sexta-feira, novembro 30, 2012

Quando lá chego e ainda não está ninguém, preferia que a luz estivesse apagada




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Preferia que as luzes estivessem apagadas quando lá chego antes da hora. Geralmente tento chegar antes das outras pessoas.

Atravesso Lisboa por uma das vias mais movimentadas. Gosto de conduzir ao lusco fusco, quando a noite tomba e as luzes da cidade se acendem. Ouço música, hoje era violoncelo, um lamento, e esgueiro-me entre os outros carros conforme posso a ver se chego antes.

Em alguns dos mais modernos edifícios de escritórios da cidade, edifícios totalmente envidraçados, transparentes, quando o escuro cá fora realça as luzes do interior, as pessoas parecem pequenos animais em gaiolas, muitas gaiolas. Ali andam, pequenas e insignificantes, as pessoazinhas que fazem com que os serviços do país funcionem. Formiguinhas, bichinhos, gente indistinta a quem os governos podem facilmente atropelar. Olho-as: podiam ser pequenos números animados, podiam ser células de uma folha de cálculo; mas, por acaso, são apenas pessoas enjauladas. 

Com o telemóvel vou fotografando estas gaiolas transparentes cheias de pequenas e inofensivas figuras e fico cheia de pena delas, de mim, de nós.

Depois chego. Dispo-me rapidamente e visto o meu fato de banho de natação, azul escuro, coloco a touca, também azul, e atravesso a porta que me separa da piscina.

Ao contrário das piscinas dos hotéis ou das piscinas públicas em que a água está morna, ali não, ali está quente, 33 ºC.

Se não está ninguém, chego a um espaço azul só para mim, paredes azuis, piscina azul e entro na água quente. Tão bom.

Na parte em que gosto de estar a água tem um metro e quarenta de altura. Se eu estiver de pé, a água cobre-me o corpo até ao peito e é quente a água em que o meu corpo se envolve, um manto macio de veludo azul.

Nado tranquilamente, livre, liberta. Preferia que as luzes estivessem apagadas. Preferia que o veludo fosse azul escuro, preferia que o espaço cá fora também fosse escuro, íntimo.

Mas, mesmo assim, é uma sensação apaziguadora, aquilo de que qualquer pessoa precisa.

A seguir começam a chegar os meus companheiros e a fisioterapeuta, vestida de branco. Nessa altura, começo a fazer os meus exercícios como se tivesse chegado naquela altura. Os meus exercícios começam sempre por andar de ponta a ponta, várias vezes, com os pés no chão, assentando a sola do pé no chão. Caminhar dentro de água, numa piscina cheia, não é fácil, a água oferece resistência e o nosso corpo tende a deixar-se levar pela impulsão.

Os meus companheiros não são muitos, em média seremos entre seis e oito. Quando estamos todos, estou eu, uma senhora de alguma idade, muito bonita, com uma touca branca, tem uma bursite, mal mexe um ombro, uma outra muito conversadora que partiu uma perna, um senhor bem mais velho que eu que está aflito das costas, uma miúda muito novinha com problema nos joelhos, e uns três rapazes, altos, atléticos, cabelo rapado que aparece sob a touca, fortes bíceps, um está aflito das costas, vai ser operado, outro está muito atrapalhado com um joelho, mal pode andar, o outro não sei, tem a cana do nariz amolgada mas não deve lá estar por isso. Pelo físico que têm, presumo que se tenham lesionado a fazer desporto. São muito bem dispostos, conversam uns com os outros, riem, metem-se com a fisioterapeuta que é novinha, e tratam a senhora de idade por 'amor'. Mas a população não é fixa. Há dias em que não estão alguns destes e está uma senhora chinesa, elegantíssima, com um sorriso discreto, outras vezes não está o senhor com dores nas costas e aparece outro, muito sisudo, que não sei de que padece. Quando as pessoas chegam, ao cruzarmo-nos uns com os outros, sorrimos ao de leve, e prosseguimos com os nossos exercícios.

Gosto muito destes exercícios dentro de água quente e gosto, em especial, no fim, da massagem com jactos de alta pressão, jactos submersos. É, então, um veludo quente em sobressalto, e o corpo agradece.

Depois da hidroterapia, passo para a electroterapia, ondas curtas e ultra-sons. Num gabinete silencioso, com uma luz moderada, depois de quase uma hora dentro de água quente, falta sempre pouco para adormecer. A tranquilidade invade de novo o meu corpo. Ouço, do lado de lá da cortina, as vozes das fisioterapeutas, dos doentes, conversam de tudo, mas não lhes presto atenção. Por vezes, dou por mim de olhos fechados.

Aqui são cerca de trinta minutos. Depois vou até ao ginásio. Exercícios, pesos, eléctrodos, alongamentos e, também, massagem.

Ao meu lado, ouço por vezes alguém a gritar. É alguma fisioterapeuta em cima de uma marquesa a alongar ou a repuxar alguém mais aflito. Outras vezes, parece que meditam, doente e terapeuta. Também não presto muita atenção. Enquanto estou com os eléctrodos aproveito para ler as revistas que por lá há, antigas ou novas, pouca diferença faz. Hoje li uma revista que se chama Happy e na qual estive a ler o artigo principal que se referia a uma investigação científica sobre sexualidade. Lá se concluía, a partir das palavras usadas nas pesquisas na internet, que os homens afinal pouco procuram mulheres novas, elegantes. Pelo contrário procuram muito mães, mulheres gordas, mulheres maduras. O artigo exemplificava e dissertava sobre o assunto. É capaz de ser verdade. Também estive a ver as novas tendências na moda que, como sempre, é igual à do ano passado.

Quando saio de lá já é noite cerrada, há muito menos trânsito, a rádio já toca música para a noite, jazz. Como, então, uma maçã fresca, sumarenta, que me sabe tão bem. Depois telefono à família a saber se está tudo bem. Quando chego a casa já é bastante tarde.

Em dias assim, trago o veludo quente da água azul colado à minha pele. Ainda está, agora que vos escrevo. 

Mergulhem comigo, sim?





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A música inicial é Blue Velvet, interpretado por Brenda Lee na versão original. Esta música faz parte da banda sonora do filme homónimo de David Lynch.

O vídeo já aqui acima é uma cena do filme Blue (que integra a trilogia das três cores de que fazem parte também o Red e o White) dirigido por Krzysztof Kieslowski. A artista principal, luminosa e profunda, é Juliette Binoche.


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Hoje, para além deste texto que acabam de ler, já escrevi um outro texto sobre o penteado da Judite de Sousa e sobre a técnica de apanhar chocos com fisga. Convido-vos a descerem um pouco mais para o lerem.

Contudo, antes de me despedir, quero ainda convidar-vos a virem também até ao Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje não escrevi nada para que possam degustar com vagar os poemas que dois Leitores me enviaram e que coloquei, agradada e agradecida, junto à poesia de Sophia.

***

E, por hoje, é isto. Agora que me estou a despedir, chove muito. É tão bom o som fresco da chuva na minha janela. O rio está ali em baixo, escuro, frio mas hoje não me apetece mergulhar nele, hoje apetece-me prolongar em mim a suavidade do macio e quente blue velvet.

Tenham, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira. Aos que estejam engripados, desejo que se ponham bons, até para poderem voltar a passear à chuva. Ao que estejam com qualquer outro mal estar, desejo também que se curem rapidamente. Aos que estão bons, desejo que apreciem a vida que é uma coisa tão boa quando estamos bem. 

quinta-feira, novembro 29, 2012

Sobre o novo artístico penteado de Judite de Sousa, ontem, na entrevista a Passos Coelho. E, de passagem, também sobre alguém que anda a ver se apanha choco à fisga. Relativamente a Nuno Crato que diz que Passos Coelho ontem devia estar a sonhar quando falou em passar-se a pagar o ensino público, não me pronuncio. É mais uma brincadeirinha dos gaiatos deste Governo. Hoje prefiro falar só de coisas sérias.


Às dez da noite, o Um Jeito Manso já vai hoje com oitocentas e tal visitas hoje, um número acima da média usual. A este ritmo, presumo que hoje ultrapasse as mil visitas.

Grande parte das visitas deve-se ao texto que escrevi ontem logo a seguir à entrevista do Primeiro Ministro à TVI. 

Fui ver como é que tantas pessoas vieram cá ter. Claro que a grande maioria escreveu directamente o nome do blogue, o que corresponde à prática habitual. Mas verifico que grande parte das visitas resulta também de entradas via google em que as pessoas escreveram 'entrevista tvi passos coelho', ou 'judite sousa e j.alberto carvalho e p.coelho' ou 'passos coelho aldrabão' ou, ainda, 'passos coelho vai à m...' (estou a falar a sério e aqui já fico admirada porque nunca escrevi estas duas últimas expressões em qualquer texto). Sei que a Google tem a trabalhar consigo centenas de cientistas que diariamente aperfeiçoam o algoritmo que conduz as pessoas que fazem pesquisas através de milhões de documentos, levando-os até a uma hierarquização de sites em que essas palavras figuram. Provavelmente, esse algoritmo já não se limita a ler palavras: às tantas já capta o estado de espírito de quem escreve. 

Mas, voltando às pesquisas no google que trouxeram hoje tanta gente até ao Um Jeito Manso: há muitas, perto de cem talvez, em que o que as pessoas procuram é 'penteado judite sousa' ou 'penteado especial judite e passos coelho'.

E, em relação a estas, penso que as pessoas ao terem ido parar ao meu texto se devem ter sentido  defraudadas, já que pouco falava desse assunto em concreto. Por isso, porque não gosto de decepcionar quem me visita, fui  à procura e encontrei uma fotografia que pertence à edição do DN. Tomo a liberdade de a colocar ali mais abaixo.

Para as pessoas que estão interessadas no estilo Judite de Sousa devo dizer que a acho, em regra, uma boa entrevistadora - excepto quando entrevista Medina Carreira em que coloca um tom de voz e umas expressões infantilizadas que soam disparatadas. Mas vai muito bem com Marcelo Rebelo de Sousa e, vai, em geral, bem. É uma boa profissional. Está atenta, interage polidamente, é rápida, documenta-se bem.

O pior são as toilettes e as maquilhagens e penteados com que às vezes se aperalta. Mini saia, bota alta, pintura carregada, bijuteria espalhafatosa, blusão justo, e outras paramentos que quase parecem disfarces é coisa que a desfavorece e que distrai os espectadores do seu trabalho. 

No entanto, tem outras vezes em que aparece moderada, discreta, muito bem.



Judite de Sousa (com o seu fantástico penteado) e José Alberto Carvalho, na TVI,
entrevistam o Primeiro  ex-Doce  Pedro Passos Coelho
(que passou o programa a ver se disfarçava o mau perder;
um dia o verniz vai saltar-lhe, ah vai, que já faltou mais)



Judite ontem estava surpreendente, um penteado artístico que não passava despercebido. Eu que, quando era pequena queria ser cabeleireira e que ainda não desisti, fico logo entusiasmada, tentando perceber as técnicas usadas, como fizeram os apanhados, se foi à força de laca ou à força de ganchos, e outras coisas assim.

Estava tão diferente que a minha primeira reacção foi ficar de boca aberta. Até gritei pelo meu marido, que viesse depressa (podia ela desaparecer, podia ser apenas uma aparição, uma alucinação minha, sei lá). Ele veio mas não deu muita importância. Apenas disse, referindo-se ao entrevistado: 'Não tenho paciência para ver este gajo'. Mas, afinal, acabámos por ver enquanto jantávamos.

Voltando à Judite: apesar de me parecer um pouco too much, não posso dizer que achasse mal. E estava em black and white, o que é um clássico - nada a dizer. E que uma mulher se reivente, que surpreenda, que procure o que mais a favorece, parece-me bem. E tanto ela experimenta que um dia há-de estabilizar e deixar de, de vez em quando, aparecer com um visual disparatado.

E, por disparatado, houve uma outra coisa que hoje alguém escreveu e que, escrevendo isso, veio cá parar.

Vejam bem - e até vou mudar de linha para que se veja bem (e, uma vez mais, garanto que não estou a brincar, isto é mesmo a sério):

'apanhar choco com fisga'

Isto mesmo. Alguém escreveu 'apanhar choco com fisga' e o google mandou-o para o Um Jeito Manso. 

Vocês percebem? Eu não. Nunca escrevi isto. Aqui não consigo perceber o algoritmo da google. Só se apanhar um choco à fisga é coisa tão maluca que acharam que o melhor era mandar as pessoas para aqui (ou seja, já deve ser internacionalmente sabido que não sou lá muito boa da cabeça).

Mas, uma vez mais, considerando que o cliente tem sempre razão, que não seja por isso. Uma vez mais tentando corresponder às expectativas, aqui vai, então, uma fotografia com alguém que anda a ver se apanha alguma coisa à fisga.



Cavaco Silva com uma fisga, provavelmente a ver se apanha  um choco


Espero que, agora sim, quem aqui venha parar já não se sinta enganado. E voltem sempre, meus Caros, tentarei ter sempre aquilo que procuram. 

Já agora: caso queiram ler qualquer coisa sobre o que acho dos raciocínios errados e erráticos de Passos Coelho explanados na dita entrevista, é um pouco mais abaixo. Não é o próximo texto, é o que está logo abaixo. Mas se não quiserem ficar indispostos, fiquem-se antes pelo calendário Pirelli, sempre é um valor seguro.

Agradecida.


O extraordinário e imprevisto Calendário Pirelli 2013 - Steve McCurry fotografa mulheres especiais no Rio. Mostro-vos o Making Of. Vendo este 'behind the scenes' percebemos melhor o valor destes calendários.


Há bocado escrevi um texto em que mostrei a minha arrelia perante a estupidez do OE 2013 e perante os erros de raciocínio de Passos Coelho, amplamente demonstrados na entrevista concedida a Judite de Sousa e José Alberto Carvalho, na TVI. Mas isso é no post a seguir a este.

Agora quero falar de outra coisa bem mais agradável.

Desde 1964 que a Pirelli resolveu emitir anualmente um calendário de prestígio para oferecer a clientes ou personalidades importantes. Para isso convida fotógrafos de renome, frequentemente fotógrafos de moda, e as mais conceituadas modelos femininos.

Por razões económicas suspendeu esta iniciativa entre 1975 e 1983. A partir de 1984 o Calendário Pirelli voltou e, desde então, tem somado edições de grande qualidade. 

Trata-se de um calendário de mulheres (ou melhor, com mulheres), um calendário conhecido pelo seu glamour e pelos seus nus artísticos.

No Um Jeito Manso dei conta da edição de 2011 a cargo de Karl Lagerfeld e da edição de 2012 a cargo de Mario Sorrenti. Se tivesse tempo ia à procura do link para que pudessem clicar e ir lá parar directamente, mas já é tarde, fica para outro dia.

Este ano há uma evidente e inesperada mudança nas escolhas, o que só revela a vitalidade de quem gere a Pirelli e dinamiza esta iniciativa.

Este ano a escolha do fotógrafo é mesmo muito surpreendente e a mesma surpresa acontece em relação a algumas das fotografadas.

O fotógrafo é nem mais nem menos que Steve McCurry e as modelos são:  Isabeli Fontana, Petra Nemcova, Sonia Braga, Hanaa Ben Abdesslem, Liya Kebede, Adriana Lima, Summer Rayne Oakes, Kyleigh Kuhn, Marisa Monte, Karlie Kloss, Elisa Sednaoui.

E, se algumas são para nós desconhecidas, já o mesmo não poderemos dizer de Sonia Braga e Marisa Monte.

O local escolhido foi o Rio de Janeiro que, pelo que li e pelo pouco que vi, proporcionou cenários nunca vistos nos calendários Pirelli, cenários de rua, cenários belíssimos.

Para quem não conheça, digo-vos que Steve McCurry não é um fotógrafo qualquer.

É americano, tem 62 anos, e é o autor de uma das fotografias mais conhecidas de todos os tempos, a menina do Afeganistão, a menina de grandes olhos verdes, Sharbat Gula, que apareceu na capa da revista National Geographic em 1985.

Steve McCurry não é, pois, conhecido por ser um fotógrafo de moda mas sim por ser um extraordinário fotojornalista.



Sharbat Gula por Steve McCurry



O blogue de Steve McCurry merece uma visita. Vê-lo é percorrer o mundo. Para quem sinta necessidade de sair das estreitas fronteiras do pensamento quotidiano e entrar nos vastos espaços reservados a quem sabe voar, não há melhor. Este blogue faz parte da galeria de Um Jeito Manso onde dá pelo nome de 'Let's fly'.

Pois bem, é este fotógrafo dos grandes espaços e das pessoas especiais que a Pirelli foi buscar para o Calendário Pirelli 2013. Para que possamos imaginar ver a maravilha que deve ser, aqui vos deixo o Making Of.

Um encantamento.





*

Caso queiram mas é saber sobre a entrevista do Passos Coelho na TVI, como vos disse acima, poderão descer já até ao post seguinte.

Mas, como sou uma descarada abusadora, convido-vos ainda a virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje procurei os braços dos anjos que voam sobre as águas e sussurram o meu nome. Fui pela mão de Sophia e ao som de Froberger e, por isso, senti-me embalada.

*

E, por hoje, só quero ainda desejar-vos uma bela quinta feira.
Está frio mas não faz mal. Haja alegria que nos sentiremos mais quentinhos. 


quarta-feira, novembro 28, 2012

Entrevista de Passos Coelho na TVI: Judite de Sousa (de ponto em fino) e José Alberto Carvalho ambos muito bem mas com algum défice de conhecimentos matemáticos que teriam dado jeito. Mas esses conhecimentos davam mesmo jeito era ao Primeiro Ministro. Para além disso, ficámos a saber que este Governo não é um corpo cheio de feridas e com marcas. Irrelevante ele ter dito isso pois, com a votação relativa ao OE 2013, comprovámos que o CDS é mesmo um partido de betinhos, alguns com boas ideias mas incapazes de ser coerentes, uns betinhos birrentos e pouco mais. Por isso, tem razão o PPC quando dá a entender que não farão mossa na coligação.


Apanhei a entrevista a meio. Judite de Sousa com um penteado espectacular, sorriso inalterável, não deixou o agastado Pedro pôr o pé em ramo verde. José Alberto Carvalho muito directo, conseguiu manter também inalterável o seu ar afável mesmo quando perguntou a Passos Coelho se chegaríamos vivos ao fim disto, e esteve também bem.

Passos Coelho tentou afivelar o sorriso que o ajudou a ganhar as eleições e disfarçou razoavelmente a irritação que o comia por dentro. Mas isso é o menos.

O pior é que todo o raciocínio de Passos Coelho enferma de um grave vício de raciocínio - e aqui é que lamentei que a competente dupla de entrevistadores não tivesse tido a agilidade para o confrontar com uma evidência aritmética elementar.

Quando ele refere que o peso do estado social tem vindo a aumentar face ao PIB, nomeadamente quando disse que o peso das pensões sociais tinha subido de 8 para 13% (salvo erro) e, a seguir, desenvolveu o raciocínio como se isso tivesse ficado a dever-se a um deboche total, os velhinhos tivessem ficado a receber dinheiro à brava, os desempregados tivessem desatado a receber fortunas, etc. E concluíu que, por isso, tinha que se avançar para cortes, os tais 4.000.000 (quatro mil milhões) de euros.

Ora o Pedro pode ter jeito para fazer queijadas mas é um desastre a pensar, especialmente quando o pensamento requer alguma análise dos factos.

Passo a explicar: um rácio, como o própria palavra indica, resulta da divisão de um número por outro. Por facilidade de exemplificação, suponhamos que antes gastava 8 em pensões sociais e que o PIB era 100. Ou seja, tínhamos um peso de 8%. Suponhamos agora que a economia vem por aí abaixo e que o PIB cai para 90. Só por isso, sem que ninguém recebesse mais um cêntimo, já o rácio subiria para 8,9% (=8/90). Mas pensemos bem: se a economia cai, haverá mais desemprego. Havendo mais desemprego, haverá mais gente a receber subsídio de desemprego. Ou seja, provavelmente em vez de 8, gastaria 9. E, portanto, o rácio dispararia para 10% (=9/90). E assim sucessivamente.

Ou seja, quanto mais a economia cai, mais tudo fica insustentável. Por mais que corte, nunca vai ser suficiente - e isto porque o motor passa a ser a queda da economia pois estamos a ter um denominador cada vez menor, o que faz com que o resultado da divisão seja cada vez maior, sempre vais desfavorável.

Com estas políticas, o inteligente Passos Coelho e o seu séquito de incompetentes vão fazer com que descontemos fortunas para os impostos para depois termos também que pagar o ensino público e a saúde, para que os desempregados tenham cada vez menos protecção, para que os reformados se vejam escandalosamente roubados, para que os doentes fiquem em casa sem dinheiro para se tratar.

Enquanto estes estúpidos não perceberem que estão a ver o filme ao contrário, iremos de mal a pior.

Enquanto os deputados não perceberem que devem lealdade a quem os elegeu e não às máquinas partidárias que são uma fábrica e um armazém de incompetência, iremos de mal a pior.

Tomara que mandem a porcaria que é o OE 2013 para o Tribunal Constitucional para ver se isto se resolve de alguma maneira.  

O que é urgente é impedir que a economia pare de cair, o que é urgente é estimular o crescimento. Tem que reduzir o peso dos custos sociais sim, mas aumentando a economia, aumentando o denominador!

Claro que se deve também reduzir o peso dos juros, aliviar o ritmo de amortizações, deve mil outras coisas. Claro! Deve fazer isso e não o tem feito. Mas, sobretudo, urgente mesmo é pôr a economia a crescer. E, para isso, tem que haver dinheiro a circular e confiança nos agentes económicos. Não pode secar a economia, extraindo o dinheiro às famílias e às empresas para lhe dar sumiço.

Apre!

Falar disto chateia-me mesmo. Como é possível que aquela tropa fandanga não perceba isto?!

E o Paulo Portas não tem brio, orgulho? Admite ser desvalorizado e ultrapassado desta maneira? Depois de tudo isto e depois da forma como Passos Coelho secundariza (e com razão) a sua posição no Governo, achará que alguém ainda acredita nele e o respeita? Não se sentirá humilhado? Não consigo perceber. Há coisas que me transcendem e esta é uma delas.

Bom, vou parar por aqui e vou responder aos comentários e vou até ao meu Ginjal a ver se me alieno um bocado. A vida de verdade, neste momento, em Portugal, é uma chatice muito grande.

Podia falar-vos do Eurogrupo e da Grécia mas pouco sei sobre os pormenores (e, meus caros, o diabo está nos pormenores). Por isso, vou antes falar-vos da noite de hoje em casa da minha filha que incluíu corte de cabelo e uma conversa sobre a força da gravidade


Já disse em alguns comentários: dormi muito pouco esta noite, nem quatro horas. E já é, outra vez, muito tarde, já passa da uma da manhã. Estou acordada há muitas horas, tive um dia cheio de reuniões, um dia mesmo muito intenso. Por isso, não sei de nada do que se passa no mundo. De manhã ouvi na rádio que os burocratas do eurogrupo chegaram a acordo quanto à Grécia. Patético. Esmifram as pessoas até à exaustão, austeridade e mais austeridade, pobres gregos, sem autonomia, sem soberania, impedidos de criar riqueza. Depois, como não conseguem pagar a dívida, deixam-nos meses em suspenso, damos-lhes o dinheiro já ou fazêmo-los sofrer mais um bocadinho...? E fazem sofrer sempre mais um bocadinho. Acho isto mórbido. Irrita-me. Que cinismo, que abuso. São os mesmos, os que dão e os que negoceiam que esse dinheiro é para que os gregos lhes paguem a eles que o dão. Toma lá, dá cá. É esta a história grotesca destas sessões patéticas dos burocratas europeus, gente sem visão, sem dimensão, gente mesquinha, convencida que é dona do mundo, gente que não se lembra que é mortal. Anunciam isto como uma grande coisa, como uma benesse. Parece uma esmola. Mas claro que não é. É o que devia ter sido desde que a crise estalou, uma dívida a amortizar em prazos razoáveis e com juros justos.

No entanto, claro que isto são boas notícias para Portugal. Peca por tardio, quando vier, mas antes agora que nunca. Mas, meus caros, o que se tem que ver é em que condições virá essa 'esmola'. Que condições irão impor? Porque irão impor condições, não tenhamos dúvidas. 

Mas, enfim, pouco mais sei do que isto. 

Hoje, no trabalho, tive um dia tramado, já vos disse.

Depois, por volta das sete da tarde (da noite, melhor dizendo), cheguei a casa da minha filha. Estava sozinha com os miúdos pois os reforços só chegavam por volta das onze. Por isso, até essa hora, lá estivemos.

Para começar, cortei os cabelos aos rapazes. Tenho ideia de que já aqui vos contei que gosto imenso de cortar cabelo. Corto o meu, o do meu marido, o da minha filha, o dos meninos pequeninos (... meninos e menina, aos três; ao bebé ainda não comecei, ainda só tem uma penugem). Ou seja, por enquanto, o meu mercado cinge-se a este pequeno grupo, reconheço que ainda é restrito. Mas tenho uma particularidade: faço domicílios.

Por isso, pouco depois de ter chegado, ali estavam eles, sentadinhos na cadeira, e eu de pente e tesoura, corta, corta. 

Ao mais crescidinho, antes, cortava com máquina mas a que eu usava habitualmente avariou e a nova não é de fiar. Na última vez que lhe cortei o cabelo, a coisa não saíu perfeita. Por isso, hoje foi todo à tesoura e que cabelo forte e denso que ele tem. Mas ficou bem.

O ex-bebé ainda tem pouco cabelo e é um cabelo mais fino mas haviam de ver, sempre irrequieto até mais não poder, fica em transe quando lhe mexem na cabeça e, portanto, enquanto lhe corto o cabelo fica ali sentado, muito quieto, deliciado.

Isto de gostar de cortar cabelo e de pentear deve ser uma coisa genética. Desde pequena que tenho este gosto, queria ser cabeleireira. Uma das minhas primas é a mesma coisa, também corta o cabelo à família. O meu tio tem o cabelo liso e, apesar disso, anda sempre com o cabelinho aparado que é uma beleza. É médica esta minha prima, trabalha num hospital e numa clínica que é dela, trabalha que se farta, e, no entanto, arranja tempo para cortar o cabelo à família.

Bom, retomando. Depois do corte de cabelos, fiz o jantar, massa com carne à bolonhesa (coisa simples e de agrado garantido junto de miúdos), enquanto a minha filha e o meu marido se ocupavam dos banhos dos pimentinhas, agora de cabelinho curto, à escovinha. 

Depois de jantar estivemos na brincadeira com os miúdos, uns pândegos, uma risota pegada. Como estava com sono, estive meia refastelada num grande puff e a minha filha veio pôr-se deitada ao meu lado e eu estive a fazer-lhe tranças. Como tem farta cabeleira, fiz-lhe bem uma dúzia de tranças, quase uma rasta. No fim, já com o joão pestana, os miúdos vieram também deitar-se em cima de mim ou ao meu lado. Ainda estive a ler um livro de histórias que metia astronautas; até que apareceu um que flutuava no espaço e aí apareceram as perguntas, o que é flutuar no espaço? porque é que ele flutuava no espaço?, etc. Lá lhe expliquei o conceito de força da gravidade e acabei por me comprometer a desencantar um vídeo sobre isso para pôr no meu blogue infantil, Historinhas da Tá. Já não o actualizo há séculos, as crianças andam a ver as mesmas coisas há meses.

E pronto, mal chegou o reforço, lá viemos para casa. E aqui estou, perdida de sono. 

Por isso, meus amigos, hoje não dá para mais do que isso. Podia oferecer-me para vos ir cortar o cabelo mas, por enquanto, tenho pouco tempo livre, não quero ainda expandir essa actividade.


PS: Disse-me a minha filha que gostou de ler o meu texto sobre o meu 25 de Novembro, disse que se reviu um bocado nas minhas palavras. Eu não vos disse que os meus filhos saem à mãe? (Quanto ao pai, neste particular, continua a ser uma incógnita. Ainda hoje, quando a conversa veio à baila, chutou para canto com a agilidade do costume: 'Lá vem outra vez a mesma conversa, tem sempre que acabar aí' e pronto, ponto final. Também não insisto, quero lá eu saber.)

*

E, assim sendo, só me resta despedir-me. Tenham um belo dia, está bem?

terça-feira, novembro 27, 2012

'Beije-me com os beijos da sua boca, melhores tuas carícias do que vinho'. 'Vem meu amado, corramos ao campo, passemos a noite sob os cedros'. O Cântico dos Cânticos, numa tradução do hebraico de José Tolentino de Mendonça. Fotografias de Ben Hassett e Mario Testino.




 
          beije-me com os beijos da sua boca
          melhores tuas carícias do que vinho     o aroma dos teus perfumes é melhor
          tua fama é odor que se derrama      por isso as raparigas amam-te
          arrasta-me atrás de ti corramos      fez-me entrar o rei em sua penumbra
          folgaremos e alegrar-nos-emos contigo      lembrar-nos-emos de teus amores mais que do vinho
          com razão as raparigas amam-te




                  Vem meu amado        corramos ao campo       passemos a noite sob os cedros
                  madruguemos pelos vinhedos
                  vejamos se as vides rebentam
                  abrem seus botões
                  se já brotam os cachos
                  lá te darei as minhas carícias
                  as mandrágoras exalam o seu perfume          à nossa porta há toda a sorte de frutos
                  frutos novos frutos secos que eu tinha guardado    meu amado para ti




                                       Quem é essa que desponta como a aurora        bela como a lua
                                       fulgurante como o sol       terrível como as coisas insignes?


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Só muito tarde se leu a noite e o desejo, o corpo nomeado, perseguido, suplicado, o jardim entreaberto, a prece atendida.

É este o sentido natural do Cântico dos Cânticos. (...) O silêncio de Deus.



(Da introdução, também da autoria de José Tolentino Mendonça. Este livrinho contém desenhos de Ilda David)


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A primeira e a última fotografias são de Ben Hassett. A do meio é de Mario Testino.

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Se isto não faz o vosso género e preferem ler alguma prosa sobre o que gente ilustre diz da austeridade, do excesso de austeridade e da dívida e desta treta toda, convido-vos a descerem até ao post seguinte. Paul de Grauwe, inclusivamente, formula um conselho ao 'seu amigo' Vítor Gaspar de quem garante não ser conselheiro.

E se vos apetecer ler as minhas palavras desenhando metáforas em torno da metáfora de Fernando Guimarães, então, por favor, clique no Ginjal e Lisboa. A música continua a ser Froberger, uma agradável surpresa.

***

E é isto. Tenham, meus Caros leitores, uma bela terça feira. 
Apesar dos apesares, a vida ainda é uma coisa surpreendente.


Ashoka Mody, 'ex-FMI defende reestruturação das dívidas' e ' Economista Paul De Grauwe aconselha o "amigo Gaspar" a não exagerar'


Não fosse quase uma da manhã e seria sobre isto que eu iria aqui falar hoje. Assim, limito-me a transcrever alguns excertos do Expresso online e a recomendar-vos a leitura dos artigos completos.



O Sr. Ashoka Mody
(tão mal encarado, coitado,
o que ele deve ter andado a penar enquanto trabalhava para o FMI)


Austeridade para tudo continuar vulnerável 

Mody constata que "as projeções económicas apontam para rácios de dívida [pública] das cinco economias mais endividadas da zona euro - Grécia, Irlanda, Itália, Portugal e Espanha - que permanecerão acima de 100% [do PIB] no futuro próximo, isto é, pelo menos até 2017". E acrescenta: "Depois de uma década de austeridade orçamental, estes países continuarão numa zona de alta vulnerabilidade".

*



Paul de Grauwe,
ao menos tem ar de quem dorme  melhor que o Sr. Ashoka



O economista belga Paul de Grauwe aconselhou hoje o ministro das Finanças português a "não exagerar" na austeridade, para evitar um "ciclo vicioso" de recessão e endividamento.

"Diria ao meu amigo [Vítor] Gaspar para não exagerar" na austeridade, disse De Grauwe, antigo deputado no Parlamento belga e professor na London School of Economics, durante a conferência "Portugal em Mudança", que assinala o 50.º aniversário do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

"O que temo é que o Governo português, no seu zelo de austeridade, vá longe demais, e crie o risco de a economia portuguesa ser empurrada para um ciclo vicioso e não conseguir reduzir a dívida", afirmou.

"Há uma definição de inteligência que é: quando se vê que uma coisa não funciona, não se insiste nela", acrescentou ainda Paul de Grauwe.

O economista já tinha acusado, entretanto, os países do Norte da Europa de se portarem como "vendedores de carros a crédito" antes da crise financeira no Sul da Europa, e de agora "não fazerem nada" para a contrariar.

"Os países do Norte acumularam grandes excedentes comerciais, o Sul tinha défices. Esses défices foram financiados por crédito dos bancos do Norte", acrescentou.

"Por cada devedor irresponsável, há um credor irresponsável. 



*

Resta-nos esperar que o Gaspar-não-acerta-uma leia estas notícias e perceba o que eles querem dizer. Quanto ao Passos Coelho já desisti. Não percebe nada, não vale a pena.

Quanto ao Paulo Portas também já desisti, está nisto para ter palco e do palco ninguém o tira.

Quanto a Cavaco Silva também já desisti, não percebo nada do que se passa com ele, de cada vez que fala ainda mais confusão lança.


domingo, novembro 25, 2012

O meu 25 de Novembro (... por estas e por outras é que eu acho que tenho uma costela etrusca)


Foi há tanto tempo que a memória já não é exacta. De qualquer forma, a memória não tem que ser exacta, quanto mais ficcionada mais gostosa. (E, dito isto, salvaguardo-me, pois, a ser tudo verdade o que vou contar, alguns de vocês poderiam achar que gosto de dançar no arame).




Os tempos andavam agitados mas o meu coração ainda mais agitado andava. Por isso, todo o frenesim exterior me parecia quase irrelevante quando comparado com o que se passava na minha vida.

Eu namorava um poeta cantor, letrado, professor, revolucionário, cantos livres e muita intervenção cultural. Ele era um pouco mais velho que eu, era financeiramente independente e queria casar comigo o quanto antes. Eu era uma adolescente com vontade de ser adolescente e dizia-lhe que, quando começasse a trabalhar, logo pensaríamos nisso.

Todo ele era paixão, devoção, exaltação. 

Eu também mas, nessa altura, não unicamente por ele. Uns tempos antes tinha-me cruzado com um outro rapaz que tinha olhado para mim de uma forma que me prendeu irremediavelmente, uma forma entre o atento e o cobiçoso. Esse outro tinha um corpo, um rosto, um andar, e um olhar que faziam muito o meu género. Eu não o conhecia, nem ele a mim, mas a faísca foi mais forte do que a prudência, do que a sensatez. Apenas uns tempos depois dessa primeira e perigosa troca de olhares começámos a falar, em meados de Setembro. E tornámo-nos inseparáveis. Claro que o informei da minha situação de namorada de outro. Ele disse que não se importava, que não era ciumento. Ao meu namorado também informei que tinha um amigo com quem gostava muito de conversar. Ao princípio, isso não o incomodou. Mas, tudo isto, acho que já o contei aqui, não vou repetir-me. 




Tinha, entretanto, um colega, era de outro curso mas tínhamos uma disciplina em comum, acho eu. Vou aqui referi-lo por ZH para que a leitura deste texto não se torne confusa. Ele tinha vindo de Moçambique e estava sozinho em Lisboa (a família tinha ido para Castelo Branco), e o facto de vir de África, parecendo que não, traduzia-se numa outra coisa, um arejamento face aos meus colegas de faculdade, uns chatos, uns marrões. Este queria descobrir Lisboa, era ávido de conhecimento, gostava de cinema, de livros, era divertido, e, nos intervalos das aulas, e ao almoço e sempre que eu estava disponível, estava com ele. Era alto, louro, bonito. Gostava imenso de conversar com ele, sentia por ele verdadeira amizade; mas talvez ele sentisse por mim algo mais (nunca aprofundei). O que sei é que quer o meu namorado, quer o meu novo e especial amigo embirravam solenemente com ele. O meu namorado tinha uns ciúmes destravados apesar de eu lhe garantir que cabelo louro em homem não faz parte da minha lista de preferências (excepto se o homem for o Brad Pitt mas, naquela altura, ainda não podia usar essa referência) e o meu novo amigo (com quem, devo dizer em abono da minha reputação, ainda não havia contacto físico para além do estritamente necessário) também não o suportava, achava que o fulano era insistente e parvo (isto apenas porque quando chegava ao pé de mim nos via a conversar).

No dia de que vos falo, 25 de Novembro, havia uma agitação no ar. Falava-se em contra-revolução, em pára-quedistas,  em aviação, em Jaime Neves, em Ramalho Eanes, nomes assim. Havia aviões nos céus de Lisboa, um ambiente de ameaça. Recomendava-se que se ficasse em casa.

Mas, justamente, esse era o dia da semana mais complicado para mim. Depois de almoço, o meu namorado vinha ter comigo e estávamos juntos até às cindo da tarde. Depois, eu tinha aulas de inglês no British Council e ele ia lá levar-me. Quase sempre dizia que nesse dia não iria dar aulas para ficar à minha espera e para ficarmos juntos o resto do dia. Eu pedia-lhe que não, que não deixasse os alunos à espera, que fosse responsável, que um professor baldas é do pior que há, e sei lá que mais argumentos usava. A questão é que às seis, à porta do dito British Council eu tinha à minha espera o outro, o tal que tinha um andar que era um misto de desportista e de modelo e que tinha cara de Cristo de Zeffirelli em versão bem morena de olhos castanhos claros. Nesses dias, quando saía da aula de inglês, tremia com receio que estivessem os dois à minha espera (não se conheciam um ao outro, não dariam por isso, mas eu... o que faria nessas circunstâncias?).

Por isso, nesse dia, eu estava com o meu amigo ZH (que sabia da minha atarefada vida amorosa e que achava que eu me arriscava demais). Com o ambiente de burburinho que havia no ar, ele não me queria deixar sozinha, achava que eu não devia estar na rua, achava que eu devia ir para a casa onde vivia nessa altura, na Artilharia Um. Mas a Artilharia Um tinha um quartel, tinha por perto o Rádio Clube Português, sempre uma agitação nestas alturas. Além disso, eu temia que os dois, o meu namorado e o outro, aparecessem por lá, para me resgatar ou outra qualquer façanha amorosa.

Devo fazer notar que nesses remotos tempos ainda não havia telemóveis, pelo que gerir situações deste tipo requeriam uma imaginação e uma agilidade extraordinárias.

Por essa altura, o meu namorado já andava a ficar agastado com o facto de eu tanto passear ou ir ao cinema com o meu amigo e ameaçava dar-lhe uma tareia e o cristo de olhos cor de mel já dizia que estava farto do meu namoro e que já era mais que tempo de eu pôr um fim a isso. Por isso, sopesado o risco de o dia vir a descambar numa cena entre os dois, resolvi que o melhor era afastar-me da boca de cena e recolher a casa dos meus pais.

Liguei para casa do cristo. Não estava. Atendeu-me a mãe. Pedi-lhe, então, o favor de transmitir ao filho que, face à situação, me ia embora pelo que, se pudesse, avisasse o avisasse para não ir ter comigo à tarde. Disse-me que duvidava que ele fosse a casa pelo que, com certeza, não lhe poderia dar o recado.

Com o meu namorado, a coisa era ainda mais difícil. Estava na faculdade e, de lá, viria ter comigo. Não tinha como avisá-lo. Então escrevi numa folha um recado. Começava por me dirigir a eles, escrevendo a inicial (o nome de ambos começa pela mesma letra), depois disse, mais coisa menos coisa: 'Pelo sim, pelo não, vou para casa dos meus pais. Liga para lá quando puderes' e assinei só com a inicial do meu nome. Depois colei no portão da entrada.

O ZH, amigo cuidadoso, disse que me ia levar a casa dos meus pais, que não ia deixar-me ir sozinha, nem pensar, que não se sabia o que ia acontecer. Não aceitei. Não queria era que ele fosse, aumentando ainda o risco de confusão. Podia depois demorar-se por lá e, às tantas, algum dos outros dois, lendo  recado, ainda aparecer por lá. Mas ele não desistia. A presença dos aviões lembrava que podia haver confusão, os mais alarmistas falavam em risco de guerra civil mas eu queria lá saber disso, queria era ir sozinha, queria afastar-me do risco. No entanto, o risco que eu temia era que aparecessem todos ao mesmo tempo e armassem confusão.

Fomos a pé até à paragem de autocarro e a custo lá consegui que me deixasse seguir viagem sozinha.

Quando cheguei, fui ter com a minha mãe à escola. A vida ali continuava com normalidade, a guerra acontecia apenas em Lisboa. A minha mãe quando me viu ficou toda contente, tinha ouvido falar em contra-revolução e coisas do género e, estando eu ao pé dela, ficava mais descansada. Deixei-me ficar por lá, há muito tempo que não via a minha mãe no meio dos miúdos.




Às tantas, bateram à porta. Era uma contínua (dantes chamava-se assim; agora não sei), com ar muito intrigado: 'Professora, está lá em baixo um rapaz. Diz que vem à procura da sua filha.'.

Caíu-me o coração aos pés. Qual deles seria...? E que medo que, às tantas, aparecesse mais do que um, que barraca, e logo ali, na sala de aula da minha mãe.

Intrigada também eu, lá fui. A minha preocupação era tirá-lo dali para fora, fosse ele qual fosse. E assim fiz.

..

Nota: Perguntei há bocado ao meu marido o que tinha feito no dia 25 de Novembro. Ficou muito admirado com a pergunta. Como seria de esperar, não faz ideia.


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As imagens representam mulheres como eu, etruscas.

Hoje, no Ginjal, as minhas palavras falam de um outono muito especial, o outono que pela primeira vez atravessei com o meu amor, e as minhas palavras chegam-se às de Fernando Assis Pacheco que também fala de outono. A música, por lá, está a cargo de mais um compositor barroco, o alemão Johann Jakob Froberger, que veio pela mão de um Leitor a quem daqui também muito agradeço. É com todo o gosto que vos convido a irem até lá.

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Tenham, meus Caros leitores, uma bela semana a começar já por segunda feira. 

Só os amnésicos é que querem renegociar o memorando com a troika, diz o inteligente Passos Coelho no congresso do PSD Madeira. Diz ainda que quem negoceia fica sempre pior. Ora aí está outra afirmação inteligente. E diz ele ainda que, se as coisas estão a correr mal, então devemos fazer o mesmo que temos estado a fazer, em doses maiores e com maior intensidade. Inteligente, ele.


Pelo que estou a ouvir na TSF, isto ter-se-á passado hoje. E revela tantas coisas acerca do inteligente Passos Coelho que eu só posso recomendar que, da próxima vez que formos a votos, exijamos antes um atestado com os resultados de aturados testes de aptidão, de inteligência, de personalidade, etc. 

É que isto de se dar o voto a qualquer um que nos apareça pela frente comporta sérios riscos.


PS: E será que ele quereria mesmo chamar-nos amnésicos? Saberá ele o significado da palavra? Duvido. A sua capacidade de expressão é limitada, como é do conhecimento geral.

(Escrevo no plural pois acho que  - tirando ele, a D. Laura, o rapaz Moedas, o Borges, o Vai-estudar-ó-Relvas e o Gaspar-não-acerta-Uma - não deve haver quem ache que assim, com estas condições, estes prazos, estas taxas de juro, esta austeridade, conseguiremos algum dia tirar o pé da lama)

sábado, novembro 24, 2012

A sedução no feminino - aula prática nº 1, iniciação. Uma espécie de avant première de uma possível história para a Vogue España Dezembro 2012 (Mario Testino fotografa Kate Moss e José Mari Manzanares)




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Que fadiga. Olhas-me a medo, aproximas-te sem convicção. Que tibieza, meu amigo. Não percebeste ainda? Que falta de perspicácia.


Terei, portanto, que te olhar de forma a que percebas o que quero.

Já vi que tu, por ti, não arriscas, que te intimido, que temes, como o diabo da cruz, um não vindo da minha boca. 

Vou, portanto, mudar de estratégia e, reconheço, é sem sacrifício que o faço. 

A partir deste momento não vou ser discreta, não tenho paciência para disfarçar, não vou ser alusiva, não vou perder tempo. E, se ainda pensas que aqui o matador és tu, então, desde já te digo, que não podias estar mais enganado.

Passemos pois a coisas concretas. Caso não percebas nem tenhas coragem para vir verificar, informo: lingerie, zero. Uma bela lingerie é sexy, dá gosto ver, dá vontade de tirar, isso tudo, eu sei. Mas, neste momento, é um plus que me parece dispensável.

Vou mostrar-te quem é que, aqui, desafia, quem é que provoca, quem é que domina, quem é que derruba. Vou mostrar. Não vou ter qualquer dificuldade e, no fim, verás, cairás a meus pés sem que uma gota de sangue seja derramada.

Ris? Ris...?! Que sarcasmo encoberto é esse? Não dizes mas pensas, que convencida. Ah, ris de novo, ris porque adivinhei o que pensas. Não era difícil. E respondo-te: sou convencida, sim, tenho razão para o ser. Ris, ris agora ainda mais. Vais mostrar que não me vai ser assim tão fácil, é nisso que pensas, que me vais dificultar a vida, que me vais fazer provar a humilhação da incerteza, que me vais fazer sentir a vergonha da rejeição. Continuas a rir. Mas não rias porque não vais resistir. Veremos. Se quiseres, apostamos. Se me resistires, podes fotografar-me e fazer das fotografias o que quiseres. É isso, fotografa-me. Em contrapartida, se não me resistires, como troféu, faço de ti o que muito bem me apetecer.

Ris? Pensas que não tens nada a perder e que me vais dar uma lição. Gozas, conheço essa cara. Vais dobrar-me a espinha, fazer-me lamber o chão que pisas, é isso que pensas, não é? 

Pensamentos de matador – tão fáceis de adivinhar.




O meu vestido é vermelho, vermelho bem vivo, cor de sangue fresco. E brilha. Nele me envolvo. Seda e folhos, uma capa de toureio. Decote generoso, claro. Saltos altos, claro. E, não te esqueças, nada por baixo.

Deito-me e olho-te, as pernas bem à vista e, se fosses inteligente, já te começavas a aproximar. É macia e perfumada a minha pele. O cabelo está apanhado, quero ser só pele, nada a distrair, nem o cabelo. Os meus lábios estão vermelhos e, se um beijo lhes tirar a cor, logo eles se incendiarão.

Então, toreador? Resistes, ainda?

Seja. És difícil, tu. Gostas da faena. O que te excita nem é tanto a sorte final mas a faena em si, é isso, não é? Seja, seja.

Então deixa que mude de traje. Não tenho traje de luces mas não interessa. Escolho algum manto que me cubra com elegância e me descubra com descaramento. 

Olha. Vê. Gostas?





Anda à minha volta, volteia, rodeia-me, desvenda-me. Que salero o teu, toreador, que salero. 

Mas desvias os olhos mal eu respondo ao teu desafio. Isto é uma brincadeira para ti? É? O que tenho eu que fazer para que deixes de estar em guarda? Não te vou ferir, não tenhas medo, não vou cornear-te à traição. Não tenhas medo, olha para mim, faz com que a minha pele se arrepie só de sentir o desejo no teu olhar. Olha.

Ris. Mas desvias o olhar. Finges que não é medo. É o quê, então? 

Porque te defendes? Eu deixo que o manto deslize pela minha pele, deixo que os meus seios se mostrem, deixo que os meus olhos mostrem o meu desejo, e tu desvias os olhos? Receias o quê, toreador?

Aproxima-te. Sem medo. Olha como eu me aquieto, aqui, à tua espera. Anda.

Toma a minha capa. Deita-a ao chão, que seja a nossa cama.

Mas... o que fazes? Revolteias, giras sobre ela, volteias, andas em minha volta, tentas confundir-me, tentas que a minha vontade se entorpeça. Uma chicuelina perfeita, reconheço. És bom, toreador. És bom.

Mas julgarás tu que, com isso, vou desistir? Não, toreador, uma mulher que tem o corpo em chamas como eu tenho o meu, não se aquieta assim tão facilmente.

Olha como eu agora me deito, olha para mim, olha. Tirei os sapatos, abandono-me. Pousa na minha pele o teu olhar. Pousa. Deixa-o ficar assim pousado. Que o teu olhar se detenha e o teu corpo se incendeie.

Ah, finalmente. O que sentes, agora, toreador?




Finges, finges que acreditas que me dominaste, finges que acreditas que eu estou por terra e tu aí, vencedor. 

Não me importo. Gosto de te ver assim. 

Olhas-me agora, superior, dominador, belo, um belo corpo de homem e um olhar como eu gosto, húmido, fixo. Gosto. Mas gostarei ainda mais se desapertares a camisa. Gosto de ver esse corpo liso, moreno. Deixa-te ficar agora assim que eu finjo que estou vencida. E estou, não oferecerei qualquer resistência. Vem.

E, vais ver, quando desferires o golpe final, tal como te disse, não haverá uma gota de sangue. E não saberás se és tu que enterras a espada, se sou eu que te trespasso o coração. 

E que interessará isso? Ganhámos os dois, tu tens as fotografias e eu tenho-te a ti.

Meu matador, meu amor.


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As fotografias aparecerão na Vogue espanhola de Dezembro de 2012 e, uma vez mais, temos Mario Testino a fotografar a sua musa, Kate Moss.

O acompanhamento musical dispensa apresentações mas, ainda assim, aqui vai: Carmen de Bizet, aqui interpretado pela vibrante e sensual Anna Caterina Antonacci.


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E, por hoje, é isto.
Que o vosso fim de semana seja bom, emocionante. 
Ou, então, que seja bom, calmo. 
Ou, melhor ainda, que seja bom, emocionante e, a seguir, bom, calmo.


Passe o cursor ao de leve, por favor, sobre a imagem

(Peace and love, my friends. And enjoy!)

sexta-feira, novembro 23, 2012

Luis Fernando Verissimo está internado em estado grave. Pelas suas deliciosas, inteligentes e bem humoradas crónicas e por toda a sua escrita e música, e pelo homem que é, daqui lhe desejo as rápidas melhoras






Formei-me em letras e na bebida busco esquecer. Mas só bebo nos fins de semana. De segunda a sexta feira trabalho numa editora, onde uma das minhas funções é examinar os originais que chegam pelo correio, entram pelas janelas, caem do teto, brotam do chão ou são atirados na minha mesa pelo Marcito, dono da editora, com a frase 'Vê se isto presta'. 
(...)

Nas segundas feiras estou sempre de ressaca, e os originais que chegam vão direto das minhas mãos trémulas para o lixo. E nas segundas feiras as minhas cartas de rejeição são ferozes. Recomendo ao autor que não apenas nunca mais nos mande originais como nunca mais escreva uma linha, uma palavra, um recibo. Se Guerra e Paz caísse na minha mesa numa segunda feira , eu mandaria seu autor plantar cebolas.
(...)

Certa vez recomendei a uma mulher chamada Corina que se ocupasse de afazeres domésticos e poupasse o mundo da sua óbvia demência, a de pensar que era poeta. Um dia ela entrou na minha sala brandindo o livro rejeitado que publicara por outra editora e o atirou na minha cabeça. Quando me perguntam a origem da pequena cicatriz que tenho sobre o olho esquerdo, respondo:

- Poesia.

Corina já publicou vários livros de poemas e pensamentos com grande sucesso. Sempre me manda o convite para seus lançamentos e sessões de autógrafos. Soube que sua última obra é uma compilação de toda a sua poesia e prosa, com quatrocentas páginas. Capa dura. Vivo aterrorizado com a ideia de que ainda levarei esse tijolo na cabeça.
(...)

Mesmo as minhas cartas de rejeição mais violentas, minhas diatribes de segunda feira, terminam com um P.S. amável. Instrução de Marcito.


[Excerto do início do romance Os Espiões de Luís Fernando Veríssimo]

*

Minha mulher e eu temos o segredo para fazer um casamento durar: duas vezes por semana, vamos a um ótimo restaurante, com uma comida gostosa, uma boa bebida e um bom companheirismo. Ela vai às terças-feiras e eu às quintas. 

Nós também dormimos em camas separadas: a dela é em Fortaleza e a minha, em São Paulo. 

Perguntei a ela onde ela gostaria de ir no nosso aniversário de casamento, "em algum lugar que eu não tenha ido há muito tempo!" ela disse. Então, sugeri a cozinha. 

Nós sempre andamos de mãos dadas... Se eu soltar, ela vai às compras! 

Ela tem um liquidificador, uma torradeira e uma máquina de fazer pão, tudo elétrico. Então, ela disse: "nós temos muitos aparelhos, mas não temos lugar pra sentar". Daí, comprei pra ela uma cadeira elétrica. 

Já faz 18 meses que não falo com minha esposa. É que não gosto de interrompê-la. 

Mas, tenho que admitir: a nossa última briga foi culpa minha. Ela perguntou: "O que tem na TV?". E eu disse: "Poeira".


[Excerto de Texto Humorístico de Luís Fernando Veríssimo]

*

Luís Fernando tem 76 anos, é escritor. As suas crónicas no Expresso eram sempre uma graça, uma graça inteligente, tive imensa pena quando terminaram. É filho de Erico Veríssimo, escritor. Luís Fernando é também músico, toca saxofone.


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Luis Fernando Verissimo está internado em estado grave desde a tarde de quarta-feira no hospital Moinhos de Vento, em sua Porto Alegre natal. Às 18h desta quinta-feira, a equipe médica responsável pelo escritor e colunista do GLOBO, de 76 anos, realizou uma coletiva de imprensa. Segundo o superintendente médico da instituição, Nilton Brandão, Verissimo apresentou melhoras ao longo do dia, mas seu estado de saúde ainda requer cuidados e ele segue no Centro de Tratamento Intensivo (CTI). No momento, está sendo pesquisada a origem de sua infecção.

De acordo com informações do Zero Hora, o primeiro sintoma, uma forte indisposição, foi sentido pelo escritor na última sexta-feira. Na semana passada, Verissimo havia participado de um evento literário em Araxá (MG) e passou alguns dias no Rio de Janeiro.

(Excerto da notícia publicada n' O Globo)


Tomara que Luis Fernando Verissimo se ponha rapidamente bom. Daqui lhe envio o meu voto de francas melhoras.

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A primeira música é de Gabriel o Pensador e chama-se Linhas Tortas.

Convido-vos ainda a visitarem-me no meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras olham os veleiros que regressam vazios e sem destino, para se juntarem às palavras de Ruy Belo. A música é um lamento e, claro, é ainda Henry Purcell.

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E já é outra vez sexta feira. O tempo corre de uma maneira...

Tenham, meus Caros Leitores, um belo dia.


quinta-feira, novembro 22, 2012

Self assessment - a minha maneira de ser em cinco aspectos. Testes de personalidade (Jung, Myers-Briggs e outros) para que se possam conhecer melhor a vós próprios






Para quem trabalhe em grandes empresas, o que vou dizer não é novidade nenhuma. 

É frequente (desde há uns anos a esta parte) que, sempre que se quer fazer uma reestruturação ou preparar um plano de sucessão ou, até, um plano de formação, ou qualquer outra coisa do género, se contratem consultores e que estes, para a prossecução do seu trabalho, usem várias metodologias. 

Uma das que costumam ser usadas é a de se levar a cabo aquilo a que vulgarmente se chama assessment. Geralmente há equipas de psicólogos que sujeitam os visados a baterias de testes de personalidade e de comportamento. Mas não são apenas os próprios que respondem a estes testes sobre si próprios. As chefias e os subordinados (quando os há) também preenchem questionários sobre as pessoas visadas.

Depois, não apenas o próprio é confrontado com a sua análise feita por um psicólogo - e trata-se de uma conversa a sós - como com a opinião que os subordinados ou a chefia têm de si. 

A seguir, há uma conversa do psicólogo com a chefia da pessoa em que analisam a maneira de ser e de agir dele, enquanto subordinado, e em que se conversa sobre o que se poderá fazer para que a dita pessoa melhore ou progrida.

Pela natureza destes testes e pelas entrevistas que têm lugar, poder-se-ia dizer que este é um processo desagradável. As pessoas desnudam-se perante terceiros e, a seguir, são confrontadas com a sua imagem escalpelizada e com a imagem que os outros têm de si - e isto sem saberem exactamente que destino vai ter a análise feita.

Sei de casos, noutras empresas, em que, com base nestes assessments, algumas pessoas foram afastadas das suas funções. Não tinham perfil, disse-se. Nessas alturas pode até ser humilhante: a pessoa é emprateleirada ou convidada a sair porque a sua análise psicológica revela que não tem os traços de personalidade ou não tem a atitude que se julga conveniente ou, ainda, porque foi constatado que não é capaz de trabalhar em equipa ou de acompanhar a mudança que se pretende imprimir. A pessoa despiu-se e, depois, vê-se confrontada com a sua imperfeição apontada como um defeito incontornável.

No entanto, muitas vezes não se passa isso. Muitas vezes identificam-se pontos fracos que vão ser melhorados ou identificam-se funções nas quais as próprias pessoas se vão sentir melhor enquadradas.

Poder-se-ia pensar que as pessoas reagiriam com relutância a um processo deste tipo. Mas não. Curiosamente as pessoas respondem a estes testes e participam nas entrevistas com os psicólogos com grande adesão e, até, com motivação. 

Estive a falar com um dos psicólogos que conduzem um processo deste tipo e contei-lhe que as pessoas gostam muito, saem das sessões e contam-me o que foi identificado como pontos dominantes ou como aspectos a melhorar. Não se sentem invadidas, não se sentem ameaçadas. Gostam. Estão nestas sessões individuais durante cerca de uma hora e vêm de lá todas contentes.

Eu também gosto. Poderia pensar que um testes destes pode demonstrar que afinal tenho jeito é para coser meias ou, numa destas reuniões, pode ser-me transmitido que as pessoas que chefio me detestam e que acham que não sou uma boa líder ou que não as motivo. Há sempre esse risco. Mas, apesar do risco, ou até talvez por esse risco, estas coisas, para mim, são um desafio que encaro com expectativa positiva.

Curiosamente acho que são ferramentas tão bem aferidas que acertam bastante razoavelmente. O que é preciso é que sejam usadas para bons fins e não para dar cobertura a intenções menos meritórias.

Cada empresa que faça este tipo de trabalhos usa as suas ferramentas.

Como não é a minha área de especialidade não me lembro agora do nome daquela que tenho usado quando sou avaliada ou quando avalio.

Mas não é muito diferente de outras que tenho de memória e que são conhecidas pelos nomes dos que lhes deram origem.  Carl Gustav Jung, Katharine Cook Briggs e a filha, Isabel Briggs Myers são dos mais conhecidos.



Jung, Myers, Briggs

Para quem não esteja familiarizado com estes testes, indico mais abaixo um site onde pode encontrar vários.

Aqui, neste site, pode ver logo as conclusões. Nas empresas geralmente ao fazer os vários testes não recebe logo a conclusão nem é uma conclusão tão simplista como a que aqui vos mostro. Sabê-lo-á na referida reunião de uma hora com o psicólogo, onde irão conversar sobre os resultados, sobre apetências, frustrações, ambições.



Os indicadores Myers-Briggs


Claro que ninguém é 100% uma única coisa. Por isso o que os resultados dirão, se forem estes os testes, é, para cada um destes indicadores, qual a percentagem observável, ficando-se, pois, a saber quais as características dominantes.







Não porque me considere criatura psicologicamente digna de interesse mas para que tenham uma ideia do tipo de resultados que se pode obter com um teste desta natureza, fiz agora um, aqui muito à pressa, sem me deter a pensar nem por segundos (o que, de resto, é o melhor pois as respostas mais espontâneas são as mais verdadeiras).

Experimentei com um dos testes mais rápidos, um de 50 perguntas e, claro, este forçosamente teria que ser um dos que produz resultados menos detalhados e menos 'trabalhados'. Mostro-vos, pois, o que obtive sobre mim própria, e é algo que corresponde genericamente ao que, de facto, acho que sou. 



Extroversion                  |||||||||||||| 56%
Orderliness                     |||||||||||||| 54%
Emotional Stability        |||||||||||||||| 70%
Accommodation             |||||||||||| 48%
Inquisitiveness                |||||||||||| 50%



Extroversion results were moderately high which suggests you are, at times, overly talkative, outgoing, sociable and interacting at the expense of developing your own individual interests and internally based identity.

Orderliness results were medium which suggests you are moderately organized, structured, and self controlled while still remaining flexible, varied, and fun.

Emotional Stability results were high which suggests you are very relaxed, calm, secure, and optimistic.

Accommodation results were medium which suggests you are moderately kind natured, trusting, and helpful while still maintaining your own interests.

Inquisitiveness results were medium which suggests you are moderately intellectual, curious, and imaginative.


Assim sou eu, segundo o teste rápido que acabei de fazer.

Caso nunca tenham feito nenhum destes testes, sugiro que aproveitem para o fazerem. Tem graça. Conhecermo-nos um pouco melhor não faz mal nenhum. Tem até uma certa graça.

Cliquem aqui, se aceitarem a minha sugestão. Divirtam-se.


***

A música é 'era um redondo vocábulo' de José Afonso, aqui interpretada por Sofia Ribeiro e Gui Duvignau.

***

Permitam ainda que vos convide a visitarem-me também na minha outra casa, o Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas mãos aproxima-se das vossas, as minhas palavras são vossas, e deslizam junto às palavras de Jorge de Sena. A música é o Te Deum de Henry Purcell. 


***

Tenham, meus Caros, um belo dia!

quarta-feira, novembro 21, 2012

A música e as cores dos nossos pensamentos ou quando a alma se desprende dos campos de girassóis e, com um grito, se lança numa cavalgada celeste ao som do piano






Como soam os meus pensamentos quando os penso em silêncio? Ou, se falo, soa a minha voz da mesma forma que soariam os meus pensamentos se lhes fosse dado ter voz?

Não sei. 

Sabia que os pensamentos têm  cor e que as suas imagens tantas vezes parecem obras de arte. Sabia que, dentro de nós, no mais misterioso dos territórios, a paisagem é fantástica, abstracta. Os neurónios, as suas ligações, as suas formas ou deformações, tudo é desenhado à mão livre, pintado com liberdade imensa.



«O Grito» de Edvard Munch (esq.) e «Cortes de bulbo olfativo de ratinho» (dir)
por M. M. Gabellec e M. Alonso do Institut Pasteur Paris, França, conseguido
através da marcação por imunofluorescência com anticorpos dirigidos contra moléculas



Não há muito tempo a Gulbenkian mostrou-nos pinturas junto de imagens do cérebro. Belas, coloridas, estas imagens, colhidas por cientistas, investigadores, neurologistas, quase parecem as que os pintores sonham.



Os Girassóis, de Gustav Klimt (Viena, 1862 – Neunau, 1918) e um neurónio em cultura,
produzindo dopamina, do Institut du Cerveau et de la Moelle Epinière
 Université Pierre et Marie Curie, Paris, França.

O grito, campos de girassóis, imagens que não nos são exteriores, imagens que se estendem como paisagens ou como sustos e que habitam dentro de nós. Misturam-se estas imagens com a nossa alma? Ou são estas imagens a nossa alma?

O que é a alma? Tal como alguns cientistas admitem, forças quânticas que circulam, invisíveis e poderosas, dentro de nós e que se evolam do nosso corpo, mal ao pó voltamos?



Cavalgada Celeste, um óleo sobre tela de Salvador Dalí (Figueras, 1904 – 1989)
e a Fase II da diferenciação de neuroblastoma por Torsten Wittmann,
UCSF, Dept of Cell & Tissue Biology, San Francisco, EUA.


Um dia a nossa alma cavalgará, transparente, pelos céus, parecendo-se, se a conseguíssemos ver, com as imagens secretas que nos habitam e que os cientistas desvendam, deslumbrados?

Sabemos também que o cérebro se ilumina mais quando há paixão ou quando se vêem obras de arte. 

Sabemos, no extremo oposto, que o cérebro definha, quase desaparece, quando a mente se obscurece.

Um cérebro com Alzheimer é um cérebro que se cansou, devorado pelo cansaço de existir.



Um cérebro normal à esquerda e com Alzheimer à direita


Misteriosos desígnios que, mais fortes que nós, insensíveis à nossa vontade, agem à rédea solta. Dentro de nós.

Pois bem, conforme se pode ler no site Ciência Hoje, um novo passo foi agora dado por  Jing Lu e Yao Dezhong: 'compuseram' música a partir da observação da actividade neurológica. Os impulsos eléctricos desencadeados pelos neurónios podem ser vistos como ondas que se movem no interior do cérebro e que podem ser registadas e transformadas numa pauta musical.

Para converter as ondas em música, os cientistas utilizaram imagens de eletroencefalograma e de ressonâncias magnéticas de uma mulher de 31 anos e de uma rapariga de 14. Com os primeiros, criaram os tons e a duração das notas. As ressonâncias magnéticas serviram para controlar a intensidade.

O estudo reflecte dois tipos de ondas cerebrais (EEG e fMRI) para que tom e intensidade se registem separadamente.


A música do cérebro


Há quem a descreva como música erudita, piano. Estive a ouvi-la e parece-me jazz, um improviso ao piano. Sons muito livres, sons que se soltam em cavalgadas celestes, pétalas que deslizam levadas pela aragem em campos coloridos e perfumados. Ou gritos.

Agora que vos escrevo, que música se estará a desprender dos meus pensamentos? 

As ondas que se desprendem do meu cérebro voam, pelos largos espaços, atravessam a noite escura, atravessam cidades, mares, continentes  e, como uma música suave, chegam intactas até vós? Chegam?

Vocês que estão aí, escondidos de mim, tão escondidos como as paisagens que se escondem dentro do meu cérebro, agora que lêem estas minhas palavras, as palavras que o meu cérebro me fez escrever, ouvem também a cor e a melodia da minha alma?

Conhecem-me vocês melhor do que eu me conheço a mim própria?


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A música, muito pura, uma música que um cérebro muito puro um dia sonhou, é Promessas de Bernardo Sassetti.

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Convido-vos ainda a virem comigo até ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje uma pantera de olhar cansado olha-nos, entristecida. São assim as minhas palavras que se desenham em volta de um poema de Ana Luísa Amaral. A música é de Henry Purcell e escolhi um baile para ver se animo as nossas almas.

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Resta-me desejar-vos, meus Caros Leitores, que esta quarta feira seja um dia feliz. 
Que os vossos pensamentos sejam coloridos, os vossos sentimentos sejam calorosos e que, das vossas almas, se soltem melodias muito suaves (ou divertidas).