo não cura.
Gosto de dizer, porque o penso, que há pessoas que não morrem porque vivem em nós não pela sua presença física mas pelo rasto que deixam. Quem escreve, existe pelas suas palavras e elas sobrevivem quando os seus autores perecem.
Tenho aqui ao meu lado os livros de poesia de Pedro Tamen. De todas as vezes que os li, li independentemente da pessoa física que os escreveu. Mas eu sabia que era alguém que ainda estava vivo e de quem eu podia esperar mais poemas.
Também várias vezes aqui o disse: na era pre-covid em que eu andava pelas livrarias, se via algum livro traduzido por ele, não hesitava. Livros traduzidos por Pedro Tamen eram garantia de ser do meu agrado. Não era apenas a escrita na tradução, era também a intrínseca qualidade literária das obras que ele traduzia.
Ninguém é eterno embora sejam eternas as palavras dos (bons) poetas. Mas há um lugar que fica eternamente vazio quando alguém como Pedro Tamen morre.
(Mas não vale a pena continuar a tentar. Não sou capaz. Não sei o que dizer. Sei o que sinto mas não dizer o que sinto.)
Os muito feios que me perdoem mas beleza é fundamental. Sou muito fã de homens bonitos. Contudo não deve ser uma beleza muito certinha, tem que ter ali qualquer coisa. Sobretudo, tem que vir a par de algumas so called soft skills. Já aqui falei muitas vezes nelas. Acho que nenhuma mulher (ou homem que goste de homens) aprecia um homem que seja uma amélia, uma mariazinha-cueca, uma abécula encrencada, um chato auto-centrado. Pelo contrário, acho que toda a gente aprecia um homem inteligente, com sentido de humor (o sentido de humor é fundamental; homem que não tenha sentido de humor e que não me faça rir é automaticamente banido). Claro que tem que ter um bom carácter, tem que ser generoso, compreensivo e carinhoso. Mas carinhoso sem lamechices, sem nha-nha-nha. E malícia -- malícia também é fundamental. Homem que é homem de verdade sabe-a toda. Tem que ter muita malícia. Mas daquela malícia que só é boa se vier condimentada com inteligência e sentido de humor.
Enfim, essas coisas que são essenciais num homem.
Mas tem que ser bonito. Não uma boniteza de boneca, não uma boniteza de menina. Pode ter feições atípicas, pode não ter aquela simetria perfeita que caracteriza a beleza convencional. Mas tem que ter um olhar que desça fundo, tem que ter uma boca que mostre que sabe ter bom uso. O corpo a mesma coisa. Tem que ter um bom corpo. Também não precisa de ser um hércules ou ter um model body. Tem é que mostrar que tem uma boa pegada. Que sabe agarrar com convicção e, na dose certa, doçura. Tem que mostrar que é homem.
O Adam Driver é um daqueles casos: olha-se e há ali muito de inconvencional. Há ali coisas naquelas feições que parece que não batem completamente certas. E... no entanto... que homem.
O vídeo que abaixo partilho, realizado por Jonathan Glazer para divulgar o perfume Hero da Burberry, mostra-o em toda a extensão e o que posso dizer é que não há defeito que lhe possa pôr. Aprovadíssimo.
Quando acabei de ver, voltei a ver. E só me ocorreu dizer: se isto não é um homem... E ia dar este título ao post. Mas poderia parecer uma alusão a 'se isto é um homem' e achei que não deveria arriscar. Ficou 'se isto não é um centauro...'. Fabuloso, meio homem, meio cavalo. Atravessando os mares, correndo, veloz, livre. Um centauro correndo na praia, nadando ao lado de um cavalo. Muita beleza.
Claro que não faço ideia se o perfume está à altura mas, para o efeito, isso é secundário. Acho que ele é bom de qualquer maneira, mesmo sem perfume.
Tenho ouvido toda a espécie de histórias sobre as vacinas e a melhor de todas passou-se com um conhecido meu e que eu, com receio das coincidências, não me arrisco a contar. Quando ele me contou, soltei uma gostosa gargalhada e ele diz que elas lá também se desataram a rir.
Também sei de uma pessoa que acha que com ele é sempre o cúmulo da pouca sorte e que, nesse estado de espírito, me contou que com ele tinha que ter sido a da AstraZeneca. Na 2ª dose, acho que pôde escolher e escolheu outra.
Mas o melhor de tudo o que já vi e ouvi foi isto que agora partilho convosco. Muito bom.
Olha a boa do fim de semana: Open Bar de vacina, doses de Janssen e Sputnik liberadas a noite toda! Mulheres com cartão de vacinação entram de graça e homens usando PFF2 pagam meia. O local será divulgado mais tarde nos Stories da Ludmilla.
Como é bom de ver, de desporto pouco sei e da pressão que os desportistas de alta competição sofrem ainda menos.
O que sei é que nunca tive qualquer vontade que os meus filhos levassem demasiado a sério qualquer desporto que praticassem.
A filha de uns amigos nossos, praticamente da idade da minha filha, fazia já não me lembro se ginástica artística se natação. Tenho ideia que praticava ambos os desportos mas posso estar a confundir. O que sei é que um deles lhe consumia várias horas por dia, todos os dias. E que havia provas e que lá andavam eles atrás da miúda.
Tenho também um ex-colega, competentíssimo e afamadíssimo, inclusivamente muito ligado a grandes casos mediáticos, que reduziu à mínima expressão a sua actividade para poder acompanhar o filho que, praticando um certo desporto, se foi dedicando cada vez mais, obrigando os pais a terem staff permanente, nomeadamente um treinador, uma psicóloga e, a tempo parcial, uma nutricionista e um fisioterapeuta. Ele passou a viver para alimentar a dedicação do filho, um adolescente, a esta actividade desportiva.
Nunca percebi esta opção. Pensava sempre que ou o rapaz era egoísta até à décima casa, não se importando por ter o pai reduzido a seu agente, ou era uma vítima da ambição ou exigência do pai.
Lembro-me do meu colega dizer que havia muito trabalho a fazer diariamente, nomeadamente a gestão de patrocínios que, legitimamente, queriam ver resultados, queriam contrapartidas, com quem era necessário aturadas questões discussões jurídicas. E quando eu o questionava por quase viver em função do filho ele relatava-me peripécias e casos em que, se não fosse ele a agir como intermediário, era pressão e perturbação que caía em cima do rapaz, correndo o risco de, segundo ele, lhe fritar os miolos.
Estou a falar de um jovem pertencente a uma família estruturada, sem dificuldades financeiras ou outras e com uma estrutura de apoio que amortecia quaisquer pressões exteriores.
Quando, ao entrar na idade adulta, se percebeu que a carreira do jovem, sendo boa, jamais o levaria aos primeiros lugares, desistiu da carreira e hoje pratica essa actividade apenas por lazer, ou melhor, apenas por desporto.
Imagine-se isto numa outra dimensão, num contexto muito mais profissional e mais mediático, mas com uma jovem que, em menina, a par dos seus irmãos, esteve a cargo de uma mãe com problemas de álcool e drogas, várias vezes presa, sem possibilidade de lhes proporcionar estabilidade ou, até, a alimentação suficiente. Simone Biles viveu consecutivos dias de fome e de medo. Acabaria por ser criada pelos avós. Já adolescente viria a sofrer agressões sexuais por parte do médico que acompanhava as atletas americanas e, segundo tem referido, disso guardou um trauma para o resto da vida, ainda receando que a toquem mesmo que em actos meramente clínicos.
Simone Biles é mais baixa, muito mais elástica e forte do que a maioria das mulheres da sua idade. O que ela faz com o seu corpo desafia as leis da gravidade. Parece levada nos braços de um anjo.
Horas e horas e horas de treino, horas e horas e horas de exercício, de busca da perfeição. Com as câmaras sempre em cima, escrutinada em permanência, Simone, tal como os desportistas de alta competição, está sujeita a uma pressão esmagadora. Ela tem que ser a melhor, a superlativa, a ganhadora de medalhas, a perfeita, o exemplo, a mais resiliente, a mais inspiradora. Se, por acaso, tiver dias de desconforto, dias de hesitação, dias de dor física ou de dúvida terá que escondê-los e ultrapassá-los para que ninguém suspeite de que não é Simone Biles.
As suas articulações, os seus músculos, os seus ossos e a sua força anímica têm que estar sempre no máximo para que, nunca, nada falhe, Nos treinos, Simone corre, salta, eleva-se no ar, rodopia no chão e no ar, contorce-se, aterra e eleva-se e voa. Horas e horas, dias e dias. E, pelo meio, entrevistas, sessões fotográficas.
Na sua cabeça, os seus demónios: a recordação do medo, da angústia e da fome dos tempos em que a mãe se perdia dos filhos, a par da repulsa e da vontade de esconder a memória do toque abusivo de Larry Nassar, devassando o seu corpo inocente.
Enquanto corre para saltar e rodopiar, esses diabos rodeiam Simone. E rodeiam estes e rodeiam os outros, os diabos menores, os diabos avençados pelos mercados, pelos investidores, que alertam: se não continuas a ser a melhor, retiramos-te o tapete, cuidado...
Ao elevar-se para saltar, agora nos Jogos Olímpicos, Simone perdeu momentaneamente a consciência de si, deixou de saber onde estava e, em vez das duas voltas e meia no ar, apenas deu volta e meia. Ao aterrar, vacilou, estremeceu. Nela, super-mulher, perfeita, isto é estranho. Em qualquer outra pessoa, em mim, em si, se nos conseguíssemos elevar no ar meio metro e, ao mesmo tempo, darmos meia volta, certamente ficaríamos sem saber de que planeta seríamos e cairíamos desamparados, estatelados, partidos, no chão. Para nós, não para Simone -- que costuma saltar, voar, encarpar-se, rodopiar, tudo como se fosse um boneco de molas -- que cai sempre de pé, aprumada, elegante e segura.
Nessa altura, quando, no ar, o corpo tentou evadir-se da mente, percebeu que, a continuar, poderia enlouquecer ou cair desamparada, magoando seriamente o seu corpo.
Parou e, corajosamente, explicou o que se passava.
O mundo pasmou com a surpreendente retirada de Simone e com a inesperada confissão. Simone é humana, afinal.
Não sei bem que mundo é este nosso em que se pretende que os bons sejam muito bons, bons demais, excelsamente bons e em que se desprezam aqueles a quem os deuses deixam de levar nos braços. Mas sei que Simone Biles, a gigante, fez mais pelo verdadeiro sentido desportivo e pela necessidade de acarinharmos a humanidade daqueles que admiramos do que mil discussões estéreis e mil palavras cheias de lágrimas de crocodilo.
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Fotografias de Simone Biles, algumas da autoria de Annie Leibovitz.
Sarah McLachlan interpreta In the arms of an angel
Sou absolutamente favorável ao teletrabalho sempre que as funções o permitam, sempre que o trabalhador tenha condições em casa e o deseje.
Trabalhar em casa pode ser tão ou mais produtivo do que trabalhar num escritório.
Do que conheço, as maiores dificuldades estão não do lado do trabalhador mas do lado de quem o chefia. Há chefes que julgam os outros à sua imagem, pessoas que gostam de circular, fofocar, andar de gabinete em gabinete, levando e trazendo, e que imaginam que essa é a única forma de trabalhar. Essas pessoas perdem o chão quando estão em teletrabalho. Há também os que o são à moda antiga: precisam de ter tudo em papel, precisam de quem os alimente com papel, precisam de ver os trabalhadores nos seus locais de trabalho. São chefes que não sabem gerir avaliando os resultados nem sabem traçar objectivos ou definir metodologias: se vêem as pessoas em frente de um computador, admitem que estão a fazer o que devem, se as não vêem pensam que estão de férias.
Sei de casos escandalosos de incumprimento em que os chefiados não fizeram o que deveriam ter feito e em que os chefes não deram por isso, só acordando para a realidade quando algo de grave aconteceu. E aí, como é óbvio, não se auto-responsabilizaram por não terem sabido avaliar se o trabalho estava a ser feito, culpando antes o trabalhador ou o teletrabalho.
Claro que há muitas funções que não podem ser desempenhadas em teletrabalho ou a tempo inteiro em teletrabalho. Mas as que o podem, se as pessoas entregam o trabalho que devem, sabem interagir saudavelmente seja em reuniões remotas, seja ao telefone ou mails, se as pessoas se sentem melhor, equilibrando de forma equilibrada a vida profissional e a vida pessoal, então acho que é estúpido, retrógrado e tacanho não querer aceitar a evidência de que os tempos mudaram.
Da minha própria experiência, tenho que, para mim e para muitas pessoas que trabalham comigo, o teletrabalho é uma bênção nas nossas vidas.
Quando é preciso estarmos presencialmente estamos, quando não é preciso e não queremos não estamos. Há alguns que, de vez em quando, gostam de ir até ao antigo local de trabalho para estarem com os colegas. Não precisam de me dizer nada sobre isso. Não vigio nem controlo a realização das tarefas individuais ou as suas deslocações: quero é que o trabalho apareça feito, a tempo e horas e bem feito. Se o fazem a partir de casa, da praia, ou do escritório tanto se me dá.
Com o fim do desconfinamento, a questão vai voltar a colocar-se. E espero bem que haja a inteligência organizacional suficiente para que, quem decide, pense no bem-estar, na felicidade dos trabalhadores e, claro, na eficiência do trabalho.
Não se aplica a todas as profissões, como é óbvio mas aplica-se a muitas, a muita gente, o suficiente para produzir efeito na sociedade.
O Governo deveria fomentar a adopção do teletrabalho. É o futuro e contra as correntes fortes não vale a pena nadar. O governo deveria, pois, recomendá-lo: incentivando a que as pessoas residam fora dos grandes centros, voltando a zonas abandonadas no interior do país, incentivando a que o movimento pendular casa-emprego-casa seja reduzido, diminuindo tempo improdutivo gasto no trânsito, reduzindo a poluição, criando condições para que muitas famílias não tenham que deixar as crianças quase de madrugada nas creches só as buscando ao fim do dia, melhorando as condições de vida de muita gente.
Será toda uma reorganização territorial a ser pensada.
Sobre este assunto, permito-me transcrever parte de uma interessante entrevista, no DN, a José Magalhães.
Também é coordenador da Comissão de Segurança e Saúde no Trabalho do INE. Juntando esta experiência profissional ao psicólogo como avalia o impacto que teve nos portugueses o facto de muitos terem passado a um regime de teletrabalho?
Vou partilhar consigo a minha experiência mais direta relativamente ao contacto com os colegas no INE. A esmagadora maioria dos colegas, quando ficaram em casa, passado um mês estavam altamente preocupados, achavam que era uma situação cansativa, que não havia possibilidades de movimentação, que se sentiam menos bem. Entretanto, foram criadas condições para se estar em casa. As organizações, neste caso do Estado, o Instituto Nacional de Estatística, não estavam preparadas para ter 600 pessoas em casa. À medida que o tempo foi passando, foram criadas condições. E hoje a percentagem de pessoas que encontraram no trabalho em casa a sua realização pessoal aumentou grandemente. As pessoas estão em casa, conseguem fazer o seu trabalho, conseguem gerir a sua vida e um grande número de pessoas sentem que encontraram na função de teletrabalho o seu sentido de vida profissional. Conseguem estar mais concentradas, mais livres, porque conseguem gerir o seu tempo, na maior parte dos casos trabalham até mais horas sem darem por isso.
O que é que os patrões podem fazer para que as pessoas se sintam seguras e até felizes para regressarem ao trabalho?
É evidente que o teletrabalho não é adaptado para toda a gente, existem áreas onde não é possível. Agora, o que o empregador tem de fazer, na minha opinião, é analisar quais são os postos de trabalho que tem no seu quadro de empresa, seja pública ou privada, que são passíveis de ser feitos em teletrabalho. Depois tem de fazer uma avaliação sobre quem são as pessoas que têm perfis psicológicos funcionais para estar na função do teletrabalho, porque nem toda a gente responde bem ao teletrabalho. Há pessoas que estão em teletrabalho mas que mostram permanentemente uma necessidade de interação, de estar em termos presenciais no local de trabalho, há pessoas que a partir de uma determinada altura solicitaram autorização para ir para o local de trabalho, não conseguiam ter concentração em casa. Se a decisão for fazer regressar toda a gente só porque sim quer dizer que não aprendemos rigorosamente nada com o que estamos a fazer agora. O teletrabalho não é só importante agora porque houve pandemia.
Qual é então a sua mensagem para os empregadores?
É que existe um grupo alargado de pessoas que estão há demasiado tempo em casa e o ser humano é um ser de hábitos e houve pessoas que se adaptaram às rotinas de casa. Portanto, uma decisão para regressar ao trabalho, se for extemporânea, se for apenas uma decisão métrica, no sentido "a partir de agora, estamos todos bem, volta toda a gente", vai causar problemas de saúde mental graves, agudizados, não tenho dúvidas sobre isso. E se quisermos voltar ao tema inicial teremos pessoas menos felizes.
Além de existirem muitos trabalhadores que preferem estar no local de trabalho, também existem muitos empregadores que querem os funcionários por perto, pois acham que em casa não trabalham tanto...
A liderança remota tem de se aprender, as reuniões em situação remota têm de se aprender e, sobretudo, as lideranças têm obrigatoriamente de mudar. Não só em termos da administração pública, também em termos dos privados, as lideranças têm obrigatoriamente de mudar. Continuamos com lideranças muito voltadas para quem é líder e quem é chefe não poder assumir um erro, não poder pedir desculpas, ter de saber tudo, não poder mostrar hesitações. A liderança do futuro é uma liderança participativa e a liderança, se quiser funcionar em termos remotos, mais participativa tem de ser. E, claramente, as lideranças nas organizações públicas ou privadas são de facto o fio condutor para podermos ter trabalhadores felizes, organizações felizes e trabalhos produtivos.
Em tempos não muito remotos eu alimentava o secreto desejo de me dedicar a uma actividade profissional pouco confessável. É uma actividade legal apesar de ser socialmente pouco recomendável.
O meu marido achava (e acha) bem e creio que me incentivará bastante nesse sentido.
Contudo, o tempo vai passando e tenho a sensação que vou perdendo o élan. Estou a ver que nem presidente da câmara nem esta outra coisa.
Tenho em mim um lado muito prático e, o mesmo tempo, talvez já por deformação profissional, muito virada para o bom negócio. Trabalhar para aquecer só aqui mas isto não é trabalhar, é distrair-me, é descansar a cabeça. Mesmo nos meus hobbies gosto de produzir. Tenho inúmeras carpetes feitas em legítimo ponto de arraiolos e réplicas de desenhos originais do séc. XVII e fi-las não apenas com o grande prazer que retiro de fazer trabalhos manuais mas também com a consciência de que estava a fazer coisas de valor. Também fiz durante anos camisolas de tricot ou mantas de crochet porque não encontrava a meu gosto por valor equivalente e sabia que não apenas estava a ter gosto em fazê-las como estava a fazer peças únicas e mais baratas do que arranjaria no mercado. Deixei de fazê-las quando as zaras desta vida (para as camisolas) e os gatos pretos (para as mantinhas) apareceram com oferta de qualidade a valor razoável, deixando as minhas peças de ser competitivas.
Por isso, para a minha actividade eventualmente por vir, tenho na minha cabeça que, antes de me entregar a ela, terei que avaliar se poderei ser bem sucedida e, também, se há quem me possa ajudar a progredir. Quando falo em ajudar, falo em termos profissionais. Não sei bem como mas admito que faria sentido ter um agente que seria remunerado em função do meu revenue.
Trata-se, como deve dar para perceber, de uma actividade que me é estranha em absoluto. Nunca fiz nada, nem de perto nem de longe, nestes domínios. Mas, com a minha matriz profissional sempre a querer impor-me a atenção aos fundamentals, só avançarei depois de conhecer os caminhos a percorrer, depois de ter o know how mínimo necessário e depois de ter antecipado que o resultado será favorável. É aquilo de apenas investir depois de ter o business case sólido e bem estruturado. Ora tudo isso requer tempo e esforço, e, com o tempo a passar e eu ainda presa ao meu emprego tradicional, não sei se vou ter tempo e disponibilidade para isso.
Mas veremos. Não vale a pena antecipar.
Prezo o valor intrínseco das mulheres e acredito que não deveriam ter que disputar o seu lugar seja onde for. Não acredito na superioridade masculina (tal como não acredito na feminina) nem aceito que haja espaços que lhes estejam sonegados.
Claro que, junto da elite intelectual, a igualdade de oportunidades ou de direitos das mulheres já não é tema. Mas a elite é isso mesmo: le beau monde. Fora desse escol, mesmo em meios cosmopolitas supostamente detentores de mentes abertas, acha-se que há um mundo natural dos homens e um mundo natural das mulheres. E, ao falar-se nisto, lá vem à baila a ideia de que o mundo natural das mulheres é primordialmente o mundo da família, da criação dos filhos, da casa. Enquanto isso, segundo essa visão, que é ainda a visão dominante, o mundo dos homens é o mundo do trabalho fora de casa, seja no trabalho, seja na política, seja no desporto ou no lazer em geral.
Salvo as elites intelectuais, em especial nas grandes cidades, o mundo do sexo ou do erotismo em geral é ainda um mundo predominantemente masculino, quer na produção e distribuição de produtos (sejam filmes, objectos ou locais de prazer) quer no que se refere ao seu consumo.
Ora estou em crer que não há por que ser assim. As mulheres estão numericamente em maioria e são tão ou mais sensíveis ao erotismo e à ousadia do que os homens. Aliando a isso a de que são naturalmente mais disponíveis para o consumismo do que os homens, temos que há um imenso mercado por desbravar.
Ou seja, creio haver mercado para que as mulheres se afirmem assertivamente neste mercado, quer como produtoras quer como consumidoras.
Por ser assunto que me interessa, fico especialmente agradada quando percebo que actividades que se situam nesses ambientes são lideradas por mulheres e que, imagine-se, estão a bombar.
The KK Group’s brands empower women from the bedroom to the boardroom. We create experiences—both online and offline—that inspire the next generation of independent women.
Killing Kittens was founded in 2005 by Emma Sayle in response to demand from young, independent single girls and couples who needed something more. The world’s most exclusive, decadent and hedonistic parties were created, fully focused on the pursuit of female pleasure. Girls remain at the forefront…in control, knowing what they want whilst also empowering adventurous couples the world over.
Since 2005, Killing Kittens has evolved and expanded beyond organising parties. An online community of over 100,000 women, gentlemen and couples has been formed – chatting, flirting and socialising all over the world.
Durante o confinamento, as Killing Kittens viraram-se para as festas virtuais mas, agora que (um bocado incompreensivelmente) a liberdade já foi decretada lá por terras de Sua Majestade, as festas esgotaram. Tal como aos tempos de guerra se sucedem tempos de farra, celebração com libertinagem à mistura, parece que o mesmo vai acontecer depois da era covid. Enquanto em casa muitos casais vêem a sua relação corroída e as separações disparam, os corpos parece estarem ansiosos por partir à aventura, à descoberta de novas sensações, de novos parceiros, de novas experiências.
Festas de mulheres, nos quais os homens são os convidados das mulheres. Aposto que é o paraíso para eles. Estarem numa festa de mulheres desinibidas, serem voyeurs e jouets, creio ser o sonho de grande parte dos homens. E para elas, sentirem-se livres, poderosas, terem a primeira e a última palavra, poderem pôr e dispor dos homens, é também porem o pé naquilo que deve ser o paraíso.
Não sei se sou suficientemente ousada para participar numa festa destas mas gostaria muito de lá fazer uma reportagem: fotografar, fazer perguntas, mergulhar na devassidão e liberdade daquele ambiente.
Enquanto isso não acontece vou mas é ver se mantenho viva a chama da minha segunda vocação para ver se, daqui por algum tempo, me dedico de corpo e alma ao que, se calhar, é aquilo para que nasci.
Algumas pessoas não cabem dentro da esquadria normal. Talvez seja porque não são tridimensionais como as que se enquadram sem dificuldade.
Mesmo sem querer, todos nós traçamos as linhas em que a movimentação dos outros nos parece razoável, linhas que, mesmo sem darmos por isso, se instalam como linhas vermelhas: linhas do bom comportamento, da religião, da ética, do respeito pelos outros. Somos mais ou menos tolerantes... mas deste que o outro não pise nunca esses riscos.
Tenho também ideia que só quem tem a coragem ou a inconsciência de sair da esquadria é que consegue furar a malha do status quo para fazer a disrupção que, de vez em quando, é precisa.
Podemos querer que, quando o momento o pede, consigam destacar-se da mediania e sejam mais corajosos, visionários, criativos e audazes do que todos nós -- e, ao mesmo tempo, fora disso, sejam bem comportados e iguais a todos nós. Contudo, penso que isso é uma equação impossível.
Talvez por isso, de quase todos os que ficaram para a história se conhecem excessos, desvios, excentricidades, maus passos.
A ideia que tenho é que Otelo é bem exemplo disso: um daqueles seres que não encaixa bem em nada e que, quando foi preciso, se chegou à frente e avançou de peito feito.
Na escola teve faltas de mau comportamento, foi suspenso. Sempre foi extrovertido, truculento, utópico. O palco e as câmaras atraíam-no. Não temia o mediatismo nem o confronto.
Não tinha ainda quarenta quando se deu o 25. Amigo da coboiada, certamente sempre pronto para uma cena, em especial se prometesse conspiração -- mesa virada, pratos partidos e 'ir aos cornos' a quem estivesse a pedi-las -- preparar o 25 deve ter sido uma coisa épica: adrenalina e testosterona em dose dupla, provavelmente tudo condimentado com palavrão e gargalhada, e bem regado com umas bjecas bem fresquinhas.
No 25 a coisa deu-se e deu-se com uma grande pinta: a missão não poderia ter sido melhor cumprida. Vimo-nos livres do sarro de antanho, despimos o cinzentismo e o bafio de décadas, sacudimos o pó salazarista e marcelista que não deixava a malta respirar, a liberdade veio para a rua e a democracia começou a dar os seus passos.
Claro que a seguir Otelo continuou a fazer das suas. Deslumbrou-se, encandeou-se, pisou o risco, desiludiu-se, quis reencontrar o espírito inocente dos ideais revolucionários, de vez em quando disse o que não devia, de vez em quando fez o que não devia. Anos depois de ter ajudado a conseguir a libertação dos presos políticos, os seus excessos levaram-no, a ele mesmo, aos calabouços.
Não se consegue amestrar uma pessoa assim. A cada momento mostra que desconhece esquadrias. Ou, se as conhece, está-se nas tintas para elas pois tem muitas outras coisas em que pensar.
Antes, calhava muitas vezes estar a conduzir, do almoço para o escritório, enquanto na TSF passava a playlist de pessoas conhecidas. De todas as que ouvi, as pessoas introduziam o tema explicando porque é que ele as tinha tocado ou porque é que o cantor lhes era especial. Otelo foi diferente: Otelo cantava as canções, a sua voz juntava-se à de Sinatra ou a de quem quer que fosse, misturava-se com a música. O seu à vontade, a sua joie de vivre foram, como sempre, patentes. Facilmente o imaginávamos a dançar, a cantar 'a casa da mariquinhas' nos seus encontros de amigos.
Destemperado, desalinhado, com uma energia e uma alegria sem peias, na vida amorosa também não se aguentou nos eixos. Tinha duas mulheres que, por o compreenderem e amarem, aceitaram que repartisse a sua vida entre duas casas. E ele assumia isso sem pejo ou pudor.
Otelo foi um homem que não coube em esquadrias -- e a quem muito devemos. Quanto ao resto, temos que encarar como efeitos colaterais que, por muito que nos custe ou que custe a alguns, devem ser relativizados.
Quando ouvi que tinha morrido senti um abalo interior, como se Otelo, o eterno jovem, estivesse a atirar-nos à cara que tudo é perecível nesta vida e como se, com a sua morte, o 25 de Abril de 1974 passasse agora a ser coisa do passado.
Mas é assim que as coisas são...
... e a vida continua.
Desejavelmente sempre com um cheirinho de alecrim.
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O primeiro cravo foi pintado por Leora Baranes e os últimos por Lori Twiggs. Dos graffitis com os cravos de Abril não sei quem são os autores
Talvez seja por estarmos na silly season que ou há notícias que revelam a desgraça que se aproxima a passos largos -- secas extremas nuns cantos do mundo, inundações diluvianas noutros, tempestades, calores inaguentáveis -- ou há outras que contam a pequena história que pode atormentar a vida de gente que não faz parte da história ou há irrelevâncias que nem aos pés da pequena história chegam.
Gostava de ter de que falar mas sinto que não tenho.
Se isto fosse um diário, eu falaria de tudo. De cada assunto por mais sensível que fosse, de cada pessoa da família, de cada conhecido ou amigo, falaria de quem gosto e de quem não gosto, de quem estou cansada ou de quem tenho saudades -- e falaria por extenso. Diria exactamente o que penso, o que me preocupa, o que me alegra, o que me apetece, o que me causa repulsa, o que desejo, o que temo. Falaria com nomes, com as palavras todas. Assim, com isto que escrevo a andar por aí, pelos ares, pelas vossas casas, pelas vossas mãos, não poderei ser muito sincera.
Vou contando umas coisas, umas pinceladas. Mas raramente sou totalmente explícita.
Se contar como foi o meu dia não o conto porque ache que é digno de registo mas porque me apetece escrever e, à falta de melhor assunto, falo do que aqui tenho à mão de semear. Mas fico-me pelo que está mais à vista. Não falo do que está sob a capa da pele. Não escavo muito fundo. Acho que não devo. Não aqui.
Por exemplo, sobre este sábado. Foi muito bom. De manhã os rapazes que estão no jardim tocaram à campainha várias vezes e queriam perguntar coisas ou queriam isto ou aquilo e o meu marido estava farto, dizia 'estou farto destes gajos'. Ainda por cima, como não usam máscara e ele em casa logicamente está sem máscara, de cada vez que tocavam à campainha ou chamavam lá tinha ele que ir pôr a máscara para ir ver o que queriam.
Fui a um dos quartos espreitar o que andavam eles a fazer e, para meu espanto, vi-os sentados à sombra, no chão, comendo uma sandes. Antes tinham-me parecido uns homens feitos e, no entanto, ali sentados, pareceram-me uns rapazinhos.
Perto da hora de almoço, depois deles terem saído, fomos fazer a nossa caminhada. Foi maior do que habitualmente. Gostei muito.
Depois de ter tido aquela cena cardíaca cansava-me um bocado, faltava-me o fôlego, ao fim de um bocado ficava até com receio de continuar não fosse depois não conseguir fazer o caminho de regresso. Como me tinham dito 'nada de esforços, agora uma vida calma; e se sentir dores no peito, indisposição ou dificuldade em respirar ligue para o inem', quando estava a andar, se sentia alguma dorzinha no peito ou nas costas ou se, a falar, me parecia que o ar quase me faltava, ficava logo a pensar que podia ser sinal de alerta. Estávamos a andar e o meu marido a vigiar-me, a perguntar se queria andar mais devagar ou regressar. Por isso, agora que voltei a fazer caminhadas normais sem me cansar, fico toda satisfeita. Claro que não me esqueço do meu bcre mas acho que começo a perceber que sou capaz de viver bem com ele. Ainda não fui ao cardiologista deste que fiz aquela coisa do holter que não apenas voltou a confirmar o dito bcre como assinala para lá mais umas coisas. Uns médicos conhecidos já me disseram que acham que não são coisas, que são coisecas, mas que o cardiologista é que o dirá.
Mas, seja como for, há o que eu sinto. E eu, so far so good (e já bati três vezes na madeira para não atrair) e, por isso, fico toda feliz da vida se faço caminhadas mais puxadas sem me torcer nem me amolgar.
De tarde chegou a trupezinha da minha filha. A do meu filho está de férias, a norte. Os meninos foram andar de bicicleta e nós andando a pé atrás deles.
Depois foi aqui um fartote de rir. Muito eu me ri com eles. Cantoria e palhaçada da grossa. Chorei a rir. Até tenho aqui um vídeo em que não se vê a cara deles, todos de capuz a cobrirem o rosto, e em que estão a cantar o hino de Portugal. Mas está tão divertido que temo que algumas mentes mais sensaboronas pensem que é falta de respeito. Claro que não, é apenas boa disposição e irreverência.
Um dos meninos atou as mangas à cadeira e cantou assim. Depois levantava-se com a cadeira no rabo. Só visto.
A seguir, o outro fez o mesmo mas, não sei como, desequilibrava-se e caía agarrado à cadeira, rebolava-se com a cadeira às costas. A minha filha ia levantá-lo e quase caía também, tanto se ria. Uma maluqueira.
A seguir preparámos um lanche ajantarado e estivemos na rua até depois das nove. Estava-se mesmo bem.
Ao longo da tarde fomos recebendo fotografias dos turistas nortenhos e a menininha até tentou fazer uma reportagem em directo, em chamada de vídeo, para nos mostrar a bela casa em que estavam. Mas tinham pouca rede e não conseguiu.
A minha filha ligou para a minha mãe e vi que estiveram imenso tempo na conversa. Fisicamente não poderiam ser mais diferentes: a minha mãe muito clara, muito loura, de olhos azuis, e a minha filha morena, cabelos e olhos escuros. Mas, há nelas muitas afinidades.
Enquanto isso, o meu marido aproveitou para estar deitado na sala a ver televisão ou cá fora, sossegado, apenas a ouvir-nos e, creio, a vigiar-nos, em especial a mim. Diz que sou a pior de todos.
Mas tenho para mim que ao ar livre o corona anda de asa delta, bem longe de se enfiar nas nossas vias respiratórias. Mas o meu marido não facilita e incomoda-se por me achar tão desprendida. De vez em quando diz que só se chateia com o que acha que é a minha falta de cuidado por dormir comigo. Nunca mais acaba este pesadelo da covid -- essa é que é essa. Quando se pensa que já se está a dar-lhe a volta, eis que ressurge, assanhada. Uma chatice.
Quando penso que estou mesmo a precisar de férias e que bom mesmo era ir de passeio, andar por aí, percorrer as margens dos rios, ver paisagens, mergulhar nas montanhas ou, mesmo, ir a banhos até Lagos, ocorre-me que isso teria implícito andar em restaurantes ou ficar em locais fechados (quartos de hotéis, por exemplo) e que sei lá se quem lá esteve antes não estava infectado ou se as pessoas da cozinha dos restaurantes estavam de boa saúde, com máscara, com todos os cuidados. E não venço este receio. Nem eu nem o meu marido (e, para desgraça da malta da hotelaria, nem muito mais gente).
Um dia destes vamos ter que aprender a passar por cima destes receios. Mas acho que isso só vai acontecer quando os números baixarem e quando nos sentirmos mais confiantes quanto ao grau de imunidade ou segurança que a vacina confere.
Portanto, até lá, vamos ficando por aqui mesmo, curtindo o ambiente familiar, convivendo uns com os outros, desfrutando a sorte de nos termos uns aos outros, de estarmos bem e de termos a sorte de podermos fazer parte do nosso dia a dia ao ar livre. E viva a vida que o resto são peanuts que não interessam nem ao menino jesus.
E, se nada tenho para dizer senão cenas da minha vidinha, pelo menos tenho para mostrar.
O vídeo abaixo, mais um com a qualidade Green Renaissance, é bonito. Fala de amor e poucas coisas há de tão boas como o amor.
Love is so much more than some random, euphoric feeling. And real love isn't always fluffy, cute, and cuddly. More often than not, real love has its sleeves rolled up, dirt smeared on its arms, and sweat dripping down its forehead.
Real love asks us to do difficult things - to forgive one another, to support each other, to comfort and care for each other - through some of the most difficult times of our lives. Falling in love is falling into all the wonder and the pain that life has in store for us. Falling in love is one of the most wonderful journeys we can make.
Só para dizer que estou para lá de pedrada. Os dias têm sido demasiado matutinos o que desestabiliza esta noctívaga que vos escreve: um dia são os que estão a fazer um arranjo no jardim que chegam antes das oito, fazendo uma algazarra em que não se acredita, outro dia sou eu que vou fazer análises em jejum e, porque tenho reuniões a seguir, tenho que ir à hora a que as galinhas sacodem a noite, outro dia é o meu marido que está com espertina e mexe-se e remexe-se não me deixando dormir sossegada. Um karma.
Hoje foi um misto de quase tudo isso acrescido de uma reunião que começou à primeira hora e que durou até à hora de almoço, deixando-me exaurida.
Quando, finalmente, me calcei para ir para a caminhada, toca-me o telefone. O meu marido, que queria almoçar cedo para ir comprar umas peças e estar de regresso a horas de expediente, ficou passado, que eu despachasse o telefonema. Impossível. Ele ia de férias, tínhamos que pôr a conversa em dia. Conversa demorada, muita coisa a combinar.
Fiz sinal ao meu marido que fosse indo. Meia hora depois fui eu. Liguei-lhe. Caminhámos na direcção um do outro e ainda fizemos um pouco do percurso juntos.
Depois foi tudo a despachar, mails e mais mails, telefonemas e mais telefonemas -- até que chegou a trupe da minha filha e depois a do meu filho.
Como tinha concentrado tudo até essa hora e sabia que haveria de concluir algumas tarefas ao fim do dia, consegui ir com os meninos e as meninas grandes para o parque.
Quando se encontram, os meninos têm sempre coisas a contar: a minha menina linda, que anda com os olhos muito mais claros, contou que fez surf, que anda a ter aulas -- e demonstrou como é --, os primos, que sabem como é porque já tiveram aulas e praticam com o pai, rebateram, ela disse que não, depois comentaram a tshirt futebolística que o aniversariante recebeu e falaram de outras coisas que mal percebo. O menino mais pequeno, sempre tão querido e tão bonito, faz-me perguntas sempre oportunas e perspicazes e voltou a lembrar-me aquilo do super-herói.
Por enquanto, ainda ficam todos na maior alegria ao brincarem juntos no parque. Mas acredito que dentro de um ou dois anos, pelo menos os mais crescidos hão-de distanciar-se das brincadeiras mais infantis. Aliás, hoje, os três rapazes mais crescidos ou jogaram futebol ou fizeram uma coisa que não sei se dá pelo nome de slide mas que são coisas que já nada têm a ver com escorregas, baloiços ou coisas afins.
E depois voltámos a casa, lanchámos, cantaram-se os parabéns a você, ainda dançámos (os que são de pé leve), ou seja, estivemos juntos que é o melhor e mais importante.
Os meninos crescem e mantêm-se amigos, unidos, e acredito que se sentem amados e felizes.
Abraço-os, beijo-os. Estamos de máscara e ao ar livre pelo que os meus abraços e beijos são covid free. O meu marido lamenta-se: 'já não digo nada'. Não acha bem. A minha nora diz que um deles deve estar carregadinho de covid, que teve um menino com covid na sala. Mas preciso destes abraços e beijos e tenho cuidado pois abraço-os pelas costas e beijo-os na nuca. Penso que eles sabem que a sua Tá não passa sem eles, meus meninos mais queridos.
Quando, ao fim do dia, ficámos só os dois e arrumámos o que havia a arrumar, fui ligar à minha mãe e fotografar a minha exuberante brugmansia suaveolens que, desde que foi aparada, deu em over reacting desatando a parir uma chuva de flores que, ao fim da tarde, quando exalam aquele aroma alucinogénio, atraem abelhas e abelhões que se atiram de cabeça inebriados por aquele perfume sedutor.
A seguir, como não tinha que fazer jantar -- e a bem dizer, também não tínhamos fome para jantar -- pusemos The Crown e eu resolvi vê-la reclinada. E, claro está, imediatamente a coisa se deu. Quando dei por mim foi quando chegou uma mensagem. Disse: bolas, estava quase a dormir. O meu marido disse: quase...? estás dormir há meia hora!
Acho que exagerou. Mas que me tinha apagado, tinha.
Entretanto, já despachei o que me faltava. Não gosto de ir para fim de semana com pendências. Mas, confesso, estou que já não me aguento: não faço outra coisa senão estar para aqui só a bocejar. O meu marido, claro, já dorme a sono solto.
Pelo menos não precisamos de ir ao supermercado neste fim de semana pois fomos na quinta ao fim da tarde, e bem puxado foi.
O meu marido há pouco estava um bocado aborrecido comigo: que não vejo a tensão há vários dias, que ando outra vez a trabalhar demais, que voltei a ir para a cama tarde demais. Diz que parece que não aprendi nada. Não respondo pois receio que tenha razão. Mas não quero que seja assim, tenho que meter travão às quatro rodas.
Este sábado talvez seja relativamente tranquilo. Contudo, antes das oito devo estar a ser acordada e isso não é bom para mim pois preciso dos fins de semana para repor as baterias do sono. Mas, enfim, nada a fazer.
Ou melhor, o que há a fazer é, em vez de carpir, curtir -- estar na boa, partilhar a boa onda.
E, por falar em boa onda e em pé de dança, deixem que partilhe convosco um tango dançado com graça e entrega. Vejam, por favor, pois vale muito a pena: é inesperado e muuuuiiito divertido.