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segunda-feira, julho 09, 2018

Que de ti assim eu saberia?
Que de mim então aprenderias?
Que fulgor prolongaria em mim tua presença?





Estou aqui, nesta quente noite de verão. Reclinada. Eu aqui escolhendo palavras que cheguem até quem me lê. E quem me lê achando que me conhece como se me conhecesse há muito tempo. Sorte. Poderia ensinar-me a conhecer-me, a mim própria, melhor.

Mas hoje deixo isso para lá.

Hoje é um dia especial.

Hoje permitam que pense apenas numa única pessoa. Alguém muito especial. E vou tratar-te por tu. Não costumo. Sou de fazer cerimónia. Geralmente não trato ninguém por tu. Hábitos, reverências, cuidados. Mas hoje vou tratar. Não leve a mal esta minha sem cerimónia. Não leves a mal.

Hoje somos só nós: eu e tu.


Eu aqui e tu aí. Frente a frente e, no entanto, o mundo inteiro pelo meio. Unidos pela rede mas tão longe. Tão, tão longe.

Estás diante de mim:
afasto a rede que nos separa e enleia.
É já um conhecimento.

Posso adivinhar-te. Queres que o faça? 

Tens uns olhos já um pouco cansados, umas mãos que gostam de sentir outras mãos e um corpo que gosta de ser abraçado. É, não é? 

Suspendes agora a respiração. Não sabes que mais vou dizer de ti.

Não tenhas medo. Deixa que toque a tua mão. Deixa que te olhe.

E se eu adiantasse um dedo, uma luz vacilante,
o olhar pousasse num teu gesto:
talvez soletrasses meu apelo
e esboçasses responder-lhe.
Que de ti assim eu saberia?

Sei agora um pouco mais de ti. Sei que gostas de sentir o meu olhar pousado no teu, a minha mão pousada na tua, as minhas palavras rentes às tuas, os nossos pensamentos partilhando um espaço que é só nosso. Segredos.

E tu? O que sabes de mim? Sabes das minhas mãos inocentes aguardando um sinal? Por que esperas? Por um sinal meu? Um passo? Terei que dar um passo?

E se eu avançasse um passo, um trago
espesso e moroso a incitar
com a minha boca a tua boca,
minhas mãos nas tuas suplicassem
que aplacasses a minha pele em riste,
Que de mim então aprenderias?

Não tenhas medo. Medo de quê? Medo que eu te prenda a mim? Que te arraste até onde não consigas mais recuar? E não seria isso bom? Seria. Seria tão bom. 

Receias não saber o que fazer comigo se eu chegar até ti. Mas não receies. Saberias perceber o meu fogo. Saberias falar a fala das chamas. Afinal essa é também a tua língua. Julgas que eu não sei? Sei...

E se eu me desferisse até ao extremo,
onde nem tu pudesses mais suster-me,
e me precipitasse no abismo onde culmine
tudo o que somos até sermos um só hausto
(esplêndido naufrágio -- nossos corpos, destroços):
que nos revelaríamos nessa intensa vigília?.
que fulgor prolongaria em mim tua presença?

Sei o teu nome. Conheço a forma como passas a mão pelo rosto, a forma suave como o inclinas esperando que as minhas palavras cheguem até ti. Sei como olhas o infinito esperando que alguém te alcance. Que eu te alcance. 

E tu? Sabes o meu nome? O que sabes de mim? Sabes como semicerro os olhos para melhor te imaginar? Sabes que respiro devagarinho para que não me ouças aí, tão perto de ti?

E sabes que me transformaste? Sabes que, quando me deito envolta em verde, é em ti que penso? Sabes que é contigo que sonho? 

Sabes?

Schiu... Se sabes não digas. Guarda o segredo. Guarda. 

Minha cifra abririas ao segredar meu nome.
Tu para sempre em mim o que me transformasses

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Cate Blanchett aqui é fotografada por Paolo Roversi.

Melody Gardot canta So we meet again

O poema é de José Bento em Alguns motetos
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sexta-feira, junho 15, 2018

Hei-de reconhecer-te pelo imortal silêncio





Nem todos os homens se podem vangloriar de estar sendo necessários a alguém. A vida é que está mal regulada. Eu compreendo que todas as energias pudessem ser mais bem aproveitadas. E o meu mal não é outro senão o convencimento em que estou de que tenho energia para mais.

Sou árvore que não frutifica quanto é capaz de frutificar, porque a plantaram em mau terreno... É a engrenagem da vida que está mal montada, amigo. Não é minha a culpa.

Seu tio sempre silencioso e triste? É uma atitude. Não lha invejo, mas acho-a acima do vulgar. Não se assiste impunemene ao espectáculo da vida. Felizmente o silêncio e a tristeza são cicatrizes que não envergonham ninguém. Há quem saia desse espectáculo miseravelmente, como duma derrota vergonhosa, cobardissimamente. Seu tio é um dos que detestam o papel de vítima. Faz bem, faz bem: é de homem.

Embevecido, os olhos ávidos nas minhas vestes em desalinho e nos graciosos caracóis que se espalhavam sobre a testa pálida, sua excelência forcejava por devassar as belezas escondidas. Recitando o seu caviloso discurso, o velho sátiro arrastava-se pelo tapete escarlate. Presto agarrou o pezinho descalço, cobriu-o de beijos húmidos e quentes. Um resto de pudor sustinha-me à beira do precipício, as forças já não respondiam, combalidas pelo inebriante filtro de amor.
Apelei para todos os meios de defesa que reclama a honestidade. O cruel assassino gargalhou sinistro e, desfazendo-se do colarinho engomado, voltou à carga. Servia-se com desenvoltura das armas usadas em tais embates, as mais pérfidas que se pode imaginar e seria impossível descrever.
- Mata-me, ó bruto apache! Não posso mais. Eu morro...
Gelou-me o sangue nas veias, a última duquesa diante do patíbulo.

Nada direi do crocodilo.
É um bicho tímido, reservado, a quem a realidade magoa os dentes.


Amor, hoje teu nome
a meus lábios escapou
como ao pé o último degrau...

Espalhou-se a água da vida
e toda a longa escada
é para recomeçar.

Desbaratei-te, amor, com palavras.

Escuro mel que cheiras
nos diáfanos vasos
sob mil e seicentos anos de lava --

Hei-de reconhecer-te pelo imortal
silêncio.


Vou andando e andando,
meu horizonte é cada vez mais longe:
uma árvore, alguém
que sempre me responda.

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  • Extracto de uma carta de Manuel Laranjeira a Amadeo de Souza-Cardoso, 1 de Novembro de 1906
  • Excerto de Dinorá, moça do prazer de Dalton Trevisan in 'Cemitério de Prazeres'
  • Nada direi de José Alberto Oliveira in 'Animal animal, um bestiário poético'
  • Amore, oggi il tuo nome de Cristina Campo in 'O passo do adeus'
  • Vou andando de José Bento in 'Alguns motetos'
Pinturas de Clyfford Still (Estados Unidos, 1904 – 1980)
Lá em cima Tal Ben Ari aka Tula, Roberto Luti e a PFC Band interpretam Teach Your Children | Playing For Change
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sábado, agosto 18, 2012

Os cavalos azuis do sonho de Franz Marc, a luz do teu rosto nas palavras de José Bento e a Felicidade Humana como razão da política segundo o Presidente José Mujica


O sonho - Pintura de Franz Marc (1880-1916)


Vindos de longe, há muito, aqui nos encontrámos,
no lugar hoje teu por lavrares o seu ouro
agora em nossas mãos, a viver nas palavras
terrosas que buscaste - sempre luz do teu rosto.


De novo cheguei tarde a casa e já a noite ia avançada quando consegui começar a responder aos comentários coisa que, como sabem, é grande parte do meu prazer ao escrever aqui. Por isso, passa já das 3 da manhã agora. Já não vou conseguir escrever nada, estou mesmo cansada e com sono.

No entanto, um leitor, a quem muito agradeço, enviou-me por mail o link para um vídeo fantástico. Gostei muito de o ouvir. O que ali é dito é muito do que eu acho que devem ser os propósitos da política, da grande política, da verdadeira, da que é feita para as pessoas.

Assim, convido-vos a ver e ouvir. É o fantástico discurso do Presidente do Uruguai, José Pepe Mujica na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, é uma outra linguagem. 



*

[O poema de José Bento, encontra-se no livro Sítios e refere-se à visita que fez a Eugénio de Andrade em 19 de Janeiro de 2003.

Caso desejem saber mais sobre a vida do Presidente José (Pepe) Mujica poderão encontrar alguma informação mais detalhada na wikipedia em língua inglesa, aqui.]

*

E tenham, Caros Leitores, uma sábado luminoso!

terça-feira, abril 26, 2011

A Praia de Cesare Pavese, o Quarto livro de Crónicas com CD de António Lobo Antunes, Economia, Moral e Política de Vítor Bento, La Coca de Rentes de Carvalho ... e, no recato do silêncio e da penumbra, Sítios de José Bento

Antes de me atirar com o meu habitual jeito manso às coisas da nossa baixa, baixinha politica, deixem que vos conte de uns livros que me fazem companhia por estes dias.

Dearest friends

Já por três vezes, se a memória me não falha, coloquei poemas do maravilhoso último livro de José Bento, Sítios, no meu outro blogue o Ginjal e Lisboa, a love affair. Ainda hoje lá coloquei um, líndissimo. É um livro raro. Não se percebe bem de onde pode surgir um sopro tão sagrado, tão puro, tão intenso. É um livro para por ele vaguear devagarinho, com respeito, como se andássemos dentro de uma igreja em plena missa.

Temos também o La Coca do fantástico Rentes de Carvalho, um homem de mais de 80 anos, que tem vivido na Holanda, com um humor pleno de ironia e frontalidade. Só o conheço das entrevistas a Paula Moura Pinheiro na Câmara Clara e ao Pessoal e Transmissível do Carlos Vaz Marques e estou curiosa por ver como escreve.

Depois, porque admiro a honestidade (embora por vezes um pouco facciosa) do Vítor Bento e porque o livro é barato, comprei o Economia, Moral e Política, editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Saíu, em cuidada edição, papel agradável ao toque (especialmente o da capa), o Quarto Livro de Crónicas com o plus de trazer um CD com algumas delas lidas pelo autor, António Lobo Antunes. Ainda não ouvi todo mas posso confessar que hoje à hora de almoço e à vinda para casa vim a ouvi-lo, de gosto. Cheguei a rir a bom rir com o Sr. Biscaia, ou Artur (Artur, o c------!).

Sou uma leitora mediana de António Lobo Antunes: gostei dos primeiros livros e gosto imenso de todos os de Crónicas. Dos romances (que disciplinadamente compro todos, vá lá saber-se porquê) há muito que não consigo ler nenhum. É uma escrita caótica, mal estruturada, uma melopeia maçadora, não ata nem desata, vai e vem, sem história que interesse, sem lógica. George Steiner diz que o acha melhor que Saramago e considera que deveria ganhar o Nobel. Mas eu acho que ele deve é ter uns tradutores muito criativos, que devem dar uma reviravolta ao texto e dar alguma sequência legível aos textos. Ou isso ou sou eu que sou muito básica, muito tonta, muito loura burra. Não consigo, nem tenho paciência para me enovelar naqueles enredos. Mas tento, juro que tento. (Ele, se lesse isto que estou a escrever, deveria ficar fulo da vida porque não percebe que alguém possa não amar de paixão aquilo que ele escreve e que tanta trabalheira lhe dá). Azarinho.

Agora das Crónicas gosto muito, gosto mesmo muito. E lidas por ele têm muita graça, e têm emoção, têm muito dele (digo isto porque já devo ter lido todos os livros de entrevistas que lhe fizeram, pelo que já tenho uma noção de como ele é - e como ele se repete nas entrevistas... mas tem graça, eu gosto de o ouvir, de ler o que ele diz, há ali um rasgo, lá isso há).

Finalmente um livro muito bonito - quero dizer, com uma capa, uma encadernação muito bonitas, muito cuidadas, da Ulisseia: "A praia" de Cesare Pavese. Estou com muita curiosidade. Apetece olhar, apetece passar com a mão. E, claro, apetece ler.

Gosto muito de Cesare Pavese embora, até agora, tenha lido um único livro dele. Coloquei-o ali naquele montinho que juntei para a fotografia: "Ofício de Viver". É uma edição antiga, da Portugália, ainda tem o preço (15$00, leia-se: 15 escudos, nem 10 cêntimos).

É um livro especial o 'Ofício de Viver', uma visão crítica do mundo, da vida, um relato às vezes agudo, outras pungente, frequentemente melancólico, das decepções, das ilusões, um diário que gostamos de ir acompanhar. Uma escrita inteligente. Infelizmente não acaba bem (" Um imenso fastio de tudo. Basta de palavras. Um gesto. Não escreverei mais." - e não escreveu)

Se fosse hoje Cesare Pavese escreveria certamente um blogue, muito 'a la Pedro Mexia'.