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segunda-feira, março 31, 2025

A importância dos trabalhos manuais

 

Gostei de ver o vídeo que aqui partilho. Aliás, gosto sempre de ver os vídeos deste médico. Neste caso ele aborda um tema que, para mim, sempre foi caro: a importância dos trabalhos manuais. 

Aliás, não por acaso, o algoritmo do Instagram já me topou e passa a vida a mostrar-me cabeleireiros a fazer cortes de cabelo que me dão vontade de sair por aí a arranjar gente que me deixe cortar-lhe o cabelo, gente a fazer bolos ou cozinhados, gente a fazer pinturas, arranjos florais, dobragens, arranjos de móveis, até a dobrar roupa de forma a optimizar o espaço dentro de malas de viagem. Se antes me apareciam influencers a fazerem unboxing de livros (tenho aprendido algumas terminologias...) , coisa que me deixava possuída e cheia de vontade de os imitar fazendo vídeos malucos, ou a maquilharem-se ou a mostrarem outfits (e, justamente, este domingo fiz uma reel * -- ah, termozinhos mais fofos... -- a parodiar essa de me mostrar a realizar a minha rotina não de skincare mas de maquilhagem) agora já fez a agulha para actividades mais concretas. 

No vídeo abaixo, o médico não inclui a escrita como um hobby de trabalhos manuais mas eu acho que é. Posso até garantir que, por vezes, os meus dedos tomam as rédeas do processo e escrevem sem que a cabeça saiba o que eles estão para ali a sapatear no teclado. Escrever também me activa, também me concentra, também me desliga das maçadas de que o mundo está a deitar por fora.

De qualquer forma, de tudo o resto que ele fala, eu sinto um apelo grande para fazer. Por exemplo, ultimamente ando com vontade de fazer um poncho de crochet todo às cores, incluindo com fios com brilhantes coloridos. Danadinha. Danadinha para fazer uma piece of art.

Por vezes penso que um dia destes ainda vou ter que me render e voltar a organizar-me através de agenda, como quando trabalhava e tinha a agenda sempre enervantemente cheia, só que para fazer assim: das 15 às 16, crochet, das 16 às 17, tapete de arraiolos, das 17 às 18, pintar, das 18 às 19 caminhada, das 19 às 20 fazer o jantar, ver os mails, o blog, fazer os telefonemas à família, etc. A escrita, provavelmente, ficaria para o slot (ah... a falta de saudades que eu tenho de quando me andavam a perguntar qual o slot que eu tinha disponível) das 23 às 2 do dia seguinte. A manhã ficaria para a caminhada da manhã e para o ginásio três vezes por semana e, no intervalo, para algumas compras, lavagens de roupa, arrumações e afins.

É que, se não for assim, ou seja, se não começo a organizar-me, vou deixando mil coisas para trás. 

Mas, enfim, isto para dizer que mil vezes mais andar entretida com coisas concretas do que perder tempo a 'conhecer-me melhor', a reflectir sobre as coisas da vida, a olhar para ontem ou a pensar na morte da bezerra. Não quero com isto dizer que quem o faça seja mais infeliz que eu. Quero é dizer que esta forma de usar o tempo que a vida tem concedido a graça de colocar à minha disposição me traz bem estar, motivação, alegria. 

E, pelo que o Dr. Drauzio Varella diz, faz bem ao corpo e à alma. Portanto, assim seja. Valeu.

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* Se soubesse colocaria o link para a story acima referida, o vídeo que coloquei no instagram a mostrar como me maquilho. Mas não sei. Ainda não sei bem manusear aquilo. Para os posts ou feeds ou lá como se chama aquilo, sei como partilhar o link. Para a story não sei. Para se ver, carrega-se na fotografia do perfil. Mas creio que quando coloco uma story nova, a anterior vai à vida. Mas, pronto, se tiverem curiosidade vão até lá e experimentem. Quando enviei o vídeo para a minha filha ver protestou... Aliás, começou por me enviar uma mensagem a dizer medooooooo.... Os meus netos, a quem ela mostrou, também ficaram chocados. Ao telefone fartaram-se de protestar. Não compreendo a reacção. Eu gostei de fazer. E estou a fazer e já com ideias para fazer outros ainda mais sui generis. E o meu marido, quando lhe mostrei, riu-se. E, no fim, concluiu o que sempre conclui: 'Só te dá para coisas dessas, maluquices...'. Mas vi que estava divertido. 

Enfim. Cada um faz o que pode. Um dia faria obras mais apuradas.

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Adiante. 

A importância de ter hobbies e fazer trabalhos manuais

Hoje, a tecnologia resolve tanta coisa para a gente que esquecemos de usar a mente. Com isso, o cérebro deixa de ser estimulado, o que pode levar ao declínio cognitivo.

As atividades manuais são ótimas não só para exercitar a mente, mas também para reduzir o estresse, aumentar a sensação de bem-estar e ajudar na prevenção de doenças neurodegenerativas.

Neste vídeo, Drauzio fala sobre a importância dessas atividades.


quarta-feira, março 19, 2025

De facto, nunca se sabe...

 

Quando vejo o que já fiz fico espantada. 

Lembro-me sempre de quando um colega de trabalho veio a minha casa. Quando apontei as carpetes de Arraiolos (por exemplo, esta aqui ao lado) e disse que tinha sido eu a fazê-las, ele ficou espantado. Na brincadeira disse: 'Mas como? Quando vou ao seu gabinete, nunca a vi a fazer...'. Na realidade, chegando a casa sempre bastante tarde, tendo filhos, tendo jantar a fazer, levantando-me sempre cedo, como conseguia eu fazer aquelas grandes carpetes apenas à noite ou ao fim de semana, sendo que, ao fim de semana, íamos para o campo com toda a demorada logística que isso acarretava, lá andava nas jardinagens e noutras actividades, como conseguia...? E, no entanto, conseguia. Adorava fazer. E bordava a um ritmo impressionante.

Hoje fotografei duas colchas de crochet, uma das quais feita por mim (a que está aqui abaixo). Em que momento a consegui fazer, tão grande? Creio que a fiz ainda solteira. Ora, como se, durante a semana, estava por minha conta e muito longe de crochets, e se, ao fim de semana, tinha o meu namorado lá em casa? Custa-me a perceber. Mas a verdade é que a fiz.

Da mesma maneira quando vejo as dezenas, dezenas, muitas, muitas, telas que pintei. Como? Como consegui eu pintar tudo aquilo?

Talvez seja o mesmo espanto com que fico quando me ponho a seleccionar ou a tentar organizar textos que escrevi aqui (e no Ginjal & Lisboa, a love affair). Não sei como consegui escrever tanto, em especial quando a maior parte foi escrita estando eu a trabalhar de sol a sol, carregada de trabalho até à ponta dos cabelos. 

Olho para trás, para todas estas fases e espanto-me como se não fosse eu. Na verdade, não me lembro de qualquer esforço, nem tenho ideia de que fosse grande feito. Apenas sei que o fazia com prazer. E, em qualquer dos casos, apenas deixei de fazê-lo por não ter onde pôr o que fizesse, se continuasse a produzir. 

E não estou a falar de tudo, pois, por exemplo, também houve a fase do tricot. Fiz camisolas, casacos, até que chegou a Zara com malhas giríssimas e a bom preço e já não fazia sentido usar as minhas peças.

Mas o que, nisto, para mim é mais espantoso não é nada do que falei: o mais espantoso é que, durante todos esses anos, a minha actividade principal não teve nada a ver com nada disto. Era uma executiva, creio que bem sucedida, exigente, creio que uma boa profissional. Contudo, olho para trás e parece que pouco ficou. Do resto ficaram colchas, tapetes, pinturas. Mas das longas décadas de trabalho o que ficou foram memórias que com o tempo se esbaterão pois parece que tudo aquilo só fazia sentido naquele contexto, naquele tempo. Saída desse contexto, o que vivi parece que pouco ou nada interessa, nem a mim nem a ninguém.

De facto, nunca se sabe o que fica daquilo que é a nossa vida. 

Estou agora numa outra fase. 

Hoje fomos almoçar a um restaurante naquela zona da cidade de que tanto gosto, Alvalade. Felizmente arranjámos facilmente estacionamento e felizmente fomos muito bem servidos. E aproveitámos para passear e ver o pequeno comércio tradicional, de que tanto gosto. Mas o ruído da cidade, o trânsito, isso já nos incomoda um bocado. Parece que estamos melhor no nosso sossego, nas nossas insignificantes tarefas domésticas, respirando o ar puro, jardinando, cozinhando, passeando com o nosso cão. 

Aqueles tempos exigentes do traçado dos objectivos, das sempre difíceis avaliações, dos projectos complexos, das fusões de empresas, das grandes reorganizações, na negociação de grandes contratos internacionais, parecem coisas meio difusas das quais não sobrou prova, pelo menos nada que possa pôr no chão, numa parede, numa cama.

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Mountain Girl 

- Documentary Short Film

Award-winning (Silver Telly 2024 - Documentary Under 40 Minutes) inspiring mini-documentary about aging gracefully and overcoming the obstacles in life with an 80-year old retired fashion model (Vogue, Bazaar) and a star of a cult classic film "Manos: The Hands of Fate" (as Diane Mahree). 


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Dias felizes

domingo, agosto 04, 2024

De onde vêm as fibras mais caras do mundo?

 

Em tempos visitei fábricas em que se produziam fibras sintéticas. Perceber o processo produtivo desde a entrada das matérias primas (derivadas do petróleo) até à saída de fibras macias e coloridas pode ser surpreendente.

Acompanhar o controlo de qualidade e ver o que acontece ao que é rejeitado bem como ver o que acontece aos resíduos líquidos, carregados de químicos, é outra surpresa. Lembro-me de uma grande fábrica fora de Portugal, uma que era considerada um modelo de eficiência e sustentabilidade, e de vir de lá com os cabelos em pé o que me valeu alguns dissabores digamos que diplomáticos.

Outros tempos.

Muitas vezes ignoramos completamente como é feito aquilo que usamos. E, pensando bem, se calhar é melhor assim. Há situações em que a ignorância não nos faz perder nada. Seja como for, é bom que, pelo menos, se saiba que, antes do produto acabado chegar às nossas mãos, muitas vezes há um longo processo produtivo que dá trabalho, e sustento, a muitas famílias.

Mas hoje, aqui, não trago processos industrializados, ou, pelo menos, fortemente automatizados. Trago as origens e o processo seguido desde a origem, seja no mundo animal seja no vegetal, até que algumas das fibras mais caras do mundo cheguem até nós. E se as fibras sintéticas, em que há feroz concorrência, tendem a ter preços baixos, já as fibras naturais podem chegar a preços verdadeiramente exorbitantes apenas ao alcance dos poucos que podem pagar produtos de luxo.

How The World's Most Expensive Fibers Are Made | Insider Art

Communities around the world rely on harvesting some of the rarest known fibers to make a living. But for most, it's not an easy task. Fragile fibers like lotus silk and vicuña wool are so rare that they can cost more than gold. Here's how some of the world's most expensive fabrics — like French Leavers lace, Icelandic eiderdown, and cashmere from Himalayan goats — are made.


Desejo-vos um feliz dia de domingo

domingo, julho 07, 2024

Uma solução simples para um problema complexo:
as avozinhas estão a salvar Espanha da onda de calor

 

Quando fomos à Expo de Sevilha, já lá vão uns duzentos anos, estava um calor de ananases mas eles, os da organização, atenuavam-no borrifando os espaços ao ar livre e criando áreas de sombra. Soluções simples para resolver problemas chatos.

Por acaso, não vem agora ao caso, mas guardo gratas memórias dessa Expo. Fomos em grupo, vários amigos com os respectivos filhos e gostámos imenso.

Em ponto pequeno, ou melhor, em pontinho mini-minúsculo, refiro o meu jardim. Quando fazemos as nossas caminhadas, debaixo de uma caloraça, mal transpomos o portão sentimos logo o frescor. Uns graus a menos. E já desbastámos bastante a cerejeira japonesa e a outra de que não sei o nome bem como o loendro para ver se a relva consegue minimamente sobreviver. Mas, mesmo assim, mesmo desbastadas, as árvores refrescam extraordinariamente o ambiente. É como no campo. Quando não havia árvores, não se conseguia andar por lá pois não havia onde nos abrigarmos do sol. Agora há sombras que é uma maravilha. E, quando está vento, o arvoredo faz um som que mais parece o mar. 

Na sexta-feira, esteve muito calor. Estávamos na sala com a portada de vidro aberta e o cão deitado como ele gosta, meio dentro, meio fora, como se estivesse a guardar o redil. De repente, começou a levantar-se um vento e um frio que entrou por ali adentro e nos refrescou a casa, coisa mais boa.

Mas o trabalho que estas senhoras aqui do vídeo, em Espanha, estão em fazer parece-me um encanto: estão juntas, convivem, fazem uma coisa que é boa para a comunidade, embelezam a sua terra, dão um pouco de si. Acho uma maravilha. E refrescam as ruas.

Não é a solução para os calores insuportáveis que as alterações climáticas nos estão a trazer mas não vai haver 'a solução' milagrosa. Provavelmente vão existir milhões de soluções, umas a grande escala e outras a micro escala. E esta aqui é uma das micro-pequenas soluções mas que, em si, é virtuosa pois atinge vários objectivos.

How Grannies Are Saving Spain From a Heat Wave

Their colorful creations are making Alhaurín de la Torre an amazing destination for tourists and locals


E desejo-vos um belo dia de domingo

quarta-feira, junho 26, 2024

Borboletas, flores, pedrinhas, brilhozinhos

 

Sempre fui muito dada a trabalhos manuais como bordados, tricots, crochets. Escrever é apenas uma outra forma de ter as mãos ocupadas enquanto a cabeça vagueia. Quando vejo algumas artes que impliquem trabalho de mãos (se calhar todas implicam...) tenho sempre vontade de experimentar. O problema é que fico viciada, desato a produzir em larga escala e depois não tenho o que fazer às coisas.

Já pensei algumas vezes em meter-me nessas coisas dos instagrams e pôr as coisas que faço à venda, nem que seja só para perceber a adesão. Mas como não quero vender à candonga e não me estou a ver a meter-me em trapalhadas de registar actividade nas Finanças, a passar facturas, etc (senão, às tantas, ainda teria que ter contabilidade organizada), não faço nada. E, não querendo continuar a encher a cave de coisas, fico-me pela contemplação e pela imaginação.

Isto que hoje partilho é o tipo de coisa que me daria um gozo brutal a fazer, desde a procura de materiais à concepção, à execução. Mas, já viram, onde é que eu ia depois colocar quadros, caixas, jarrões? 

Uma pena.

Mas vejam. Eu acho uma maravilha, uma graça. 

Creating Masterpieces for Steve Jobs, Bill Gates and The Pope

South Korea, Yangpyeong-gun. Mother-of-pearl art with Kim Young-Jun and Gabe Sin - embark on a journey as they revive the ancient Korean art of Najeonchilgi. Kim, a former financier turned master craftsman, has created intricate mother-of-pearl masterpieces for icons like Steve Jobs, Bill Gates, and even designed a chair for the Pope. Alongside him is Gabe Sin, a visionary hairstylist who draws inspiration from these timeless designs, integrating them into elaborate creations showcased on the cover of Vogue. Discover how Kim and Gabe are redefining Korean art for the modern world, blending heritage with innovation in mesmerizing ways.


Dias felizes

sexta-feira, maio 24, 2024

Longos anos vão desde que o meu avô se entretinha a fazer empreita até ao apoio que a Hermès dá à arte do vime

 

Quando eu era pequena via muitas vezes o meu avô a escolher folhas ripadas, a estendê-las, a prepará-las para o trabalho. Creio que com canas fazia os moldes e depois ia entrançando em volta.

Leio que:

A empreita de palma consiste no entrançar de “tiras ripadas” da folha da palmeira-anã, em longas “fitas”, e é um dos elementos mais enraizados na cultura material algarvia. Era utilizada na realização de artefactos do quotidiano rural, no acondicionamento e transporte de bens e alimentos, em objetos para uso doméstico, nos trabalhos agrícolas, na pesca e em alguns objetos de uso pessoal.

(...) O modo de produção dominante pouco foi alterado ao longo dos anos. No início do processo, as folhas de palma são secas ao ar e depois ripadas pelas nervuras, resultando em “tiras” que variam de largura, em função do tipo de trabalho que se pretende. A “empreita” consiste na produção de longas “fitas” feitas a partir das tiras de folha entrançadas, de diversas larguras. Cada fita é arrumada em rolo à medida que é produzida, atingindo vários metros de comprimento. Tradicionalmente, as fitas são cosidas com “baracinha” ou “tamissa”, ou com tiras de palma, para dar a forma do objeto pretendido, criando um tecido contínuo com uma trama diagonal  (BRANCO; SIMÃO, 1997).

Não creio que o meu avô usasse ripas de palmeira-anã pois não tenho ideia de as haver por ali. Provavelmente usava algum sucedâneo. Mas quem sabe ele teria descoberto algumas dessas palmeiras. 

As cestinhas onde eram colocados os ovos das galinhas da sua capoeira ou as cestas das nêsperas ou das ameixas ou de outra fruta que apanhava nas suas árvores eram feitas por ele. Identicamente fez algumas alcofas úteis para transportar compras.

Quando eu era miúda, pedi-lhe que fizesse algumas para nós e sei que ele as fez, lembro-me de as ver em nossa casa, isto é, na casa em que eu vivia com os meus pais. Mas agora, quando lá andei a escolher e retirar coisas, não encontrei nenhuma. E tenho pena.

Também tenho pena de nunca ter fotografado o meu avô a fazê-las e de não lhe ter pedido que me ensinasse.

Gostava muito de assistir àquela sua arte mas creio que era a única, para além dele. A minha avó até se irritava pois preferia usar as suas taças de louça ou vidro e não aquelas, campestres, que transportavam a memória do Algarve. E os meus pais também não faziam questão. Provavelmente achavam-nas demasiado rústicas para a nossa casa.

Neste momento, as cestas de empreita feitas pelo meu avô só existem na minha memória. Com sorte existirão também na lembrança da minha prima.

Hoje, ao abrir o youtube, apareceu-me o vídeo abaixo. Gostei muito de ver. Fazer peças com as próprias mãos é, para mim, sempre muito especial pois uma parte de quem as faz fica ali.

Já agora, por curiosidade:

Hermès
Kelly Picnic handbag
(Very good condition)
Green, Wicker 77000 €
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Desvendando a arte do vime em Villaines-les-Rochers 

| Passos da Hermès em todo o mundo

Entre as ruas tranquilas e as casas de pedra de Villaines-les-Rochers, uma antiga vila na França, existe a tradição de trabalho em vime. Mãos hábeis tecem meticulosamente os finos ramos do salgueiro petite grisette, transformando-os em obras de arte. 

A arte do trabalho em vime é praticada desde o século VII em Villaines-les-Rochers e é perpetuada pelos cerca de cinquenta trabalhadores em vime e cesteiros da cooperativa local de vime criada em 1849. 

A Hermès, parceira desta estrutura há mais de quarenta anos, reforçou o seu compromisso ao longo do tempo, num espírito de criatividade constantemente renovada. Dos objetos domésticos, a colaboração estendeu-se à incorporação de bolsas e acessórios de moda, fomentando uma cultura de inovação e criatividade.

Ao promover estas competências excepcionais, novas vocações são inspiradas e o ofício continua vivo.


quinta-feira, fevereiro 15, 2024

Pedro Nuno Santos & André Ventura?
Com licença, vou antes falar de toalhas e de lençóis

 

Vou dizer a verdade: o dia foi produtivo. Para os great achievers o que eu consegui é menos que nada. Mas, para mim, agora que me comparo comigo na versão pessimista, foi um feito. Pensava que estava perante uma missão impossível e, afinal, está cumprida.

Reformulei o conteúdo das gavetas da escrivaninha que aqui tenho num recanto bem como o das gavetas de um móvel de meia altura que tenho na entrada. Claro que tive que dar destino ao que lá estava.

Agora tenho sete gavetões, sete, 7, sept, seven, com toalhas de mesa compactadas. 

Uma gaveta, uma senhora gaveta, tem só renda, toalhas rectangulares gigantes, rectangulares médias e redondas, todas em renda. 

Uma segunda tem híbridas: toalhas bordadas com rendas. Ou quadrados de renda, quadrados de tecido com bordado, ou bordadas com cercadura em renda. Ou outras combinações.

Outra tem toalhas de linho ou alinhadas. Ocupam espaço que se fartam. O tecido é encorpado para burro.

Outra tem quase só guardanapos. Tanto guardanapo, senhores. Uma loucura. Cada uma das toalhas bordadas ou de renda tem doze guardanapos similarmente decorados. Uma loucura. A minha mãe acharia esta arrumação um disparate, diria que os guardanapos, quais filhotes, têm que estar sob as saias da respectiva mãe-toalha. Mas não. Se é altamente improvável que eu dê uso àquelas obras de arte pois nem imagino a mão-de-obra necessária para as engomar, ainda mais é que use os guardanapos. Bem sei, bem sei, que não há nada como um belo guardanapo de pano. Compreendo. Concordo. Mas num restaurante. Aqui, de pano, só se forem de pano liso. Na maioria, quase totalidade das vezes, os guardanapos são de papel. Agora estar a pôr guardanapos bordados ou com rendas, só se receber uma rainha mas, ainda assim, só se for uma rainha a sério. E com o Goucha a acompanhar como comentador. Por menos que isso, não vão guardanapos de renda para a mesa.

Outra tem toalhas mais normais, mas em bom.

Outra toalhas mais banais, estampadas, ora estivais ora natalícias.

Enfim. Algumas gavetas tiveram que ser fechadas com o joelho. Que remédio. Já não tinha mais gavetas... O meu marido diz que não vou conseguir abri-las. Vou... 

Depois das toalhas passei para o castigo dos lençóis. Outra reformulação prévia, claro.

Desocupei a prateleira grande do roupeiro grande do corredor dos quartos. Tive que arranjar espaço para o que de lá tirei, como é óbvio. Tudo isto é um puzzlezinho de fazer queimar os neurónios a uma santa.

Os meus bordados e arrendados (arrendados de carregadinhos de rendinhas, não arrendados do programa mais-habitação) transitaram também lá para cima. Portanto agora tenho carradas de lençóis do mais artístico e elaborado que se possa imaginar. Os meus, os da minha mãe e não garanto que não também os das minhas avós. Lindos. A sério. Nunca usados. 

Depois há uma pilha, igualmente numerosa, de lençóis lisos, ditos 'de baixo'. Claro que uns são de linho para emparelharem com os correspondentes bordados ou cheios de rendas, outros de algodão, uns têm ajour no remate e etc, ou seja, a combinação não deverá ser aleatória. Mas algumas vez irão ser usados...? Muitas dúvidas.

Depois descobri umas peças não identificadas. Um formato incompreensível, nem lençol nem toalha de mesa, um algodão branco mais fino, uma renda imensa, bordados maravilhosos. Depois vi que cada um tinha duas letras bordadas. A inicial do nome da minha avó materna e a do meu avô. Depois de pensar, concluí que deveriam ser toalhas de casa de banho, quiçá as maiores a fazer a função de toalhão. Não sei. São obras de uma delicadeza e beleza extraordinárias. Deviam estar em vitrinas, expostas. 

Há ainda um outro monte, uma pilha enorme: as fronhas. Identicamente umas bordadas, outras com rendas, umas de um tecido, outras de outro. Se um dia quiser preparar um leito a preceito, teremos que fazer uma caça ao tesouro para conseguir acasalar o de cima com o de baixo e com as respectivas fronhas.

Mas, com isto, a verdade é que o tema de conseguir arranjar espaço para o que me parecia impossível de concretizar está resolvido. Todas as peças feitas com tanto carinho, tanto trabalho, tantas e tantas horas de um minucioso trabalho manual, amoroso, atento, estão guardadas, preservadas. 

Claro que imagino o pesadelo que será quando outros que não eu tiverem que resolver o que fazer a tantas relíquias... Mas, enfim, com sorte já cá não estarei para assistir a isso. 

Tirando isso o dia teve de tudo, Umas coisas menos boas e outras boas, incluindo visita a exposições, passeio à beira-rio e etc.

Conclusão: de debates só vi parte do último, o Pedro Nuno Santos em aceso duelo com o insuportável boçal-trauliteiro. Para dizer a verdade, tive alguma dificuldade em manter-me atenta pois tudo naquele arruaceiro fere a minha sensibilidade: o que diz, a forma como diz, a forma como se comporta, tudo. É um desordeiro, um perigo, uma pessoa sem princípios, sem pudor, sem vergonha.

Prazer tenho em ouvir (e ver) o Paixão Martins. Não há nada como uma pessoa inteligente, com sentido de humor, sem medo. Foi uma boa ideia a CNN tê-lo contratado para comentar os debates. 

Por isso, tirando o Paixão Martins e o fofo Raimundo, naturalmente por motivos diametralmente opostos, pouco mais prende a minha atenção nesta cegada dos debates a contra-relógio que, segundo as questões que os moderadores lançam, parece que têm como único propósito discutir os temas engendrados pelo Ventura. Não há pachorra. 

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E queiram descer até onde se revela o que Paulo Raimundo faria em caso de acidente nuclear.

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Desejo-vos um dia feliz

Saúde. Força nisso. Paz.

sexta-feira, janeiro 19, 2024

Coisas e loisas

 

O meu marido de vez em quando vinha dizer-me que, na cave, ainda há sacos com coisas que vieram da outra casa e que ficaram para arrumar quando eu tivesse tempo. Era aquele tipo de coisas que, na altura, não sabia bem onde pôr talvez porque eram de utilização dúbia.

E o tempo foi passando e a vontade para abrir os sacos, ver o que lá está dentro, decidir o que fazer, não apareceu.

Primeiro era porque estava a trabalhar, tinha mais que fazer. Depois deixei de trabalhar e ainda tive menos tempo livre.

E o meu marido sempre a picar. Para ele parecia-lhe inconcebível que havendo aquilo por fazer eu não me importasse e fosse deixando estar. 

Então, resolveu ele deitar mãos à obra. Só que descobre coisas que ou não sabe o que são ou não sabe o que lhes fazer nem onde guardar. 

Eu sei o que são mas também não sei o que lhes fazer. 

Por exemplo, termos. Um para líquidos, outro para sólidos. Ou uma caixa tabuleiro em madeira com uma grelha também de madeira que acho que é para cortar o pão, se calhar para as migalhas caírem para o tabuleiro. Ou um rechaud. Coisas assim. Coisas que na altura devem ter tido uma justificação mas que depois caíram em desuso. Por acaso o rechaud até teria dado jeito no outro dia. Puxei pela cabeça para tentar perceber onde estaria até que deduzi que lhe tinha perdido o rumo. Afinal apareceu. 

Poderia guardar na cozinha se os armários não estivessem cheios ou se a despensa não estivesse identicamente repleta. E pior que isso. Nesta cozinha, num dos lados, o armário de cima vai até ao tecto. Mesmo que me ponha em cima daquele banquinho desdobrável do ikea, não chego lá. Ou seja, não faço ideia de que é que o meu marido para lá encafuou. 

Trouxe as coisas para cima e depois deixei de vê-las. Devem ter ido fazer companhia às coisas lá de cima.

Veio também dizer que havia uma coisa que não sabia o que era e que estava toda cheia de bolor. Fui ver. Uma toalha de mesa de renda, grande, rectangular, feita por mim. Não com bolor mas com ferrugem. O tempo que levei a fazer aquela toalha... Rosetas e rosetas de crochet em linha branca. E nunca mais a usei e nunca mais de tal me tinha lembrado. E o espaço que aquilo ocupa. As gavetas já estão cheias. Agora, ainda por cima, tenho que ver como se tiram as manchas de ferrugem. Ainda mais essa.

Quando lá fui ver a toalha vi uns jogos turcos de toalhas de casa de banho, ainda na embalagem. Houve uma altura em que a minha avó materna me levava turcos e mais turcos, coisas para o enxoval. Também não sei onde pôr. Mas custa-me desfazer deles tendo sido presente da minha avó.

Outra coisa que lá estavam eram lençóis bordados, outros com grandes rendas. O trabalho que deram. A minha avó materna e a minha mãe faziam rendas enormes, numa linha finíssima. Depois contratavam uma senhora que fazia bordados e que pregava as rendas. Obras de arte. Nunca usadas. Onde é que eu ia pôr lençóis daqueles na cama? Não dariam jeito nenhum. Nem podem ser usados sem ser passados a ferro. Os que uso são muito maiores do que aqueles, as camas agora são bem maiores, e não precisam de ser passados a ferro. Portanto, onde é que os ponho aquelas peças de arte? 

Tralha, tralha, tralha. Na prática é o que tudo aquilo é.

E já sei que mesmo que queira impingi-los aos meus filhos, não vão nessa. Têm as coisas deles, não querem coisas que nada têm a ver com o seu gosto e com o seu estilo de vida. E também não têm espaço. Compreendo-os. Fazem bem.

É um assunto que me incomoda: a quantidade de coisas que tenho cá em casa. Quando via alguns programas de reabilitação de casas nos Estados Unidos ficava admirada ao ver que as pessoas compram as casas mobiladas e, quando vendem as casas em que viviam, vendem-nas mobiladas. É mais fácil do que andar com a tralha atrás.

Nestas alturas lembro-me do meu amigo que morava num andar em que ele e a mulher tinham comprado o direito e o esquerdo e feito obras para unir. Ficou um mega-mega-apartamento. Segundo ele dizia, carregado de toda a espécie de tralha. Não conheci essa casa, só a casa que tinham no campo. Aí, era uma moradia grande. Ela era o cúmulo da vitalidade, de entusiasmo, e isso abarcava também a sua actividade de decoradora. Andava por antiquários e lojas de velharias e arranjava peças fantásticas. Carradas de coisas fantásticas. Carradas. Em Lisboa devia ser a mesma coisa. E por cima do giga-apartamento deles, de um dos lados, morava a sogra. Quando a sogra morreu, a casa ficou para eles. A senhora tinha um belo apartamento requintadamente mobilado. Ele estava doido com tanta tralha. Dizia que só tinha vontade de comprar um apartamento minúsculo no Chiado e mudar-se para lá, deixando tudo para trás, tudo.

Eu também acho que uma bela coisa poderia ser mudar-me para a casa quase vazia, a casa dos sonhos do meu marido. E esta ficava como casa-museu. Quando os meus netos, bisnetos e trinetos quisessem descobrir raridades do passado, vinham até cá.


Mas, enfim, também não é caso para lágrimas. 

Caso para lágrimas é ver como jovens estudantes, gente supostamente não totalmente burra, adere ao Ventura. Não consigo perceber se é mérito do Ventura, que é capaz de ser perigosamente inteligente, ou se é demérito da malta que se deixou enredar nas conversas muito elaboradas do aparelhismo partidário e se mostra demasiado instalada, afastando a malta que é jovem e rebelde, ou se é uma idiossincrasia desta juventude que parece alienada e não aprendeu a dar valor à democracia e à liberdade. Uma tristeza e uma preocupação.

Mas é o que é. Face a isso, saibamos agir com inteligência. E bola para a frente.


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Um dia bom

Saúde. Boa sorte. Paz.

quinta-feira, janeiro 26, 2023

Tal e qual

 

Um bordado que poderia ter sido imaginado e feito por mim. 

(Se a minha língua nativa fosse o inglês, bem entendido).

E se não perceberem onde quero chegar, não tenho nada a ver com isso. O mais que poderia dizer seria isto:

Isto se fosse eu a bordadeira, claro

domingo, dezembro 11, 2022

Há vários caminhos e só me apetece ir pelo mais desconhecido

 


Não faço ideia como funcionam as vendas online em regime doméstico (ie, não empresarial). Como não frequento facebooks ou instagrams não estou habituada a ver como é que as coisas se processam. De vez em quando ouço falar em alguém que começa a divulgar coisinhas que faz e que, pouco depois, já não dá mãos a medir. Não sei se abrem actividade nas Finanças, se têm contabilidade, se emitem factura, se há mecanismos de devoluções, etc. Estou habituada a processos certificados e auditados em grandes empresas e padeço de total iliteracia quanto a processos caseiros. E também não consigo meter-me numa situação sem ter a certeza que estou a fazer as coisas como deve ser.

Digo isto porque tenho bibelots que vieram da outra casa e que aqui não tiveram cabimento, tenho quadros e posso vir a ter coisas que me dê na cabeça produzir. 

Nem sei como se divulga uma coisa assim. 

Em paralelo com actividades mais absorventes, podia fazer uma coisa que não me desse muito trabalho, como fotografar uma peça, colocar num site. Mas também não sei como atribuir um preço, como garantir que enviava a coisa e que depois me pagavam, etc. como me manter em dia a nível fiscal. Ignorância total. 

Claro que vou tendo ideias mas, como me falta tempo e conhecimento, ficam em carteira para um dia. Mas é esse absoluto desconhecimento que me atrai. Ir aprender, fazer as coisas de raiz num território totalmente estrangeiro para mim. Foi como quando comecei o blog. Desconhecia tudo o que se relacionava com a blogosfera, outros blogues, técnicas. Mas desconhecia ao nível mais básico: como se fazia, como se inseriam imagens, como se inseriam vídeos, como tudo. E o prazer da descoberta, o perceber que devagarinho as pessoas iam descobrindo o que eu fazia, a quantidade de pessoas que fui conhecendo e que de outra forma jamais conheceria, toda essa descoberta foi (e ainda é) fascinante. 

Quando penso em actividades que posso desenvolver um dia que deixe de trabalhar tenho muito claro que quero fechar completamente a porta a tudo o que tenha minimamente a ver com a minha actual actividade profissional.  Anseio pelo tempo em que posso limitar-me a ser um espírito livre, sem compromissos, sem horários, sem fazer fretes ou sacrificar um milímetro da minha liberdade de movimentos, sem ter que aturar quem não faz o meu género. Anseio também pelo tempo em que possa começar a desbravar novos terrenos, a ir à procura de quem esteja disponível para me ensinar.

Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.


The Road not Taken by Robert Frost (read by Tom O'Bedlam)

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Enquanto escrevia isto, o dog de guarda, que dormia profundamente, desatou a ladrar.  Fui ver o que se passava. Sentado, a olhar para a porta, depois para outra porta. Fui ver. Chove de novo a cântaros. Acordou com a intensidade da chuva. Esperemos que não haja problemas como no outro dia. Para quem vive na rua, em casas frágeis ou situadas em zonas de cheias isto deve ser um susto.

Seja como for, e sem querer imitar o outro senhor que disse para a gente intervalar na preocupação pelos direitos humanos, tenho que confessar que gosto de estar aqui à noite, sozinha, a ouvir música... e a ouvir a força da chuva.

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E, pelo meio, vou vendo estes vídeos que me descansam a cabeça e me dão algumas ideias

(Tem legendada mas o português não é de primeira água, vou já avisando)

Parisienne's home tour/Family of three, artist-ceramic artist, full of unique style/ France vlog


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As pinturas são de Gerhard Richter ao som de uma canção de embalar (lobos)

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Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde. Força. Paz.

segunda-feira, novembro 07, 2022

Luzinhas, ternurinhas, caderninhos, coisinhas de casa.
E, a seguir, big little lies

 



Ontem deu-me para beber à noite um chá de uma misturada qualquer que para ali tenho e de cuja marca ou composição agora não me lembro. Tem um sabor bom, exótico. Só que me tirou o sono e, claro, também tive que me levantar duas vezes para ir à casa de banho. É que, ainda por cima, quando bebo chá, como gosto muito, bebo canecas cheias e, portanto, já estão a ver. 

Acho que só adormeci já perto de amanhecer. Portanto, desforrei-me e deixei-me ficar a dormir até mais tarde. Acordei com o urso cabeludo a dar-me beijinhos na mão. Tenho impressão que, quando durmo até mais tarde, pelo sim, pelo não, ele gosta de conferir se estou viva. Mal acordo, fica descansado e pára com as lambidelas. O meu marido já estava levantado certamente há séculos e devia andar nas dele, tendo deixado a porta do quarto aberta. 

O nosso dia foi calmíssimo. Longa e boa caminhada antes de almoço. Almocinho bom, simples.

Depois de almoço, estive a ver o Little big lies. O meu filho tinha-me aconselhado mas eu andava na Netflix, numa de The good doctor. Mas agora voltei à HBO e, de facto, é uma série tramada. Faz-me lembrar um bocado a onda do Twin Peaks. Para os mais novos, o Twin Peaks pouco ou nada deve dizer mas, na altura, deu que falar. Num lugar pacífico, tranquilíssimo, bucólico, onde nada acontecia e onde todos eram amigos, após a descoberta do corpo de Laura Palmer, aos poucos vai-se percebendo que, sob a fina capa das aparências, a inquietação vivia latente, sempre pronta a manifestar-se. A música era parte do ambiente de suspense, as cores e o excelente trabalho de David Lynch faziam o resto.

O Big little lies é um pouco assim. Num lugar de famílias ricas, casas fantásticas à beira mar, onde a escola e as actividades a ela associadas são um importante elo de ligação entre as famílias, aos poucos vamos descobrindo que sob a pele das mulheres elegantes e sorridentes e sob a pele dos respectivos maridos há mais do que o que aparece à superfície. A inquietação é crescente. Não há grandes acontecimentos, apenas pequenas mentiras, uma ou outra omissão, insignificantes encobrimentos. E o enredo vai avançando sobre essa mistura de acasos e opções que, na vida real, também desenha os destinos da gente. 

A banda sonora também é qualquer coisa. A música lá em cima, The wonder of you, faz parte do episódio em que há uma festa temática, eles de Elvis, elas de Audrey Hepburn, e em que o Ed, o marido de Madeline (fantástica Reese Witherspoon), protagoniza um momento em que se sente, quase fisicamente, que a desgraça está para acontecer. 

Há um crime, sabemos desde o início, mas não sabemos bem quem morreu. Mas vamos percebendo que qualquer um pode vir a ter um fim triste e que qualquer um pode ter estado envolvido no homicídio.

E há, a par disso, o extraordinário elenco de actores, nomeadamente de actrizes. Excelentes desempenhos. Citei Reese Witherspoon mas são todos incríveis.

[A grande arte da representação vai-se desviando do grande ecrã para o streaming. A evolução acontece muitas vezes (ou quase sempre) de forma inesperada, disruptiva.]

A seguir chegou parte da tribo. Chegam ruidosamente. Tocam à campainha mas os meninos fazem-se logo ouvir e a ferinha cabeluda salta de alegria e abala a correr para ir fazer-lhes a festa ao portão, saltos no ar, abracinhos, beijinhos. E eu vou atrás e só por decoro não me manifesto com idêntica exuberância.

Ontem tínhamos estado com a outra parte da tribo. Entre jogos de futebol, dois num clube, outro noutro, estudo para testes já para quatro deles, festas de anos, e, para ajudar à festa, as viroses que apanham nas escolas, nem sempre conseguimos fazer o pleno. 

Claro que, em especial os miúdos, preferem quando estão juntos. Mas é sempre bom, sempre.

Hoje, enquanto uns jogavam futebol, a minha menina quis vir ver onde estavam as bolas grandes de Natal. Não me lembrava, pensava que estavam nos baús que estão numa arrecadação que temos num compartimento do sótão. Mas não, devem estar nos baús que estão na garagem. Mas ela não se desmoralizou. Nessa arrecadação há uma zona que, nos tempos dos anteriores proprietários, era usada como a sua biblioteca particular. O senhor levou os livros, claro, mas deixou ficar todas as estantes pois tinham sido montadas à medida. É aí que arrumo todas as carteiras, malas, malinhas e malões, sacos, mochilas, necessaires. Uma maravilha para mim que sempre tinha desejado tê-las bem arrumadas, tudo bem à vista e bem organizado. E uma tentação para ela. Resolveu pôr-se a abrir as mais pequeninas, as que eu usava em casamentos, cocktails, alguns eventos que requeriam coisa mais artilhada. A ideia, disse-me ela, era ver se descobria alguma coisa imprevista. Diz que gosta sempre de ver pois descobre sempre qualquer coisa. Descobriu moedas, papelinhos e descobriu um caderninho muito bonito que, em tempos, pensei usar como diário. Foi nos tempos pré-blog. Subtraí-lho pois não sei o que para lá estará. Por vezes tenho pensamentos impróprios para consumo. Mas prometi-lhe que vou reler e, se for, coisa capaz, a deixo ler. De resto, do que rapidamente folheei, parece que não deve ser mais do que meia dúzia de folhas escritas. Deve ter acontecido o mesmo de sempre: tudo o que entra nas minhas carteiras parece que se perde para todo o sempre. Mudo de malinha e lá ficam as coisas. Se volto a usar ou mudo o que lá está dentro para qualquer outra ou deixo ficar mas parece que o conteúdo se funde entre si. Por isso, fiquei tão surpreendida como ela quando ele lindo caderninho saiu à cena.

Entretanto, no outro dia comprei no supermercado uma grinalda de luzinhas pequeninas, que funciona a pilhas, e que na embalagem a mostrava dentro de uma taça de vidro. Hoje coloquei-a dentro de um copo grande e coloquei-o na mesa cá de fora. A minha menina deve ter achado que estava a modos que um bocado pobrezinho e foi lá dentro buscar uma espécie de taça baixa em aço brilhante e, então, em cima o dito copo. Ficou melhor, as luzinhas reflectiam-se na taça. Bonito. As luzinhas assim fazem sempre um ambiente acolhedor.

Para o lanche quiseram, e assim foi feito, sandes em pão de rio maior, quentinho, com tomate, queijo de cabra, brie e um fio de azeite. Em duas das sandes, também orégãos. Depois, para quem quis, diospiro às rodelas polvilhadas com canela e regadas com um fio de mel.


E, agora, ao chegar aqui, liguei-me no Youtube e ele, sabendo que sou dada a casas, a ambientes de aconchego e de afecto, apresentou-me o vídeo abaixo, muito bonito, com várias belas peças de artesanato, daquelas que me dão vontade de me atirar à obra.

Inside This Curator’s Bohemian L.A. Home Filled with Handcrafted Objects | Vogue

Step inside gallerist Alex Tieghi-Walker's avant-garde Los Angeles home in Vogue’s latest “Objects of Affection” video. As Alex walks around his property filled with handmade, one-of-a-kind objects, he regals us with the unique tales that make up the essence of these wonderful pieces. Watch as Alex discuses everything from his eye-popping ceramic cabinet to a handwoven Argentinian mountain hat that will forever reside in his bedroom.


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As imagens mostram partes das belas tapeçarias do criador Bernat Klein, um pintor e designer têxtil sérvio

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira
Saúde. Aconchego. Paz.

segunda-feira, setembro 12, 2022

Um domingo tranquilo na despedida do verão



Tenho a dizer que tive um domingo bem tranquilo. No sábado tinha ido sair com a minha mãe, demos um belo passeio ao sol, à beira rio, depois pela cidade e acabámos a lanchar numa esplanada.

Antes já tinha lavado a roupa, tinha arrumado a casa. Tempos houve em que a roupa transitava da máquina de lavar para a de secar. Desde que esta se avariou voltámos ao são hábito de secar a roupa ao ar, no estendal. Dá mais trabalho mas prefiro. 

Mas, portanto, o domingo nasceu sem compromissos. 

Dormi até que o sono me quis, tomei o pequeno almoço nas calminhas. Coisa boa.

Depois, caminhámos e estava um sol bem bom que quase me arrependi de não me ter protegido com o meu sprayzinho SPF 50.

Para o almoço, fiz legumes estufados ao de leve, qualquer coisa a meio caminho entre os simplesmente cozidos e os lightly guisados. Coisa soft. Em cima, escalfei dois ovos pois adoro ovos escalfados com o sabor do molho em que cozinham. Desta maneira os legumes ficaram não-binários, talvez na versão fluida. Ou seja, a ideia é que os legumes dessem quer para acompanhar o peixe do almoço quer carne amanhã. 

Ao lado, numa frigideira, em azeite alourei cebola às rodelas, dentes de alho (aos quais não tiro a casca), louro, uns pezinhos de perfumado alecrim. 

Quando estava tudo já bem lourinho, quase caramelizado, coloquei por cima lombos altos de atum. Por cima dos lombos deitei pedrinhas de sal e raspa da casca de uma lima. Depois, para reforçar, cortei a dita lima às rodelas e coloquei-as na frigideira. Virei os lombos para não ficarem passados. Douradinhos nas superfícies mas rosadinhos por dentro.  Nem sempre é fácil. Com medo que os lombos fiquem crus, frequentemente deixo-os passar do ponto. Mas, desta vez, interceptei-os a tempo. Ficaram au point.

Depois de almoço, estendi-me lá fora a ver se dormia. Mas deu-me vontade de procurar umas coisas na net e passou-me o sono. (Ando com umas ideias e, para não tentarem demover-me, fui procurar às escondidas).

Depois fomos passear para a zona nova da Expo. Ainda lhe chamo Expo porque me parece mais mignon que Parque das Nações. Prédios muito bonitos, todos iguais, uma disposição e uma dimensão equilibradas, bem pensadas. Toda aquela zona tem uma organização muito interessante, com parques infantis, máquinas de desporto, espreguiçadeiras de madeira à beira rio, passeios largos e jardins muito bonitos. 

A turma da minha filha já lá estava. Quando o urso felpudo os viu ficou doido de alegria. Salta para um, salta para outro, abraça um, abraça outro, uma euforia. É um extrovertido.

Na marina, vimos uma coisa que nos deixou cheios de ideias: casinhas-flutuantes. São casinhas e são barcos. Cada uma tem um terraço com zona de lounge, com bicicletas, e, em cima, um outro terraço com espreguiçadeira e cama de rede. Tem motores e volante. Os meninos, habituados a velejar, diziam que devia ter âncora e cabos (ou correntes?) e, perante a perspectiva dos avós saírem pelo rio sem estarem habituados às manobras marítimas, ofereceram-se para ir numa outra casinha para nos irem dando apoio. Mas escusam de se preocupar, não sou de me afoitar mar adentro. 

Se experimentasse era para me manter acostada, só para sentir a leve ondulação, para experimentar dormir sobre as águas e acordar envolta em maresia. Contento-me com pouco.

No regresso, fui ao supermercado fazer as compras da semana.

Para o jantar, comprei massa não de farinha de trigo mas de lentilhas. Trouxe também salmão fumado, bolinhas de mozzarela, salada de alfaces, coentros. O meu marido partiu ainda tostas aos bocadinhos lá para dentro. Croutons, pois então. Temperei a minha salada com molho de manga e lima, um molho que lá vi num frasquinho e que me pareceu que faria pendant com a salada que tinha em mente. O meu marido não vai nas minhas aventuras e temperou com azeite e ketchup. 

E depois de arrumar a cozinha e de pôr mais comida na tigela do cão, desloquei-me até este meu poiso, o sofá onde me sento a escrever estas conversas vadias.

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Como faço sempre que ligo o computador, espreito o que o YouTube tem para me oferecer. Há dias em que abro um vídeo, abro outro. Acontece que o sono que não dormi a seguir ao almoço está agora aqui a puxar-me pela pestana e, por isso, vi o primeiro e gostei o suficiente para ficar por ali. E vou partilhar pois o que é bom para se ver.

Marieta Severo abre sua casa no Rio e mostra coleção de arte popular brasileira | Lar

Em episódio da série documental "Lar: Vida Interior", a atriz Marieta Severo abre as portas de sua casa no Rio de Janeiro e mostra sua coleção de arte popular brasileira. A paixão pela cerâmica começou ainda na década de 70, e só cresceu ao longo dos anos junto com o número de itens. Com obras de artesãos como Roque Santero e Tiago Amorim, a coleção se expandiu tanto que Marieta chamou uma museóloga para catalogar cada obra. Dê play e conheça esse verdadeiro tesouro que a atriz guarda em sua casa!

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As flores nasceram das mãos de Van Gogh e pela mão dos Tindersticks vem For The Beauty

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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Boa disposição. Paz.

quarta-feira, junho 29, 2022

A estranheza em mim

 


Foi como se tivesse chegado a um lugar antes familiar e, estranhamente, agora já não o fosse. No lugar que costumava ser o meu estava agora instalada uma outra pessoa. No lugar em que antes estava o meu amigo e onde eu tanto ia dar dois dedos de conversa estava agora uma pessoa desconhecida. No espaço onde estavam 'os meus' estava agora um grupo de desconhecidos. Queria perguntar pelos que conhecia e não sabia a quem me dirigir. Não conhecia ninguém.

A sensação era de estranheza mas não de espanto. 

No outro dia ligou-me um dos antigos conhecidos e estivemos a passar em revista várias pessoas da altura em que de lá saí. E foi há tão pouco tempo que saí, há cerca de dois anos. Uns saíram para outras empresas, outros para outras funções fora dali, outros para a reforma. Muita gente nova tinha entrado. Dizia-me ele: 'Cruzo-me com desconhecidos e não sei se é gente de cá se é gente de fora. Há serviços em que não conheço quase ninguém'. Enquanto ele falava, eu pensava: 'Se ele que lá trabalha pensa isto, que diria eu se lá fosse...?'. 

Numa outra vez, estava a ter uma reunião remota com uma pessoa de lá e qualquer coisa no espaço me pareceu familiar. Perguntei-lhe: 'Então agora onde é o seu poiso?'. Ele rodou o computador para filmar em volta: 'Veja se reconhece... ' Reconheci. E ele confirmou: 'Estou no seu gabinete'. 

Ontem pensei que tinha que ligar para lá para esclarecer uma situação e fiquei a pensar: 'Com quem peço para falar? Todos os conhecia daquela área já lá não estão..'. Uma sensação estranha.

Talvez por isso, hoje, quando o despertador tocou, acordei de um sonho muito estranho. E tive dificuldade em desligar-me do sonho.

No sonho eu estava a despertar. Tinha acordado e não conhecia ninguém. Estava no meu anterior local de trabalho e a disposição dos espaços era nova e as pessoas eram outras. Olhando, aturdida, em volta, tinha ouvido: 'Esteve a dormir durante mais de um ano...'. E eu, incrédula, olhando em volta: 'A dormir? Como se pode dormir durante um ano? Não estaria em coma?'. Não acreditava. 'Alguém me alimentou?!'. E as pessoas, como se fosse natural: 'Levantávamo-la todos os dias, era alimentada, lavada'. E eu, assustada, temendo ter estado vulnerável, diminuída: 'E usava fraldas?'. Sorriram: 'Não. Tínhamos horas certas para a levar à casa de banho'. Eu não percebia nada do que estava a passar-se. 'Mas porque me mantiveram no escritório?' Depois, preocupada com medo de ter causado preocupação aos meus: 'E a minha família?'. E eles: 'Achámos que era aqui que fazia sentido estar. A sua família tem vindo visitá-la'. Eu tentava perceber: 'Mas eu estava de olhos abertos?'. Como se fosse uma coisa natural, explicavam-me: 'Sobretudo tem estado a dormir mas de vez em quando estava de olhos abertos'. Naquela que tinha sido antes a salinha das massagens e, em alturas covid, o gabinete de confinamento, estava agora uma espécie de quartinho. 'Estive aqui um ano?'. E eles: 'Mais de um ano?'. Toda a gente ali parecia conviver bem com uma pessoa que vivia ali naquela sala, no meio de um escritório, numa torre de vidro, há mais de um ano. Olhavam para mim com uma naturalidade que me parecia estranhíssima. 'Mas não deviam ter-me mandado para o hospital?'. E eles: 'Mas porquê? Estava bem'. E eu: 'Mas levavam-me às reuniões?'. E eles: 'Sim mas só às reuniões mais complicadas'. Eu não percebia nada. Aquilo não me agradava. Respondiam-me a tudo, pareciam não estar a esconder-me nada. Mas nada me parecia fazer sentido. Queria perceber. 'As pessoas da minha família conversavam comigo?'. E eles: 'Isso não sabemos mas se calhar falavam'.

Acordei e estava nisto. Sem perceber. Pensando que nada daquilo encaixava. Pensava: 'Mas estava a dormir ou estaria inconsciente?'. E só pensava que estava rodeada de desconhecidos. 

E, durante o dia, várias vezes pensei nisto. 

Ficou em mim a estranha sensação de lá ter ficado esquecida e de que, ao despertar, tinha constatado que tudo tinha mudado e que, estranhamente, os novos habitantes do espaço me tinham adoptado assim, como um animal de estimação que os donos tivessem abandonado, nem a dormir nem acordada, nem consciente nem inconsciente, nem útil nem inútil.

Se calhar é porque, daqui por algum tempo, depois do verão, vou ter que lá ir, já está combinado. E vai ser estranhíssimo. Vou sentir-me uma estranha. Se calhar por isso tive este sonho que deixou em mim este incómodo. 

Ontem, também, ao querer aceder ao blog, não consegui, tive que provar que não era um robot, qualquer coisa de estranho se tinha passado, mas não sei o quê. Ocorreu-me que um dia posso ficar sem acesso ao blog para o actualizar e que o Um Jeito Manso pode ficar a pairar no espaço como um blog esquecido, como aqueles blogs cujo autor morre e fica imutável, para sempre parado no tempo. Ou que o próprio blog despareça sem que eu saiba onde procurá-lo. Ou sem que saiba como avisar-vos. 

Ideias um pouco estranhas. Mas pode acontecer. E talvez por saber que pode acontecer e por ter medo que aconteça é que estou com esta estranheza em mim.


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Têxteis sagrados de Goa na companhia de Ute Lemper que interpreta Lili Marleen

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Desejo-vos um dia bom
Saúde. Serenidade. Paz.