Música, por favor
Ernst Bloch - Prayer for cello and piano
Dimitri Ferschtman/cello; Mila Baslawskaja/piano
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Eu Id, Ego, Superego, .... |
Escreve esta semana António Guerreiro, na rúbrica 'Ao pé da letra' do caderno Actual do Expresso, que 'até os jornais mais sóbrios se tornaram permeáveis a esta grande festa do ego que se tornou um bordel de subjectividades'. E, continua, dizendo que 'o discurso universal, que foi outrora representado por uma figura desaparecida, a do intelectual (...), deu lugar à grande parada carnavalesca dos "Eus" que gritam, saltam e se atropelam.'
Talvez.
É um facto que os jornalistas tanto aparecem como jornalistas, como comentadores, como bloggers, como animadores de debates, como escritores, como dando entrevistas por serem algumas das coisas anteriores. Ora, com esta múltipla exposição, como evitar que haja como elemento unificador o 'eu'?
E, se constato esta múltipla exposição, não o faço de forma censória pois que cada um se multiplique ou se divida como gosta e como pode, é coisa que não me incomoda nem a mim e que não vejo como há-de incomodar alguém (para além dos próprios).
E, de resto, mesmo que ainda encontrássemos jornalistas intelectuais, não encontraríamos nenhum que estivesse acima da condição humana de ser quem é, conseguindo escrever como se estivesse a ser portador de uma palavra que lhe tivesse sido soprada por um invisível outrem.
Por muito isenta que uma pessoa seja, é sempre ela que ali está. Pode disfarçar, usando artifícios linguísticos, fazendo de conta que não é o próprio a relatar ou a ter aquela opinião mas, sim, um ser independente, uma criatura sem identidade. Pode fazê-lo mas, mesmo na forma como o faz, está a marca do seu 'eu'. Por isso, parece-me uma falsa questão a de António Guerreiro.
E, além do mais, se o próprio não sabe nem de que matéria é feito como pode ter pretensões a poder falar acima de si próprio?
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Quando falo que nenhum de nós conhece a matéria de que é feito não estou a usar uma expressão à toa, estou mesmo a querer dizer isto: não sabemos sequer de que matéria somos feitos. Se queremos saber coisas simples (como está o nosso estômago, as nossas articulações, etc) temos que nos fazer radiografar, analisar, espreitar com câmaras introduzidas dentro de nós.
E isto para saber as coisas simples. Porque, para se saber as coisas mais complicadas, têm os cientistas, em imensos, soterrados e bunkerizados túneis, que acelerar as partículas de que a matéria é feita, analisando depois, através da mais sofisticada tecnologia, o rasto que elas deixam. E o curioso é que estas coisas complexas que apenas poucos conseguem testemunhar são afinal as mais simples, as mais ínfimas de todas as coisas, são as partículas elementares, as mais pequenas e indivisíveis partículas de que tudo é feito.
E isto para saber as coisas simples. Porque, para se saber as coisas mais complicadas, têm os cientistas, em imensos, soterrados e bunkerizados túneis, que acelerar as partículas de que a matéria é feita, analisando depois, através da mais sofisticada tecnologia, o rasto que elas deixam. E o curioso é que estas coisas complexas que apenas poucos conseguem testemunhar são afinal as mais simples, as mais ínfimas de todas as coisas, são as partículas elementares, as mais pequenas e indivisíveis partículas de que tudo é feito.
No mesmo Actual, podemos ler o curioso artigo de Jorge Calado na sua sempre interessante 'A tabela periódica'. Fala ele do bosão de Higgs, a intrigante partícula de Deus, como ficou a ser conhecida - depois de ser apenas a goddamn particle (o estupor da partícula, digamos assim). Termina ele o seu artigo dizendo que 'meteu-se a mão num enorme monte de palha e sentiu-se uma picada' e que espera 'que seja a proverbial agulha'.
Antes, explicava ele que 'dois fermiões não podem ocupar o mesmo estado (quântico), mas dois (ou mais) bosões podem'. E, com o seu sentido de humor apurado, remata Jorge Calado que 'esta é a resposta à questão levantada por São Tomás de Aquino de saber se dois anjos podem pousar simultaneamente na mesma nuvem'
E volto, ainda que muito brevemente, à questão da identidade, juntando-a agora à questão de não nos conhecermos sequer a nós próprios.
De todos os mistérios da vida, o desconhecimento de nós próprios é talvez um dos mais fascinantes. Como somos? Porque somos assim? Como agimos? Como somos perante os outros?
Isto sempre me interessou e leio tudo o que apanho sobre o tema e que esteja à altura da minha compreensão. António Damásio e muitos outros que agora não vêm ao caso têm alimentado a minha curiosidade.
Mas não é só a ciência que aplaca a minha vontade de saber mais sobre este assunto.
Desde há algum tempo que a grafologia me despertava interesse. A grafologia estuda a personalidade, o carácter ou o comportamento das pessoas a partir da sua escrita à mão. Assim, frequentei um curso ministrado pelo Dr. Alberto Vaz Silva no Centro Nacional de Cultura. O curso foi interessantíssimo e aprendi imenso pois ele é uma pessoa culta, um bom conversador, uma pessoa com uma vida riquíssima e com vastos conhecimentos sobre a matéria. O curso era frequentado maioritariamente frequentado por psicólogos, professores e até um juiz. Eu devia ser a única pessoa que ali estava apenas pelo prazer de aprender, sem qualquer intenção de utilizar os conhecimentos na prática. No entanto, apesar de me reconhecer como uma simples iniciada, por piada, tenho ousado fazer várias análises e, curiosamente, os analisados reconhecem-se naquilo que sobre eles tenho referido. Por vezes acontecem surpresas mas, depois de analisados os comportamentos, geralmente acabamos por concordar com a análise feita.
As análises grafológicas debruçam-se sobre a pressão na escrita, a inclinação da letra e das linhas, as margens, a junção das letras, o espaço entre palavras e entre linhas, a assinatura e a sua localização, a própria forma das letras, etc (mas, note-se, a caligrafia não é, nem de longe, o mais importante).
Uma das caracterizações básicas que se fazem a partir das primeiras impressões da escrita tem a ver com os temperamentos (colérico, sanguíneo, fleumático, melancólico). No interessante blogue A Matéria dos Livros, já anteriormente aqui referido, a sua autora faz uma caracterização dos quatro principais tipos de temperamentos. Num comentário que ali coloquei, referi muito sumariamente como é relativamente simples, a partir de uma análise até imediatista, traçar um rápido retrato comportamental do indivíduo cuja escrita se analisa.
Mas a análise permite ir mais além: permite detectar traços de imaturidade, ou de ligação excessiva aos pais ou à família em geral, ou ao passado, ou ver distúrbios graves, ou ver uma ausência de respeito pelos outros, ou uma introversão excessiva, ou um temperamento apaixonado ou criativo, ou uma tendência para a mentira, ou uma ambivalência extrema, ou o gosto em aprender ou, pelo contrário, um espírito fechado, etc.
É interessantíssimo. A grafologia é um mundo vasto e muito aliciante.
E uma coisa muito curiosa na escrita é que não controlamos a forma como escrevemos (a menos que o façamos deliberadamente para tentar ocultar a nossa identidade - e mesmo assim é muito difícil, e deixaremos, seguramente, 'rastos') pois a forma como escrevemos revela-nos e nós somos o que somos ainda que não o saibamos.
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Las tres esfinges de Bikini, pintura de Salvador Dal |
E volto, ainda que muito brevemente, à questão da identidade, juntando-a agora à questão de não nos conhecermos sequer a nós próprios.
De todos os mistérios da vida, o desconhecimento de nós próprios é talvez um dos mais fascinantes. Como somos? Porque somos assim? Como agimos? Como somos perante os outros?
Isto sempre me interessou e leio tudo o que apanho sobre o tema e que esteja à altura da minha compreensão. António Damásio e muitos outros que agora não vêm ao caso têm alimentado a minha curiosidade.
Mas não é só a ciência que aplaca a minha vontade de saber mais sobre este assunto.
Desde há algum tempo que a grafologia me despertava interesse. A grafologia estuda a personalidade, o carácter ou o comportamento das pessoas a partir da sua escrita à mão. Assim, frequentei um curso ministrado pelo Dr. Alberto Vaz Silva no Centro Nacional de Cultura. O curso foi interessantíssimo e aprendi imenso pois ele é uma pessoa culta, um bom conversador, uma pessoa com uma vida riquíssima e com vastos conhecimentos sobre a matéria. O curso era frequentado maioritariamente frequentado por psicólogos, professores e até um juiz. Eu devia ser a única pessoa que ali estava apenas pelo prazer de aprender, sem qualquer intenção de utilizar os conhecimentos na prática. No entanto, apesar de me reconhecer como uma simples iniciada, por piada, tenho ousado fazer várias análises e, curiosamente, os analisados reconhecem-se naquilo que sobre eles tenho referido. Por vezes acontecem surpresas mas, depois de analisados os comportamentos, geralmente acabamos por concordar com a análise feita.
As análises grafológicas debruçam-se sobre a pressão na escrita, a inclinação da letra e das linhas, as margens, a junção das letras, o espaço entre palavras e entre linhas, a assinatura e a sua localização, a própria forma das letras, etc (mas, note-se, a caligrafia não é, nem de longe, o mais importante).
Uma das caracterizações básicas que se fazem a partir das primeiras impressões da escrita tem a ver com os temperamentos (colérico, sanguíneo, fleumático, melancólico). No interessante blogue A Matéria dos Livros, já anteriormente aqui referido, a sua autora faz uma caracterização dos quatro principais tipos de temperamentos. Num comentário que ali coloquei, referi muito sumariamente como é relativamente simples, a partir de uma análise até imediatista, traçar um rápido retrato comportamental do indivíduo cuja escrita se analisa.
Mas a análise permite ir mais além: permite detectar traços de imaturidade, ou de ligação excessiva aos pais ou à família em geral, ou ao passado, ou ver distúrbios graves, ou ver uma ausência de respeito pelos outros, ou uma introversão excessiva, ou um temperamento apaixonado ou criativo, ou uma tendência para a mentira, ou uma ambivalência extrema, ou o gosto em aprender ou, pelo contrário, um espírito fechado, etc.
É interessantíssimo. A grafologia é um mundo vasto e muito aliciante.
E uma coisa muito curiosa na escrita é que não controlamos a forma como escrevemos (a menos que o façamos deliberadamente para tentar ocultar a nossa identidade - e mesmo assim é muito difícil, e deixaremos, seguramente, 'rastos') pois a forma como escrevemos revela-nos e nós somos o que somos ainda que não o saibamos.
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Carta de Fernando Pessoa a Ofélia Nota: Tal era o desdobramento de personalidades de Fernando Pessoa que, nele, a escrita era mesmo variável consoante os heterónimos que usava |
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E, por hoje, é isto. É isto e é, sobretudo, desejar-vos um belíssimo domingo.