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segunda-feira, fevereiro 08, 2016

Alô, alô Rosa Pinto! Foi V. que pediu os lagos do Alqueva?


A Leitora Rosa Pinto, que eu muito prezo, ontem escreveu num comentário: "Já que gosta de fotografar... umas fotos dos lagos do alqueva...coisa maravilhosa."

E eu, que sou bem mandada, cá estou a ver se as fotos fazem jus à beleza daqueles lugares.

O tempo esteve incerto, ora levemente toldado ora levemente ensolarado. Acho que as fotografias se ressentem com a incerteza da luz, parece que a refracção entorpece. De qualquer forma, aqui estão algumas das que fiz.

Este Alentejo após Alqueva é outro, ainda mais belo que antes, todo ele subtilezas, as terras a moldarem-se ao frescor das águas. E o rio tem requebros de ancas, todo ele curvas, as ilhas despontando da superfície azul como seios atrevidos, e as terras estão verdes, floridas, e há muitos pássaros, muitos cantos, especialmente ao entardecer. E depois há as lonjuras, as suaves elevações estendendo-se até onde a vista alcança, o horizonte sempre mais além, uma extensão desenhada entre águas, margens, lagos, árvores aqui e ali, silêncios, uma paz muito doce.

E há o que não posso trazer aqui: os perfumes, o perfume das ervas viçosas, das flores amarelas ou brancas, cheirosas, o cheiro limpo do campo banhado por águas azuis.

Também não consigo trazer aqui a aragem fria que sopra junto às muralhas dos castelos ou a aragem suave junto às margens dos lagos, ou o voo das andorinhas até aos ninhos de barro nos beirais, ou a tranquilidade das cegonhas no alto das torres, ou a beleza altiva de um cavalo branco que caminha sem pressa pelo monte abaixo.

Mas trago o que posso. Espero, Rosa, que goste. E espero, meus outros Leitores, que sintam vontade de ir ver aquilo que eu não consegui captar.


Mas vamos, uma vez mais, ao som da Gota de Água (uma música tradicional alentejana), num arranjo e interpretação que me encantam

Coros pelo Rancho de Cantares de Aldeia Nova de S.Bento; 
Ronda dos Quatro Caminhos;
Orquestra Sinfónica de Cordoba


















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E, à noite, num pátio, olhar as estrelas e ficar em sossego, respirando o ar puro, sentindo o tempo a fluir devagar, devagar, muito devagar.

De um de teus pátios ter olhado
as antigas estrelas,
do banco da sombra ter olhado
essas luzes dispersas
que a minha ignorância não aprendeu a nomear
nem a ordenar em constelações,
ter sentido o círculo da água
na secreta cisterna,
o odor do jasmim, da madressilva,
o silêncio do pássaro adormecido,
o arco do saguão, a humidade
- essas coisas, acaso, são o poema.

['O sul' de Jorge Luis Borges]

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Volto aqui para trazer para a linha da frente o poema de Florbela Espanca que Rosa Pinto deixou abaixo, em comentário, aproveitando para vos mostrar uma das árvores que fotografei:

Árvores do Alentejo 



Horas mortas... Curvada aos pés do Monte
A planície é um brasido... e, torturadas,
As árvores sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a benção duma fonte!

E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, a arder, pelas estradas,
Esfíngicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!

Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
- Também ando a gritar, morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!


Florbela Espanca

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

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segunda-feira, janeiro 04, 2016

Postal de amor ao som de Olha o rouxinol




Sentas-te aí a olhar para mim, moço, e eu fico sem jeito, baixo os olhos, recurvo os ombros, passo a mão pelo decote não vá os seios estarem a assomar, e tu olhas, olhar insistente, um meio sorriso e eu sinto-me enrubescer, tenho vontade de dizer 'não olhes, não olhes, por favor, poupa-me que eu não sou forte'. Mas nada te digo, sem fala, eu, que estou tão tomada de amores, que me falta a voz e as palavras e se me esvai o sangue e me falta a respiração e quero cobrir o rosto com a mão, e dizer que não, que não vejas o efeito que produzes em mim, moço, que me fazes virar a cabeça do avesso, que tanta luz me encandeia, ai.

Ai, não faças isso. Porque o fazes? Pára, pára. Ai, ai que me fazes tão mal.
Ai, meu passarinho, meu menino, meu bem, que me encantas, meu passarinho que me olhas como se quisesses ver-me a voar, meu passarinho que isso eu não posso, que voaria às voltas, cairia, tonta, no teu colo. Ai, moço, que me fazes tanto mal.
Mas tu não me ouves. Não percebes a minha inquietação? Não? Não...?

Sentas-te aí e nada dizes. E se eu te perguntar: O que é? Tu vais dizer que Nada.
Nada? Nada, como? -- se me olhas como se quisesses pousada em ti e tu pousado em mim, e como se quisesses levar-me nos teus braços e eu a ti abraçada, ai que me dás volta ao juízo, ai que me viras do avesso quando assim pousas os teus olhos em mim. Ai, moço, ai de mim, ai.
E tu nada dizes, nada dizes.


Mas olha que ouço os teus pensamentos -- tu tem cuidado, moço, olha que eu sei que o teu silêncio é abraço no calor dos lençóis, beijo roubado num recanto de sombra, mão na perna na última fila no cinema.
Mas tu não tens cuidado, tu olhas, olhas, e eu tapo os joelhos, puxo a saia, mas só tenho vontade de a levantar para que me vejas toda, toda, toda só tua. Ai moço. Que é de mim assim, moço?
Sentas-te aí, e, tanto o embaraço que em mim causas que ficas, tu também, embaraçado, amor assim não há igual, amor para o qual não há palavras, amor inocente, amor sem esperança. Já não sorris, só olhas, só olhas e eu já não sei o que fazer, se me levante e te levante e me agarre a ti, ou se me deite no chão e espere que a terra me devore ou se espere que venhas e me cubras, para sempre, para sempre. 

Um dia vou lembrar-me do teu olhar cravado em mim, que ele já está cravado no meu coração, moço. Um dia, vou sentar-me à sombra, ouvindo o canto do rouxinol e os sinos tocando ao longe, vou ler as tuas cartas, passar a mão pelo papel macio onde as tuas palavras desenhavam corações e amores infinitos e vou pensar que, estando tu em silêncio, é do teu canto que eu ainda me lembro, do teu canto doce, do teu canto que escondia o perfume do mar, que guardava a música dos ventos ao longe, que transportava a pureza dos teus sonhos impossíveis. Ai moço, moço, o que fizeste tu comigo?
Ai. Ai, meu amor que te quero tanto, ai meu amor que me queres tanto. 
Não deixes nunca de me olhar. Meu amor. Meu amor.


(Nem te ausentes da minha memória, amor meu, perdição minha).

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Amanhã, de manhã cedo ou à hora de almoço, tentarei publicar o post que tenho praticamente pronto sobre Oppenheimer, o pai da bomba atómica, um texto que se chamará: 'Que consequências têm as nossas acções?' e que aborda a frágil fronteira entre o bem e o mal.

Enquanto, isso não fica disponível, convido-vos a descerem. Não tem nada a ver com a rêverie em forma de postal ou de toada de amor que acabaram de ler mas tem uns vídeos que acho interessantes onde Alberto Manguel fala de alguns escritores bem conhecidos e mostra a sua imensa biblioteca.

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terça-feira, agosto 18, 2015

Os frutos maduros in heaven


No post abaixo já mostrei um vídeo que, só de vê-lo, me fez ficar com os pés numa ansiedade. Sofrendo de vertigens como sofro, só de ver aquele maluco fiquei como se estivesse eu própria em vias de me despenhar da minha cadeira abaixo (passe a redundância), como se a cadeira estivesse suspensa sobre um desfiladeiro. Só visto. Olhem, uma coisa vos direi eu: vocês homens aí desse lado, por muito que queiram impressionar alguém, não tentem reproduzir o feito, ouviram?

Adiante. Tempo de paz e harmonia.

Os meus dias não têm sido fáceis. Preocupações, trabalhos, afazeres, compromissos, solicitações de toda a espécie. Há já algum tempo que não consigo aquele tempo demorado de que tanto preciso, para estar comigo mesmo, no campo, sem nuvens no horizonte, sem pressas para estar a horas aqui ou ali.

Este sábado foram apenas umas quatro ou cinco horas, uma fugida apressada. Mas que bem me soube. Levei a comida para cozinhar lá - e tanto que eu gosto de sentir o cheirinho a evadir-se pela chaminé, e andar a passarinhar cá fora adivinhando o sabor dos tachos ou do forno.

E lá andei fotografando o sol, a terra quente, a humidade que se adivinhava no céu que se acinzentava. E a fruta toda a amadurecer, doce, o sumo a estalar.

Não podendo oferecer-vos uma cesta de fruta -- e tanto que eu gostaria de o fazer, tanto que tenho vontade de agradecer a vossa presença aí desse lado, mesmo em tempo de calores e férias -- mostro-vos algumas fotografias. Mas, para nos acompanhar, permitam que aqui coloque outra vez uma música que me encanta e, vá lá saber eu porquê, me emociona.


 "Gota de água" (música tradicional do Alentejo)
Ronda dos Quatro Caminhos com a Orquestra Sinfónica de Córdoba



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As pêras estão doces, pesadas. A muitas já os pássaros gulosos deitaram o bico, descarados, desafiam-me, querem antes de mim chegar ao açúcar que há no interior destes corpos macios e inocentes. Passarada indecente que não tem pudor nem respeito, atiram-se às carnes macias das pêras, deixam-nas mordidas, as provas do pecado bem à vista. 

Não esta aqui em baixo, que a esta escolhi por estar ainda intacta. Fotografei-a e, depois, comi-a. Boa, boa.




O calor faz as azinheiras desfazerem-se da folhagem e o chão e os bancos de estão cobertos de confetis castanhos dourados, estaladiços, que, com o tempo, vão amaciando. Se eu lá estivesse com tempo, entretinha-me a varrer porque gosto muito de varrer e gosto de encher o carrinho de mão e depois ir com ele até lá ao fundo e despejá-lo na terra junto aos pinheiros, grandes camadas de matéria orgânica que vai amolecer e transformar a terra em terra ainda mais fértil. Assim, vagueio por aqui, sinto o tapete sob os pés, e acho-o tão bonito.




Vim com os pés arranhados. Enfio-me pelo meio do mato em busca das silvas carregadas de amoras. Estão negras de tão doces, sumarentas, como-as todas - pudesse eu passar um dia só a comer amoras, tão boas. E têm uma cor tão linda, azeviche, azul ultramarino asa de corvo. Gosto de fotografar estas pequenas hastes que, segundos depois, estão nuas, as amoras já todas misturadas no meu corpo.




E os figos, rebentados, um pingo de mel escorrendo deles, lágrimas doces, doces, e eu vou para os apanhar para trazer mas, mal lhes deito a mão, carnudos, logo os como, às vezes com casca e tudo. Há uns que, por dentro, são cor de carne clara, gulosos, e outros, os que prefiro, que são tingidos, rubros, cor de sangue, um doce com um toque quase de picante. As minhas avós diziam que eram os pardinhos. Não sei porque lhes chamavam elas assim mas são os melhores.




Todo o campo é uma mistura vistosa de cores. Aos verdes das árvores juntam-se os ruivos das flores do campo, os espigados dos arbustos, os dourados das ervas que amarelecem. E tudo cheira intensamente, as figueiras, os pinheiros, os eucaliptos, o alecrim, o rosmaninho. O calor faz com que os perfumes se soltem dos corpos da natureza.

Para muitos de vós isto será mato e pensarão que é absurdo tanta conversa sobre mato. Mas para mim é mais do que isso, para mim é a perfeição da natureza, e, nestes momentos, todos os meus sentidos estão ao serviço do que a natureza me oferece. E é tanto.




Nasce erva por todo o lado. E flores campestres em todo o sítio. Precisa de manutenção este lugar, precisa que tenhamos tempo para aqui vir com cuidado aparar o que nasceu onde não devia. Mas, enquanto isso não acontece, entretenho-me a maravilhar-me com as flores verdadeiras que se juntam às dos azulejos que forram canteiros dentro dos quais crescem vigorosas árvores. Ando por aqui e parece-me este um mundo encantado, não um campo cheio de mato.




As uvas estão a ganhar cor. Nas videiras que se esgueiram junto a este pequeno muro coberto de azulejos, os cachos enormes, pesados, quase parecem pinturas que se misturam com as sombras que se reflectem na superfície espelhada.

Apetece-me comê-las mesmo assim para ver se os pássaros não me levam a melhor. Ou para ver se o sol não as queima antes de eu lá chegar a colhê-las. Doces, sumarentas, fotogénicas. Mas poupo-as, devem seguir o seu curso: amadurecer, ganhar açúcar, brilhar ao sol, tornarem-se sedutoras, fazerem com que alguém, bicho ou gente, junto delas caia em tentação.



As flores e os frutos in heaven. Amor e perdição.

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Relembro que, no post abaixo, há maluquice da grossa. Um maluco bateu um record e não sei como uma coisa daquelas foi possível. Só visto.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, boa sorte e um dia particularmente feliz, com tudo, tudo de bom.
Que os vossos dias se alegrem e que sintam que a vossa vida vai melhorar. 

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segunda-feira, julho 27, 2015

A bagunça, a harmonia e a beleza in heaven: retrato de um domingo tranquilo


Domingo tranquilo. Caminhada de manhã junto ao rio, almoço cedinho numa esplanada com larga vista e, logo de seguida, ala moço que se faz tarde para o campo.

Sempre tive o hábito de, antes de sair de casa, a deixar limpa e arrumada. Mas não há hábitos que sempre durem. Hoje, quando, in heaven, abri a porta e cheguei à sala só me apeteceu fechar os olhos e fazer de conta que não estava a ver o lindo panorama que se me deparava.




Mas, se não se importam, vamos com o passarinho.



Dizia eu: uma bagunça total, brinquedos por todo o lado. E, reparo agora vendo a fotografia acima, até uma das almofadas está suja, na volta algum acidente com algum iogurte. 

Pensei: como é possível uma barafunda destas? Mas logo me lembrei. A última vez em que lá tinha estado, tinha sido no dia dos meus anos, a casa cheia, almoço, lanche, meio mundo sempre a comer ou a beber, meio mundo a brincar, gente a entrar e a sair, um reboliço pegado. E, para nos virmos embora, foi aquele festival de sempre, um a querer chichi, outro a querer água, os sapatos de um desaparecidos, o boné de outro sabe-se lá onde, e reunir os pertences, e outro que também quer ir à casa de banho e outro que se esqueceu do carrinho e uns cá fora e outros nem se sabe onde e, no meio daquilo, a preocupação é que todos saiam de casa e que os que entram no carro sejam em igual número. E, no meio daquela logística complicada, há lá tempo de ficar a arrumar a casa...? Nem pensar! - até porque basta que haja uma pessoa dentro de casa para alguém mais ter motivo para lá voltar e lá se ensarilha, de novo, toda manobra de retirada.

Por isso, coração ao alto, fecha-se a porta -- e paciência para a desarrumação que fica para trás.




Hoje até uns sapatos de um deles lá apareceram. Ora, descalços não foram pelo que deve ter sido algum par suplente que ficou esquecido.

Dizia eu que cheguei e fiquei durante um instante em estado de estupor catatónico. Ia com vontade de me estender a ler e deixar-me ir pelo sono; mas como fechar os olhos a tanta desarrumação? Até folhas secas havia no chão. Devem ter entrado quando a porta esteve aberta e por lá ficaram a definhar.

Pois bem... Pensei: se me ponho com arrumações, lavagens e limpezas, nem à noite a casa está em condições, e chego ao fim do dia mais estafada do que no início do fim de semana. Então, mulher corajosa, virei costas à barafunda, peguei no meu livro, deitei-me noutro sofá e passados uns minutos estava a dormir o sono dos justos.

Quando acordei, a bagunça lá estava, quieta. Para não a ver, fui para a rua.

Matagal que deus o dá. Segui o mesmo salvifíco princípio da procrastinação e pensei: faço de conta que nem te vejo, ó mato, e logo trato de ti quando estivermos de férias.




Nasce erva por todo o lado, e eu, que gosto de tudo o que há por aqui, em vez de me pôr a mondar o que nasceu indevidamente, entretenho-me a fotografar.

Vejo os marmelos ainda pequenos, felpudos e dourados, vejo as diferentes tonalidades de verde, o milagre da natureza que renasce, e tudo sempre tão perfeito, tão belo, a um tempo tão efémero e tão perene.




E as amoras. Estava de saia, arranhei-me nas pernas, as silvas estendem as suas guias ariscas por todo o lado, e eu devia pôr umas calças ou desistir das amoras mas juízo não é o meu nome do meio.




Estão docinhas, crocantes, sumarentas. Ao jantar, juntei uma dúzia delas ao iogurte e mais umas sementes e nozes e soube-me que nem ginjas.

As uvas também prometem: é com cada cacho mais jeitoso. A videira trepa pela ameixeira e por outra árvore de que não sei o nome e há cachos pendurados por todo o lado. Não tarda estarão os bagos dourados e doces e, aí, será aquela velha luta que travo com os pássaros, eles a levarem-me sempre a melhor.

Mas não me importo muito: assim tenho-os sempre por lá, cantam, cantam, fazem ninhos, sentem-se em casa. Que comam, pois, as uvas, as ameixas, as maçãs, as nêsperas, os safados -- se, depois, me retribuírem em trinados felizes.. 




Depois fui para o banco de pedra que está num recanto abrigado, onde o sol, entre a sombra do pinheiro, me acaricia a pele. Ao fim da tarde, o sol está brando, a aragem sopra muito ao de leve, e eu ali estive a ler o meu livro, encantada, olhando o céu, as grandes árvores -- que, em tempos, plantámos e que regámos com carinho até que vingassem e se tornassem independentes dos nossos cuidados -- e ouvindo os pássaros. Pensei: este é um momento de pura felicidade.

É preciso tão pouco para eu sentir esta felicidade intensa, breve e intensa.




Depois, sempre com alguma nostalgia da minha parte, viemo-nos embora. Há quem diga que o que é bom pouco basta mas tão pouco a mim custa-me um bocado. Mas é o que é, o tempo não estica.

E, depois, ainda estivemos durante um bom bocado na esplanada de uma gelataria a deliciarmo-nos com um dos melhores gelados de Lisboa. Lambona como sou, bati-me com uma conchanata à maneira. O meu marido gozou comigo, que depois não me admirasse eu por estar tão pouco magrinha. Expliquei-lhe que, com aquilo, já ficava jantada. E, de facto, quase foi: tirando o iogurte e uma peça de fruta já cá em casa, não comi mais nada (pelo que talvez não engorde uns dez quilos à conta das quatro bolas de gelado com molho de morango com que me deliciei).

A seguir, cá em casa, já estive nas arrumações, já estive a fazer comida e a passar a ferro pelo que estou quase a dar a jornada por finalizada.

E aqui chegada, interrogo-me: mas isto que para aqui estive a escrever e estas fotografias terão interesse para alguém? Hoje ao almoço, numa outra mesa, toda a conversa girava em volta do facebook, do que um tinha posto, do que outra tinha dito, e do que o outro tinha comentado, e sei lá que mais, e eu e o meu marido estávamos divertidos com tanta parvoíce. Mas será que não é igual parvoíce eu estar para aqui com esta conversa toda? Na volta, é.

Olhem, meus Caros, se foi uma maçada para vocês lerem este relambório, as minhas desculpas - a sério - por tomar o vosso tempo com coisas que não interessam para nada. Isto é uma espécie de mania diarística, é o que é, mas é como se estivesse a fazer um diário a céu aberto. E isso, vendo bem as coisas, é um hábito meio sem jeito (acho eu).

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quinta-feira, julho 16, 2015

Ferreira Fernandes, o pequeno Passos Coelho e o grande Carlos Nunes


No post abaixo falei de incandescências, de Cézanne e da sombra do mar, com Tosca a acompanhar. Mais abaixo falei de um alentejano.

E agora, num instante, venho aqui dizer que gosto tanto, mas tanto, do Ferreira Fernandes, que até vou transcrever na íntegra duas crónicas dele. Com vossa licença.


Mas deixem que antes aqui vos deixe com o Julius e, para a leitura ser mais agradável, com a Águia (sem conotações clubísticas, claro está)







A boa notícia sobre a noitada de Bruxelas


A única boa notícia sobre a noitada de Bruxelas é que vai haver mais noitadas destas. O problema da Grécia foi empurrado com a barriga por líderes extenuados. Tão extenuados que o seu esgotamento dá alguma credibilidade à hipótese de terem ouvido uma ideia de Passos Coelho. Só de pensar nessa hipótese dá ideia da deriva da Europa. Mais grave: pelo menos um líder europeu acreditou na versão (e contou-a). Naquele filme Daylight, um túnel de Nova Iorque invadido pelas águas, as pessoas também estavam esgotadas e aceitaram a sugestão do Sylvester Stallone. Por amor da santa, ninguém aceita uma sugestão de Stallone desde que ele foi salvar o Afeganistão e deu no que deu. Mas as pessoas estavam extenuadas e seguiram o herói - e não é que se salvaram? Também é verdade que era filme. Voltando à Grécia, da última vez que Passos Coelho teve uma ideia sobre ela falou de "conto de criança". Disse, então: "Como é possível um país não pagar as suas dívidas, querer aumentar os salários, baixar os impostos?..." É a ideia que ele tem de conto de crianças: um curso de Contabilidade. Agora, do género infantil saltou-se para o hardcore: numa festa pela madrugada fora, um grupo de poderosos chicoteia um grego. Melhor, só se ainda houvesse o Varoufakis, motoqueiro vestido de licra... Repito, a única boa notícia sobre a noitada de Bruxelas é que vai haver mais noitadas destas. A este ritmo, em breve vai dar o badagaio a estes nossos líderes europeus.


Ser esquisito foi avistado entre Gaia e Espinho


A Europa de pantanas, o Estado Islâmico, essas coisas... E, depois, Carlos Nunes foi ontem remetido para a página 17 no único jornal que falou dele. Carlos Nunes usa óculos, tem 49 anos, e pelas fotos não me pareceu nenhum desses frequentadores de ginásio que por esta época se mostram nas esplanadas. Ele tem uma oficina em Gulpilhares e acabou à tareia em Guetim - um mundo entre Gaia e Espinho que já não tem aquele romantismo com que as vivendas burguesas de Ovar e da Granja educaram Júlio Dinis. Ao fim da tarde de segunda-feira, um homem arrombou um automóvel estacionado frente à oficina de Gulpilhares, fez ligação direta e largou. O carro nem era do Nunes, era dum cliente. E era um velho Datsun, o seguro haveria de cobrir o prejuízo. E, aliás, o Nunes nem estava no trabalho, mas em Espinho, a 10 km dali. Prevenido por uma filha, o mecânico meteu-se à estrada, cruzou-se com o carro roubado, seguiu-o. Quando os dois carros pararam, o ladrão, de 42 anos, saltou com um machado, partiu o para--brisas e feriu o Nunes na cara e num braço, mas este não largou o agressor. Havia 20 pessoas a olhar e todos ficaram assim, a olhar. Quando chegou a PSP, o Nunes continuava agarrado ao ladrão. Foi assim. Estou a ver que não empolguei o leitor... Pois eu poria o Carlos Nunes a ir às escolas, para que os jovens soubessem uma coisa pequenina: ainda há homens. Em tempos de crise é tão necessário começarmos pelo princípio.

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Dá gosto ler coisas assim. Grande Ferreira Fernandes. Por ele vou todos os dias espreitar o DN.


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A música é outro vez um dos mais erfeitos encontros que ultimamente me foi dado a conhecer: "Águia" (tradicional Alentejo)* - Ronda dos quatro Caminhos, Orquestra Sinfónica de Córdoba

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quinta-feira.

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quarta-feira, julho 15, 2015

Caminhar


Sobre a entrevista do Passos Coelho que não vi e sobre o Joaquim Aguiar que a comentou e que disse coisas bizarrésimas que quase tiraram o José Miguel Júdice do sério e sobre o Augusto Santos Silva que foi outra vez desfeiteado pela TVI falo a seguir. 

Aqui, agora, se me permitem, mudo de registo porque isto de andar com o láparo colado aos dedos há alguns dias já me está a causar brotoeja.

Tempo de rêverie, de palavras perdidas, de pedrinhas na palma da mão e sorrisos, de sons doces como suaves embalos, de afinidades, de descobertas. Tempo de boa onda em tempo de verão.




Vista de longe a vida pode parecer uma via única, sem obstáculos, sem imprevistos. Uma pessoa foi posta a caminho e as oportunidades vão aparecendo e a pessoa vai escolhendo, esta sim, esta não, e vão-se cruzando outras pessoas e umas nós vêmo-las, outras não, e das que vemos, com umas simpatizamos e tornamo-nos amigas e de outras não, e por umas sentimos uma empatia especial e por outras não e vamos continuando a caminhar que a vida é um percurso contínuo -- até que um dia o percurso há-de chegar ao fim.

Certo é que, por vezes nos enganamos, voltamos atrás, desviamo-nos, corrigimos a trajectória; mas, à distância, vistos de cima, pareceremos simplesmente uns pequenos seres a caminho de um qualquer sítio.

E, no entanto, vendo por dentro de nós, quantas hesitações, quantos segredos, quantos espantos, sobressaltos, surpresas, alegrias. Quantos acasos inexplicáveis, quantas mil vidas antigas convergindo em momentos únicos, quantos mistérios, sonhos escondidos, desejos inexplicáveis, quantas maravilhosas descobertas, quantas mil vidas suspensas à espera de serem vividas.

Não serão quatro caminhos mas muitos mais, e todos, um dia, parecem convergir e tudo parece desenhar-se de forma perfeita, estranhamente perfeita. E nós no centro dos misteriosos mundos que convergem.

[E há tantos exemplos de encontros inesperados e tão perfeitos. Esta Gota de Água é um exemplo disso]





E surgem então palavras que parecem ter asas, palavras que escavam taças que recolhem outras palavras e as palavras falam de dor e de alegria, mas talvez sejam apenas sonhos, talvez pequenos milagres. E, sem que o consigamos perceber, tudo parece fazer sentido. 

Um olhar, um sorriso, uma proximidade, tudo tão inexplicável, tudo tão imprevisto, tão efémero. São palavras. São gestos inocentes. São  histórias.

Mas eu esqueço as palavras, esqueço. Habituo-me a esquecer. O que esqueço não existe. Só me interessa o que ainda não descobri, as palavras que vou ouvir, o que vou receber de oferenda: rosas azuis que são uma toada inventada que me leva nos braços, o olhar insubmisso de um tigre que nunca será visto, o livro ou o pensador de que nunca ouvi falar, um abraço que um dia se pressentiu, a voz baixa de um poema dito em surdina, uma igreja alucinada ou outra douradamente alumiada, uma sombra de que ainda ninguém falou, uma litania longínqua, um sorriso que apenas um certo espelho conhece.

Labirintos, espelhos, palavras ditas depois de alguém as ter dito iguais, incompreensões que se tornam irrelevantes, para quê perceber tudo quando o mundo é o lugar de todos os mistérios?, a vontade de que a magia não se dissolva, de que as nuvens tão suaves não se dissolvam. Quero ouvir falar de mosteiros, de caminhos, de acordes, de cânticos, de cantos, de poemas, de acordes infinitos, de corações que estremecem. E eu rio. Rio. Eu feita de mil rios que se juntam dentro do meu peito, rio, rio. Não sei de nada, não quero saber de nada, quero apenas continuar a sentir a inocência que vive dentro de mim, quero apenas continuar a deslumbrar-me pelo que não compreendo.


Limites - por Jorge Luis Borges




Desvenda-se-me o pensamento como um manto que, devagar, se vai desdobrando. Mas parte do manto fica sempre nas pregas de dentro, invisível. Não chego a saber com o que se pareceria se visse a luz do dia. Mas talvez um dia, quando desdobrado de uma outra forma, eu veja essas partes e julgue que nunca antes as tinha visto. Não sei. Desconheço-me. Penso que sou de uma maneira e, embora saiba que há muito de mim que ainda nunca vi, julgo que as partes secretas não me serão completamente estranhas. Mas não sei. 

A parte de mim que desconheço é-me mostrada quando ouço nomes de que nunca ouvi falar, conjugações inesperadas de palavras ou pontos de luz: poemas, nomes de lugares, músicas, nomes de pinturas, misteriosas manchas de cor. Como se uma janela aberta sobre uma paisagem completamente nova se abrisse diante de mim e, ao fundo, um espelho com a minha imagem rodeada de mil coisas desconhecidas. Olha, abre os olhos, vê como é longínquo o horizonte e como, até lá, é vasto e diverso o mundo – é como se eu escutasse. E olho, vejo mil tons de muitas cores, mil acordes de muitas músicas, mil perfumes por inventar, mil carícias por sonhar, mil palavras infinitamente conjugadas. Extasiada vejo o muito que tenho para ver e é ao ver-me assim, inexperiente, inocente, que me descubro nas pregas do tempo que ainda não vivi.




Ventos silvando na noite, ariscos lobos, serranias e sons encantatórios, pássaros transparentes de infinitas asas, sonhos. E depois surgirá, branca e limpa, a luz.

Abro a janela à manhã que me traz um dia novo com um tempo que pertence ao futuro. O rio, o mar, o azul que me lava o olhar, as palavras, as palavras. 

E a vossa respiração aí lendo estas palavras estranhas que vos escrevo. Onde o sentido? Onde a razão? Compreendem o que vos digo? Sabem porque as escrevo? Tomá-las-ão nas vossas mãos? Ficarão algumas na vossa memória? 

Eu esqueço-me do que escrevo. Não sei porque escrevem as minhas mãos palavras tão desprendidas da minha vida, palavras que nem sei se são minhas. Talvez sejam apenas palavras que se desprendem de um espelho. Pétalas de uma rosa feita de mar azul. Não sei. Nem quero saber.



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E agora vou dormir. Já estou a dormir.

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[Estou já incapaz de incluir a 'ficha técnica' das imagens e vídeos aqui incluídos]. 

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Não é que me pareça adequado mas permitam que vos relembre que, no post abaixo, o registo é outro: a entrevista do PPC, o Tiro-ao-lado-Aguiar, a TVI que se anda a portar descabeladamente, etc.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela quarta-feira.

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