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quarta-feira, abril 24, 2024

Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não

 

(...)

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das água
para onde vais? Ninguém diz.

(...) 




sexta-feira, junho 09, 2017

Alegre Camões





Para as letras portuguesas o Prémio Camões é um prémio maior. Através da atribuição do Prémio Camões conheci Raduan Nassar ou Dalton Trevisan. Fiquei felicíssima quando o prémio coube a Hélia Correia ou Manuel António Pina.


Confesso que hoje, ao regressar a casa, no carro, ouvindo Manuel Alegre a ser entrevistado sobre um prémio atribuído mas, tendo perdido o início da conversa e não percebendo que prémio era, nunca me ocorreu que fosse o Prémio Camões. Certo que o ouvi falar em poesia camoniana mas, ainda assim, não tocou em mim qualquer campainha.


Não quero com isto dizer que ache que a decisão foi injusta (e quem sou eu...?) ou não aprecie a sua poesia. Aprecio alguns dos seus poemas e, a esses, aprecio bastante. Contudo acho-o um pouco irregular e, sobretudo, penso que nele a toada poética lhe é tão natural que, com alguma frequência, se encosta ao efeito fácil e os poemas lhe saem algo falhos de significado, apenas revestidos a efeito fácil.

Mas uma coisa não lhe nego e talvez isso não seja negligenciável: Manuel Alegre sabe apelar à emoção -- aliás, mais do que apelar, ele sabe provocar a emoção -- porque usa com mestria a palavra para que, dentro de nós, ressoe o sentido eco, vibre a insinuante melodia.

De resto, confesso também que, entre a poesia em que existe uma harmonia elegante e aquela em que abunda uma sucessão desconexa de palavras com pouco conteúdo e nenhuma simetria fonética, prefiro a primeira.

Dito isto, percebe-se que não fiquei com aquela esfuziante disposição que aqui me faria atirar jubilosos foguetes como aconteceu quando alguns dos anteriores foram contemplados.


Mas, apesar disso, porque é um trovador e porque venera a democracia e a liberdade e porque ama e embala com ternura a língua portuguesa, porque tem uma bela voz que ora envolve as suas palavras em veludo ora as empunha(va) como armas erguidas ao vento, acho que temos que estar contentes por ser um português a ganhar o prémio e por esse português ser ele.

Há tempo para que outros o ganhem; nomeadamente, espero que um dia seja Maria Teresa Horta a premiada já que, para mim, de entre os poetas de língua portuguesa vivos, é talvez das maiores. Mas, por ora, não quero pôr-me com reticências ou comparações -- que são sempre espúrias -- e sinceramente festejo a atribuição do Prémio Camões 2017 a Manuel Alegre. 


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As Mãos - poesia dita por Manuel Alegre sobre música de Carlos Paredes



[Lá em cima, no início, era Dois Sonetos de Amor]
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Senhora das tempestades e dos mistérios originais 
quando tu chegas a terra treme do lado esquerdo 
trazes o terremoto a assombração as conjunções fatais 
e as vozes negras da noite Senhora do meu espanto e do meu medo. 
  
Conjugação de fogo e luz e no entanto eclipse 
trazes a linha magnética da minha vida Senhora da minha morte 
teu nome escreve-se na areia e é uma palavra que só Deus disse 
quando tu chegas começa a música Senhora do vento norte. 
  
Escreverei para ti o poema mais triste 
Senhora dos cabelos de alga onde se escondem as divindades 
quando me tocas há um país que não existe 
e um anjo poisa-me nos ombros Senhora das Tempestades. 
  
Senhora do sol do sul com que me cegas 
a terra toda treme nos meus músculos 
consonância dissonância Senhora das vozes negras 
coroada de todos os crepúsculos. 
  
Senhora da vida que passa e do sentido trágico 
do rio das vogais Senhora da litúrgica 
sibilação das consoantes com seu absurdo mágico 
de que não fica senão a breve música. 
  
Senhora da hora solitária do entardecer 
ninguém sabe se chegas como graça ou como estigma 
onde tu moras começa o acontecer 
tudo em ti é surpresa Senhora do grande enigma. 
  
Tudo em ti é perder Senhora quantas vezes 
Setembro te levou para as metrópoles excessivas 
batem as sílabas do tempo no rolar dos meses 
tudo em ti é retorno Senhora das marés vivas. 

[Excertos de 'Senhora das Tempestades' de Manuel Alegre, Prémio Camões 2017]

  
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Trova do vento que passa 


(Poema de Manuel Alegre, música e interpretação de Adriano Correia de Oliveira)



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[Fotografias feitas a semana passada ao fim na praia]

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E parabéns ao Manuel Alegre, um poeta que honra a língua portuguesa. 

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terça-feira, abril 28, 2015

Diz-se que um homem não chora


No post abaixo relatei o meu dia, um dia simples. E porque calhou, enquanto escrevia, ver na televisão o médico que me acompanhou enquanto estive grávida e que fez os dois partos, recordei esses dias tão importantes na minha vida. Foram dias tão iguais que recordar um é quase como recordar o outro, com a excepção de que, no segundo, tive junto a mim, mal saí da sala de partos, a minha filha ainda pequenina que nem três anos tinha, a ver o irmão e a dizer com ar desconsolado, 'o bebé é tão encarnado...'

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra.

Em comentário ao meu post sobre onde estava eu no 25 de Abril de 74, o Leitor Fernando Ribeiro - dono e senhor de A Matéria do Tempo, um dos blogues que considero dos mais interessantes neste vasto mundo da blogosfera, um blogue onde sempre aprendo e onde a selecção dos temas revela um ecléctico e refinado bom gosto - recordou o seu 25 de Abril e os tempos que se sucederam. Comovi-me ao ler as suas palavras.

E porque penso que são poucos os testemunhos daqueles que passaram pela experiência da guerra colonial, permito-me puxar as suas palavras para primeiro plano (esperando que ele não me leve a mal). Junto-lhe ainda o comentário subsequente do Leitor Vítor Manuel.


  
Canção com lágrimas




No 25 de abril eu tinha metido férias da minha comissão militar em Angola, onde estava colocado na fronteira norte. Eu estava cá em Portugal (na Metrópole, como então se dizia), para rever a família, e regressei a Angola em 4 de maio.

Como alferes miliciano que era, eu comandava um pelotão. Metade dos meus soldados eram angolanos, todos negros menos um que era mestiço claríssimo. A partir do 25 de abril, os meus subordinados angolanos passaram a esperar um futuro que antes não tinham podido esperar, porque lhes estivera vedado pelo colonialismo.

Eles esperaram poder aceder a empregos que até então tinham sido tacitamente reservados a brancos, como os de motoristas de táxi ou empregados bancários. Esperaram poder ganhar tanto e ter as mesmas possibilidades de promoção e de aumento de salário que um branco que fizesse o mesmo trabalho que eles. Esperaram poder entrar nos estabelecimentos comerciais que quisessem, sem receio de serem atendidos com maus modos e enxotados por serem negros, e sem terem que pagar mais do que pagaria um branco pelos mesmos artigos. Esperaram ter condições que lhes permitissem viver numa casa que merecesse o nome de casa, e não numa construção precária de adobe ou de blocos de cimento ou numa cubata. Esperaram que os seus filhos viessem a ter os estudos que eles próprios não puderam ter, apesar da sua enorme vontade de aprender. Enfim, eles viram abrir-se diante de si a perspetiva de uma vida muito mais livre, próspera e feliz do que a que tinham tido até então. Esperaram vir a ter, enfim, uma vida sem humilhações e sem pobreza.

Porém, quando no fim nos separámos, as nossas vidas — a minha por um lado e as deles por outro — tomaram caminhos terrivelmente distintos. Enquanto eu pude recomeçar a minha vida e acabar o meu curso de Engenharia num Portugal em paz, os meus antigos subordinados angolanos mergulharam numa guerra incomparavelmente mais terrível do que a guerra de guerrilhas que eles e eu tínhamos enfrentado juntos: a guerra civil que estalou em Angola em 1975 e que só terminou definitivamente em 2002.

Muitos dos meus antigos subordinados angolanos eram oriundos do Huambo (antiga Nova Lisboa), do Kuito (antiga Silva Porto), de Malanje e de outras terras onde a guerra civil atingiu o seu paroxismo. Estes meus antigos companheiros apanharam em cheio um dilúvio de fogo e de metralha que durou anos e anos a fio. Mais tarde ou mais cedo devem ter sido obrigados a abandonar tudo o que tinham e a procurar refúgio no mato ou então a tomar o caminho de Luanda, Benguela, Lubango ou outro sítio onde se pudessem sentir mais seguros. Devem ter enfrentado a fome, as doenças, as minas e sabe-se lá o que mais. Quantos deles terão conseguido sobreviver a tudo isto? Tremo só de pensar. Naquela guerra houve tantos mortos! Tantos corpos despedaçados! Tantas famílias destroçadas! Todos os sonhos e todas as esperanças que, a seguir ao 25 de Abril, estes meus antigos camaradas de armas tinham alimentado, foram varridos por uma arrasadora torrente de guerra e de morte.

De todos eles, só sei o destino de dois. O mestiço claro veio para Portugal em 1984, para junto da família paterna, e vive agora em Évora. Um outro antigo soldado meu, que era negro e por quem quase dei a minha vida num incidente que não importa aqui relatar, alistou-se nas FAPLA (o braço armado do MPLA) e acabou por morrer perto do Huambo em 1982. Ele era um herói.

Diz-se que um homem não chora, mas neste momento estou com os olhos cheios de lágrimas, de saudades imensas de todos eles.


Fernando Ribeiro
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Como me emocionou o comentário do Leitor Fernando Ribeiro!

Palavras sentidas, reveladoras de um Nobre Espírito e Carácter. Sei do que fala!

Sempre defendi aquela Boa Gente e foram angolanos, negros, alguns dos melhores Homens que comandei.

Para o Fernando Ribeiro, meu ex-Camarada, mais novo, a minha Continência e Forte Abraço com a enorme saudade daquela tão bela Angola.

Vitor
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A música lá em cima é "Canção com Lágrimas" de Adriano Correia de Oliveira e Manuel Alegre. 


Transcrevo o texto que acompanha o vídeo: Esta primeira versão, cantada por Adriano, está magistralmente interpretada, tanto pelo cantor como pelo acompanhante, o Rui Pato, que concebeu um acompanhamento perfeitamente enquadrado nas características da peça. A gravação é dos finais de 1969, tendo sido editada em 1970. 

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Permitam que vos convide a descer até ao post seguinte, um post muito pessoal.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.

...

sábado, abril 14, 2012

Em dia de chuva (vista do lado de dentro de uma torre de vidro e depois sentida no rosto junto ao rio), poemas da Praça da Canção de Manuel Alegre e a Trova do Vento que Passa na voz de Adriano Correia de Oliveira. E para nos ajudar a perceber o que é ter asas na alma, o bem disposto bailado Rain pela Kyiv Modern Ballet


Música, por favor

Adriano Correia interpreta a Trova do Vento que Passa, poema de Manuel Alegre


Na cidade transparente que habito durante o dia, as torres são de vidro e vêem-se árvores mas não se ouvem os sons da rua nem se sente o cheiro verde das flores (já falei disso algumas vezes e não vos vou agora maçar muito mais).

Não se ouve também a chuva mas vê-se e eu gosto de a ver escorrendo pelos vidros da minha janela que não se abre. Hoje foi um desses dias. Pela forma como escorria e pela movimento elegante mas violento das árvores lá em baixo, eu imaginava que bateria com força. Parecia estar muito vento e a chuva deveria estar a bater violentamente nestes vidros isolantes - imagens em movimento, silenciosas (uma coisa de tipo cinema mudo, o que não deixa de ter a sua graça). 

Comprei hoje alguns livros, entre os quais um livro muito bonito e também já vos contei como gosto de livros bonitos enquanto objectos.

A Praça da Canção, aqui ao pé de um outro livro que também adquiri,
uma monografia sobre  Edward Hopper e sobre quem depois falarei


Trata-se da edição do 40º aniversário (que já ocorreu em 2005) da Praça da Canção de Manuel Alegre, com ilustrações de José Rodrigues e prefácio de Paula Morão, uma edição Dom Quixote. É um livro grande, revestido a tecido encarnado, e todo ele muito cuidado, um livro mesmo muito bonito, agradável à vista e ao toque. E o preço uma surpresa: apenas 14,90€ (na FNAC).

'Havia o mar. Raparigas da terra da saudade' - pág. 74 da Praça da Canção,
com belíssima imagem de José Rodrigues


Dele extraio os seguintes excertos de poema, muito adequados aos dia de hoje:


                          Chove nas ruas como nas veias
                          cidade cheia de mágoas
                          e não há barcos ideias
                          que nos levem por sobre as águas
                          que tu vento despenteias.


                           Há só a chuva nos vidros
                           e este viver para dentro
                           há só minutos perdidos
                           e as caravelas do pensamento
                           naufragadas nos sentidos.
(...)
                           Minha cidade calafetada
                           quando à porta bate o vento
                           há só poetas cantando
                           este viver para dentro
                           e as caravelas do pensamento
                           naufragadas (até quando?)
                           perdidas no nevoeiro.


                          Dai-me um verso marinheiro
                          dai-me um verso madrugada.



Há pouco, quando a noite  começava a descer sobre Lisboa sempre bela e sobre um Tejo agitado, e quando a chuva molhava os rostos dos poucos que se aventuravam por aqui, neste fim de dia ventoso, frio, quase agreste
                         

E, por passear, e por falar em palavras que nascem da brisa que nasce em mim apesar destes dias tão pesados em que os mercados dominam o mundo,

                               Não leves o sol nas mãos
                               quando fores amor à praça
                               onde até o sol se compra
                               onde até o sol se vende
                               e sobretudo não digas
                               essas palavras que nascem
                               da brisa que nasce em ti
                               quando passares pela praça
                               onde se compram palavras
                               onde as palavras se vendem.


Mas voltando à chuva: sinto-a como uma bênção, uma dádiva, e é tão indispensável, e lava-nos, dá-nos vida.

Lembrei-me agora: no outro dia eu andava a passear no jardim rente ao rio e estava a chuviscar. Geralmente não uso chapéu de chuva. Cruzei-me, então, com dois homens que vinham conversando debaixo dos seus chapéus de chuva. Ao passarem por mim, um disse: 'a chuva é mesmo uma coisa psicológica' e, com ar destemido e intrépido, fecharam os chapéus de chuva. Pensei cá para mim: '... É de homem!'.

Adiante.

Mesmo nestes tempos de desconfiança e incerteza, em que o futuro nos é atirado à cara todos os dias como um pecado ou um bem imerecido e em que todos os contratos são rasgados unilateralmente por este governo que nos desrepeita, a chuva pacifica, baptiza. 

Estou a escrever e estou a senti-la, agora mansinha, aqui a fazer umas cócegas carinhosas na janela mesmo ao meu lado.

E por Chuva e por irmos passear até à praça, que tal irmos ao baile? Não é um baile qualquer, é um bailado e, por sinal, muito divertido. Uma festa em dias de cinza. 

                         
Rain - Kyiv (Kiev) Modern Ballet coreografia de Radu Pklitaru sobre música popular e sobre música de Bach

««««.»»»»

Tenham, meus Amigos, um belo sábado.
Com ou sem chuva, com ou sem poesia, com ou sem asas nos pés, com ou sem uma insustentável leveza nos pensamentos, sintam meus Caros, a alma lavada e a paz no vosso coração

(Credo...! Ando zen é o que é, para escrever coisas destas. Oh senhores, mas que é isto...? Pareço uma beata ou uma betinha... Mas aguardem-me que não perdem pela demora:  não tarda, apareço aqui, pronta para a guerra)