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quinta-feira, janeiro 16, 2014

Como são os felizes os momentos em que fazemos parte dos lugares, como se fossemos uma flor, um pássaro, uma pedra, um caminho






A poesia vive entre a vida que eu vivo in heaven

Devagar no jardim a noite poisa
E o bailado dos seus passos
Liberta a minha alma dos seus passos,
Como se de novo fosse criada cada coisa





*

Num comentário a um poema, escrevi: Uns caminhos que se renovam para receber os nossos tímidos passos. Percebe-me, Poeta, sabe como são os felizes os momentos em que fazemos parte dos lugares, como se fossemos uma flor, um pássaro, uma pedra, um caminhos. Saibamos viver a felicidade perfeita destes breves instantes, não é?

Ao que José Rodrigues Dias respondeu que me deixaria uma espécie de resposta no post seguinte.

E deixou. Esta sou eu.


                                                        Somos parte de um lugar
                                                        quando uma luz o ilumina
                                                        e semente nossa germina…

                                                        Somos o lugar
                                                        quando somos ela,
                                                        a essência,
                                                        a luz que o faz
                                                        e o todo caminha,

                                                        uma singularidade
                                                        como numa levitação leve
                                                        de ser profano em paz,
                                                        sagrado o lugar…


['Quando somos o lugar' de José Rodrigues Dias in Traçados sobre Nós]


Os cavalos azuis correm livres in heaven
E eu com eles.

*

A música é Rodrigo Leão: La Fête.

quinta-feira, dezembro 05, 2013

Morreu Nelson Mandela? Tenho para mim que não. Madiba continuará na memória das pessoas de todo o mundo a dançar, a sorrir, a mostrar a extraordinária alegria e força de querer e perdoar, a agraciar o mundo agreste com a sua ingénua amabilidade


Não gosto de obituários. Geralmente mal morre alguém conhecido, logo as redes sociais se apressam a registar a notícia. Raramente alinho pois gosto de festejar a vida e, pelo contrário, entristece-me e quase prefiro ignorar a morte.

Mas hoje morreu uma pessoa especial, de uma grandeza extraordinária. Grande na força, na coragem, na determinação e, depois, na capacidade de perdoar, na abertura de espírito, no humanismo absoluto, na alegria: Nelson Mandela.


Por isso, para recordar a sua extraordinária grandeza, aqui fica o registo. Que para sempre continue a inspirar as pessoas do todo o mundo.



No final de Maio de 2012 milhares de pessoas da África do Sul juntaram-se na Praça Nelson Mandela em Sandton para gravar um tributo de parabéns para o seu 94º aniversário em 18 de Julho. 

Aqui fica hoje esse festejo que transborda de ternura no dia morte de Nelson Mandela aos 95 anos. Long live Madiba!

.
Sing for Madiba

*

A palavra aos Leitores de Um Jeito Manso
 (a quem, em nome de todos, muito sinceramente agradeço a generosidade e a beleza das palavras):

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Madiba

Hoje, no terreiro grande,
nesse misto de comoção e festa,
homens de olhares coloridos
te sentem e cantam
livre sem cor
com sorrisos
sem dor
de ti preso nascidos,

é o nosso canto
de encanto
libertando amor
durante a tua sesta,

é comoção
feita quase festa
de humana libertação…


[José Rodrigues Dias, 2013-12-06]

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Um CRISTO NEGRO visitou a terra
braços abertos
sorriso calmo
alma lavada
e a cruz à sua espera

roubaram-lhe
vida
conforto
dias de luta desejada
o pôr do sol austral
(nunca lhe roubaram liberdade)

e ainda veio a tempo
(sobrou-lhe idade)
para acender na escuridão o seu sinal
para viver os seus tantos amores
e deixar o seu olhar sereno num terno abraço à humanidade

quem dera tenha adormecido a sonhar com anjos de todas as cores


[Era uma Vez, 2013-12-06]

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E Bertold Brecht pela mão do jrd


OS QUE LUTAM

Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons; 
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; 
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; 
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

quinta-feira, dezembro 06, 2012

A vida é um sopro, dizia Oscar Niemeyer. Aos 104 anos, tranquilo com a vida, foi-se o arquitecto inspirado pelas curvas das montanhas ou dos corpos das mulheres.


Escrevo este texto de manhã depois de ontem à noite ter escrito um texto sobre uma inovação chinesa relacionada com namoro entre colegas de empresa e depois, ainda, de ter falado de Joaquim Benite (ver abaixo).

Mas acabei de saber de uma notícia sobre a qual não poderia deixar de falar.

Em tempos transcrevi palavras assim: De um traço nasce a arquitectura. E, quando ele é bonito e cria surpresa, ela pode atingir, sendo bem conduzida, o nível superior de uma obra de arte. [...] Na cúpula do Senado, desprezando a característica autoportante que oferece o empuxo que criaria, inclinei em rectas sua linha circular de apoio, tornando-a mais leve, como preferiria. Na Câmara, depois de invertê-la, a estendi horizontalmente como a visibilidade interna exigia, procurando uma forma que a situasse como simplesmente pousada na lage de cobertura. E tudo isso fazíamos com tal empenho que lembro Joaquim Cardozo me telefonando: 'Oscar, encontrei a tangente que vai permitir a cúpula solta como você deseja.'. [...] Um dia, Carlos Drummond de Andrade escreveu num dos seus versos:' Oscar desenha na areia seu edifício.' E tinha razão o nosso amigo. De um risco inicial nasce a arquitectura e até na areia isso pode acontecer".

Algumas vezes antes me referi a ele aqui.




Figura excepcional, Oscar Niemeyer partiu mas levou consigo uma vida vivida com imenso prazer.




Oscar Niemeyer (autor da letra), Edu Krieger e Caio Marcelo  
Samba 'Tranquilo com a vida', também conhecido por Samba Niemeyer



Tranquilo com a vida, se foi. As suas obras falarão, para sempre, dele.


*


De convexidades de mulher,
Sensuais concavidades,
Silhuetas de rio,
De um braço,
Um dedo,
Um instante,
Um traço curvo de luz,
Eis de que fizeste cidades
Com chapéus,
Taças,
Afrontações,
Sei lá eu…,
Até ondulações de Alentejo
Com sorrisos dos homens a olhar
Que querias o mais iguais que se puder…

E porque a vida é assim,
Luz e sombras,
Em linha recta em plano
Eis-te a descansar…



['Poeta do betão armado', um poema com as curvas de uma mulher, de José Rodrigues Dias num comentário abaixo e também no blogue Traçados de Nós]

segunda-feira, junho 11, 2012

In heaven: uma terra abençoada que dá pedras, flores e frutos numa exuberância quase escandalosa; e ainda uma grevílea que ressuscitou, videiras que renasceram macias e vigorosas, pássaros que nos deixam viver no seu território.


Música, por favor

Pedro Jóia interpreta Verdes Anos (Carlos Paredes)


. 1 .

Em Novembro de 2010, num dia de ventania, para meu grande desgosto, partiu-se uma árvore in heaven. A árvore já era muito alta, talvez uns 3 metros, embora o tronco fosse relativamente fino. Tinha sido uma árvore plantada por nós vários anos atrás, uma grevílea robusta.

Durante muito tempo quis esperar, não quis que se cortasse o tronco, tinha esperança que voltasse a rebentar. Mas a imagem de uma árvore destruída é triste de ver e acabei por ceder. O tronco foi cortado curto, quis que se guardasse a sua memória.

Para minha surpresa e alegria, cerca de um ano depois, começou a despontar, ao lado, uma folhinha que me parecia ser a bela folha rendilhada da grevílea. E assim foi. À medida que o tempo passava fui vendo embevecida como é generosa a natureza. Renasceu a minha querida grevílea. Ao fim de um ano e meio já deitou corpo e já iniciou o seu percurso a caminho de voltar a ser uma árvore crescida.



A minha grevílea, qual fénix renascida, menina ainda, tão cheia de graça, brilhando ao sol

(Ao lado, rochas saídas da terra)


. 2 . 

Falei-vos já muitas vezes desta minha nesga de terra aqui, in heaven. Quando resolvemos comprá-la, o meu pai olhava desconsolado para aquela terra inóspita, só pedra, e tentava dissuadir-nos: 'nunca aqui vão conseguir ter uma horta'. Só pedra e mato rasteiro. Nada crescia, apenas o tojo em que nos picávamos constantemente. Só pedras, pedras, pedras. Uma vez um senhor da terra a quem pedimos para ir lá cortar o mato e que, ao cavar, só lhe saíam pedras, lamentou-se: 'Ah terra ingrata...'. Custou-me muito ouvir isto. Apesar de tudo, nunca achei que aquela minha terra fosse ingrata. Desistimos de a tentar domesticar e agora somos nós dois que, sozinhos, fazemos o que entendemos que deve ser feito o que, diga-se, é muito pouco.

Mas muita persistência, total ausência de resignação, levaram a que esta terra se transformasse. Ao princípio, os meus filhos não percebiam a minha teimosia, achavam que era à toa que, no meio das pedras, plantasse tantas árvores minúsculas. Sempre lhes disse que um dia iam admirar-se por ver ali um bosque.

Em alguns recantos já o é quase e eu só não me ajoelho para beijar esta tão amada terra porque não sou muito dada a essas 'cenas'.

Talvez muitas pessoas olhem para aquilo e digam que é mato, ainda apenas mato. Mas não é. É o meu bocado de céu.



Se repararem o solo é, todo ele, pedregoso.
Mas amaciou-se e cobre-se de um suave e perfumado colorido - talvez não dê para horta mas o rosmaninho  é lindo


Não sei se foi pelo meu muito forte amor, o que sei é que aquela terra que, à vista, ainda é seca - uma fina camada de terra seca sobre um corpo de pedra - permite agora que o que lá nasce se torne exuberante. 

Claro que há espécies que não vingam, pelo menos em alguns bocados de terra. Há sítios onde já plantámos e replantámos uma meia dúzia de vezes e, sei lá porquê, não dá. Mas, onde nasce, é um excesso de vida e cor que me deixa feliz como nem imaginam.

Tudo me enternece. Vocês podem achar que o excesso está é em mim, por achar extraordinárias coisas que são banais. Mas é que não são banais. Podem, a alguns, parecer banais mas, para mim, são maravilhosas.

Vejam.


. 3 . 

Hoje reparei na parte de baixo de um cedro que está já enorme. Por cima está verde, cheiroso, frondoso. Mas por baixo é um tal aparato de rendas, de fios, atilhos, laços...!



Parte de baixo do cedro

Melhor: a lingerie, rendada, emplumada, do meu grande cedro


Mas isto é por baixo. Porque ou o cedro é um nome masculino só para disfarçar e, de facto, esta árvore é feminina ou, então, o meu cedro é dado a vestir-se de mulher. 

Quanto ao underware, já estamos falados. Mas,  por cima, é o mesmo aparato: a ramagem verde virtuosa toda se enfeita, uma profusão de enfeites, uma garridice faustosa. 


Jóias chamativas e lustrosas, carnudas, cheias de sementes

É o meu cedro que gosta de ser assim: uma chamativa mulher perfumada e frondosa


Fiz uma ginástica para conseguir ângulo para vos mostrar estas viçosas bolas verdes que agora enfeitam todas as ramagens. Toda a árvore está assim, cheirosa, ramalhuda, enfeitada. Uma fertilidade absoluta.


. 4 .

No final de Fevereiro, os meus pés de videira estavam ressequidos, pareciam mortos, ramos retorcidos e secos. Eis que tenho, então, notícia de que um Poeta tinha podado as suas. Leiga, informei-me, é agora a altura? Há técnica específica? Respondeu-me que se guiava pela intuição e pelo carinho, e que corria bem.

No fim de semana seguinte fiz-me ao labor. Com o podão na mão e seguindo as instruções - intuição e muito carinho - peguei nos ramos velhos e, com toda a delicadeza, podei-as generosamente, com gosto,  rente, com a convicção de que o milagre haveria de acontecer (lá bem no fundo, talvez algum receio de que as tivesse ferido de morte, mas apenas lá muito no fundo...).

Pois bem, o milagre aconteceu mesmo.



Videiras verdes, macias, e, de novo, um rendilhado: desta vez, cachos de uvas que despontam com inesperada exuberância

(Atrás, azulejos com uma reprodução de Max Ernst)


Viçosas, frondosas, verdejantes, carregadinhas de cachos lindos, miudinhos que virão, certamente, a ser uns belos cachos de uvas escuras, carnudas, sumarentas. E eu olho estes rebentos com o desvelo com que olharia filhos que eu tivesse ajudado a nascer. 

Correu bem aquela cirurgia a que as sujeitei em Fevereiro. Os Poetas são, como é sabido, pessoas em quem se pode confiar.


[A posteriori, volto aqui para vos convidar a ler o poema que o Poeta fez inspirado nesta notícia sobre o bom resultado que o seu conselho propiciou: poderão lê-lo quer nos comentários aqui abaixo, quer no seu Traçados sobre Nós]

*

Música, de novo, por favor

Carlos Parede e Luísa Amaro - Canto do Amanhecer


. 5 .

E isto acontece por todo o lado. Da terra, as árvores dão frutos saborosos e misturam-se com arbustos carregados de flores, uma desordem colorida, em que ninguém tenta impor qualquer ordem.



Macieira carregada de pequenas maças ainda verdes, misturando-se com um loendro cheiroso e cor de rosa

(Atrás passeiam os cavalos azuis sonhados por Marc Franz)



Poderia continuar aqui o resto da noite a falar-vos de outras proezas assim. Mas não quero maçar-vos mais. 


. 6 .

No entanto, deixem que vos peça ainda um pouco mais da vossa paciência para vos falar ainda destes meus dois loendros. Mediam escassos centímetros e estavam afastados um do outro. Pareciam iguais. À frente, entre os dois, uma das muitas pedras que saíram do solo e a que eu tirei a terra dos orifícios como se limpasse um animalzinho que me tivesse aparecido à porta. Na altura a pedra parecia grandinha junto dos pequenos loendros.



Os meus dois loendros, entrelaçados: não duros mas macios; no entanto, ainda assim, cheirosos
tal como a eles se referiu Natália Correia


Pois bem. Desataram a crescer, ao despique, era ver qual se fazia maior. E o bicho de pedra ia perdendo escala. Agora os dois loendros entrelaçam-se, enormes, todos floridos, e acolhem, à sua sombra, o bichinho de pedra. Um dá flores de um rosa clarinho, aveludado; o outro, flores de um rosa mais garrido, umas flores mais miudinhas. Ambos cheirosos.

Mas, mais à frente, espontaneamente, no meio da vegetação natural - rosmaninho, orégãos, esteva, funcho - eis que nasceu uma haste isolada com umas flores lindas, de um belo veludo grenat (deveria escrever à portuguesa, grená, mas parece que estaria a abastardar uma palavra tão bonita...).

O que eu andei de volta dela, fotografando-a. Um luxo. Está cercada de funcho, que é uma planta de um verde macio e rendilhado. Que cores, meus amigos, que cores.



Não sei como se chama esta flor que nasceu no meio das plantas do campo
mas é linda.
Apeteceu-me limpá-la antes de a fotografar mas presumo que é pólen e respeitei a natureza


Apenas lamento não poder, por esta via, partilhar convosco o perfume doce, macio, florido, quente como a terra, que aqui respiro. O perfume e a música. É que os pássaros fizeram deste bocado de céu a sua casa. Canta, cantam, voam, recolhem-se às árvores, saem dos arbustos, por aqui andam, brincando em total liberdade, trauteando. Aqui, in heaven, os pássaros, as flores, as árvores, as pedras e eu vivemos em absoluta liberdade. Talvez a felicidade seja mais ou menos isto.


***

E é isto, meus Caros Leitores. Permitam ainda que abuse da vossa boa vontade: gostaria muito de vos ter lá pelo meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras fogem ao tempo e voam em volta de um belo poema de Natália Correia. As Valquírias envolvem-nos com o seu canto. É a semana que dedico a Wagner que começa.

***

Tenham, meus Caros, uma bela semana. Que esta segunda feira seja uma maravilha.