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segunda-feira, julho 15, 2024

Dias felizes

 

Devo dizer que tenho vivido dias felizes. Com os que me são mais queridos juntos, todos bem dispostos, a conversa a fluir de gosto, todos em volta da mesa, com a casa cheia, com a maluqueira nocturna que me fez rir de gosto, com o madrugar bem mais cedo do que me é habitual, com a alegria de todos... sinceramente, a nível pessoal, não posso querer mais. 

De vez em quando lembro-me do que disseram e dou por mim a rir sozinha. 

Todos têm a sua vida pessoal e profissional (ou escolar), certamente todos terão, de quando em vez, os seus contratempos e preocupações. Mas, como por magia, quando nos encontramos todos, parece que os problemas perdem relevância e a ninguém lembra falar de maçadas.

Estou boa do meu pé. Quase boa. A nível visual está praticamente normal. Claro que, quando olham, ficam um bocado enjoados pois acham-no esquisito. O dedão (e arredores) está a perder a pele. Mas a mim isso não me incomoda nada. Também ainda tem umas manchinhas escuras mas nada de mais. Também já mexo razoavelmente o dedo. Dói-me ainda um pouco mas já não me tira o sono e, na maior parte do tempo, nem me lembro de tal coisa. E da tendinite do ombro que me causou rigidez também já estou quase a cem por cento. Vou eu fazendo uns exercícios e a coisa está a ir ao sítio. Só aqui é que me ponho a falar nisso. Quando estou com a minha turma nem me lembro das chatices que tive nem do que ainda sobra delas. 

Claro que, no meu íntimo, sinto saudades da minha mãe e faz-me muita impressão que tenha sido uma presença tão constante na minha vida e que, como que por artes mágicas, em pouco tempo, se tenha despido de matéria. Era alguém tão presente e agora é apenas memória. E já passaram quase seis meses. Por vezes, parece-me impossível. E no outro dia o meu pai faria anos e, no entanto, ao mesmo tempo, parece que já não existe há imenso tempo, quase como se já não pertencesse à minha vida actual. E não pertence. Mas a verdade é que pertenceu até 2020. 

O tempo tem o seu lado cruel, a vida tem o seu lado de traiçoeira. 

Mas forço-me a manter estes pensamentos no lado adormecido da minha mente. E consigo que isso coexista com a minha alegria em estar viva e rodeada por aqueles que tanto amo.

E depois há as pequenas coisas. Infra-mínimas. Mas que me dão prazer, me motivam, me animam.

Por exemplo: estava com o cabelo comprido que geralmente apanhava em rabo-de-cavalo, muitas vezes dando-lhe uma reviravolta ao alto, para cima. Mas andava com vontade de o transformar. Então hoje, há bocado, fiz assim: estando apanhado num rabo de cavalo alto, como é costume, meti-lhe a tesoura e lá vai disto. Ou seja, agora, depois de cortado, dá para o apanhar na mesma, à tangente mas dá, e, curiosamente, ficou com um escadeado bem curioso. Saiu um monte de cabelo, ficou muito mais leve, e acho que não ficou mau de todo. Ainda lhe dei mais umas duas ou três tesouradas à frente para fazer um degradé mais harmonioso. Já não vou à cabeleireira há anos e fico com pena pois gostava dela e espero que as restantes clientes sejam mais fiéis do que eu. Mas isto de ter a liberdade de fazer coisas assim, na base do 'lá vai disto', faz-me sentir muito bem.

A outra coisa pertence à mesma categoria, a das frioleiras: andava com vontade de usar vestidos compridos mas nada me agradava pois não sou bem o género de intelectual de esquerda daquelas que usam saias compridas, largas e desengraçadas, nem sou exactamente o estilo hippie. Não estava a ver-me como uma maria-pendona. Mas também não queria usar vestidos que parecessem de noite, muito menos de baile de finalistas. Portanto, mantinha-me no classicismo das calças, dos vestidos pelo joelho, e, numa versão mais estival, calções brancos com blusinhas coloridas. Mas finalmente dei o salto. Encontrei o género de que gosto. A minha filha ofereceu-me um, que me assenta de uma forma superconfortável e com o qual gosto mesmo de me ver. E eu comprei os outros. E sinto-me tão bem... Há um que ainda não estreei mas sobre o qual estou com uma boa expectativa: cai como seda, suave, muito leve, é justo em cima mas alarga um pouco para baixo, é super decotado à frente e atrás, de alcinhas finas, e é em cor de coral com pavões gigantes de alto a baixo naqueles tons verdes e azulões. E, para conjugar, tenho um brinco, um único, com uma pena nos mesmos tons. Penso que vai ser exótico e isso agrada-me.

E toda a vida usei brincos discretos. Poderiam ser coloridos e adaptados às toilettes mas nada de exuberâncias. Contudo, andava com vontade de ter brincos ousados, coloridos, incomuns. E descobri-os. Estou mesmo feliz com eles. A ver se amanhã os fotografo para vos mostrar pois acho-os especiais e, sobretudo, os pais da criadora comoveram-me e apetece-me transmitir-lhes o meu carinho.

E ainda mais uma: chapéus. Adoro chapéus. Mas sempre me fiquei por modelos que me parecessem elegantes mas discretos. Provavelmente as pessoas discretas já os achariam algo destacados mas, para mim, estavam aquém do meu gosto intrínseco. Pois vi um que imediatamente chamou a minha atenção. A minha filha, ao vê-lo na loja, disse que todo ele é, em si, um statement. De facto. E não fujo a isso. Mas, ainda assim, receei que fosse demasiado aparatoso. Contudo, acabei por não resistir. Acho-o um espectáculo e sinto-me mesmo feliz quando o ponho. (Não é este. Este aqui ao lado é um que encontrei via google)

Quando era adolescente gostava de modelos originais e de me maquilhar e os meus pais zangavam-se, não queriam que eu desse nas vistas, diziam que não tinha idade para isso. Depois, pela minha profissão, tinha a noção de que não deveria mostrar-me a tender para o radical ou para a desalinhada (até porque era acusada disso). Agora já não tenho que provar nada a ninguém nem tenho que recear as opiniões alheias. Não que me preocupasse com isso mas, enfim, vivia o meu dia a dia integrada numa realidade em que as fugas à regra tendiam a ser mais ou menos vistas como perigosas excentricidades.

Claro que para coroar o bolo só mesmo uma cerejinha a enfeitá-lo: durante a semana fomos, por duas vezes, almoçar a um restaurante veggie. Não me tornei e acho que não me tornarei veggie mas a verdade é que gostámos imenso. Comemos agora muito menos carne, preocupamo-nos cada vez mais com uma alimentação equilibrada e saudável. E o meu filho ofereceu-me um conjunto de alimentos biológicos, saudáveis, e isso agrada-me e atrai-me bastante.

Portanto, apesar de não estar a ir para nova, a verdade é que me sinto cada vez mais disponível para procurar e acolher novidades e para me libertar das poucas peias que já tinha.

E viva a vida.

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Mercedes Sosa, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gal Costa - Volver a los 17


Uma semana feliz

domingo, fevereiro 18, 2024

Ele teve medo de enlouquecer e ela teve que se explicar de uma vez por todas

 

Não vi os debates. Não estava em casa. Estava a tomar conta dos meus meninos enquanto os pais foram jantar fora. Quando me lembrei e eles sintonizaram no canal, estava a pombinha Raimunda a fugir com as penas do rabo à seringa. O tema da Rússia é mortífero para o PCP. Disfarçam a sua incapacidade em demarcarem-se dos crimes de Putin com uma conversa pífia; e com o Raimundo, dadas as limitações que tem exibido, a coisa fica ainda mais confrangedora.

O debate seguinte nem o cheirei.

E, de resto, apetece-me descansar a cabeça. 

Quando Bethânia e Caetano convergem com o espírito livre de Clarice Lispector o resultado só pode ser sublime. E é o que me apetece ouvir.




Desejo-vos um belo dia de domingo

Saúde. Elevação. Paz.

quarta-feira, novembro 16, 2022

A saudade dos três doces bárbaros na partida de uma deles

 


Hoje soube da morte de uma pessoa que conhecia. Conhecia-a apenas de vista mas, de todas as vezes que estive com ela nos mesmos eventos, via-a sempre vibrante, cheia de alegria e de vida. O seu próprio rosto irradiava. Sempre alegre, entre amigos, rindo, na paródia, ela era daquelas pessoas que não passava despercebida. Soube há algum tempo que estava doente, mais recentemente soube que estava mesmo mal, ontem soube que estava por pouco e hoje soube que o seu sofrimento tinha acabado. 

Fez-me muita impressão. Há pouco vi uma fotografia sua e a sua morte parece-me ainda mais impossível.

Até há uns anos quem morria eram avós, tios de idade, depois mais recentemente começaram a morrer alguns pais -- pessoas de outra geração. Mesmo fazendo-nos impressão e sentido a saudade e a dor da separação, inevitavelmente aceita-se. É a lei da vida, diz-se nestas ocasiões. E é verdade. 

Lembro-me de andar no primeiro ano do liceu e de ter morrido uma colega, vizinha e amiga. Toda a gente sofreu imenso e a mim causou-me uma aflição muito grande. Contudo, desde pequena que eu ouvia dizer que ela sofria do coração e que havia nela uma bomba sempre prestes a explodir. Lembro-me de ouvir dizer que, antes de morrer, tinha tido muitas hemorragias e, para mim, pensei que tinha mesmo acontecido, o coração dela tinha mesmo explodido. 

Mais tarde, mas ainda no liceu, foi um vizinho da minha avó, colega de escola desde a infantil e amigo que também morreu. Tinha asma e sempre o conheci com uma tremenda falta de ar, sempre com pieira e sempre arfante, sem poder brincar, por vezes quase sem poder falar ou mexer-se. Falava-se da bomba como se vivesse dependente dela. Quando morreu foi uma pena muito grande mas foi quase como se fosse uma morte anunciada, a fatalidade que todos receavam.

Foram mortes muito precoces mas, em ambos os casos, no meu mais íntimo foi quase como se a natureza tivesse feito a caridade de reparar um erro irreparável

Não vou falar das mortes da minha família e que muito me custaram. Mas vou falar de uma morte que me fez mesmo muita, muita impressão. 

Volta e meia falo aqui dela. Quando no outro dia andei a limpar mails, passei várias vezes pelos dela e não fui capaz de apagar um único. Nenhum era de trabalho. Eram todos mails de anedotas, vídeos divertidos ou bonecada frequentemente maliciosa (muito maliciosa, muito mesmo, para dizer a verdade). Era uma pessoa que estava sempre de bem com a vida, que brincava com tudo e com todos. Ainda me lembro dela, uma vez, nos contar que uns dias antes tinha estado com um ministro e que ele a tinha olhado de alto a baixo. Mas logo acrescentou: 'Mas não era com ar de quem queria comer, era mais ar de 'onde é que ela terá comprado esta roupa?'. O meu marido desconcertado, o marido dela a rir, já mais que habituado, eu perdida de riso. Ou quando contava toda a espécie de safadezas entre colegas de trabalho, explicando: 'Sabem como é, há muitas camas...'. Até que um dia ele me contou, preocupadíssimo, que ela tinha pedido a um colega que lhe fizesse um exame e, nesse exame, o colega confirmou o que ela temia: um tumor. Depois foram os dias de expectativa em relação à biopsia. E depois o que se seguiu, ela sempre optimista, os tratamentos, ela optimista, o marido reticente mas, depois, o mal erradicado, já confiante. Os anos seguintes foram anos tranquilos, ela bem. Os filhos casaram, veio um neto, eles felizes. Por vezes, a medo, eu perguntava-lhe a ele: 'E ela, bem?'. E ele: 'Felizmente'. Há pouco tempo, andava eu e o meu marido a passear em Óbidos, entre o Natal e o Ano Novo, toca-me o telemóvel. Ele. Conversámos. O bebé dormia a sesta. Disse que a mulher estava 'aqui ao lado, manda-vos beijinhos. E um feliz ano novo'. Ouvi a voz dela. Retribuí. Não sei se no primeiro ou segundo dia do ano, eu a trabalhar, o telefone. Ele. Num fio de voz, se calhar ela tinha que ir para os paliativos. Não percebi. Ele disse que também não. Ela tinha escondido que estava muito mal. Tinha-se medicado. No hospital, os colegas contaram-lhe: sabiam, ela tinha dores mas tinha-lhes pedido para não dizerem nada. Intrigada, eu: 'Mas a semana passada disseste que estava bem... '. E ele: 'Estava cansada mas foram as festas, a miúda lá em casa, pensei que era normal, ela dizia que era normal'. Mas na véspera não se conseguia mexer, estava sem forças, levaram-na ao hospital, teve que ir ao colo. Estava no fim. Ele ainda incrédulo. No dia seguinte, em lágrimas, ligou-me de novo: ela tinha morrido. Não quis estragar as festas à família, não quis que a família e os amigos sofressem com o seu sofrimento. O que ela sofreu nem imagino. Da sua coragem nem encontro palavras para falar. Mas viveu até ao fim como sendo ela própria e não como uma doente terminal e acho isso extraordinário. No velório, o meu amigo estava inconsolável, destroçado. Ela era a sua força, ela era o motor da família.  E a mim fez-me muita impressão. Quase como se não conseguisse assimilar, não conseguisse perceber, não conseguisse aceitar que tinha mesmo acontecido. Ainda hoje me espanto. 

E agora foi esta... (ia dizer esta rapariga). Está a meio caminho entre a idade da minha filha e da minha. Tão jovial, tão saudável. Parece que não se pode acreditar.

Há situações em que parece que, ao desaparecer uma pessoa, se abre um buraco negro que jamais será ocupado. Pessoas luminosas. Deixam um rasto que perdura na nossa memória, que continua a brilhar.


Não há ninguém que cá fique pelo que, racionalmente, deveríamos encarar estas situações com alguma naturalidade, aprendendo a aceitá-las melhor. Mas nisto das emoções nem sempre se consegue ser racional.

Não é fácil.

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Caetano Veloso e Maria Bethânia falam sobre Gal Costa: 'Nossa história é amor'

A voz de Gal, apesar de única, sempre esteve perto de outras três vozes: as de Gil, Bethânia e Caetano. Juntos, eles transformaram a amizade em arte. A repórter Renata Ceribelli ouviu duas dessas vozes. Elas falam de lembranças doces e de uma bárbara saudade.


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A primeira pintura é Death on a pale horse, J. M. W. Turner. A segunda e a última são algumas das fantásticas mulheres de Armanda Passos. A terceira é da autoria de Gary Hume.
Lacrimosa - Mozart
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Um bom dia
Saúde. Ânimo. Paz.

sábado, outubro 30, 2021

E ao terceiro dia apareceu o sinal pelo qual eu tanto esperava.
Para festejar, recebam com um aplauso: Caetano Veloso na preparação para o seu vídeo para o TikTok

 


E ao fim do terceiro dia abre-se uma clareira na qual a crise e os malucos que a causaram não têm cabimento. Pode ser que amanhã ou depois ou depois volte à carga. É muito provável que sim. Motivos para me divertir ou arreliar não vão faltar. Mas hoje, sexta-feira virada e o sábado já caminhando, não estou nem aí. 

A minha praia esta noite é outra. Lá fora deve estar uma noite feia e toldada mas, aqui dentro de casa, reina a acalmia. 

Durante o dia, o pequeno urso aprendeu o que é o vento e a chuva. Sentado, empertigado, à porta da cozinha que estava entreaberta para o pátio, olhava com espanto para estes elementos da natureza. Nem queria ir ao jardim. Agora à noite, levei-o lá fora para ver se fazia alguma necessidade. Veio uma rabanada de vento e eis que o pobrezinho largou a fugir para o pé de mim, de novo sentado, intrigado, olhando para mim. Expliquei: 'É o vento. Não faz mal'. Não sei como interpreta o que lhe digo. Nasceu no verão, desconhecia até hoje outra coisa que não o bom tempo.

Haverá de se habituar. Ele tal como todos nós acabamos sempre por nos habituar a tudo. Que remédio.

Como referi na devida altura, nesta quarta-feira entrámos em blackout: nem internet nem televisão nem telefones. 

Veio o técnico, ligou, desligou, fez bypass, auscultou, fez boca a boca... e nada, nem pio para dentro nem pio para fora. Saiu a dizer que o mal devia ser no exterior. Coisa para outra equipa. Ao segundo dia nada aconteceu. Em cada uma das três chamadas, deu para perceber que nada estava a acontecer. Diziam que o assunto estava a ser acompanhado. O terceiro telefonema fui eu que o fiz: quando é para partir a louça, avanço desencabrestadamente. Avisei o jovem que o telefonema só acabava quando ele contactasse a equipa técnica e me transmitisse o que estava programado. Interrompeu e regressou com uma informação: que na sexta de manhã, antes das 10:30, haveríamos de receber uma chamada para confirmarmos que o serviço estava restabelecido. Mas que eu descansasse que o assunto estava a ser acompanhado. Deve ser o que lá têm escrito para dizer. Zanguei-me: não quero que o problema esteja a ser acompanhado, quero é que seja resolvido. 

Mesmo assim, tive esperança. Sou confiante. Ao primeiro dia acontece isto, ao segundo aquilo, ao terceiro aqueloutro. Sou crente. Fazer o quê? 

Só que, à hora da prometida revelação, nem telefonema nem serviço. O milagre não se tinha dado. Voltei a ligar e pedi para me passarem ao supervisor. O supervisor disse que me compreendia, que me pedia desculpa, depois ofereceu-me três canais de borla durante um mês, coisa que eu disse que não queria, queria era o problema resolvido. Disse-me, e pediu que eu acreditasse, que ia fazer o seu melhor. E insistiu na oferta dos canais, fazia mesmo questão. 

De tarde, por milagre, apareceu um técnico. Depois de verificar o que o outro tinha verificado, informou que o colega anterior não percebia nada do assunto. Não sei o que foi. Estava ainda em reunião, foi o meu marido que o aturou. Mas, quando acabei a reunião e lhe perguntei se já estava tudo a funcionar, estava mal disposto, chatices lá no trabalho dele. Por isso, quanto tentei perceber qual o problema da falta de internet, telefone e televisão, disse-me que se estava nas tintas, que estava farto destes gajos todos, queria era que o deixassem em paz. Não sei bem de quem estava ele a falar pois o telefone não parava de lhe tocar.

Resumindo: no que interessa, problema resolvido. Voltei a estar ligada ao mundo.

E, assim sendo, relembrando como funcionam as notícias e os comentários, a televisão voltou à vida. Vi um bocado do noticiário e um bocado do Expresso da Meia-Noite. Um bocado não. Um bocadinho. Talvez menos de cinco minutos. Desistimos. Mais do mesmo. Um bocado antes, quando lhe tinha aparecido o Louçã, o meu marido bufou: 'Eh pah, este gajo é que não'. Pedi para deixar ouvir, estava curiosa, sempre queria ver. Contrariado, cedeu. Ao fim de poucos minutos, resolvemos ao mesmo tempo: 'Já chega. Porra.'. É que ninguém merece.

Agora decorre uma novela da globo e está bom assim. Bobeira de alto a baixo, coisa de não torrar miolo nem dar arrelia. E com um plus que é dos bons. O Fagundão, tentador que só ele. Envelhece com qualidade, melhor que em barrica de carvalho. Todo ele, a cara, o físico, a voz, a graça com que fala: tudo um apetite. Olha-se e o que se pensa é que só de ver, mesmo que de longe, já se sente o perfume daquele pedaço de homem.

Olha. Acabou. Coisa mesmo só para dar água na boca. Eu à espera de cena bonita com o sempre e eterno amadaço Fagundão e afinal já era, a coisa já passou para outra. Uma novela em que parece que todos ciciam. Não tem graça. Não se percebe isto. 

Portanto, agora passei para o Governo Sombra. Só o RAP é que está bem encarado. Bronzeado. Os outros parecem-me macilentos. O Vaz Marques, desde que emagreceu, ficou com ar pendurado. O Mexia parece-me mais gordo e com más cores. Ou foi a maquilhagem que se distraiu nas cores ou devia fazer análises para ver se ataca a tempo. O João Miguel Tavares continua como sempre foi: baderneiro, confusionista, maledicente e mal jeitoso. Terei que voltar a fazer zapping.

E o mais aborrecido é que não sei quais os canais que o outro fez questão de oferecer. Nem sei como descobrir. Pobre e mal agradecida, vê se pode.

Portanto, sem canálios extra, a penúria do costume. Vou mas é desligá-la que fico melhor sem ela. 

Com licença que vou ver se há alguma coisa que se aproveite na Netflix. 

Parece-me que não. Não sei se sou eu que não sei pesquisar ou se é mesmo tudo mais para  fraquinho. Já vi o Estorninho, já vi O Escavador. Desses gostei mas agora não descubro nada que me desperte atenção. Ando biquenta, é o que é. Tudo me parece a tender para o rasteirinho, envolto em plástico. Ou é tudo excessivamente colorido ou excessivamente escuro. 

Pronto. Já descobri. Uma comédia com a Meryl Streep. Luminosa como sempre é, há-de ser uma boa companhia. Estou é na dúvida se já não a vi.  Se já vi, terei que ir dormir. Vou averiguar.

Bem. Fico-me por aqui. O dia foi puxado. Aliás, estes dias, puxa vida, têm sido puxados, coisa mesmo do bêleleu. Vou mas é descansarecos. Mas, antes, permitam que vos deixe em boa companhia.   

Caetano no TikTok 

Segue em primeira mão a nova coreografia e versão de Leãozinho: Gosto muito de te ver, Caetaninho (mão por cima da cabeca 3x). Caminhando com o Porta (andada em câmera lenta). Gosto muito de você, Caetano (movimento de coração com as mãos). Para desentristecer, Caetano (mão fechada em baixo dos olhos, simulando choro). A minha Porta tão só (sai de costas e olha pra câmera dramaticamente)


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As imagens são photoshop a pedido, trabalhos de James Fridman
Lá em cima Mercedes Sosa, Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gal Costa interpretam Volver a los 17
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Desejo-vos um bom fim-de-semana

sexta-feira, abril 23, 2021

Clarice

 


Não sei quando li Clarice Lispector pela primeira vez nem como foi que soube dela. Se calhar, descobri-a acidentalmente numa livraria. Mas já foi há muito tempo.

Foi um choque.

Era uma escrita visceral. Alguém escrevia como a gente pensa e sente mas não diz. Lia aquelas palavras  sem conseguir compreender como era possível uma escrita assim. Era tudo muito íntimo, muito drástico, muito cru e, ao mesmo tempo, muito vital. E muito espiritual.

Não sei o que diz dela quem sabe o que diz quando se fala de um escritor como Clarice. Não sei, pois, sei se estou a ser correcta no que digo. Posso estar a ser parcial, imprecisa, a ver apenas uma ínfima parte do que há para ver, posso estar a exprimir-me mal. Mas, sinceramente, não sei como melhor dizer o que acho da escrita desta escritora que situo acima do comum dos mortais. Dá ideia que levita, que a banalidade do mundo não a interessa, que ignora a superficialidade, que paira num outro mundo, tão ausente depois de morta do que era quando viva.

Para se gostar dela tem que se ter o coração e a mente disponíveis. Tem que se ter vivido. Tem que se ter conhecido qualquer coisa do mundo. Tem que se ter tempo para a acolher.

Gostava de a ter conhecido. Gostava de ter podido estar na sua presença, conversar com ela. Gostava tanto.

Por isso, gosto de ler e ouvir sobre ela. A palavra a quem a conheceu: alguns que encontrei. Espero que gostem. E, para quem ainda não leu nada dela, espero que fiquem com vontade de ler.











E, uma vez mais, este vídeo que acho delicioso



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Respectivamente:

  • Entrevista rara de Clarice Lispector | Museu da imagem e do som em 1976
  • Alunos de Letras da USP 1970 entrevistam Clarice Lispector
  • Clarice Lispector | Poesia e prosa com Maria Bethânia e Caetano Veloso 
  • O grande amor de Clarice Lispector | Lúcio Cardoso
  • Conselhos de Clarice Lispector para escritora Lygia Fagundes
  • Chico Buarque relata noite de jantar com Clarice Lispector
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Uma happy thanks-god-it's-friday

terça-feira, agosto 20, 2019

Belô, a sobrinha, entrevista Maria Bethânia e Caetano Veloso, os tios.
Uma ternura.


Gosto de ouvir, na TSF, as escolhas musicais de pessoas convidadas. Creio que se chama 'A Playlist de...'. Muitas vezes fico surpreendida ao ouvir canções de que me tinha esquecido completamente e de que, afinal, tanto gosto. Penso que já aqui o disse antes: se eu tivesse que fazer uma selecção de músicas da minha vida, teria que andar meses a puxar pela cabeça, tentando ressuscitar o que se arrastou para a sub-sub-cave da minha memória. Sei que não tenho uma música da minha vida mas muitas mas, assim de repente, não seria capaz de escolher meia dúzia temendo deixar de fora as mais importantes.

Se eu fosse de fazer listas, saberia sempre de que é que gosto mais. Assim, nunca sei. Tenho muitas limitações e esta é apenas uma delas.

E tem outra: quando alguém escolhe músicas que eu provavelmente também escolheria, fico a pensar no significado de tal afinidade. Será que, em tudo o resto, aquela pessoa gosta sempre do que eu gosto? Não faço ideia. Os mistérios do cérebro fascinam-me. 

Mas a Bethânia estaria lá, com certeza. Também gosto do Caetano, aliás gosto muito, mas a Bethânia tem aquela vozeirão que sabe ser reza, cântico, súplica, lamento, hino, celebração, onda rolando no mar, vela acesa no terreiro, chorinho atravessando o sertão, e isso não haverá, talvez, muito mais gente assim. Talvez a Nina Simone. Mas, na volta, se me puser a puxar pela cabeça, lembro-me de mais. Mais vale não me alongar para não deixar muitos expostas as minhas vulnerabilidades mentais.

Estive a ver a entrevista que a sobrinha Belô faz à tia e madrinha Bethânia. E dai parti para a entrevista a Cae, o seu tio Caetano. E gostei tanto que acho que devo aqui deixar registo.

Belô entrevista Bethânia


Belô entrevista Caetano

Parte I


Parte II


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Tão bom, tão bonito. Quanta ternura.

terça-feira, agosto 13, 2019

O que pretende Pedro Pardal Henriques?
Lançar a confusão no País? Abrir espaço à limitação dos direitos dos trabalhadores?
Ou isto não passa de rampa de lançamento para ir armar confusão na campanha eleitoral? E, a seguir, na Assembleia da República?
Corremos o risco de, um dia destes, o termos a desgraçar e a envergonhar Portugal?
Pergunto.


O mal de gente assim é que não tem limites. O normal pudor e o respeito pela verdade com pessoas assim não existem. 

Trump todo contente e galhofeiro
enquanto a mulher pega ao colo um bebé orfão,
cujos pais foram assassinados no tiroteio de El Paso

Veja-se o Trump. Não têm conta as insensibilidades que pratica ou as mentiras que já disse desde que é Presidente. Diz mentiras absurdas. Logo a seguir a comunicação social prova que mentiu, o mundo inteiro troça. Mas ele, descarado, diz que as denúncias das suas mentiras são fake news. E as pessoas que o apoiam, apesar de ele ser racista, misógino, xenófofo e sobejamente ignorante, continuam a apoiá-lo, diga ele as barbaridades que disser.

É como o Bolsonaro. É tão básico, tão ignorante, diz coisas tão ridiculamente absurdas que quem o ouve e tem dois dedos de testa pasma. E, no entanto, em vez de perder 100% de apoio no dia seguinte, continua a ser apoiado. Quem votou nele perceberá agora em quem é que votou?


Apoiam esta gente as seitas que odeiam a democracia, a liberdade, a inteligência, a cultura, o direito à igualdade de oportunidades, seitas estas que assentam em interesses escusos, que sobrevivem à custa da corrupção e da exploração dos ignorantes, dos indefesos e dos medrosos que, regra geral, também os apoiam. Numa fase incipiente apoiam-nos ainda os partidos ditos de esquerda popular, pequenos partidos que alavacam o seu crescimento em conversa simpática, igualmente próxima do populismo, partidos sem um verdadeiro programa de governação e que são abstractamente do contra, em especial contra esse vago cadavre exquis composto por ricos e poderosos que serve para adubar qualquer discurso demagogo.

Toda esta gente sinistra chega onde chega com base num linguajar que toda a gente percebe, palavras simples, conversas básicas, com base em aldrabices ditas num mamar doce, como se defendessem os trabalhadores, como se fosse contra os políticos em geral, contra os ricos e poderosos, contra os bancos, como se estivessem ali para defender os pobres, ao lado dos explorados contra os corruptos e os compadrios. E a malta, cansada e de cabeça feita pela comunicação social, acredita e vai na conversa deles. A malta não vê que aquilo é conversa de tipo música para ouvidos ingénuos, não percebe que aquilo é pura demagogia, não vê que aquilo espremido vale zero. E não vê que, uma vez instalados, começam a nomear os filhos e os genros para toda a espécie de cargos mesmo que não tenham as competências mínimas e façam o mundo sofrer de vergonha alheia.

Ivanka, a filha de Trump, feita emplastro, a meter-se na conversa de gente que nem quer acreditar naquilo


Abaixo, Caetano Veloso perdido de riso com a entrevista, na Fox, ao filho de Bolsonaro (possível embaixador dos Estados Unidos que apresenta como credenciais o ter experiência de mundo e o ter fritado hamburgueres nos States)


E nem falo do Salvini, esse falso bon vivant que vai fazer comícios na praia, que (literalmente) dá música e que, com a mesma cara de pau, manda prender quem tenta ajudar os que estão à beira de naufragar. Matteo Salvini não descansará enquanto não estiver à frente de um governo de ultra-direita. E que, claro, está a contar com o apoio de Bannon.


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Vamos ver onde estará Pedro Pardal Henriques daqui por uns anos
(isto se estiver em liberdade, claro)

terça-feira, maio 28, 2019

Pot-pourri com uns goles de seiva a acompanhar





O fim de semana foi curto. Enquanto vinha no carro a falar com a minha filha, bocejei, confessei que estava cheia de sono. De facto, tinha-me deitado tarde, a escrever sobre as eleições. Mas é que também não deu para descansar enquanto estive in heaven. Expliquei que só tínhamos conseguido lá estar durante pouco mais de vinte e quatro horas. Ela pergunta porque fomos, então. Digo: o pai teve que montar a máquina, depois teve que fazer isto, aquilo e o outro. Há sempre tanta coisa que fazer  quando lá estamos. E depois tivemos que vir a horas de vir votar. A minha filha diz com ar recriminatório: 'vocês gostam'. Tal como a minha mãe, ela acha que há coisas que não precisávamos de fazer, que poderíamos pagar para que alguém as fizesse por nós. Tento explicar que, de facto, gostamos. Mais do que gostamos: precisamos. Ela insiste e eu explico: durante a semana são reuniões, preparar apresentações, fazer viagens, conduzir projectos. Temos que ter o fim de semana para respirar, para mudar de ares. Explico também que, andando lá, regenero, sinto-me logo tão bem.


Enviei-lhes hoje o link para um artigo onde se enumeram vinte e cinco maneiras de conquistar uma melhor qualidade de vida e uma vida mais longa. Ali se diz que andar na floresta aumenta a imunidade, remetendo para um estudo científico. Mas não preciso de ler o estudo para saber que nem precisa de ser uma floresta a sério para a gente se sentir logo mais saudável. E a meditação também. Nunca consegui perceber o que é meditação mas talvez que, quando ando em silêncio e com vagar, a passear entre as árvores, a ouvir a aragem e o canto dos pássaros, a fotografar, sem pensar em nada, isso tenha o mesmo efeito. É uma total tranquilidade, uma felicidade sem definição ou explicação.


Ela fala-me também nas desoras a que aqui estou, que bem lê o que escrevo, que escrevo cheia de sono e, uma vez mais, recrimina-me, diz que gosto. E é verdade. Ninguém me obriga. Mas é a mesma coisa. Depois de dias tão cheios de fazer o que tem que ser feito, sinto necessidade de fazer o que me apetece fazer: escrever, ouvir música, ver imagens que me agradam, aprender. E há sempre tanto para aprender. Mas sei que ela tem razão. O artigo diz que é preciso dormir bem. Eu durmo bem mas, como me deito tarde e levanto cedo, chego a esta hora e tenho sono. É um absurdo, talvez. Não devia estar aqui, sei bem que não. Hoje, então, não mesmo.


Mas as coisas são o que são e nada a fazer.

Hoje, à hora de almoço,  apeteceu-me ir visitar livros. Ainda não fui conhecer a livraria nova do Príncipe Real. Não há onde ali se estacione, só indo a pé. Mas, para ir a pé, tem que se deixar o carro em algum lugar e ter tempo para ir a pé. Programa complicado para um dia de semana, com pouco tempo. Por isso, fui a lugar conhecido, onde sei onde encontrar as espécies. Ia andando e pensando que seria bom se os livros estivessem expostos por critérios de qualidade. Mas não: quanto menos valem, mais à vista estão. Também deveriam ter bem à vista os tradutores. Assim, tenho que estar a abrir para vem quem traduz. Mas há muitos tradutores que não conheço. E, então, vacilo, não me apetece arriscar. É uma profissão nobre, solitária, a de tradutor. Mas tem que haver muita ética, ser levada muito a sério, uma coisa laboriosa. Não sei se é um trabalho bem pago e, por isso, talvez haja justificação para alguns tradutores serem pouco apurados.


Mas vai chegar um dia em que já não se distingue entre escrever bem ou escrever de qualquer maneira. No outro dia, a minha menininha mais linda ia ter um ditado no dia seguinte e os pais combinaram que eu ensairia com ela. Então, passou-me para as mãos o manual de língua portuguesa. Foi pela Páscoa e o texto tinha a ver com o compasso na aldeia da família. Fiquei incomodada e tanto mais quanto não pude dizer-lhe que aquilo estava tudo mal pontuado, as vírgulas mal postas, e o próprio texto deselegante na escrita. Mas alguém seleccionou aquele texto para um manual do terceiro ano. Uma dor de alma. Pode aprender-se bem a partir de maus livros? Creio que não.

E hoje recebi um mail de um colega que eu não tenho por estúpido e que, aliás é, por lá, pessoa conceituada, e, para meu pasmo, encontrei um à do verbo aver, sem h, e um dar-mos daquela raça de palavras que são degoladas com um mortífero hífen. E, uma vez mais, pensei que, quando escrevo, a maior parte das pessoas deve pensar que dou erros atrás de erros. E, uma vez mais, lamentei ter que ler e calar.


Acabei por não trazer nenhum livro. Nada, do que vi, me pareceu inquestionável. Uma grande loja cheia de livros e, á vista, só livros que não me convenceram: ou porque sim, ou porque não, ou porque o tradutor, ou porque a capa, ou porque não sei. Se calhar, apenas não estava disponível para me deixar tentar. É um estado que não se recomenda: fica-se negativo, nada parece suficientemente atraente. 

Saí de lá a pensar como seria um livro meu, porque tenho isto de pensar que um dia ainda hei-de escrever um livro, e não cheguei a nenhuma conclusão. Não sei descrever como teria que ser. Tinha que contratar o hmbf para ele me mostrar de que é que eu, sendo como sou, ia gostar e sei que ia confiar na sua escolha apesar de ele não me conhecer porque ele sabe coisas que mais ninguém sabe e, ainda por cima, tem bom gosto. Mas não quereria apoio apenas para a estética. Não. Ia convidar umas três ou quatro pessoas que conheci aqui na blogosfera, e não digo quem para não aborrecer ninguém, para escrever o prefácio, o prólogo, a introdução, o epílogo e o mais que lhes apetecesse mas ia pedir que não quisessem saber da definição disso e escrevessem o que quisessem, nada a ver com o meu livro, nada, nada, apenas que escrevessem coisas bonitas, suas, coisas que desafiassem a lógica de ali estarem, coisas que tivessem a ver com eles e não comigo, com os seus gostos, liberdade absoluta. 


Já é tarde. Um disparate isto. Nem sei bem sobre o que é que estou a escrever porque, tal como disse ao começar, a semana passada foi difícil, o fim de semana foi curto, a noite de ontem longa e o dia que passou não deu trégua. E eu gostava de me ir aos comentários, dar dois dedos de conversa, mas acho que não vou conseguir chegar lá.

Mas, antes de me ir, gostava que vissem o vídeo que aqui tenho em baixo e que anda a dar-me ideias. Uma coisa incrível. Quando se pensa que já se viu muita coisa do outro mundo, do nada, aparece mais uma. Nunca imaginei uma coisa destas, não fazia a mínima, a mínima. Agora tenho que ir tentar perceber se isto é com todas as árvores e se, sendo, é assim, ao copo, ou se há algumas que sim mas só uma ou duas gotas. Numa daquelas de vida ao natural, de contacto directo com a natureza, nesta minha vontade de ser bicho, a perspectiva de beber o líquido que corre no seio das árvores emociona-me.

Tapping birch sap is one of my favorite parts of the spring. Birch sap has a very sweet taste and lots of health benefits, and it has been a part of the nordic tradition for hundreds of years.
Back in time, they said "drinking marrow into the bones" about drinking birch sap. It was a way of regaining energy after a long cold winter. Sometimes, they even gave it to the livestock, to give the cows, goats and horses some extra energy. 
It contains minerals and vitamins like calcium, potassium, magnesium, manganese and sugar. And also proteins, amino acids and enzymes. 
In this video I show you step by step how I do when I tap birch sap. The sap can only be tapped in the early spring for about 3-4 weeks. From when the snow and the frozen ground has melted, until the first leaves starts to bloom. Depending on where you live it might differ a lot. In the south of Sweden it's around march-april, and where I live in the north of Sweden it is usually the beginning of may until the end of may. 
For many of you (if you even have birch trees where you live) it might already be to late. But I hope that you feel inspired to try it out next spring or whenever you get a chance. 


E espero que as minhas fotografias, feitas durante o fim de semana, levem até si um pouco da paz que habita in heaven.

Um dia feliz.

domingo, maio 06, 2018

Condição de mãe




Conheço mulheres que quiseram ser mães e tentaram e tentaram e tentaram, lutando incansavelmente até serem forçadas a desistir. Conheço outras que gostavam muito de ter sido mães mas a vida foi passando sem que a oportunidade tivesse surgido. Também conheço algumas que nunca sentiram o apelo da maternidade. Nenhuma deixa, por isso, de ser mulher por inteiro.

E conheço as que foram mães depois de muito esforço, umas lutadoras, e outras que o foram sem esforço. E conheço algumas que muito trabalham e muito lutam para conseguirem dar uma vida boa aos seus filhos e outras que conseguem ser mães a tempo inteiro. E conheço mães a quem o infortúnio levou um filho, sofrendo na carne no espírito a dor mais triste e dilacerante de todas as dores. Todas mães de corpo e alma.

Todas nasceram de uma mãe. Umas têm uma relação próxima com a sua mãe, outras assim-assim e outras já não a têm consigo. Mas, para todas, a mãe será, sempre, uma presença.

Se falar apenas por mim, posso dizer que desde que me conheço que senti vontade de ser mãe e que, casada ainda quase menina e moça, logo que senti que a nossa vida estava estável, curso acabado e trabalho garantido, logo partimos para cumprir esse meu sonho (melhor: nosso sonho). Fui mãe aos vinte e poucos e apenas porque não tinha apoios familiares perto de nós e porque conciliar a vida profissional e familiar não era fácil nos ficámos pelos dois filhos. Outras tivessem sido as circunstâncias e vontade de ir aos quatro ou cinco ou mais não me teria faltado.

Sou muito, mas mesmo muito, chegada aos meus filhos, os meus muito queridos e amados filhos, e não há dia que passe que não sinta necessidade de ouvir a sua voz e semana que passe que não tenha vontade de estar com eles. Quando penso em mim, penso logo na minha condição de mãe. Ser mãe é uma parte muito funda e íntima de mim.

E sou também muito próxima da minha mãe. Sempre fui. Não sei se alguma vez a magoei. Creio que não mas, se o fiz, foi involuntariamente e, do mais fundo do meu coração, espero que logo mo tenha perdoado. Todos os dias falo com ela e, nestes últimos anos, duas vezes por dia. Preciso de saber que, quer ela quer o meu pai, estão bem. 

A minha maneira de ser não é muito parecida com a da minha mãe, excepto no sentido de humor, no sentido prático e no gosto pelo riso. Não sei se teria a coragem, a força e o sentido de abnegação que a minha mãe tem. Nem sei se chegarei à idade dela e, muito menos, se chegarei como ela aqui chegou: jovial, sempre sorridente, bem disposta, cheia de energia e planos. Tem oitenta e cinco anos e está muito longe de ser velha, quer de corpo, quer de alma.


Hoje, in heaven, apanhei um ramo de flores do campo e, ao fim do dia, fui lá a casa e levei-lho. Tem aquele perfume de que ela tanto gosta e imagino que lhe traga a memória dos seus tempos de meninice, quando corria pelos campos, loura e inocente, longe de saber os anos de dureza que um dia haveria de ter pela frente.

Não sou de festejar os Dias de. Parece-me coisa mais virada para estimular o comércio do que para incentivar afectos transviados. Mas o que posso acrescentar, a propósito deste domingo ter sido o Dia da Mãe, é que o que desejo a todos quantos por aqui me acompanham é que vivam em paz e harmonia com as mães, os filhos ou a sua memória.

sexta-feira, junho 10, 2016

Ménage a trois





A moça do meu ‘bom dia’ surge. Sozinha. À une passante. Num ímpeto de ansiedade quase me levanto para conversar com ela. Recalco inteiramente meus desejos. Se eu me relacionasse com ela todo o meu argumento literário se dissiparia. Acalmo meu coração e minha mente. Ela veste uma saia jeans e uma camisa branca. Biquíni preto por baixo da roupa. Cabelos presos. Dormiu bem. Muito bem. Parece relaxada e tranquila. Gozou? Ela não me olha. Não me vê. Está com uma máquina fotográfica ao seu lado. É uma máquina profissional. Possui um zoom gigante. Fotógrafa. Busca a própria beleza refletida no olhar dos outros. Ou apenas a morte. A minha morte de prazer? “A fotografia é uma testemunha, mas é uma testemunha do que já não existe. Um flerte com a morte.” Ela come uma deliciosa tapioca com queijo e presunto. Déjeuner du matin. Toma um pouco de suco de laranja. Bebe uma xícara de café com leite. Minha reinventada musa do poema de Prévert.

Ela, minutos depois, não resiste aos prazeres do doce, e decide comer um churro. Um churro, meu Deus! Subo aos céus. Uma linda mulher comendo churros é verdadeiramente uma experiência religiosa. Uma reconciliação do ser humano com o fato de possuir um corpo, que não só é capaz de causar dor, mas de vislumbrar momentos de prazer fugazmente intensos. Sonho. Emociono-me com sua boca. Com seus lábios carnosos. Com a possibilidade de ter e dar prazer com a simples fricção de sua língua. Sinto um tesão incomum. Ela segura esse objeto-desejo com a mão direita, apertando delicadamente o churro com quatro de seus dedos. Apenas o seu dedo mínimo não está em contato direto com o seu objeto de cobiça momentâneo (como eu queria que ela estivesse me acariciando).

Ela busca a melhor forma para dar a primeira mordida enquanto admira a imperfeição imponente do doce que vai abocanhar. Vira o rosto para o lado direito e para o lado esquerdo. Abre levemente os grandes lábios. Ai! No limiar do contato desse néctar com sua língua, ela fecha inconscientemente os olhos. Quer viver a sua religiosa, deleitosa e egoísta experiência de gozo sem a apreensão visual. Apenas com a memória fálica. (...)

Seu corpo anseia por mais um pedaço de prazer. Por mais um momento de delírio trepidante. Por mais metafísica. Ela, excitada, dá mais uma apetitosa mordida e sou eu também que sinto prazer. Uma vontade excessiva de me lambuzar, de me emporcalhar, de me regozijar com ela e com o churro. Ménage à trois. Ela lambisca o doce empanzinando-se de prazer, de endorfina, de sedução. E eu rezo solenemente. Oro por mim e por todos os voyeurs. Não vejo mais sentido algum para vida. Para a literatura. Para a minha doença. Não me questiono mais sobre filosofia alguma. Somente a sinto penetrar e percorrer o meu corpo. Estou diante do Sublime e da Beleza, e não consigo suportar essas sensações. Choro. Sou um mendigo. Não consigo mais ver o espetáculo que ela, e minhas invenções, me apresentam. Levanto ereto, mirando os céus. Sinto a existência do Brahma. Olhar e desejar assim, tão de perto, ainda que ela seja inacessível, corrompe. Maltrata. Vislumbro o meu pobre gozo. Mendicante, dirijo-me loucamente para o meu quarto. Para meu banheiro. Onã, o pequeno porco. “Weeshwashtkissima pooishthnapoohuck!”. Gozo para me reconciliar com a ficção da moça do meu ‘bom dia’.


[Na Revista Bula o texto completo da autoria de Jacques Fux, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura 2013 com o livro ‘Antiterapias’].

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Lá em cima, Caetano Veloso canta 'Você é linda'.

As fotografias mostram Stella Maxwell [que, e que me desculpem os meus Leitores homens o baldinho de água fria, já foi fotografada a beijar apaixonadamente Miley Cyrus e de quem, mais recentemente, surgiram rumores de que poderia ter começado a namorar com Kristen Stewart]. 

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E queiram, caso ainda o não tenham feito, deslizar por aí abaixo para verem os vídeos de alerta aos cavalheiros que ficam possuídos pelo espírito do futebol e se marimbam para tudo o resto e aos jogadores da selecção que pretendam desenfiar-se e ir fazer umas noitadas. Sou amiga - como sabem.



segunda-feira, maio 23, 2016

Eu também sou uma mulher cheia de caminhos




Hoje aquele a quem eu, até ele ser tão grande, chamava aqui ex-bebé perguntou-me se eu sabia falar brasileiro. Disse-lhe que sim, que brasileiro é português só que dito de uma forma engraçada. Pediu que exemplificasse. Tentei mas não foi fácil, porque logo já eu estava a falar usando vocábulos como neném ou babá, que careciam de explicação. E a verdade é que, ao esforçar-me por falar com paladar brasileiro, parece que me desfocava e, passado pouco tempo, já me faltava assunto. E, para falar de assuntos correntes, não me dava jeito nenhum falar em brasileiro. O mais crescido, saíu em minha ajuda.

E, no entanto, e já para não falar nas telenovelas brasileiras que dantes, quando era novidade, não perdia, há quanto tempo eu me habituei a ler em brasileiro. E gosto. Tem uma graça que acrescenta tempero à língua, parece que qualquer história ganha logo um dançarolar que anima por dentro o corpo de quem lê ou ouve.

Andei o dia todo por fora, com uns e outros, a animação habitual, tudo gente que não se adensa nos pesares da vida, antes seguindo em frente com risos, humor, descontruindo todas poses de bom comportamento. O meu pai, hoje tranquilo e meio dormindo no meio do reboliço, o meu tio sempre sorridente, a minha mãe toda jovem, vestida numa de navy, alegre no meio de tanta efusividade e bem humorança, a minha filha bonita e alegre, os pimentinhas comilões, brincalhões, o meu marido a ver futebol como se nada se passasse, eu a fotografar e a degustar os bons momentos.

Claro que, no meio, tenho momentos em que tenho que me ausentar da situação para não ganhar stress nem fazer figuras tristes. 

Exemplifico. 

Comprámos umas chuteiras para o dito ex-bebé. Há uns meses, o avô prometeu-lhe umas chuteiras quando ele passasse a ser capaz de fazer uma determinada coisa. E nem mais se lembrou disso. Eu, se ouvi, nem registei. Pois bem. Esta semana, o menino (que já fez cinco anos e está enorme) conseguiu ultrapassar a dita meta e apareceu-me ao telefone, com ar pesaroso: 'Ó Tá, já consegui fazer e o avô ainda não deu-me as chuteiras...'. Não sabia sequer de que estava ele a falar. O irmão, ao lado, dizia, 'Tá, iguais às do Rui Patrício'. Pensei que eram protecções para as pernas. Mas depois ouvi 'com pitons'. Então percebi que eram ténis para chutar - claro. Quando relatei ao meu marido, lembrou-se: 'Eh pá, pois foi, mas há quantos meses foi isso... Eh pá... nem me lembrava. Temos que ir comprar as chuteiras para o puto'. Lá fomos. A mãe disse o 29 mas, como cresce todos os dias, decidimos que seria melhor o tamanho 30. Hoje, na casa da bisavó, ao experimentá-las, achou que lhe apertavam. Dissemos: 'Pronto, não tem problema, vem connosco à Decathlon, escolhe, prova. Depois levamo-los a casa'. Que me lembre é a segunda vez que vamos só os dois com eles os dois à Decathlon, coisa que, para eles, é melhor que a Eurodisney. 

Senhores!

Mal saem do carro, vão a correr direitos às tendas que estão em exposição cá fora, e andam de tenda em tenda, depois escondem-se lá nos compartimentos, e ali ando eu e o meu marido a ver se não os perdemos de vista, com aqueles dois escapulindo-se de umas para outras -- e se são uma data delas de todo o tamanho e feitio.

Para saírem de lá, teve o avô que os içar e levá-los pelo braço, um de cada lado. Depois, mal entram naquela big loja, desatam a correr, primeiro diireito aos caixotes de rede da entrada em que há mochilas, bolas, apetrechos de cada cor e finalidade. Dizemos 'Esqueçam, viemos cá só para trocar as chuteiras, vamos!'. Então, contrariados, lá saem dali mas, logo se esquecem, e desatam a correr, cada um direito a uma bicicleta, e desatam a pedalar por ali afora. Quando queremos que larguem as bicicletas no sítio certo, mal desmontam numa, logo se montam noutra e pedalam ao desafio, a grande velocidade. E ali ficamos nós a olhar para eles, porque não vamos pôr-nos a correr atrás deles ou aos gritos. Um desatino. Até que o avô os intercepta, os iça, e à força os leva dali para fora.

Então desatam a correr e vão para as bicicletas de ginásio e montam numa, noutra, noutra, cada um para seu lado.

Nessas alturas apetece-me apanhá-los, nem que seja à força, pôr-lhes uma trela e levá-los à rédea curta.

Até que o avô os ameaça e lá se reintroduz o tema: 'Mais vale irmos já para a zona do futebol (antes que sejamos expulsos)' e logo eles perguntam se é onde há montes de bolas e balizas e aí vão eles a correr, e logo se põem a jogar futebol a sério, grandes remates, grandes defesas.

Nessa altura, deixo o meu marido a orientar a coisa -- e reparo que ele já está com ar a caminho do esvaído -- e vou à procura de bonés, de que eles estão com falta.

Como a loja é imensa e há bonés em vários lugares, fui calmamente (para descansar a cabeça) e fiz uma pré selecção. Ao fim de algum tempo reaproximei-me: um fazia defesas atirando-se ao chão, o outro rematava como se estivesse a jogar a final da Taça, o meu marido fazia de conta que não os conhecia embora, claro, estivesse de olho. Levava eu 5 bonés de feitios diferentes e cores diferentes e queria que optassem pelo modelo e pela cor, que eu logo ia ver se encontrava o modelo na cor pretendida. Qual quê? De súbito, logo cada um me tirou um boné das mãos, o pôs na cabeça e se recusou a provar qualquer outro. Eu bem queria ver se lhes estava bom mas no way: 'Pára, Tá', como se eu tivesse entrado em campo para lhes pôr o boné, talvez para não apanharem sol, mas, cumprido o desiderato, devia era pôr-me fora do campo para não interromper as afincadas jogadas. 

Finalmente, nem sei como, lá fomos para as chuteiras. Já não queria da cor das do Rui Patrício, preferiu pretas com riscas em cinza prateado. E as únicas que disse que lhe ficavam bem eram o 32. Não percebo se da semana passada para este domingo lhe cresceu o pé de 29 para 32, se quê. Mas dúvidas metafísicas não têm lugar nestas situações. Vieram as 32.

O caminho até à caixa e à saída foi a mesma odisseia. Corridas de bicicleta e tudo. Saíram de lá içados pelo braço, como se o avô fosse um segurança a expulsar dois meliantes.

Cá fora, mal os largou desataram, de novo, a correr para as tendas. Chego a este ponto, já sem reagir. Parece que se me baixa a tensão, fico quase sem acção. E dá-me sede, acho que estas coisas me desidratam. E fico também com uma espécie de impaciência em que, por mim, me deitava numa espreguiçadeira de exposição ali mesmo ao pé das tendas e eles que brincassem até se fartarem. Só que já passava das sete e meia da tarde e já estava a pôr-se frio.

O avô, meio furioso (mas a fúria dele com os netos é mais do que relativa), acocorou-se pela tenda adentro onde os dois pestinhas se tinham escondido num compartimento fechado ao fundo, abriu o fecho, e, de gatas, puxou-os dali para fora. As figuras que uma pessoa faz. Não há explicação. E, uma vez cá fora, lá os levou, de novo içados pelos braços, até dentro do carro.

Depois, no carro, apanhámos o relato do prolongamento da final e a ida para penaltis. Entusiasmo! Aí, à chegada, não queriam sair do carro para ficarem a ouvir o relato até ao fim. Lá os convencemos que, em casa, viam melhor, na televisão. E, então, lá saíram a correr do carro em direcção a casa.

Quando nos vimos a caminho de casa, em silêncio, já o Braga tinha ganho, deu-me um sono avassalador. Mas dali ainda fomos a casa do outro lado da descendência e lá houve mais jogo de futebol; mas, enfim, dado o espaço mais confinado e dado que uma menina é sempre um factor de estabilização, foi pacífico. Além disso, foi rápido.

Seja como for, cheguei a casa tarde e estafada. A primeira coisa que fiz, depois de pôr a máquina de roupa a lavar, foi cortar o cabelo. Um pedação, que um bom corte de cabelo tira-me muita canseira de cima. Depois um belo banho. A seguir um jantar ligeiro, depois ainda passei alguma roupa a ferro, estendi a meias a roupa, que aqui em casa funcionamos em equipa, e mais algumas arrumações. 

E já estive a tratar das nails e agora estou aqui no sofá, reclinada, meio a dormir, cheia de preguiça.

Já passei os olhos pelas novidades que são nenhumas e tudo coisa sem graça e, do que li, o que me me chamou a atenção foi um texto muito engraçado -- em brasileiro, justamente. Chama-se: 'Não adianta limpar os pés se vai pisar meu coração' e foi escrito por Eberth Vêncio, cujo nome sem sei se é nome mesmo se é invenção de um dia de criatividade aguda.

Transcrevo apenas uns excertos porque isto hoje já está para além de longo, mas o artigo todo não deverá ser perdido porque é gostoso mesmo.


Adão foi o primeiro. Mordeu-me a maçã do rosto. Então, quebrei-lhe as costelas que ainda restavam usando o mesmo fórceps com que fui extirpada do seu tórax de macho alfa-dominante. Por justa causa — eu reconheço — fomos expulsos do Paraíso (Motel Paraíso, 666 Jardim do Éden — Cidade do Pecado). Não seja besta. Numerologia não me assusta. Babaquice, sim. Começava ali a minha saga em busca de um amor que valesse a pena. Eu não me dispunha a ser uma espécie de mulher objeto, sujeita a homens abjetos que me colocassem num pedestal, numa estante ou para desfilar montada numa glande. Eu cagava pra eles. Daquele dia em diante, ao invés de ser caça, quem caçava era eu.

Ayrton, por exemplo, era um sonhador, do jeito que eu gostava. Aos domingos, pilotava foguetes para Marte, adorava as minhas curvas, a minha entrega, a minha arte. Vangloriava-se em dizer que dirigia muito melhor quando a pista estava molhada. Então, tascava-me uma chuva de beijos, sem medo de derrapar sobre as estrelas da Via Láctea. (...)

Cristóvão veio com a seguinte falácia: se tinha descoberto a América, seria moleza descobrir, aportar no meu Ponto G. Eu não concebia possuir uma cartilha para otários entre as coxas. Aliás, sob estímulos cuidadosos, cada centímetro da minha pele urraria até ficar rouco. Rapidamente, saquei que o sujeito era uma espécie de aventureiro, um analfabeto afetivo que não conseguiria colocar sequer um de seus ovos em pé sobre a mesa. Vazei. Deixei-o à deriva num mar de lágrimas. Cabe aqui um adendo. Aliás, vou além disso, farei uma advertência: Senhores do Ministério, eu faço mal à saúde dos calhordas. Os homens fúteis, quando caem por mim, choram até desidratar. Eu não me importo, não sou a mãe deles. Eu sou uma mulher simples que se alimenta de amor e carinho. É só isso.

E por falar em fome e sede, dei a Cesar o que não era de Cesar, então, ele retribuiu tocando fogo na cama. Oferecia-me denários de prata em rituais de idolatria. Confesso que achava aquilo um exagero. Ele pensava que eu fosse uma espécie de deusa em busca de reconhecimento. Não, eu não era. Eu era uma mulher cheia de caminhos. (...)

Sócrates foi um namorado culto, inteligente, um verdadeiro sábio que passava a vida a pensar, fatigando os neurônios ao analisar o comportamento humano. Certa noite, sob as estrelas, enquanto acendíamos vagalumes com fagulhas-de-olhar, perguntei se o nosso amor duraria para sempre, mas ele fez assim com os ombros e disse que só sabia que nada sabia. Achei aquilo o máximo. Beijei-o com ternura e fé. Eu gostava de homens mais velhos. Depois de Vinícius — que me amou eternamente até o último sarau de poesia em Copacabana — foi o amante mais atento que já pisou meu coração.

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E porque muitos, muitos são mesmo os meus caminhos, que entre o Grupo Corpo para que a jornada de hoje se complete.

Mortal Loucura

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Lá em cima é a Felicidade segundo Vinicius, Toquinho e Maria Creuza.

As fotografias que escolhi não sei se têm alguma coisa a ver, acho que talvez tenham mas se calhar é porque estou praticamente a dormir. São da autoria da professora polaca Anna Rozwadowska que gosta de inventar e costurar fatos para os filhos e que, a seguir, os fotografa.

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Claro que tenho lido e apreciado e me tenho sentido agradecida por todos os comentários e mails mas, dada a minha agenda preenchida, não tive possibilidade de lhes responder e, agora que me deu para me pôr mais à fresca a curtir os ares prazerosos da primavera, também já não consigo. É tarde e estou a dormir. Não levem a mal. Obrigada a todos e aceitem, por favor, as minhas desculpas.
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E desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.
Be happy!