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terça-feira, setembro 10, 2024

Time out

 

Tive um dia bastante complicado. Nem me apetece falar no assunto pois, sobre ele, pode falar-se de muitas maneiras mas a que mais me convoca remete para o sentido da vida. Mas como não serei a pessoa mais indicada para conversas que visitam o fundo da noite, acho que mais vale abster-me. 

Prefiro descansar, física e emocionalmente, deixar assentar, distrair-me e, então, com algum distanciamento, falar. De qualquer forma, primária como sou, se calhar bastará um par de dias para me sentir mais estável, mas tranquila.

Além disso, mesmo no meio de cansaços, tormentas e desgastes, tendo a ser optimista e, nessa perspectiva, quero convencer-me que hoje dobrei um cabo das tormentas. Não está totalmente dobrado, e com que esforço o dobrei, talvez até esteja ainda um bocado longe disso, não sei, mas quero acreditar que o pior desta fase foi hoje ultrapassado e que o que falta será menos difícil. Quero acreditar nisso. Conforta-me pensar nisso.

Mas tenho sono, praticamente não dormi, durante a noite não tinha sono, e tive que me levantar muito cedo, e todo o dia me esgotou. Por isso, agora não consigo disfarçar, fingir que estou noutra, esparvoar. Preciso é de descansar, de descontrair, de relativizar, de pôr para trás das costas. Sou boa nisso. Por isso, amanhã talvez até já pareça estar fresca.

Portanto, assim sendo, contando com a vossa compreensão, por hoje fico-me por aqui.

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The Parting Glass - Loreena McKennitt

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Dias felizes

sexta-feira, novembro 25, 2022

Um jardim muito especial para curar as agruras de um dia sombrio

 


Quando me levanto costumo ir abrir as janelas que o meu marido ainda não abriu. Gosto especialmente de abrir a do quarto dos rapazes e a do quarto das meninas. Dão ambas para o jardim de trás de que, embora não tenha flores, gosto mais. O relvado estava cheio de laranjas. As laranjeiras estão carregadas e, com a chuva (e o bicho da laranjeira, segundo fui aqui informada no outro dia), caem que se fartam. Uma pena. 

Está tudo verdinho, verdinho que é um gosto.

No corredor lateral, onde já conseguimos puxar a glicínia de lado a lado -- fazendo um telheiro que, na primavera, espero que se encha de cachos floridos em delicado lilás -- há agora no chão, caídas, inúmeras folhinhas douradas. Estão ensopadas ou a nadar, tanto choveu. Pensei: até parece que é outono. E enquanto andava, quase de noite, pus-me a tentar perceber a quantas andamos. Não foi difícil lá chegar: estamos mesmo no outono. Mas hoje o dia mais me pareceu inverno, sombrio, sombrio. Ainda bem que tem chovido e era bom que assim continuasse. Mas custa-me muito que fique de noite tão cedo. E custa-me que às quatro e tal já tenha que acender a luz para poder trabalhar.

E custa-me que o tempo passe tão depressa. Daqui a nada estamos em dezembro, daqui a nada estamos mesmo no inverno, daqui a nada estamos a entrar no natal e, pouco depois, estamos a desaguar no próximo ano. O tempo num corre-corre que não tem parança. 

E eu penso nisto e só me ocorre que, se ao menos conseguisse dormir até que o sono se extinguisse, era tudo tão melhor. Ainda hoje estava a dormir descansadamente quando me toca o telemóvel. Era daquelas chamadas que tinha mesmo que atender. Já aqui contei: não há pior para mim. Passar do sono profundo a uma conversa normal no espaço de um segundo é daquelas coisas que me deixa indisposta. Os neurónios têm que se pôr em formatura quando deveriam era estar a espreguiçar-se na maior lentura. 

E daí em diante foi sempre a abrir, com telefonemas sobrepostos. Vários sobre o mesmo tema: uma má notícia que nos deixou desiludidos, preocupados. Vários telefonemas tinham por propósito perguntar-me se já tinha sabido. E o dia acabou da mesma maneira: telefonemas com o rescaldo da má notícia da manhã. E um outro com alguém cuja voz e estado de espírito me traz preocupada.

O meu marido quis ir caminhar para a beira da praia. De noite, uma humidade densa, permanentemente a chuviscar... mesmo bom para andar a passear (e, por favor, pressintam a ironia com que o digo). Mas ele quis e eu alinhei. Contudo, estive sempre ao telefone. Quase uma tortura. Mas não deixo que transpareça por respeito por quem me liga. 

E, no fundo, apesar de tudo e bem vistas as coisas, o dia foi bom: os meus meninos que têm estado tão atrapalhados, uma gripe das danadas ou uma das so called viroses, não sei, estão melhores, a menina crescida que toma conta deles parece que escapou, a outra menina grande que já vai na terceira covid do ano também está quase fina e lá em casa parece que mais ninguém foi contagiado e, last but not least, o menino grande que estava fora regressou são e salvo. E, portanto, de que me queixo? De nada. Tenho é que me dar por feliz e sentir-me agradecida. E estou.

E ainda mais uma coisa: encontrámo-nos à hora de almoço com uma pessoa que é pro em cães da raça do nosso. Gostou muito dele, achou-o obediente, bem comportado, sem pingo de agressividade. Vim de lá toda contente. Isto, apesar de, pelo meio, ter tido que atender duas chamadas do arco da velha.

Agora, cansada, a escrever enquanto tento libertar a cabeça das preocupações diárias, fiz zapping e apareceu-me uma das mais sinistras figuras do comentário luso, aquele tal major-general que frequenta os meios pró-Putin e que não é capaz de condenar a actuação criminosa do psicopata com loucas aspirações imperialistas e que, perante o drama pelo qual os corajosos ucranianos estão a passar, retorce o raciocínio para disfarçar a ausência de compaixão pelo sofrimento que as televisões mostram. Tive que fugir imediatamente daquele canal. O mal, seja sob que forma se manifeste, faz mal à saúde de quem está por perto. E ter a cara e as palavras desta criatura sinistra aqui na minha sala é como ter veneno a escorrer-me em cima. Que horror. 

Vou à procura de jardins. Se fosse de dia e se tivesse tempo, ia para a Gulbenkian ou para o Jardim Botânico ou, até, para a Estufa Fria.

Creio que já contei que, quando adquirimos aquela terra pedregosa cheia de mato ressequido que tinha uma casa escura, com móveis escuros, a que agora chamo heaven, comecei a frequentar viveiros para escolher árvores e arbustos em miniatura. Ia sobretudo aos viveiros da Câmara de Lisboa, nos Olivais, e aos do Ministério da Agricultura ali na Azambuja (nunca me lembro se é Chamusca ou Azambuja, confundo os nomes e agora não me apetece ir ao google procurar). As jardineiras e jardineiros já me conheciam, conversávamos sempre um bocado. Eles de botas de borracha, aventais, e eu, chegando de carro, de salto alto. Ora ia à abertura, o mais cedo possível, ora ia à hora de almoço. Ou seja, sempre na continuação de um dia de trabalho. Mas o que eu adorava andar por ali a perguntar pelas manhas e maus hábitos de cada espécie, a escolher cada rebento, a avaliar como ficariam quando crescessem. Mil vezes pensei que seria feliz se fosse jardineira.

Se há vídeos ou filmes completos que gosto de ver são os que envolvem jardins ou jardinagem. O vídeo que abaixo partilho é uma maravilha. Vejam, por favor. Respirem devagarinho e sintam a beleza deste jardim.

Touring Paolo Pejrone’s Enchanting Italian Gardens | Visitors’ Book

The World of Interiors presents Visitors’ Book with Paolo Pejrone. A master of his craft as a landscape designer, Paolo Pejrone welcomes us into his secluded gardens nestled in the hills of Piedmont, Italy.

As we tour Paolo’s botanical paradise, we develop a deep understanding of his Arcadian retreat: “As time passed, year after year, it has become a sort of nursery in which I have experimented with many plants”. Watch the full episode of Visitors’ Book as we explore Paolo Pejrone’s captivating gardens, guided by pendulous evergreen and expertly defined jewel-toned passages.


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A fotografias são da autoria de Katarzyna Załużna e vêm na companhia de Loreena McKennitt que interpreta Huron Carol

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Um dia bom
Saúde. Serenidade. Paz.

sábado, dezembro 08, 2018

A parvoíce que eu disse, à despedida, a uma pessoa




Cá estou. Durante a tarde, a coisa ia brava porque demasiada estupidez, para mim, é coisa violenta. Então, por um instante, desviei a minha mente para um recanto e pensei: calma, já falta pouco, daqui a nada é fim de semana e a única coisa a pensar é onde é que apetece ir jantar para descansar e espairecer. Mas, acto contínuo, lembrei-me: qual quê, saindo daqui ainda tenho que dar com a quinta nos arredores dos arredores. E assim foi. Mais um jantar de natal. Já foi. Alegre, bom, ruidoso, bem animado. No fim, em conversa off the record, confessei a uma antiga conhecida que não via a hora de descer dos saltos altos, de me despir, tirar o soutien, o colar, os brincos, apanhar o cabelo. Ela disse-me: não sei como aguenta essa vida. E eu disse: nem eu.

E depois foi o inverso: descobrir como sair de lá porque, mesmo com gps, andar em lugares desconhecidos, de noite, muita rua mal sinalizada, muita indefinição, é coisa chata e eu não gosto. Mas logo encarreirei e já estou vestida confortavelmente, já tenho o cabelo apanhado, já estou no meu sofazinho. O que eu gosto de estar sossegadinha aqui na minha casinha.


Se há coisa em que penso muitas vezes é na vida que têm os políticos, sempre de um lado para o outro, sem descansarem, sem poderem estar desatentos, descalços, sem poderem ir à casa de banho em paz, sem poderem dormir o tempo que quiserem, na sua caminha, agarradinhos aos seus amores. Juro que não percebo como se aguentam. Eu acho que caía para o lado. Ou isso ou ficava mal disposta, impaciente, impertinente, a mandar meio mundo à fava. Por isso e também por não me apetecer frequentar gente que, em parte, é mal afamada é que não apareço a bater à porta de nenhum partido. Veja-se aquela trupe da bancada do PSD: uma rebaldaria que não tem explicação. Como é que gente séria consegue conviver com aquela indecência é coisa que não se percebe.


Mas, enfim, é isto: cada um é para o que nasce. Uns nascem para brilhar, outros para sofrer, outros nem para isso nem para o contrário e outros, ainda, para outra coisa qualquer.

E agora vou descansar, vou para a minha cama quentinha, vou ver se durmo até vir a mulher da fava rica.

Mas antes ainda tenho que pensar no título que vou dar este post sem eira nem beira. Ora deixa cá ver... É que nem sei por que ponta lhe hei-de pegar.

Olha, já sei. À falta de melhor pode ter a ver com o que se passou há bocadinho e que passo a relatar.

Com tanto festejo, no fim do segundo jantar de natal, ao despedir-me de uma pessoa, desejei-lhe: 'Então, boas entradas'. Ele deu um passo atrás e olhou espantado: 'Boas entradas?! Já?!? Vai de férias?!'. Só então me lembrei que estamos no início do mês de Dezembro. Mas, pensando bem, com esta aceleração do tempo, sorte foi não ter desejado boa páscoa.


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As pinturas são de Trevor Bell porque são boa onda e nada melhor do que uma boa onda e Loreena McKennitt interpreta Snow que se calhar não encaixa aqui como uma luva mas que pode ser que tenha a ver com o fresquinho jeitoso que estava quando saí lá do jantar na bela quinta e tive que atravessar a noite escura e húmida até chegar à voiture que estava molhada e gelada.

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E, para vocemecês, um bom carnaval. 
Alegria e saúde.

quinta-feira, dezembro 28, 2017

Qual a cor de cabelo mais indicada para si?
[Com um implante capilar no texto: recomendações relativas aos cabelos dos dois candidatos marretas e uma proposta ganhadora para um certo putativo candidato surpresa]


Entretenho-me com qualquer parvoíce. Mas tem que ser parvoíce a sério. Coisa de gente que se acha e que escreve convencida que está a escrever coisa importante não me interessa. Tem que ser mesmo parvoíce despretensiosa, tontice desempoeirada. De preferência, deve ser coisa que não lembre ao diabo.

Hoje, por exemplo.

Não sabendo de nada do que se passou durante o dia senão aquilo do financiamento partidário, tema que, já de si, me dá um bocado de brotoeja, e tentando saber a quantas andou o mundo, logo me desinteressei das coisas importantes, nomeadamente das reacções da Madame da Coxa Grossa e Alma de Santinha ou a reacção dos dois marretas Rio & Flopes.

Pelo contrário, deixei que a minha atenção se prendesse com mais um daqueles testes que amo de coração. Pode ser a maior maluqueira que, mal a vejo, já eu estou aí. Hoje o teste era para descobrir qual a cor de cabelo indicada para o meu tom de pele e maneira de ser. Achei o máximo. Pertinente. Indispensável.

Sempre vivi bem com a minha cor de cabelo. Até já inspirou alguns poemas, coisa que, parecendo que não, acrescenta uns pontos ao cv.

Mas quem sabe se a minha cor certa não seria  antes uma coisa outra, quiçá na base da asa de corvo? Nunca se sabe. E eu, que sou open minded, se soubesse de uma tal coisa, logo me dirigiria a um cabeleireiro para me pôr mais parecida com a verdadeira eu. É que, pensando bem, o cabelo deve espelhar a nossa alma.

Portanto, obedientemente, fui respondendo a todas as perguntas. E se as perguntas eram curiosas... Íntimas, até. Por exemplo:
  • como gosto de me vestir para sair à noite, 
  • qual a minha preocupação quando tenho amigos cá em casa para jantar, 
  • como é que sou no trabalho, 
  • qual o tipo de roupa que atrai o meu olhar quando entro uma loja, 
  • como reajo quando sei que uma amiga se divorciou, 
  • etc, etc,e tc. 
E eu, respondendo sinceramente e a pensar: deixa lá ver o que sai daqui. Querem ver que vou ter uma surpresa...? Olha se isto me diz que bem, bem, ficava era de cabelinho branco, toda avózinha. O tanas é que ia levar o teste a sério...

Pois bem. Eis o resultado de forma resumida: 
Sonhadora, criativa e enigmática você tem, secretamente, um temperamento fogoso. O ruivo claro ou o louro veneziano, essa cor hipnótica, é a cor feita para si.
Pronto. Ficamos, então, assim.


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Para quem não saiba bem a raça de que estamos a falar, assim são as ruivas de tipo louro veneziano:

1 - A intuição que dispensa a aprendizagem



2 - As brincadeiras a que não se consegue resistir



3 - A audácia

(A confissão de Veronica Franco)


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Já agora, para acabar com um momento musical:
Loreena McKennitt, a ruiva, canta a canção de Penelope



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Implante capilar no texto

A despropósito, permitam que acrescente que, no que respeita a cabelos, o do Rui Rio está bem em cinzento mas o que já não está com nada é aquele corte. Careca que é careca e que tem pinta, rapa o cabelo. Pode ficar com um milímetro e não mais que isso. Assim, com aquele cabelão nas laterais, Rui Rio parece que saíu do século XIX -- e, para o cenário de contabilista d'antanho ficar ainda mais a preceito, só lhe faltam mesmo as mangas de alpaca. Ó homenzinho mais maçador e poeirento... Eu, se fosse a ele, para ver se conseguia produzir algum impacto visual junto dos potenciais eleitores, rapava completamente era a cabeça e deixava crescer a barba. Não há que ter medo, não vai parecer um terrorista, não parecerá terrorista nem que apareça de cinto de explosivos à cintura e granada na mão. Com aquele ar de guarda-livros, por mais que faça, por mais que tente radicalizar-se ou, vá, modernizar-se, o mais que vai parecer é que talvez já viva no século XX.

Já o outro artista, o galã Santana Lopes, deve manter a trunfa que tão bem o caracteriza: melena nem curta nem comprida, nem cizenta nem amarela, nem bem lavada nem bem ungida, nem moderna nem antiga, nem feia nem bonita, nem útil nem inútil -- apenas adequada para inspirar bocas. Um dia que a corte, a pinte ou a deixe sem brilhantina perderá toda a graça. A ele apenas recomendaria que diversifique: uns dias com um rabinho de cavalo, outros com bandolete, outros com um puxinho em cima. E sempre acompanhado daquela boca em biquinho e a pose de candidato a senador para a gente não estranhar. Um Marcelo em ponto piqueno e blasé, com a grande diferença de precisar de muitas horas de sono.
[Que duo mais marreta, senhores, este do Flopes & Rio. Previsíveis, mais do mesmo, comida mastigada. O PPD/PSD (é que nem conseguem optar por um nome para o pobre partido) está a caminhar a passos largos para a irrelevância e não é nenhum destes dois que vai conseguir travar a trajectória descendente]. 
Será que o nosso fofo Hugalex não quererá dar o salto e aparecer à última hora a ver se abocanha o lugar até agora ocupado pelo seu dono e guru, o já quase saudoso Láparo dos Passos ? Eu a ele tinha umas recomendações capilares (e não só) completamente ganhadoras, coisa mesmo na base do win-win: cortes de cabelo à Cristiano Ronaldo -- rapado dos lados, com o risco aos zigue-zagues, cristinha arrebitada ao centro -- treino musculatório para reforçar os peitorais, uma namorada talentosa como a Merche, a Irina ou a Georgina, filhos feitos alhures -- coisas nessa base que dão popularidade e geram bué de likes no Face ou no Insta. A falta de inteligência até passava despercebida. Aposto que deixava os outros dois xé-xés a um canto. Força, Hugalex, a malta está contigo!


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 E agora vou pregar para outra freguesia.

Inté.

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quinta-feira, março 30, 2017

O receio no olhar dela


Talvez não seja o tempo de cobardes considerações teóricas sobre os equívocos da meritocracia em termos de selecção dos cargos de chefia (até porque em geral as pessoas escolhidas, i.e., os sobreviventes, serão, com toda a certeza, lamento, os piores de nós). Talvez seja, sim, o tempo de conceder a igualdade de acesso às mulheres no comando da sociedade. Quanto aos resultados, logo se vê.

(in O Elogio da Derrota)


Se me deslocar para uma outra das minhas dimensões, consigo perceber como vêem o meu mundo as pessoas que estão longe dele. Acredito que -- com aquele sentimento de superioridade intelectual que caracteriza as pessoas que se sentem ungidas de um repelente contra tudo o que vagamente se pareça com poder -- vejam aquela parte do mundo onde existem chefias e chefiados como um pedaço de anti-matéria da qual mais vale guardar distância.

Poderia argumentar que essa parte do mundo é apenas um sub-conjunto do mundo e quem nele habita é uma amostra da população no seu conjunto, mas falta-me a verve para encontrar argumento certeiro. Digo apenas que, do que tenho visto, ninguém é melhor ou pior por trabalhar numa empresa ou ser free lancer ou, trabalhando numa empresa, por ser chefia ou chefiado.

Trabalho em contexto empresarial há tanto tempo que consigo estabelecer correlações ou identificar quando elas não existem. Que há muito cretino que chega a cargos de chefia é um facto mas eles estão na mesma proporção dos cretinos que são chefiados (ou dos cretinos que não são chefes nem chefiados). 

Antes de trabalhar em empresas, dei aulas durante dois anos e picos. Não via a hora de sair de lá pois, sendo ainda menina e moça, a ingenuidade era total e a verdade é que não suportava perceber que havia tantos professores cretinos.

Já fiz aquelas coisas de pós graduações e quejandas, tendo contactado de perto com alguns crâneos do mundo académico, alguns dos quais tendo carreiras ministeriais ou outras. Confrangedor como até num meio supostamente superior fui encontrar tanto cretino.

Ou, se me reportar a uma profissão atípica, a dos escritores, dou com a mesma realidade: por cada um que é genuíno e em quem se reconhece o toque da genialidade, encontramos uma mão cheia de cretinos. Dir-se-á: os cretinos não contam. Mas quem é que diz isso? Na verdade, os cretinos são os que mais vendem. Se lhes dedicarmos um minuto da nossa atenção, ouvi-los-emos dizer que os críticos os fustigam mas que os leitores os amam de paixão e que é para os leitores que escrevem. E quem é que decide quem é o melhor juiz, se é o crítico que tantas vezes é um pedante ou um cretino encartado, se é o leitor que tem a carteira suficientemente recheada para comprar os livros que quiser?

De cretinos em cargos máximos na política nem é bom falar. Por um qualquer mecanismo de autofagia que dificilmente se compreende à luz das leis da razão, de vez em quando os humanos escolhem os seus piores para os governarem. Não precisamos de pensar no caso de Trump pois isso aconteceu-nos por cá até há pouco tempo. Mesmo na Europa também até há pouco tempo lá esteve alguém que bem conhecíamos e de quem todos bem nos envergonhávamos (e não é que agora quem lá está faça grande diferença). Mas, por cada cretino eleito, há muitos mais cretinos que os elegem.

Ou seja: cretinos há muitos e estão por todo o lado.

Podem os que vivem num habitat à margem do mundo mainstream achar que a sua redoma os protege da cretinice do mundo mas, de facto, apenas os isola, tornando-os, assim, mais solitários ou, pelo menos, desconhecedores do que se passa em sua volta. Podem diabolizar a realidade que desconhecem mas, enfim, estarão apenas a ficcionar.

Quanto ao género, não faço distinções quanto ao mérito. E é sensata a dúvida sobre o que é o mérito pois o mérito é sempre uma abstração tão relativa que nem vale muito a pena falar nela. 
Por exemplo, se a pessoa desempenha uma função na qual se exige pouca conversa e muita acção, a um fulano que disserte compulsivamente, invocando cinquenta mil argumentos e socorrendo-se amiúde de autores conceituados, poucas pessoas lhe reconhecerão mérito. Mas pode acontecer que tenha a sorte de ter uma chefia que a ele e aos seus dotes de oratória reconheça alguns méritos para outra coisa qualquer e o encaminhe para onde a sua conversa atrapalhe menos. Tudo relativo e irrelevante. 
Mas há, do que tenho longamente observado, diferenças comportamentais entre homens e mulheres e uma das que mais se destaca é o receio que os homens têm de ouvir um não. Todos se tolhem com receio de um não. As mulheres, em geral, são mais ousadas e um não está longe de as assustar. E isso faz toda a diferença.
Não me aventuro por caminhos retóricos pois, certamente, por eles iria de tropeço em tropeço. Gosto de prosear mas conheço as minhas limitações -- limitações até de paciência. Dirijo-me, pois, para a conclusão.
Anos de machismo numa sociedade que até não há muito era fechada (e que, na província, ainda o é) levaram a que os homens se tivessem habituado a reinar. Preservam-se apenas porque está nos genes preservarem-se. Na hora de escolher um par, mais facilmente escolhem um dos seus, alguém com quem podem fazer almoçaradas, falar de bola e de gajas, interromper reuniões para ir ver futebol (ao vivo ou na televisão) e, claro, com quem podem contar para não hostilizar, para não fazer ondas, para não fazer perguntas incómodas -- tu não me chateias e eu também não te chateio.

Furar este círculo que se fecha sobre si próprio só à força.

E concordo: não é por haver mais mérito nas mulheres, é porque não faz sentido que as mulheres não estejam presentes ali como em qualquer outro lugar. (E, se tudo correr bem, talvez se façam sentir algumas ondas o que, como se sabe, é bom, as ondas geram energia, para além de serem um plus estético.)

Estamos de acordo, pois, na conclusão. Contudo, andamos por caminhos diferentes para lá chegar. 
(E, para ilustrar o texto, porquê uma mulher com um olhar tão receoso? Perante um desafio, alguma vez as mulheres se encolhem, com medo do desconhecido...? É que nem pensar.)
Talvez mais isto.

(O cigarro aqui é apenas para fazer pendant com o da Sean, lá em cima)

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E, para o cérebro do passarinho cantautor queiram, por favor, descer um pouco mais.


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