Bem. Se há dias em que tenho pena de não poder ser mais explícita hoje é seguramente um deles. Estive num sítio que faz favor. Não foi em lazer. Foi trabalho. Trabalho puro e duro. Mais duro do que puro. Barra pesada, para dizer a verdade. Se eu aqui contasse não iam acreditar. Cenas do caneco. Mais concretamente: coisas de gargalhada e coisas tétricas, em igual dose.
Vim de lá às sete e tal.
Viagem de regresso ainda longazita. Voltei a um dos meus good old habits: aproveitar a viagem para os telefonemas familiares. Quando cheguei e vi as horas, receei que o meu marido me chamasse a atenção para isto de que ando, ando, e qualquer dia estou outra vez a trabalhar muito para além do razoável, quiçá fazendo com que o meu coração se vire outra vez do avesso. Felizmente, estava no jardim a pintar o muro e acho que nem reparou nas horas.
Vestiu uns calções de praia com que sempre gostei imenso de vê-lo, uns brancos, com umas riscas de tamanho irregular em azul claro e verde claro, que fazem um quadriculado também irregular. Já não têm cordão e por isso já não os usa na praia. Hoje estava com eles com um cinto por cima, todo fashion. Tinha uma tshirt branca justa que usa por baixo das camisolas quando faz caminhadas. No fim de semana tinha começado a pintura do muro e tinha este mesmo outfit. Os netos quando o viram da rua, estava ele de costas, disseram que não podia ser ele, que o avô não estava em tão boa forma. Não costumam vê-lo assim. Quando confirmaram que era ele, até o elogiaram. Não mostrou ficar sensibilizado com o elogio mas sei que ficou. Ao vê-lo assim até pensei fotografá-lo -- de costas, bem entendido -- para fazer a vontade à Lucy. Mas pensei que, se me punha com coisas, ainda ele se distraía do muro e se aborrecia por eu estar a chegar a casa tão fora de horas. Portanto, fiz-me de despercebida e estive foi a gabar a excelência da pintura.
Gostava que ele pintasse também o portão da horta mas não posso pedir muitas coisas ao mesmo tempo senão arrelia-se. Tem que ser coisa a coisa. Mas isso, em mim, é contranatura pois, ao ir vendo as coisas a serem arranjadas, vou tendo novas ideias. Mas se lhe digo: 'Olha lá, e se, aqui em baixo, puser uma carreira de vasinhos?'. Ele passa-se. 'Mais vasinhos é sinónimo de comprar mais vasos, mais flores, andar a pôr terra, andar a regar. Por isso, pára.' Digo assim, como se esta conversa não tivesse acontecido mas aconteceu. E ele mandou-me mesmo calar. Calar e parar. Calo-me mas fico a magicar. Será que ali ficariam bem os tais vasinhos azuis com florzinhas azulinhas? Ou aquelas lindas, etéreas, que no verão ficam cor de rosa, aquelas que estão no jardim dos franceses ali à frente, e que ainda não encontrei em lado nenhum?
Só tenho coisas que me ralem.
Mas, dizia eu, estive num lugar em que vi e ouvi de tudo e em que tive saudades daqueles meus colegas de tempos épicos em que entrávamos em qualquer lugar, nós, um grupo de quatro ou cinco, e toda a gente sabia que éramos um grupo unido e forte. E, mal saíamos dali, não apenas tomávamos todas as decisões que eram necessárias como nos divertíamos à brava. Agora é tudo gente que se leva muito a sério, ninguém se diverte, ninguém ri com o lado caricatural das coisas.
Os problemas de hoje são, por vezes, o oposto do que eram antes e as pessoas que têm a incumbência de os resolver são também o oposto do que eram. O mundo mudou muito. Está cada vez mais chato.
Por isso, foi com imenso agrado que constatei, uma vez mais, que o algoritmo do YouTube tem bué de inteligência artificial. Descobre o meu estado de espírito e, se é assim-assim, aplica-me o devido antídoto.
Já me fartei de rir. Era mesmo disto que eu estava a precisar, caraças. Não conhecia a Miss Miranda e esta, sim, esta é cá das minhas.
Estou fã dela. Com este vídeo aqui abaixo até me fez lembrar daquela vez em que, num hotel, me inscrevi, como sempre faço, para uma massagem. Tudo normal até ao dia em que, em vez de uma massagista, se me apresenta um massagista. Tipo indiano ou nepalês. Não sou de ficar a dar risadinhas ou a trocar palavras. Aparento comedimento. Mas, por dentro, numa atrapalhação. Fiquei sem saber se havia de fugir, se deveria aguentar-me ali, estoicamente. Optei pelo estoicismo.
Nos outros hotéis ou institutos ou whatever, as massagistas saem, dizem para nos despirmos e taparmos com uma toalha e, só ao fim do tempo suficiente, voltam a entrar. Ali, contudo, não. O massagista mandou que eu me despisse. Pensei: Mas vou fazer striptease à frente dele? Está maluco. Perguntei-lhe: Aqui?. E ele que sim. Corajosa, virei-me de costas para ele. Depois pensei: Mas agora vou-me virar de frente e caminhar de frente para ele? É o vais. Hesitei. À distância de vários anos, lembro-me que pensei que deveria era voltar a vestir-me e dizer que massagens só com mulheres ou com gays. Como ele não tinha ar de gay, nada a fazer. Mas depois pensei 'que se lixe, não há-de ser nada'. Quando me virei, estava ele a segurar a toalha ao alto, ele por detrás da toalha. Respirei de alívio e, se estivesse descontraída, provavelmente teria soltado uma gargalhada. Deitei-me e ele baixou a toalha. O que se passou quando eu não estava de olho nele, não sei. Mas, do que vi, foi discreto. Mas que eu estava atrapalhada, lá isso estava.
[Fui agora à procura e encontrei o post. É praticamente como acima o descrevi. Já não me lembrava do delicioso pormenor do soutien. Delicioso. A ver se esta porcaria do corona se evapora para lá voltar a ver se ele ainda lá está]
Aqui a cena não é com um 'terapeuta', é com um médico.
Já adormeci dez vezes e nem consegui ver quase nada do House. Agora nem Netflix tenho conseguido ver. Por isso, só espero que não haja bandos de gralhas
A verdade é que há pessoas que precisam da companhia de multidões para celebrarem o que têm de mais íntimo. A vitória do campeonato ou o aniversário da pretensa aparição. A equipa de quem se gosta ou um santo da sua devoção. Creio que é o mesmo impulso: estar com os outros, celebrar em conjunto.
Ir para o Marquês, ir a Fátima. Gritar, chorar, rir, sentir o êxtase, constatar como os outros exultam da mesma maneira, sentir-se um de muitos.
Não é o meu caso. Não sinto o apelo da partilha colectiva de emoções. Devo dizer que sou, até, um pouco avessa a isso. Tenho o meu lado de bicho do mato.
Mas não critico quem é diferente de mim. A vida é curta e cada um age como está talhada (ou calhada) para agir.
Quem alguma vez passou pela nacional que leva a Fátima já terá visto aqueles grupos de peregrinos que caminham em grupo. Por vezes cantam e vão em grande animação. Outras vezes vão em esforço. Há qualquer coisa na componente religiosa disto que me custa a atingir. Mas eles já sabem. No futebol a mesma coisa. Estar na rua a gritar, a saltar, a beber é, para mim, a mesma coisa -- uma manifestação de emoções que escapa à minha racionalidade.
Não consigo é culpar quem quer que seja por permitir que as pessoas se manifestem. Como proibi-lo: pôr um polícia à porta de cada casa? Ao fim de cada rua? Impedir, uma a uma, cada pessoa de ir para onde quer? Chegar às ruas onde as pessoas estão juntas e atirar-lhes com jactos de água para cima? Não sei.
Há coisas que se conseguem quando há poucas pessoas. Agora quando, um pouco por todo o país, as pessoas saem de casa e se fazem à estrada para se manifestarem... o que fazer? Decretar recolher obrigatório? Sirenes a tocar para mandar recolher...?
Acho que não, que não é caso para isso. Claro que há o risco de saúde pública. Digo eu. Mas ao ar livre e com muita gente já imunizada talvez não seja dramático. Mas nem é isso. Se há pessoas que têm o irreprimível impulso de ir para a rua e juntar-se a outras... e se são muitas e muitas pessoas... como impedi-lo?
Mas que sei eu?
Tenho tido uns dias de cão. Tenho sido acordada com telefonemas cheios de crises. Detesto acordar e ter que começar a falar sobre problemas que me atiram para cima. Vou para a casa de banho e ouço o telefone a tocar. Estou a tomar o pequeno almoço e ouço o telefone. Todo o santo dia. E reuniões e telefonemas até às tantas.
Por isso, chego a esta hora e estou condescendente. Zen.
Aqui na sala, para me distrair um pouco, pus-me a ver vídeos e todos os vídeos interessantes eram de mais de uma hora. Não dá. Até que vi este aqui abaixo de um senhor de 101 anos que diz que é a pessoa mais feliz à superfície da terra. Pessoas que não duvidam nem se envergonham da própria felicidade enchem-me de curiosidade. Quero saber qual o segredo. Mas, geralmente, quem é assim não faz segredo disso.
Diz ele que não odeia ninguém. E eu, ouvindo-o, pensei: Também eu não odeio ninguém. Puxo pela cabeça e não me ocorre alguém que odeie. Acho que nunca odiei. Depois ele acrescentou: Mas desprezo. E eu senti-me a rir e pensei: Também eu.
Ainda no outro dia alguém me perguntou, a propósito de uma outra pessoas: Mas alguma vez te fez mal? A conversa mudou e não respondi mas fiquei com a resposta entalada. Devia ter dito: Não, mal -- a mim -- não fez. Mas é parvo. E eu não tenho pachorra para gente parva. Aliás, sendo mais precisa: desprezo gente intrinsecamente parva. Não consigo disfarçar o tremendo incómodo que o convívio forçado com gente parva me causa Apenas consigo fazer de tudo para não ter pessoas assim por perto. Causam-me brotoeja. Fico fisicamente incomodada. Uma repulsa que não tem cura nem atenuante. Gente parva para mim é gente que não consigo ter por perto, mexem com o meu sistema nervoso.
Por isso, não odiando eu ninguém e fugindo a sete pés de gente que desprezo, estou sempre bem. Se estiver junto de pessoas que admiro, que respeito ou, melhor ainda, que amo, estou feliz. E é bom a gente sentir-se feliz. Se estiver sozinha e entretida a fazer coisas de que gosto também não estou mal. Mas sozinha, sozinha, também não aprecio.
Por exemplo, ontem acabei de trabalhar às sete e tal. Como o jantar era arroz de corvina, coisa que se faz rapidamente, pensei: tenho ainda tempo para tratar dos vasinhos de pendurar que tinha comprado no outro dia. Podia ter tratado de tudo sozinha. Podia... mas não seria a mesma coisa. Por isso, falei ao meu marido. E fomos os dois buscar terra. Mas ele estava ansioso por causa do futebol e, a seguir, entrou em casa para ver televisão. E eu fiquei a envasar as bromélias e as sardinheiras. Estava sozinha mas com ele por perto. Mexer na terra, mexer nas raízes das flores, regar... tudo coisas que me agradam de verdade. Estou nas minhas sete quintas. Feliz da vida.
Claro que vão surgindo coisas que me preocupam, que me maçam. Mas sobre o que não controlo e que me é exterior eu tiro do meu radar: se não posso fazer nada, mais vale nem pensar nisso. O que posso resolver, ataco de frente. E o resto, olhem, vou levando. Fazer o quê? Atafulhar-me em ralações? Ná, não é para mim. De invejas, ciúmes, desconfianças e coisas dessas que corroem também não padeço.
Por isso, acho que também não tenho de que me queixar.
Mas o homem mais feliz do mundo tem outra bagagem. Estive a falar de mim apenas por facilidade. É que falar dele requer cuidado. A felicidade dele tem um peso e uma marca que não têm nada a ver com as minhas ligeirezas. A felicidade dele nasceu de uma história que lhe ficou impressa a ferros na mente e no coração. Tem a marca disso tatuada no braço. Já as sofreu na pele. E, no entanto, sorri e fala de felicidade. E isso é bom para ele e para quem o escuta e vê.
Eddie Jaku, o sobrevivente de Auschwitz que, aos 101 anos, se sente o homem mais feliz do mundo
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As fotografias são de Flora Borsi e estão na companhia de Billie Eilish que interpreta Your Power
Uma segunda-feira que começa cedo e que vai de enfiada até ao fim do dia é uma segunda-feira para esquecer. Tanto saco, tanto pepino, tanto sapo. A meio de uma reunião que estava a deixar-me com os nervos em franja, já incapaz de disfarçar a minha impaciência, recebi uma mensagem: 'Temos quatro monos na sala'. Deu-me vontade de rir. Tal e qual. Logo de seguida, um outra: 'Pelo menos...'. A partir daí, atalhou. Percebemos ambos que dali, por mais que espremêssemos, não sairia sumo. Quando a reunião acabou, ligou-me: 'Qualquer dia estamos os dois sozinhos'. E eu, apreensiva que também ando: 'Pois. Mas não pode ser. A verdade é que o tempo passa e a conversa não evolui. Não desenvolvem. O que é que a gente faz?'. E sugeri que apostássemos na mais improvável. Concordou. Tenho cada vez mais a convicção de que quando a mudança é profunda, quando os desafios são dos valentes, quando é preciso pragmatismo e capacidade para cortar a direito, as mulheres são mais capazes. É para fazer? Então, faz-se. Não há cá converseta da treta, mas-mas, não há cá medo de ouvir um não: é pão, pão, queijo, queijo.
Mas é uma canseira.
A minha filha diz-me frequentemente que tenho que gerir as coisas no sentido do phasing out. Conhece alguns dos intervenientes e antevê que não me 'deixarão' sair tão cedo. Diz que eu é que tenho que pôr os pés à parede, gerir as coisas nesse sentido. E é o que quero. Mas, por outro lado, são largas, muitas, centenas de famílias que dependem da empresa. Sinto a responsabilidade de fazer o melhor possível.
Da empresa de que saí o ano passado saí com a noção de que tinha cumprido a minha missão e que lá ficaria uma equipa, a 'minha equipa', gente competente e dedicada, que asseguraria a continuidade. Saí com a convicção de que tinha preparado bem a minha saída.
Aqui é tudo muito diferente. Tudo diferente.
O meu marido diz que me esgoto nesta luta. E é um bocado verdade.
Estou in heaven mas mal consigo usufruir. À hora de almoço, saí para andar e para falar com a minha mãe. Ao fim da tarde também. A meio do dia, sempre que falei ao telefone, estive a andar à porta da sala, para a frente e para trás. Nestes telefonemas de trabalho não gosto de me afastar pois a toda a hora me pedem que veja o mail ou que veja a disponibilidade e dá-me mais jeito sentar-me ao computador enquanto telefono para este tipo de validações.
Mas, ao fim do dia, a app informou-me que tinha feito 12.929 passos, o que corresponde a 8 km. E, imagine-se, queimei 502 kcal. Menos mal.
E isto é a maçadora síntese do dia.
À noite, aqui, vi que Bill e Melinda Gates, o dream couple, vai separar-se. Fiquei deveras surpreendida, Dir-se-ia que já teriam ultrapassado todos os cabos das tormentas, que, casados há 27 anos, certamente já enfrentaram. Ele com 65, ela com 56, diria eu que já achariam que o divórcio é coisa para dar mais trabalho do que continuarem a resolver as diferenças. Afinal, o quarto homem mais rico do mundo e a sua mulher que, em conjunto, gerem uma das fundações mais poderosas do mundo, chegaram ao ponto de não retorno. É obra. Já em 2019, MacKenzie Scott, a ex de Jeff Bezos, ao divorciar-se conseguiu a proeza de se tornar a terceira mulher mais rica do mundo e, acto contínuo, fazer filantropia à sua maneira, sem cuidar de acautelar previamente os benefícios fiscais.
Mas é isso: quem tem a ilusão que dinheiro é felicidade e que resolve todos os dramas, bem pode tirar o cavalinho da chuva. É ver quase todos os mais ricos desta vida: Gates, Bezos, Musk. Falta o alienado Zuckerberg. Ou o outro dream couple, a Angelina Jolie e o príncipe encantado de todos os sonhos, Brad Pitt. Dinheiro não lhes falta, sucesso também não. E, no entanto, na intimidade da casa, são como todos os outros casais, têm diferenças. E, por vezes, seja qual for a dimensão da fortuna, as diferenças são insanáveis.
Moral da história? Não há e ainda bem que não há. Detesto quando as histórias pingam moral.
Até porque se é para falar de coisas sérias vou antes falar de outra coisa. Já aqui contei muitas vezes: nada me descansa mais e repousa, tranquiliza, refresca as ideias e me prepara para tudo do que um belo banho. Não sou de água fria. Pode ser tépida no verão mas, no inverno, convém que se lhe sinta o calorzinho. Em especial, fico outra, retemperada, poderosa, se lavo o cabelo. Uma bela shampoozada, água a correr-me em cima até que se vá toda a espuma, e eu ali, com vagar, a deixar que todos os cansaços, aborrecimentos e desconfortos se vão pelo ralo abaixo. Coisa boa. Por sorte não precisei ainda de psicoterapia ou medicação para ansiedades ou angústias. A minha terapia é o banho, em especial com lavagem de cabelo incluída.
Pois bem. Acabo de ler no The Guardian que ‘It’s like therapy’: how washing your hair can lift your mood – and change your life. Hairwashing can be a catharsis and a reset, the purifying sluice of water rinsing a bad day down the plughole (...) Li e pensei: olha, afinal, se calhar, não sou maluca de todo. Comentei com o meu marido. Confirmou, disse que com ele acontece o mesmo. Desatei-me a rir: 'Essa é boa. És careca!'. Não concordou. Disse que eu não devia fazer uma leitura tão literal, que o ponto está em como lavar a cabeça levanta o astral -- a cabeça, não o cabelo. Está bem, abelha. Na volta acontece-lhe é como às pessoas que perdem uma mão e que parece que continuam a senti-la: ainda sente como se tivesse cabelo. A vontade de rir que isso me dá. E calma, que não se pense que estou a depreciar. Nada disso. Sou como as demais que é dos carecas que mais gostam.
Já contei, não contei? Uma vez, estando a ouvir a conversa de dois colegas sobre a queda de cabelo, um a dizer que não tinha problema nenhum e outro a dizer que estava a fazer um tratamento e que estava a resultar muito bem, saiu-me, sem querer: uma amiga que é médica, disse-me que a principal causa de calvície é a testosterona. Quanto mais, mais o cabelo cai. Ficaram os dois em silêncio. E eu com vontade de rebobinar e retirar o que tinha dito. A coisa propagou-se. Durante anos, ouvi toda a espécie de piadas. Quando aparecia algum cabeludo, havia sempre alguém que me piscava o olho ou que me dizia: 'Aquele... coitado...'. Uma vez estava numa situação social, com gente que não conhecia muito bem, e às tantas, alguém falou do cabelo farto de um qualquer. E, às tantas, para meu sufoco, um dos meus colegas disse: 'Aqui a nossa amiga tem uma teoria sobre isso...'. E todos, virados para mim: 'Ai é...? Conte...'. E eu, furiosa com ele: 'Desculpem mas não posso. É uma private joke... Não levem a mal'.
Mas, também calma aí, há cabeludos que eu também não rejeitaria. Por exemplo, o dito príncipe dos príncipes, Pitt, Brad Pitt. E outros. Ou seja, quem vê cabelos não vê corações. Nem corações nem o resto, bem entendido.
E é isto. Termino com uma citação que acho o máximo e que vem mesmo aqui a calhar: «Yesterday is history, tomorrow is a mystery and today is a gift, that is why it is called the present.» (Eleanor Roosevelt)
Não incluí no título o irmão de Billie, Finneas, que também a acompanha no prazer de compor e estar em palco. Contudo, como parece ser introvertido, deixa o palco para a irmã e, se calhar, não se importa que seja ela a receber a maior parte dos aplausos.
Mas não é só a composição e a interpretação e a alegria que se lhes percebe: é também a mistura, os arranjos, tudo. E os vídeos. Usam tudo o que têm ao dispor para se entregar ao público e fazem-no de uma forma que irradia modernidade -- e digo modernidade por não me ocorrer outra palavra mas o que quero dizer é que dá ideia que ousam, experimentam, e tudo parece ser uma porta aberta para o que virá a seguir. No caso de Billie é ainda o uso que faz do corpo, com as roupas, o cabelo, as unhas, tudo: uma graça, uma aventura, um encanto, uma diversão.
O futuro, se olhado através do que fazem, parece ser um lugar festivo, um lugar que se presta à criatividade e ao prazer de existir.
Gosto imenso de ver jovens assim: activos, construtivos, ousados.
Billie acabou de fazer 18 anos. Finneas tem 22. Jacob tem 25 anos. E existem para proporcionar bons momentos aos que se dispuserem a isso. Abençoadas criaturas.
Todos eles receberam foram contemplados nos Grammy Awards deste ano da graça de 2020.
Este ano tem boa pinta, é estiloso. Vinte-vinte. Soa bem. Vinte vinte. Não é para qualquer um.
E nós já cá cá temos um pé. Ou melhor, os dois. Temos sorte.
Acho-o ainda mais cabalístico do que o 2000. Quando foi o 2000, achei que cá em casa é que era, e que havia de ser de arromba. Reuni cá em casa tanta gente que nem sei como é que cá couberam todos. No meio da festança, toca-me o telemóvel e aparece-me um colega a perguntar-me se estava tudo bem. Como havia música, risos, conversas e muita confusão, pensei que tinha percebido mal. Mas não, queria mesmo saber se estava tudo bem. Tive que lhe pedir que especificasse a razão da sua preocupação. Falou-me então do so called bug do ano 2000. Percebi então. Era o coordenador do grupo de acompanhamento que tinha sido criado para garantir que todas as empresas continuavam a funcionar. Juro: nem de tal me tinha lembrado, convencida que estava que bug do 2000 uma ova, tudo treta. Penso que não houve um único problema em todo o mundo. Disse-lhe que não fazia ideia, que estava em casa a festejá-lo e que no dia seguinte logo se veria se estava tudo bem. Lembro-me de ter achado que ele tinha ficado desconcertado com a minha resposta. Muito negócio com muitos zeros se fez à conta dos zeros do 2000.
Mas, dizia eu, nem o 2000 me pareceu tão cabalístico. Aqueles zeros todos tornavam-no demasiado gaiteiro. Mas este 2020 é outra coisa: tem balanço, tem charme, tem swing.
Temos, pois, a obrigação de fazer jus à boa pinta que o invólucro apresenta. 2020 deve ser um ano especial. E escrevo 'deve' no sentido de 'ter o dever'. É bom que apareçam grandes avanços científicos, que nos surpreendamos com grandes e muito relevantes saltos tecnológicos, é bom que se conquistem importantes acordos no sentido do desenvolvimento humano e da defesa do planeta. É bom que, nos próximos anos, mesmo que longínquos, se fale de 2020 como o glorioso 2020, o fantástico ano 2020.
Apesar de tudo o que se avizinha e que forçosamente não é bom (o desastre do brexit e os riscos de ainda maiores desagregações, tudo o que se relaciona com o Trump, os populismos que alastram, os desastres climáticos à vista com as consequências que já se constatam, por exemplo na Austrália, etc, etc), espero que os povos saibam encontrar boas soluções, é bom que saibam levantar-se, unir-se e fazer inflectir o descaminho que as coisas levam. Que coisas extraordinárias aconteçam.
É bom também que 2020 nos traga, em especial a nós que só agora começamos a descobrir o prazer do ar livre e do contacto com a natureza, cada vez mais oportunidade para convivermos, para festejarmos e para desfrutarmos o prazer de existir, de estar bem, de estar com quem gostamos.
Não será apenas por formularmos votos que o destino se encarreirará nesse sentido. Mas, se os votos não forem conversa fiada, lacinhos em efémeros embrulhos, mas sim firmes determinações, talvez as coisas corram como as desejamos. Não somos donos e senhores do nosso destino mas a forma como nos aguentamos e como persistimos contra ventos e marés ajuda muito a conseguimos chegar perto dos nossos sonhos.
E mais: 2020 tem todos os contornos dos verdadeiros elegantes. Que seja, pois, o terreno fértil para todas as boas criatividades. Que floresça a literatura, a arte, que os artistas sintam que ao longo do ano corre a seiva que alimenta e desperta os espíritos. Que seja um ano fértil para a música, para a pintura, para as letras, para a arquitectura, cinema, teatro. Dança. Para que o povo venha para a rua celebrar a arte.
Tirando isso, 2020 tem tudo para lhe piscarmos o olho. Aliás, o safado do 2020 nasceu a piscar-me o olho. Saibamos, pois, não decepcionar. Sedução, malícia, graça, humor. Tudo em boa dose. A vida sabe melhor se vier com o devido tempero. Pela parte que me toca, não viro a cara a nada disso e só espero ter quem me acompanhe. A cor é fundamental e não há melhor cor do que o rubor que acompanha os momentos importantes da vida ou não há luz que se perca quando a cor está disponível para a receber. Tempero colorido, especiarias secretas, bailados descarados mesmo que apenas imaginados: que 2020 venha com tudo e nós cá para lhe darmos o devido troco.
Não preciso falar da saúde. O ano só será bom se vier com saúde. Mas tenhamos força para vergar o que de menos bom apareça de modo a robustecer o nosso corpo, valorizêmo-lo, forneçamos-lhe a comida certa, façamos o exercício adequado, olhemos por ele.
E sejamos bons, generosos, amigos. É bem verdade: o amor é a resposta. É a resposta mas é também a pergunta. E é o enigma. E é o mistério. E é a insolúvel equação, a eterna dúvida, o sobressaltado motor, o sereno amparo, o secreto refúgio, o insondável esconderijo, o indizível atraente abismo, a semente de tudo.
Que o 2020 seja um ano bom demais para se acreditar.
Não sei quem ela é, não percebo o que diz. Mas soa-me bem e isso, para já, parece-me um bom começo de conversa.
A querida Luísa, sabendo-me fascinada pela dança, enviou-me um vídeo com Joel Kioko. Não conhecia. Que belo presente foi conhecer este jovem. Não consigo partilhar o vídeo que recebi mas partilho este aqui abaixo:
Joel Kioko grew up in a poor area of Kenya’s capital, Nairobi, and is now seen as the country’s most promising ballet dancer. He has been training in the US but wants to teach young Kenyans about the beauty of ballet.
De regresso e já a casa quase virada do avesso com tropazinha miúda de pernoita.
Preparámos as camas no lugar delas, o lugar do costume, mas, vá lá saber-se porquê, hoje não quiseram ficar ali. E, se um não quer, o outro também não, e, depois, o sono já é muito e a rabujice também e, portanto, nestas coisas é preciso a gente perceber que se não os podemos vencer o melhor mesmo é juntarmo-nos a eles e, vai daí, tudo alterado e o acampamento mudado de sítio. Uma festa, a quererem ajudar, o bebé o mais activo. Vamos ver como corre a coisa.
O que vejo é que crescem a olhos vistos, qualquer dia já não cabem nas camas. Depois quiseram que contasse uma história. Invento, claro, mas, a cada passo, intervêm, questionam, fazem observações, apanham-me em contradições. Por vezes desato a rir, outras fico sem resposta.
Mas, enfim, estão a dormir, lindos.
De novo, percebo que deve ter havido outro debate, não sei se hoje, se ontem ou se em ambos os dias. Continuo por fora. Agora passei pelo Expresso da Meia-Noite e uns quantos comentadores respondem a perguntas do Mano Costa e do amigo Ferrão e nada do que dizem me interessa. Conversas ditas, reditas, deglutidas, regurgitadas, reprocessadas, recicladas. Nada de nada de novo. E é o que se sabe: todos concluem que não existe nada à direita do PS, zero, o PSD e o CDS estão a ir pelo ralo, não têm nada para oferecer, nem já sabem o que são. So what? Ok, isso já sabemos.
Ninguém tem uma ideia nova para se discutir? Uma visão inesperada? Uma seca. Um déjà-vu pegado.
E isto por cá.
Lá fora foi o ex-rottweiler Schäuble que descobriu a pólvora. Infelizmente tarde demais, depois de muitos estragos feitos. Diz o estúpido: Deregulating Financial Markets Was 'Stupidity,' e eu volto a pensar que sobre gente que comete reiteradamente erros crassos e que depois vêm de fininho, como se nada fosse com eles, reconhecer que o que fizeram foi uma estupidez, só se pode concluir que é gente estúpida. E pessoas que, contra todas as evidências, apoiaram toda a porcaria que os estúpidos fizeram, são outras que tais, umas estúpidas. Ou seja, sendo que toda a política de Passos Coelho (e Portas!) -- ou seja, do PSD e CDS, as so-called direitas reunidas & encostadas -- foi seguidismo puro e duro da estúpida linha Schäuble, então o que dizer dos estúpidos que a aplicaram e dos estúpidos que bateram palminhas?
São os que andam agora, às rodas à volta do rabo, a ver onde se acoitar? E a equacionar se devem manter-se junto a Rio ou a Cristas ou se, pelo contrário, devem assobiar para o lado e, empolgadamente, ir apoiar o BE? Não sei, apenas pergunto.
Coisas tristes de tão parvas. A natureza humana tem o seu lado mau, imprestável.
E o que posso dizer é que de tudo o que vejo, no meu olhar a vol d'oiseau, a única coisa que me desperta atenção é o que se relaciona com as palhaçadas dos maiores palhaços da actualidade. Quando se diz que a ficção, por vezes, ultrapassa a realidade nunca se pensa que a ultrapassagem pode ser tão aparatosa. Um Boris a fazer discursos que não passam de meras patacoadas, sem eira nem beira, ou com tiradas parvas, um Trump a alterar mapas para justificar tweets parvos, Bolsonaro com comportamentos abaixo de anta -- tudo abaixo de mau, tudo inqualificável.
E eu, talvez por andar com a cabeça de férias, não me apetece perder tempo com coisas dessas. Por isso, que me desculpem os que aqui vêm à procura de temáticas bem afiambradas porque, por estas bandas, agora, tudo o que é política me parece fruta do chão, nada de primeira água (nem de segunda, nem de terceira, nem de...). Portanto, se me permitem, dou meia volta e regresso às tépidas águas algarvias.
O tema hoje é mesmo paddle. Há quem passe sobre as águas, na maior limpeza. Direitinhos, passando sobre as ondas, aí vão eles, sem pestanejar. Parece coisa de nada, Coisa simples. Coisa que qualquer um se monta nela e upa-lá-lá, é só cavalgá-la -- mesmo de pé, na maior bravura, enfrentando corrida, ventania a vergastar a garupa do animal, seja o que for.
Mas não é fácil, não. Não mesmo.
O jovem e garboso cavaleiro que aqui mostro a fazer a sua primeira tentativa é bem a prova de que montar o animal requer mais do que perícia, requer prática, muita prática.
Claro que, se ele vier, um dia, a ver-se aqui espero bem que ache graça -- mas, se não achar, é só dizer-me que eu, logo, logo, retiro as imagens. Contudo, como habitualmente, escolhi fotografias em que não dá para identificar o interveniente. Na volta é o o Clive Owen.
E, já agora, reparem bem na dificuldade acrescida: enquanto o valente tentava dominar a besta, as duas mulheres, a dele e a do amigo-instrutor, divertidamente gozavam o pratinho. Não se faz. Era muita pressão.
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E, por ora, só isto. Daqui a nada os meus galinhos e pintainhos estão a pé, como sempre cheios de fomeca. Portanto, hoje nem comento comentários nem me alongo mais.
Um belo sábado a todos. Saúde, alegria, sorte e trocos para os gastos -- pelo menos isso.
No outro dia, os meninos perguntavam: porque é que há pessoas que querem domesticar tigres? Ou hipopótamos? Não percebi a questão, 'Em circos?'. 'Não. Em geral', esclareceram. Não soube responder. Disse que achava que não domesticavam. Disseram que sim, que há pessoas muito ricas que gostam de domesticar animais da floresta mas não percebiam qual a razão. Falhei a explicação, não conheço essa realidade, não sei.
Falei-lhes, então, noutro género de pessoas, as que sabem lidar com animais problemáticos e referi-lhes, como exemplo, aquele filme tão bonito, 'O encantador de cavalos'. Contei-lhes.
Encanta-me a vocação das pessoas que sabem lidar com animais, que os percebem a ponto de conseguirem estender-lhes a sua empatia, entendendo os seus sentimentos, os seus sofrimentos.
Tenho total respeito por animais. A sua inteligência e a sua sensibilidade parecem-me inegáveis e cativantes. Já falei aqui muitas vezes da minha cãzinha mais linda, uma boxer doce como mel que viveu connosco durante quase treze anos, companheira alegre e dedicada, uma querida cheia de quereres e que nos amava do mais fundo do seu grande coração. Tal o desgosto que tive com o seu fim e tanto me custou a sua decadência e sofrimento finais que nunca recuperei. Não voltei a admitir sequer a hipótese de voltar a ter um animal por me ter sido tão insuportável despedir-me dela. Não consigo falar dela mais do que isto porque ainda me comovo, é desgosto de que não me refiz, e não quero estar aqui a desfiar tristezas.
Tenho um amigo que virou vegetariano e que de súbito se tornou quase fundamentalista: diz que isso se deve a que pensa nos animais vivos e não consegue pensar que têm que ser mortos e que os iria comer assim, mortos. E eu, quando ele diz isso, nem quero ouvir pois sei que, se me deixar contagiar por tão tétrico pensamento, também ficarei incomodada. Portanto, bloqueio o pensamento nesse particular e continuo airosamente a comer carne e peixe (embora cada vez mais peixe do que carne e cada vez mais legumes e saladas).
Não sei se todos os animais têm inteligências no sentido em que egoisticamente lhe atribuímos, a de interagirem connosco. Mas têm inteligência para sobreviver, para se adaptar, para escolherem parceiros, para escolherem onde viver, para se reproduzirem e tratarem das suas crias e isso sem danificar o planeta o que, por vezes, é mais do que alguns humanos fazem. Não tenho, por isso, pretensão a ter uma inteligência superior à deles.
Veja-se as gaivotas. No terraço do hotel onde se pode também tomar o pequeno-almoço, por vezes há gaivotas. O meu marido não quer ficar lá pois irrita-se um bocado com elas: 'Putas das gaivotas. Cagam tudo', diz ele. É verdade mas isso só revela a sua capacidade de adaptação. Saem do mar, sabem que ali há croissants, ovos escalfados, crepes, coisa fina que o seu bico aprecia. Em vez de apenas peixes, comem o que encontram. E, terminando o horário da refeição, abrem as suas grandes asas e procuram os barcos de pesca ou o rasto de pescado que os pescadores deixam no areal.
Outras vezes ficam apenas ali, ao sol, contemplando o mar, sentindo a aragem a sacudir o muito calor. Gosto de observá-las. Acho um bicho muito bonito. Naquelas coisas meio parvas de nos perguntarem que animal gostaríamos de ser, hesito muito entre o cavalo e a gaivota. Acho que há em ambos aquele sentido intrínseco de liberdade, de elegância, de visão a la longue.
Fiz estas fotografias salvo erro ontem ou antes de ontem. Em algumas fotografias a encantadora de gaivotas vê-se mais de perto, apanhei-a a andar cuidadosamente para não as espantar e sorrindo enquanto assim caminha entre elas. Não as publico apenas porque daria para se perceber melhor quem é do que nestas que aqui partilho convosco. Claro que se essa mulher aqui se vir e não quiser aqui ser vista bastará que mo diga que logo a retirarei. Mas acho tão bonita a sua imagem entre as gaivotas que arrisco.
Também eu me pus a andar entre elas. Devagar, invisível, silenciosa. As gaivotas indiferentes. Seres superiores. Deixei que me sobrevoassem, baixo, falei com elas, e elas, talvez por não quererem saber de aprender a minha linguagem, dançavam, corriam e falavam lá na voz delas.
Ou talvez me percebam, talvez transportem as minhas palavras até longe, até outras paragens, até onde alguém por elas espere. Nunca se sabe, O que sabemos é uma insignificante parte do que há para saber,
Por isso, quem me diz que eu, tal como a encantadora de gaivotas, não fui escutada e as minhas palavras levadas sobre as suas longas asas até lá, longe, a outros mares e rios, onde alguém em silêncio espera reencontrar a luz que um dia se evadiu do meu olhar, quem me diz que todas estas belas gaivotas que dançam ao sabor da sua própria liberdade não ensaiam novos passos, belos como eternos abraços, belos como palavras escondidas em segredos expostos à luz do sol. Quem me diz.
E desejo-lhe a si que aí está a receber estas minhas palavras uma bela sexta-feira.