- No post já aqui abaixo poderão ler um artigo brilhante escrito por uma mulher, Concha Caballera, um artigo que parece premonitório e que, lendo-o, percebemos como tem sido fácil a um punhado de humanóides (como lhes chama Hélia Correia), auxiliados por um bando de homens de mão, destruir uma construção laboriosamente concebida e alimentada ao longo de 30 anos. Não deixem de o ler, é o que vos peço.
- Depois desse, tenho ainda um texto em que mostro como não é feito nenhum o défice de 2013 ficar abaixo de 5.5%. Todos os crimes que têm estado a ser cometidos contra nós eram em nome de um défice de 3% (e mostro-vos qual era o primeiro objectivo do acordo com a Troika). Será que não vai sendo tempo de nos rirmos na cara destes embusteiros? De os impedirmos de nos continuarem a intrujar?
Mas isso é depois deste texto aqui.
*
*
Há assuntos sobre os quais falo com muitas reservas. Sempre que os assuntos envolvem mortes, doenças, sofrimento, em especial de jovens ou crianças, eu resguardo-me. No princípio do mês já toquei ao de leve nisto mas num acto de esforço imenso. Há uma dor que merece respeito e em que qualquer palavra em vão pode ser sal em cima de uma ferida aberta. Depois são momentos, acho eu, em que o silêncio é essencial. E eu temo não encontrar as palavras certas para revestir de silêncio aquilo que penso.
Na véspera de Natal, estávamos a jantar quando, sendo assunto recente, o drama do Meco veio à baila.
Um dos presentes disse:
coisas de praxes, ritos iniciáticos, porcarias dessas, e correu mal. Na altura não se falava nisso e, achei que sendo estudantes, e indo calmos conforme os viram, ou seja, não aos tombos de alguma bebedeira maluca, não fazia sentido irem para a beira de água numa de praxes e só sete, as praxes costumam envolver mais gente e exposição pública, não uma coisa no Meco com aquelas ondas enormes, um sítio em que a areia afunda junto à linha de rebentação e, ainda por cima, perto da uma da manhã.
Achei mais que tivesse sido coisa de jovens que gostam de conversar até tarde, depois ir passear pela praia,
peace and love, sem se darem conta do mau tempo e dos avisos, aquela coisa de
são jovens, não pensam, qualquer coisa do género. Mas ele persistiu,
Podem crer, foi isso, não são inéditos esses ritos iniciáticos a meio da noite na praia e as praxes têm porcarias dessas.
Achei aquilo tão improvável que pensei que ele estava a ficcionar e continuei na minha, a achar que tinha sido um acidente em que não havia ninguém a culpar e em que o sobrevivente, para sua infelicidade, iria carregar toda a vida a memória da noite horrível em que tinha perdido seis amigos.

Mas eis que aos poucos as notícias vão deixando saber pormenores: que sim, que era um fim de semana em que a comissão de praxes ia organizar as praxes para o próximo ano, que o sobrevivente era o chamado
Dux (e eu nunca tinha ouvido a expressão, não fazia ideia de que toda uma estranha organização rodeia essa estupidez das praxes) e, que quando os familiares chegaram a casa que os jovens tinham alugado, já estava tudo arrumado e as coisas de cada um estavam guardadas nos respectivos sacos que tinham o nome de cada um, que os jovens todos - excepto o sobrevivente - tinham deixado o telemóvel em casa como se tivessem a intenção de ir à água, que uns dias depois alguém ligou para a senhora que se ocupa da limpeza da casa a perguntar por uma colher de pau em tamanho gigante que tinha ficado esquecida atrás da porta e com a qual tinham sido vistos a dançar no dia do acidente – pormenores que não parecem fazer grande sentido.
Ouvi agora que o assunto passou a estar em segredo de justiça e vai ser investigado pela Judiciária.
E depois, claro, com a imprensa toda em cima do assunto, já é difícil saber o que é mesmo verdade ou um diz-que-diz-que, mas leio que haverá um pacto de silêncio entre os estudantes porque há mesmo qualquer coisa de ritualizado e há também uma hierarquia nisto das praxes e eu fico perplexa, perturbada. Tantos mundos paralelos e estranhos que eu desconheço.
Todos os anos me cruzo amiúde por altura do início do ano lectivo com grupos de estudantes, elas com as caras pintadas, penteados divertidos, eles também pintalgados, todos sorridentes e bem dispostos, em grupos ruidosos. Andam pelas ruas, invadem os centros comerciais.
É coisa que no meu tempo não havia e, se houvesse, teria sido coisa à qual me teria furtado. Tudo o que sejam estes movimentos de grupo, de comportamentos homogéneos e expectáveis, uma coisa de tipo rebanho, me causa repulsa. Já o disse aqui mil vezes: sinto-me intrinsecamente livre pelo que nunca fui e acho que nunca serei filiada em coisa nenhuma, nem participo em cenas em que tenha que alinhar ordeiramente com outras pessoas (missas, comícios, jantares de curso, etc).
Por isso, voltando ao tema, não me imaginaria nunca a participar em peripécias nem como praxada nem como praxadora. Por natureza, isso causa-me um incómodo visceral e, por princípio, outro tanto incómodo me causa.
Felizmente, quando chegou a vez dos meus filhos, ela viu-se envolvida numa coisa como a que descrevi e lembro-me que apareceu em casa toda animada com totós, rosetas coradas, sardenta, toda ela relatando cenas engraçadas. E acho que tinham andado a passear assim e, do que me lembro, umas brincadeiras quaisquer num jardim e pouco mais. Sempre gostou de festas e divertimentos com amigos pelo que encarei como uma coisa natural. Do meu filho não tenho ideia de nada disso, é rapaz para se ter posto completamente à margem. E nenhum deles teve essa treta do traje académico até porque, felizmente, nenhum deles é dado a fardamentos (ele, então, nem na escola infantil aceitou vestir bibe, tamanha era a rejeição que tiveram que abrir uma excepção para ele).
No entanto, se com os meus se passou o que vos contei, para minha estranheza, é cada vez mais frequente encontrar jovens de capa e batina ao longo de todo o ano por todo o lado, ou seja, já não é coisa que se circunscreva ao início do ano lectivo.
Não é também raro, desde há alguns anos, ouvir-se falar de excessos absurdos ligados a praxes. Sabe-se, de vez em quando, de praxes que envolvem humilhações, maus tratos. Quando isso se sabe, alguém manda instaurar um processo e a coisa fica por aí.
O que intriga nisto é o que será que vai na cabeça destes jovens que aceitam ser humilhados e fisicamente mal tratados? E que estupidez e deformação mental é a dos jovens que se armam em chefes dessas tretas e, de forma organizada, se sentem com poder para poder sacrificar outros?
E, sendo isso assim mesmo, não deveriam os órgãos directivos das escolas onde isso se passa proibir e punir os jovens envolvidos em práticas que vão para além do mero divertimento?
É que uma coisa é organizar brincadeiras, festas, convívios, onde os mais jovens sejam integrados numa nova comunidade e outra, muito diferente, é, de forma pensada e, até, ensaiada, conceberem práticas arriscadas, punitivas, que envolvem dor, medo, vergonha por parte dos que deveriam ser integrados em festa?
Devo dizer que a actual mentalidade de parte dos jovens é algo que escapa à minha compreensão.
Conheço muitos que nem se recensearam pois acham que a política, em geral, é uma porcaria com a qual não querem ter nada a ver. Não querem mudar o que acham ser o status quo: querem, simplesmente, permanecer fora dele.
Como referi num dia em que estava no Porto, no fim de Outubro, em dia de manifestação, o passeio junto e em frente e a entrada do Coliseu estavam apinhados com jovens de capa e batina e, na manifestação, praticamente nenhum jovem (e seguramente nenhum de capa e batina). Não querem saber.
De forma geral, são desinteressados em relação ao que se passa, acham que é sempre mais do mesmo, jogadas espúrias, coisas a que se sentem alheios. Preocupam-se com arranjar trabalho, sabem que grande parte dos amigos e colegas foram para fora ou estão a pensar ir, sabem que os que cá estão ou não têm trabalho ou têm trabalho precário, mal pago, e que outros andam sempre ganzados ou cocaínados. E gostam sobretudo de conviver, de estar uns com os outros, conversar, estarem juntos. E isto é do que eu ouço à minha volta. E depois há os que andam pelos bares e discotecas até caírem para o lado. E já para não falar num outro vasto grupo que são os intelectualmente indigentes, que não estudam nem nunca estudaram, que não sabem nada de nada, que mal sabem falar e em que a maior ambição que têm é fazer presenças ou participar nas casas dos segredos.
Francamente, o que eu às vezes também sinto é que é melhor nem pensar nisto para não ficar ainda mais preocupada. É que não sei qual o futuro de um país em que o panorama com a juventude é o que descrevi e em que o governo faz de tudo para incentivar ainda mais estas práticas e estas mentalidades.
Que intervenção cívica ou que atitude crítica é de esperar de jovens que humilham outros ou que, passivamente, se deixam seviciar, que desconhecem o que se passa na sociedade, que se encontram totalmente alheados da política, que não lêem, que não se interessam por outra coisa que não a sua própria vida ou, na melhor das hipóteses, o convívio com amigos?
Raios partam isto. Como foi que deixámos que isto chegasse a
este ponto?
NB: Para ler mais sobre este assunto e ver um vídeo sobre o assunto, por favor clique
aqui.
*
A primeira e a última fotografia provêm
daqui. Em relação às outras não descobri a proveniência.
*
Relembro: a seguir há mais dois posts, o primeiro com um texto fantástico de Concha Caballero que acho que não devem perder e, mais abaixo, um que mostra mais um dos embustes em curso. Somos dóceis e fáceis de enganar é o que é.
*
Já estou com muito sono, mal me aguento. Não vou reler o que escrevi pelo que vos peço que me perdoem se o texto estiver cheio de gralhas.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta feira!