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domingo, dezembro 28, 2014

Grandes Bibliotecas do Mundo, Grandes Escritores do Mundo. Alguns dos meus livros de 2014, algumas das bibliotecas onde gostava de me perder. E dancemos. Fica no singelo.


No post abaixo, partilhei um vídeo em que, em pouco mais de um minuto, se diz tudo o que de importante há a saber sobre o verdadeiro motor da dívida dos países: o lado sinistro da Banca descrito em meia dúzia de palavras.

Mas isso é mais abaixo. Aqui, agora, a conversa é outra.

Bibliotecas, terra de perdição, memórias maravilhosas, sonhos longínquos, labirintos onde ainda quererei perder-me. Apenas algumas das mais belas.

E livros que me acompanham, aqui junto a mim, presenças materiais que toco e leio de quando em vez. Apenas alguns. 

Se estiverem de acordo, vamos com música, uma música muito límpida.


John Taylor - Middle Age Music




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Biblioteca Joanina, Coimbra




Portugal’s João the Magnanimous astonished the rector of the University of Coimbra by telling him that his request for help towards library facilities was too modest; the lavish result was financed with gold reserves that had been recently discovered in Brazil. - THE TELEGRAPH



E quando a professora afirmava, com indiscutível autoridade, "O nosso país tem tudo" ou "Salazar é a Grande Luz", eu e os outros, tenros de idade, facilmente impressionáveis, sentíamos uma satisfação igual à que sentem os ricos e os protegidos.

Por sobre essa grandeza do tamanho havia a da História, Portugal nascera do conselho que Deus, em boa disposição, dera num dia de 1139 a Afonso Henriques, o primeiro rei. E desde então, cada vez que, por descuido ou boa-fé, o país se encontrava à beira do desastre, a intervenção divina nunca se tinha feito esperar, o Senhor aparecendo pessoalmente aos reis ou, como em 1917, delegando Nossa Senhora de Fátima para proteger Portugal, e através dele o Mundo, contra o dragão comunista.


J. Rentes de Carvalho in A Flor e a Foice


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Biblioteca do Palácio de Mafra



Since its opening in 1771, the Mafra Palace Library has been home to a colony of tiny bats; they roost behind the cases in winter, and in the orchard outside in the summer, swooping in during the night to eat insects which would otherwise damage the books. - THE TELEGRAPH



Quando o leitor estiver a ler esta carta as favas já terão sido plantadas numa leira mesmo aqui ao lado. Fizemo-lo precipitadamente no final da semana passada porque a meteorologia anunciava chuvadas torrenciais e, ficando tudo empapado de água, o tractor não poderia arrastar a frese que misturava as favas de semente com a terra. É claro que as favas já deviam ter sido plantadas há um mês. Toda a gente sabe que a fava se planta "entre os Santos", quer dizer, entre o dia de Todos-os-Santos, 1 de Novembro, e o dia de S. Martinho, 11 desse mesmo mês. Toda a gente sabe mas já ninguém o faz. Todos procuram adiar o plantio tanto quanto possível porque "isto agora é assim", como dizem os mais velhos, ou seja, porque agora é frequente haver ainda geada sobre os campos na época tradicional de floração das favas, Abril, e a geada mataria as plantas. Foi a ameaça de chuva a cair durante vários dias que obrigou a plantar imediatamente.


Paulo Varela Gomes in Ouro e Cinza


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Library Parabola, a sala de leitura da British Library



Library Parabola is the reading room of the British Library and is said to be the birthplace of the Communist Manifesto - THE TELEGRAPH



Na biblioteca da universidade vagueava por entre as estantes, por entre os milhares de livros, inspirando o odor bafiento a couro, tecido e papel ressequidos como se fosse um exótico incenso. Por vezes parava, tirava um volume de uma prateleira e segurava-o um instante com as suas mãos grandes, que eram tomadas por um formigueiro perante essa sensação ainda nova da lombada, da capa cartonada e das folhas de papel que se lhe ofereciam sem resistência. Depois, folheava o livro, lendo um parágrafo aqui e ali, os seus dedos hirtos virando as páginas cuidadosamente, com medo de, desajeitados, rasgarem e destruírem aquilo que tinham descoberto com tanto esforço.

Stoner não tinha amigos e, pela primeira vez na vida, tomou consciência da solidão.


John Williams in Stoner


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The Theological Hall, Strahov Abbey, Praga, República Checa




The Rococo ceiling of the Theological Hall at Strahov Abbey was added 40 years after the room was initially completed; the masonry vaulting offered a degree of protection from fire – a huge problem in medieval and Renaissance libraries as coal or wood fires were used for heating.- THE TELEGRAPH



E entregara-se a ele, totalmente.

Dera-lhe tudo, de boa vontade e com pleno consentimento, sentindo a alegria de dar tudo o que se tem a quem se ama... Dar... e nunca mais ver o que tinha visto no primeiro encontro depois de ter voltado dos campos de batalha: um Olivier frágil, trémulo, como um cavalo doente; um Olivier esfomeado e sedento, um homem todo marcado pela morte e pela violência nos campos de batalha.

Madeleine era o pão. E disse para ele: "Come-me!" Entregara-se toda, o seu corpo como pão devorado por um homem esfomeado, sentindo os lábios a arder e o corpo todo aberto. 


Jean Giono in O grande rebanho

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Admont Abbey Library





The books in the abbey's original collection were rebound in white at enormous expense  to match the rest of the decorative scheme. The bronze sculptures are actually made from wood. - THE TELEGRAPH



O segredo tem, aqui, realmente o seu domínio activo. O potentado, que dele se serve, conhece-o exactamente e sabe muito bem avaliá-lo em função da sua importância no momento. Sabe aquilo que está espiando, quando quer obter alguma coisa, e sabe quem, entre os seus auxiliares, emprega para espiar. Tem muitos segredos, pois quer muita coisa, e reúne-os num sistema em que se acautelam uns aos outros. Confia a um isto, a outro, aquilo, e zela para que eles nunca se possam juntar.

Todo aquele que sabe alguma coisa é vigiado por um outro que nunca sabe, porém, aquilo que efectivamente vigia no outro.


Elias Canetti in Massa e Poder


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Rijksmuseum Research Library, Amsterdam





Livro a livro, dia a dia, verso a verso
se teceu de mais noite o que antes fora dia.
Mas antes de morrer olha o que foi disperso
de tudo o que amaste e que a ti te fazia.

Olha os dias de inverno quando eras tão novo
que nem frio nem morte se lembravam de ti.
As montanhas à roda e um grito de novo
a nascer do olhar e do amor que não vi.

O peso da memória? Não, antes leveza
de uma cidade viva só nesta glória
que chamo quem conheça a cantar na certeza
que vivemos os anos por detrás da História.


Luís Filipe Castro Mendes in A Misericórdia dos Mercados


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E a dança, os corpos em festa: Fica no Singelo de Clara Andermatt





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Permitam que relembre: já a seguir há um vídeo curtíssimo mas muito objectivo na descrição de quem está nos bastidores a provocar dívida e a controlar quem cai na armadilha.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo.

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domingo, agosto 31, 2014

'E se os bárbaros vierem desta vez?' e 'A palavra no osso' - Ana Cristina Leonardo no seu melhor no Actual e o Expresso de parabéns por saber valorizá-la. Os leitores agradecem.


Eu sei que, no post abaixo - no qual falei na oposição a sério ao Governo feita este sábado por Marques Mendes na SIC (e agora até me estou a lembrar que o PS e o PCP bem que poderiam aprender com ele em vez de andarem na brincadeira, como andam) - disse que o post seguinte seria sobre o que andei a fazer durante o dia e que ia mostrar fotografias e tudo.

Mas, como também referi, pelo meio ainda ia dar uma espreitadela ao Expresso. E assim fiz. E aqui estou para dizer uma coisa que me faz adiar para amanhã a reportagem fotográfica prometida.









E o que quero dizer é que gostei muito da crónica da Ana Cristina Leonardo 'E se os bárbaros vierem desta vez?'. Muito justamente o seu espaço no suplemento Actual do Expresso chama-se Isto anda tudo ligado pois de liaisons, geralmente pouco inocentes, se constroem os textos de Ana Cristina. 


Desta vez, começa por ir buscar a abertura de 'Este país não é para velhos' para citar Cormac McCarthy e para depois perguntar, ela própria, Como se enfrenta o Mal sem arriscar a alma?

Um pouco mais adiante, Ana Cristina  prossegue: É impossível para quem esteja minimamente atento ao que acontece no mundo, não ter dado conta dos profetas da destruição. Perseguições e limpezas étnicas e religiosas, mortandade desenfreada, violações de mulheres, raptos de jovens e crianças, execuções sumárias, gente enterrada viva, conversão ou morte! Como uma onda gigante que se adivinhou muito ao longe e que vem galgando o mar já próxima das margens. No terreno onde tudo isto germina jorram poços de ouro negro, estende-se uma manta de petróleo. Convém não esquecer. Perante isto há quem olhe atónito a televisão, leia, incrédulo, as notícias, vá sabendo coisas de que preferia continuar ignorante. Há cerca de 70 anos, a Europa despertava do pesadelo nazi levado a cabo em nome da superioridade rácica. Hoje o que se ouve são gritos de 'Allah Akbar'. A burocracia da morte foi substituída pelo tumulto guerreiro mas depois de Auchwitz ninguém terá perdão se desviar o olhar.


Mais uma crónica marcante de Ana Cristina Leonardo. 

Têm sido variadas e todas muito boas as suas crónicas. No outro dia escreveu uma outra cheia de sul, de sol, de cheiro a figos, de sons da infância. Sendo eu neta de algarvios que rumaram a norte mas que conservaram lá as suas raízes, revi-me naquelas palavras. São assim, como ela as descreveu, as recordações que tenho das estadias nas casas das tias e primas que por lá ficaram. Lembro-me das casas caiadas rodeadas de campo, da quietude noctívaga das casas, do latido abafado dos cães, da sombra de um gato a equilibrar-se num muro, da robustez das figueiras, do leite viscoso dos figos, do aroma inebriante das alfarrobas na zona de Loulé, lembro-me de uma casa grande e fresca numa rua de Faro, do olhar reptiliano das gaivotas e do gingado nervoso das andorinhas-do-mar, de faróis, do horizonte iluminado por traineiras, da rouquidão dos motores que passam ao largo apontando à barra, lembro-me de outras casas, de outras vozes, de outros calores. Estava lá tudo, na bela crónica de Ana Cristina.

Esta semana assina também uma excelente recensão: deu-lhe o título A palavra no osso e fala do livro Ouro e Cinza de Paulo Varela Gomes. Ultimamente têm sido bissextas as suas incursões nesta área e é pena. Esta de hoje não apenas está muito bem escrita como dá uma visão muito clara do que deve ser o livro e, lendo a sua opinião, dá vontade ir conhecê-lo. Quando regressar à cidade, irei certamente comprá-lo.


Transcrevo parte do seu texto: O rigor da informação presente na frase serve-nos de trampolim: (...), não existe na escrita de Paulo Varela Gomes uma palavra a mais nem uma palavra a menos. Apenas a palavra (eticamente) justa. Ao rigor da sintaxe alia-se o rigor semântico. Em contracorrente, o edifício de palavras construído por P.V.G. não corre o risco de se desmoronar no vazio. Aqui não há crochet, há carpintaria. Não há frases em bicos de pé, há proposições com sentido. 


Os seus textos e os de Pedro Mexia, quer nas crónicas quer nas breves (e irregulares no caso dela) recensões críticas são das razões que me fazem ter vontade de ler o Expresso, fidelizam-me como cliente do jornal em papel.

Depois de no outro dia ter criticado a falta de critério na selecção de alguns colaboradores para o Expresso Diário não posso agora deixar de felicitar o Expresso pela valorização de Ana Cristina Leonardo como crítica literária. E, se me é permitido, aqui deixo uma sugestão:  bem que a sua crónica semanal Isto anda tudo ligado poderia ter mais espaço e estar em lugar de maior destaque.



Critico quando acho que devo criticar, louvo quando acho que devo louvar. E isto aplica-se a tudo e a todos.


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A música lá em cima é Big My Secret de Michael Nyman e faz parte da banda sonora de The Piano. Acho que liga bem com a Ana Cristina Leonardo.

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E por tudo e por todos, permitam que vos diga que, caso queiram saber o que achei da charla semanal de Marques Mendes na SIC e do que acho dos socialistas e comunistas que nem a brincar sabem fazer oposição, deverão descer até ao post já a seguir.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores um belo dia de domingo.