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terça-feira, agosto 20, 2013

Leituras de verão - ou o elogio do caos


1.


Tu tens medo dos lobos, tontinha!? - pronunciou Louvadeus em tom amável de repreensão.

- Olha que os lobos são bichos valentes, bichos simpáticos.

- Medo do homem, sim, do homem ladrão, do homem fera! Os lobos não metem medo.



Kate Moss by Mert and Marcus


2.

Quando os bobos uivam, até os lobos precisam de recolher à toca para recuperarem alguma paz. E levam consigo um livro.



Kate Moss by Tim Walker


(Pego então num livro antes de me recolher)

3.

A confiança não vive de uma imagem estática ou aprisionada do outro. Ter confiança é admitir a possibilidade de mudança, de viragem, de deslocação e, num certo sentido, também de 'traição'.

Para sermos fiéis ao núcleo mais fundo de autenticidade, temo-nos de interrogar constantemente: 'o que é trair?'. Não esqueçamos o que ensina Kierkegaard: a única traição é não ter querido nada, profunda e autenticamente.



Kate Moss by Tim Walker



(E num outro livro)


4.

Sorriu, alegre, sentada na beira da mesa, e escutou a música baixa, quase em surdina, rigorosa, talvez Vivaldi transparente, sem inquietação e sem perguntas, caindo leve sem tocar em nada.








A nota discordante, pensou. E sorriu outra vez, porque o que quer que dissesse seria uma agressão a tudo isso, começaria  falar e iria abrindo brechas na perfeição fictícia das coisas, e deixaria entrar subitamente a angústia.




Kate Moss by Mert and Marcus



É um mundo que começou a enlouquecer, disse de repente, sem preparação. Um mundo eficiente, de silêncio total, em que ninguém mais fala com ninguém. As pessoas estão sentadas, ombro contra ombro, à espera, mas o motivo da espera é sempre falso, o autocarro, o comboio, o avião, porque todos os lugares são iguais e nada é diferente em parte alguma.




Kate Moss by Mario Testino



Nada a dizer no dia claro, nada a dizer no dia claro. Assim fora, assim era, portanto. Voltou para dentro e fechou a janela.



(E ainda um outro livro)

5.

Um homem vencia os obstáculos do caminho e voltava finalmente para uma mulher amada, que tinha esperado por ele a vida inteira.




Kate Moss by Tim Walker


Havia milénios que homens e mulheres viviam a esperança dessa história. E uma vez por outra, talvez não muitas vezes e talvez apenas para alguns, bafejados pela sorte, pelo acaso ou pelos deuses, essa história inverosímil do regresso a casa entrava na vida real e acontecia.



*****

As leituras pertencem respectivamente (e sendo que cada excerto não segue por vezes a ordem original nem a ordem que escolhi obedece a nenhuma lógica - transcrevi tal como me apareceu e apeteceu) a:

1 - Aquilino Ribeiro, Quando os lobos uivam  (excerto que abre o livro seguinte)
2 - Onésimo Teotónio Pereira, Quando os bobos uivam
3 - José Tolentino mendonça, Nenhum caminho será longo
4 - Teolinda Gersão, O silêncio
5 - Teolinda Gersão, A cidade de Ulisses


A música é Verão de Vivaldi, interpretada por Julia Fischer no violino, acompanhada pela "Academy of St Martin in the Fields".



***

Permitam ainda que vos informe:

  • E muito gostaria ainda de vos convidar a virem comigo até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa. Hoje, levada pela mão de Armando Silva Carvalho as minhas palavras são calientes como convém a um dia quente de verão. Segue-se-lhes a voz de uma grande fadista, Gisela João.

***

E por hoje é isto. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela terça feira. E boas leituras!


domingo, janeiro 30, 2011

Sophia, Afonso Duarte e Aquilino - natureza, vida e morte e as palavras de que nos alimentamos

Da Magnólia, leitora de Um Jeito Manso, e com a sua devida autorização - e porque me revejo nas suas palavras - permito-me transcrever o seu comentário sobre o meu post sobre Sophia de Mello Breyner Andresen e sobre a nobre e generosa doação à Biblioteca Nacional do seu espólio por parte dos filhos.

"Há pessoas que não deveriam morrer. E essas, mesmo morrendo, não desaparecem da nossa vida. Apenas muda a sua maneira de ‘aparecer’: deixamos de as ver fisicamente, e passam a estar connosco de uma forma ainda mais íntima. Acontece com aqueles que amamos e nos amaram. E, estranhamente, acontece com aqueles que apreciamos, e que, mesmo sem nos terem conhecido, ajudaram a formatar uma grande parte do nosso verdadeiro ‘eu’. Sinto isso com a Sophia. Através dos livros que li desde que me lembro de saber ler, posso dizer que cresci com ela. Às vezes dou comigo a ‘repeti-la’, já sem saber se, sem ela, eu seria capaz de me expressar assim ou, mais do que isso, sem saber se, sem a ter lido, eu pensaria daquela maneira…

Canteiro forrado de azulejos com poema de Sophia 

E a dita ‘formatação’ lançou em mim raízes ainda mais profundas - porque telúricas e que estão na origem da minha pequena mata de ‘pinheiros, tílias, abetos e carvalhos’, árvores que povoavam o meu imaginário desde que, em miúda, li o Cavaleiro da Dinamarca, e que ao longo da minha vida, tornei reais, palpáveis e… minhas.

Pinheiro grande, já independente


Pinheirinho pequenino, ainda de fralda

Porque ao plantá-las e acariciá-las (agora que vão sendo grandes e independentes), vou inevitavelmente reflectindo sobre a vida – a delas e a minha, acode-me ao pensamento muitas vezes, aquele soneto ‘Rosas e Cantigas’ de Afonso Duarte, que me permito lembrar aqui:

‘Eu hei-de despedir-me desta lida,
Rosa here in heaven
Rosas? - Árvores! hei-de abrir-vos covas
E deixar-vos ainda quando novas?
Eu posso lá morrer, terra florida!

A palavra de adeus é a mais sentida
Deste meu coração cheio de trovas...
Só bens me dê o céu! eu tenho provas
Que não há bem que pague o desta vida.

E os cravos, manjerico, e limonete,
Oh! que perfume dão às raparigas!
Que lindos são nos seios do corpete!

Como és, nuvem dos céus, água do mar,
Flores que eu trato, rosas e cantigas,
Cá, do outro mundo, me fareis voltar.’


E confesso que, nesses pensamentos, se mistura a dúvida do nosso Aquilino, que, em momentos de maior fragilidade, faço minha: 

‘A Primavera, tantas vezes rebelde ao calendário, rejuvenesce tudo menos o homem. As leis da ciclicidade fisíca assim o mandam. Para o ano, por esta altura, voltarão as aves a cantar. Que chova, que faça um sol radioso, com o mundo vegetal pletórico de seiva, ou mais aganado, à triste planta humana é que nada a afasta da sua carreira para a morte. Será ela a obra prima da Criação ou a pior de todas’?

Musgo dourado, viçoso, prenuncia a vinda da Primavera

São estes todos – Aquilinos e Sophias, etc, que nunca vão desaparecer do nosso mundo, porque estão aconchegadinhos dentro de nós...

Foi notável o gesto dos filhos da Sophia de Mello Breyner: dignificaram-se e honraram-na como escritora e como Mãe."

Escrito por: Magnólia
Fotografias minhas de hoje, here in heaven