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domingo, agosto 24, 2025

A graça dos inocentes

 

Não quero parecer tonta e insensível como o Montenegro, a banhos ou todo contente no Pontal enquanto o país arde e as populações gritam, entregues à sua sorte com o fogo a lamber-lhes e a devorar-lhes as terras. Mas, em minha defesa tenho o facto de que, ao contrário de Montenegro, eu não sou responsável por tomar medidas que previnam estas desgraças ou que, na presença delas, as ataquem. Ele é. E parece que anda às aranhas, sem saber o que fazer. Depois de tanto ter pregado contra António Costa e ter prometido resolver tudo e mais alguma coisa em três tempos, agora não apenas está tudo pior como não conseguimos ter confiança nos artolas que nos aparecem da parte do Governo. Maria Lúcia Amaral pode ser uma boa pessoa, uma boa professora e ter algumas coisas razoáveis no cv mas, caraças, não salta a olho nu que jamais poderia ser pessoa capaz para este ministério? Que experiência tem a senhora para lidar com catástrofes, que experiência tem em coordenar equipas distintas, para lidar com problemas complexos, no terreno? Não sei mas presumo que zero. Estamos entregues a isto. 

Por isso, enquanto as televisões mostram Pedrógão de novo debaixo de fogo e outros céus rubros das labaredas e do fumo ardente, eu aqui estou a pensar nos meus amores e amorzinhos, tão queridos, tão alegres, todos boas pessoas. Cá estiveram e, como sempre, é aquela animação e aquele bom apetite que dá gosto. Os caranguejos gostam de alimentar os outros. Eu sou assim, o meu filho é assim, o meu pai era assim. 

Entre parêntesis, confesso uma coisa de que não me orgulho, uma coisa que talvez indicie que a minha cabeça começa a desandar... Fiz uma empada de galinha, uma empada grande, familiar. Deu-me algum trabalho, claro. Quando pronta, não a retirei do forno para se manter quentinha. Depois preparei o resto, o meu filho veio para a cozinha e assumiu o comando, cozinhou escalopes e febras, preparou bifanas, e pitas, tudo saborosíssimo, juntei a isso, na mesa, o cheese naan, chamuças, etc, e é sempre aquele reboliço de se ajeitarem na mesa, de se servirem, de conversarem e rirem. E depois veio a fruta e o bolo e tudo certo, cantoria, fotografias. De repente lembrei-me: a empada! Ainda morninha, no forno... caraças... 

No fim, quando saíram, lá a dividimos entre famílias, sempre a provam em casa, mas, bolas, como fui esquecer-me de uma coisa destas? Que absurdo... Enfim. Cabeça de alho cada vez mais chocho...

Mas, enfim, todos os males fossem esses. O que importa é que a convivência é sempre leve, bem disposta. E eu fico feliz por eles, por serem amigos, por gostarem uns dos outros, e por gostarem de estar cá em casa.

Ainda não contei mas no outro dia, estávamos in heaven, pergunta o mais novo, e já nem me lembro bem das exatas palavras mas foi qualquer coisa do género: 'Para quem fica isto quando vocês já não puderem tomar conta?' e depois, mais palavra menos palavra, disse que podia ficar para ele. Achei um piadão. Disse-lhe que já era o terceiro a candidatar-se. O mano dele depois dissertou dizendo que se calhar daqui por uns vinte anos eu e o avô já não poderíamos tomar conta, que ele poderia ocupar-se disso. São inteligentes, percebem que uma coisa assim tem que ter quem se ocupe dela, dá muito trabalho, e, de facto, eu e o avô já não vamos para novos, chegará a altura em que não daremos conta do recado. Fico contente por sentir neles este amor a este bocado de terra, enche-me de felicidade, talvez continue a ser um lugar no coração deles e de vindouros que nem conhecerei mas que, de alguma forma, ainda transportarão algum do meu sangue, um lugar de paz que os animais também procuram, em que nasce tudo em todo o lado, em que o ar transporta a liberdade dos grandes espaços. 

Felizmente não somos eternos e, quando chegar a minha vez de sair da passadeira rolante que é a vida, já cá não estarei no day after para lamentar isto ou aquilo. Mas, apesar disso, alegra-me pensar que talvez entre eles se organizem para continuarem a usufruir de um espaço tão rural, tão selvagem mas, ao mesmo tempo, tão acolhedor.

E estava eu aqui a ver as fotografias de hoje, a pensar nisto, a pensar nos meus cinco pimentinhas, agora já tão grandes e sempre tão queridos, resolvi espreitar o youtube.

E pimbas, apareceu-me este vídeo que aqui partilho. Uma delícia, uma fofura, a graça da descoberta, a graça da inocência.

O elefante bebé Chaba pela primeira vez numa banheira


Desejo-vos um feliz dia de domingo!

segunda-feira, agosto 18, 2025

Um heaven a precisar de alguma lei e ordem
(e um país a precisar de ser decentemente governado)

 

Depois de um dia belamente preenchido, quando ficámos sozinhos, à noite, ainda fomos fazer a nossa caminhada. E depois estive a tratar de uns assuntos e só agora me despachei. Como ainda por cima não posso levantar-me tarde, agora tenho que abreviar.

Caso tenham a possibilidade de me seguir também no Instagram (ao que eu cheguei... eu sempre tão contra as redes sociais...), poderão saber que tenho andado aos figos, barrigadas deles. Passo por perto de uma figueira e, mostrando que a minha vocação para o sacrifício é muito limitada, atiro-me aos figos com uma gula que não tem perdão. Vivo in heaven mas o meu heaven não é o paraíso das beatas elegantes, o meu heaven é um lugar em que se pode pecar à vontade e comer até não poder mais. 

Poderão também saber que parece que os coelhos estão de volta. Uma felicidade. 

E ainda não vos contei mas no outro dia tive uma ideia que o meu marido abraçou com todas as mãos de que dispõe: pedirmos um parecer a um paisagista. Com a queda de cedros quando foi o vendaval Martinho, consultámos uns experts que nos disseram que os cedros são frágeis perante situações adversas como as ventanias pois as suas raízes são superficiais e, ao crescerem muito em altura, ficam com uma fraca base de sustentação. Então o que fazer? Deixara que caiam? Ou agir antecipadamente? E substituir por que outras árvores? Também há o caso das laranjeiras que querem mais água do que a que lhes podemos dar. Arrancamos? Colocamos lá o quê? Suculentas gigantes? E há o mato que não sabemos se é bom e útil para manter o solo fértil e faz sentido ou se deve ser arrancado sistematicamente (rosmaninho, alecrim, sálvia, tomilho, etc) pois, ao secar, pode tornar-se perigoso. Em suma, que ordenamento do nosso pequeno território deve ser feito para que aquilo seja auto-sustentável, seja equilibrado, requeira pouca ou quase nenhuma manutenção, fique esteticamente agradável. É que, ainda por cima, tudo rebenta por todo o lado. Folhados, por exemplo, aparecem por todo o lado. Na serra da Arrábida, por exemplo, crescem espontaneamente, são verdinhos, são bonitos. Mas aquilo é serra, é suposto estar florestado 'selvaticamente'. Será que devemos deixar que também ali, no nosso terreno, a natureza se imponha?

Ou seja, acho que está na altura de obtermos aconselhamento especializado. 

Poderia agora fazer a ponte para falar da desgraça dos incêndios, da aflição das pessoas que se veem cercadas pelo fogo, impotentes, assustadas. E poderia referir que têm razão para estar assustadas (aliás, temos todos razão para termos medo: medo de precisarmos de uma ambulância e não aparecer nenhuma, medo de irmos parar às urgências e não haver médicos, medo de nos vermos rodeados por fogo e não aparecerem bombeiros -- pois nem as ministras das respectivas áreas dão uma para a caixa, só fazem porcaria, nem o primeiro-ministro tem a humildade de pedir desculpa aos portugueses que enganou ao prometer resolver tudo em meia dúzia de dias ou de meses e, agora, contatarmos que não apenas não resolveu nada como estragou ainda mais o que encontrou). Mas não vou dizer nada pois são quase três da manhã e eu já deveria estar a dormir.

sexta-feira, agosto 01, 2025

Na ressaca de uma ida às compras, com o corpo habituado ao descanso e ao silêncio

 

Quando estamos no campo, o tempo flui de uma outra maneira. Durmo mais, levanto-me tarde e isso não atrapalha o resto do dia porque tudo corre tranquilamente, quase como se o tempo deslizasse com todo o vagar.

Com o calor que tem estado, só se consegue estar bem dentro de água ou dentro de casa. Só ao fim do dia se consegue andar na rua. E, ao fim do dia, com a doçura do entardecer, tudo é serenidade. O tempo em tardança.

Sou eu e é ele: zen, zen, zen
Ainda hoje, no campo, à sombra, a dormir descansadamente

Portanto, com este ritmo pausado, o meu corpo parece desabituar-se da agitação, do movimento.

Aconteceu-me hoje um banho de imersão num bem animado shopping. Já no outro dia, quando um dos meninos fez anos, fomos às compras com ele (e com o mano). Mas a transição do campo para a cidade não foi como hoje, foi mais rápido e só um dos rapazes estava comprador. 

Hoje, com dois leõzinhos em vias de fazerem anos, de presente quiseram também ir às compras. Só ao fim da tarde porque antes estiveram na praia. 

Ele despachado, muito pragmático. E impaciente. No capítulo das compras, igual ao pai. Antes tinha-nos avisado qual a hora limite pois tinha que estar em casa a tempo de tomar banho e jantar para, quando começasse o jogo, queria estar a postos em frente da televisão.

Ela é outro comprimento de onda. Disponível para avaliar todas as opções, com gosto em experimentar tudo, sem pressa. Neste capítulo, igual à tia. Disse o irmão que, só por saber que ele se queria despachar para não perder pitada do jogo, já ela fazia tudo mais devagar. Ela disse que não mas não sei se, lá no fundinho, ela não se importou nada de não corresponder às pressas dela. Contudo, penso que, nela, é, sobretudo, o prazer de ir às compras e de experimentar toilettes. Compreendo-a. Não posso esconder que sou também assim. Talvez não agora, em que me forço a não ceder ao consumismo, mas, antes, o prazer que sentia em adquirir farpelas novas era grande e sempre renovado.

Portanto, gerir estas duas personalidades e motivações, foi uma coisa um pouco complexa: ele desesperado, farto, irritado, ela nas calmas, nas sete quintas. 

Entretanto, o meu marido resolveu levar o cão, mas, logicamente, ficou lá fora a passeá-lo. Não sei se imaginou que seria rápido mas, se imaginou, imaginou mal. Por isso, também desesperava, telefonando-me volta e meia a pedir-me um ponto de situação, dizendo que já não conseguia andar mais tempo às voltas. Pelo meio, ligou-me também o meu filho a querer saber onde andávamos pois daí a nada começava o jogo, e, perante o ponto de situação, disse-me que eu não estava a gerir bem as prioridades. Talvez, mas perante abordagens contrárias, até conflituantes, que poderia eu fazer?

Segundo ela, foi o irmão que ligou aos pais a queixar-se dela e a mostrar o seu desespero. Não vi mas ele não negou. 

No final, ela já estava bem abastecida, embora ainda com um item em falta, ele ainda quase sem nada.  Vi o caso mal parado. Ele já não queria nada para ele nem queria que a irmã fosse comprar o que lhe faltava. Tive que convencê-lo, iríamos a correr, tudo muito rápido. Não podia ser ficar praticamente sem presentes. Respondeu-me que logo comprava, noutra altura, e depois logo dizia quanto tinha custado. Disse-lhe que isso não tinha jeito nenhum. Uma negociação difícil. Com a promessa de que despacharíamos o assunto em poucos minutos, lá acabei por convencê-lo e lá se resolveu tudo. Mas disse que não volta a ir às compras ao mesmo tempo que a irmã. E, de facto, mais vale tratar do assunto em duas expedições distintas, uma para cada um.

Mas, enfim, entregámo-los em casa resvés campo de ourique, presumo que ainda conseguiu ver o futebol todo (não sei se teve tempo para o banho e se não teve que jantar em frente da televisão...). Os primos, em contrapartida, gentileza do tio que lhes arranjou bilhetes, viram-no ao vivo, no Algarve.

Agora o que acontece é que, desabituada de estar no meio de muita gente, desabituada de algum stress (por irrelevante que seja), desabituada de pressas, chegada a casa, quando acabei de jantar, sentei-me aqui no sofá e foi como se estivesse anestesiada: caí num sono profundo. Não imaginam. Não conseguia acordar. Ferrada, ferrada, ferrada, como se tivesse vindo de correr a maratona.

Não sei se é desábito, se é deste calor ou se é de outra coisa: no outro dia o meu marido disse-me que eu passo meses sem ver a tensão arterial. Muito instada por ele, acabei por ir ver e estava baixíssima: a máxima parece que estava em 10 e picos e a mínima nem chegava aos 5. Na volta, também é isso.

Com esta situação, como poderão imaginar, nem faço ideia do que se passa no mundo nem consigo agradecer e responder os comentários. Vou retirar-me para os meus aposentos.

terça-feira, julho 08, 2025

Quando formos para melhor

 

No fim de semana, parte da família esteve a banhos no sudoeste e, da outra parte, um dos meninos esteve numa festa de anos, numa destas festas que também são happenings, desta vez incluindo equitação. Fui recebendo fotografias de uns e de outros, uns a mergulharem, outras a cantarem, um a andar a cavalo. 

Portanto, a casa não esteve tão cheia como quando estão todos, mas foi igualmente bom. Se sei que estão todos bem também estou bem. 

O bem estar e a felicidade são estados de geometria variável.

No outro dia recebi uma fotografia de uma das minhas primas com o seu neto mais novo, o que conheci no dia do velório e que voltei a ver no dia da cremação da minha tia. Na fotografia estava também o meu tio que, como sempre, estava impecável. Por tanto que tem passado e mantém-se inalterável, sempre muito bem arranjado, sempre com boa cara, mesmo muito bem. Está quase igual ao meu avô, seu pai.

O tempo passa a correr, é o que é. Penso que o nome deste meu tio, o petit nom pelo qual era chamado, foi a segunda palavra que disse (a primeira foi cão). Embora pouco efusivo -- nada a ver com o meu outro dia que falava alto, que ria, que conversava e contava histórias --, sempre admirei a contenção e os modos reservados deste meu tio. Levava-me a andar na sua bela mota, com cromados reluzentes. Os meus pais não queriam, mas ele transgredia. Eu sentia o cabelo ao vento em especial quando ele curvava. Ninguém usava capacete. Depois arranjou uma namorada bonita, com uns grandes olhos verdes e uma voz com um timbre distinto. Levou-me algumas vezes com ele quando ia namorar. Aquela namorada despertava-me curiosidade. Devia ter uns quatro anos, eu, e achava que ela parecia uma artista de cinema. Algum tempo depois fui a menina das alianças e levei um vestido todo feito de renda branca e o cabelo apanhado em cima, com uma fita de rendas em volta.

Agora ele já tem uma bisneta que é igual, igualzinha, à minha prima. Até na forma como se riem, gargalhando de forma franca, aberta. Agora a minha prima já não ri assim, está muito parecida com o pai, nos modos contidos. Mas, quando era pequenina, a minha prima ria muito. Eu também. Por vezes tínhamos ataques de riso e partíamo-nos a rir. A minha mãe diz que ficava com vontade de rir só de ver como nos ríamos. 

E, para além da bisneta que é igual à filha, quando era pequenina, o meu tio agora tem este bisneto bebé, também muito fofo.

É aquilo que digo. A nossa vida humana dura enquanto nos aguentamos na passadeira rolante. De vez em quando há um que sai. Um ano depois da minha mãe, foi a minha tia que saiu. Mas, entretanto, pouco antes tinha entrado um novo bebé.

As famílias recompõem-se. É um fenómeno fractal. Também os nosso corpos vão libertando células velhas e novas vão aparecendo. Pouco somos daquilo que um dia fomos.

Contei, num vídeo que publiquei agora no Instagram, como, no outro dia, um dos meus meninos me perguntou para quem ficaria este espaço a que, entre nós, damos um outro nome mas a que aqui, no blog, chamo heaven: 'Olha lá, quando tu e o avô forem para melhor, o 'heaven' fica para mim ou para o pai?'. Num primeiro momento não percebi. Depois percebi que ele queria dizer 'quando forem desta para melhor'. Não me fez impressão a pergunta. Pelo contrário, fico contente que gostem tanto deste lugar. Já há uns anos, um outro menino, com mais hesitação, me tinha perguntado o que aconteceria a isto quando nós morrêssemos. 

O que me preocupa e o que me custa, isso sim, é pensar como pode ser difícil a sua vida quando forem adultos, quando tiverem os seus próprios filhos. Gostava que se mantivessem juntos, amigos uns dos outros, que vivessem numa terra verdejante, amena, pacífica, em que todos se estimassem e amparassem, em que o futuro fosse promissor e aguardado com optimismo e alegria. Isso era mesmo o que eu queria. 

Mas receio tanto... Hoje esteve outro dia de calor difícil de suportar. As temperaturas sobem, sobem. E, muito sinceramente, não vejo que em Portugal estejam a ser tomadas medidas estratégicas, de longo prazo, para combater, na medida das nossas possibilidades, as alterações climáticas. E devia haver um toque a rebate, medidas globais, que tocassem a toda a gente.

Vejo que na Suíça o Estado está a financiar o arranque do betão dos pavimentos para o substituir por jardins. Junto às casas, nos parques públicos, em todo o lado em que tal faça sentido, é um movimento que está a começar. Pretende-se que os solos consigam absorver as águas para que os rios não transbordem, pretende-se devolver à natureza o que à natureza nunca deveria ter sido retirado.

Vejo que na Dinamarca há incentivos estatais para que, a nível geral, a alimentação usual comece a ser substituída por alimentação sobretudo baseada em vegetais. A poluição resultante das explorações intensivas, nomeadamente de animais, é muito relevante. Tudo o que se possa fazer para a reduzir, sem prejuízo para a saúde humana, é de louvar.

Seria interessante que houvesse, por cá, uma chamada de atenção para a necessidade de se fazer alguma coisa -- e um plano de acções para fazer o que há a fazer.

Partilho os vídeos. Dá para activar a auto-tradução que, já se sabe, não é famosa mas que pode ser uma ajuda para quem não esteja à vontade com a língua inglesa.

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"Recuperar o espaço do betão: Como as cidades suíças estão a ficar mais verdes" - Focus on Europe

O betão está a abrir caminho para o solo, enquanto os ativistas suíços trabalham para recuperar o espaço urbano para a natureza. Como o solo absorve muito melhor a chuva, a iniciativa promete reduzir a carga sobre os sistemas de esgotos urbanos.

O ambicioso plano da Dinamarca para impulsionar os alimentos de origem vegetal | FT Rethink

Os alimentos de origem vegetal são essenciais para a transição verde da Dinamarca e deverão proporcionar benefícios económicos e de saúde significativos. A pequena nação escandinava é agora líder mundial neste sector. Então, como é que a Dinamarca fez isso? Será que esta estratégia poderia funcionar noutros locais?

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Dias felizes

segunda-feira, junho 23, 2025

Varrer, regar, ver esquilos, fazer conteúdos digitais

 

Quem se dá ao trabalho de ver os meus inconcebíveis vídeos no Instagram, para além de constatar um indiscutível amadorismo e uma total ausência de propósito, já deve estar farto do chinfrim que faço ao andar, pisando caruma, folhas secas de azinheira ou de eucalipto, bolotas ressequidas e tudo o mais que por aqui se junta. 

É certo que eu poderia -- e, se calhar, deveria -- aprender a editar os vídeos, retirar-lhes o ruído ambiente, cortar e colar bocados disparatados, etc. Mas, sinceramente, não ando com paciência para gastar tempo com isso. E, ao escrever isto, receio que achem falta de respeito da minha parte apresentar produtos de tão insólita falta de qualidade alegando falta de paciência para aprender e para editar. Porém acreditem: não é falta de respeito, é mesmo uma quase incapacitante falta de paciência. Pode ser que me passe... Um dia que leve mais a sério isto de fazer 'conteúdos digitais' (como agora sói dizer-se) talvez me leve a mim mesma mais a sério (e agora devia aqui inserir um emoji a piscar o olho e a deitar a língua de fora para que percebam que estou a pensar que está bem, está). 

Em contrapartida, tenho passado os dias a varrer em volta da casa. Só que a casa, ainda assim, tem um perímetro que vai lá, vai, e os calores dos últimos tempos têm feito o chão encher-se de folhagem seca. Por isso, é um trabalho insano, uma never ending story, uma cena à moda do sísifo. Até não há muito, com as chuvas, era musgo por todo o lado e até nascia erva das pedras. Agora está tudo seco e é o que se vê.

Lá por baixo, na extensão grande do terreno, não há como varrer ou impedir que os meus passos façam barulho ao pisar isso, mas, em volta da casa, até por razões estéticas ou de segurança, obviamente tem que ser tudo limpo.

Em tempos, tínhamos contratado um senhor da aldeia para tratar das limpezas e das regas. Vinha duas tardes (completas) por semana. Queixava-se, dizia que não chegava, dizia que era trabalho a tempo inteiro. Mas também não queríamos que isto fosse o palácio de versalhes, não era nossa ideia ter um jardim imaculado em volta da casa. Sobretudo, o que queríamos era que, ao fim de semana, não tivéssemos que nos preocupar com isso. Mas o senhor, para nos demonstrar que duas tardes (inteiras) por semana não chegavam, pespegava-se cá ao sábado. Nós a querermos estar descansados e à vontade e ele a cirandar por aqui, a chamar-nos para nos mostrar isto, a chamar-nos para nos perguntar sobre aquilo, uma seca de que não havia memória. Mesmo quando lhe dizíamos que íamos cá ter pessoas, ele não despegava. Aliás, parece que fazia questão em estar, em ver e ser visto. Ficávamos passados. Com muita dificuldade e cuidado para não o melindrarmos, acabámos por dispensá-lo.

Mas isto não se dá conta. Precisa mesmo de manutenção. O ano passado o meu marido contratou outro senhor da aldeia. Veio recomendado pelo vizinho do início da rua. Avisou-nos que ele bebia um copito a mais mas que era trabalhador e sério.

Chegávamos cá e estava tudo na mesma, com excepção de beatas por todo o lado. E não era das puritanas que rezam, eram mesmo das que podem pegar fogo. Queixava-se que era um trabalho ingrato, que vinha limpar e varrer e apanhar ervas todos os dias e que chegava ao fim de semana e o que tinha sido cuidado na segunda-feira já estava outra vez a precisar de ser limpo. O vizinho confirmava que o via andar por cá a trabalhar, que não era tanga. No fim, pagávamos horas que nunca mais acabavam e não se via nada de jeito, só beatas. Dizia que tinha cuidado, que as apagava bem. Mas eu não podia ver beatas por todo o lado, é coisa que me me complicava com o sistema nervoso. No conceito dele, os cigarros são para se deitar para o chão e parecia não perceber que não o deveria fazer. Acabámos por agradecer e, uma vez tudo pago, nunca mais lhe dissemos para vir.

Resultado, somos nós que tratamos do assunto. O meu marido reclama, diz que é trabalho a mais.

A mim não me custa. Gosto imenso de varrer. Aposto que para a minha cabeça é como se estivesse a meditar: não penso em mais nada. Ando completamente focada a varrer e fazer montes. O pior é que, depois, encher os sacos ou os carrinhos custa um bocado. Uso uma pá grande mas, às tantas, o meu marido pega ele naquilo e anda ele a recolher os montes, a transportá-los para a terra. E queixa-se. Diz que, antes de eu acordar, já ele andou a cortar mato ou a fazer outras tarefas e que, depois, eu não sei parar e varro este mundo e o outro e que não está para isso. Mas esta nossa dinâmica, de reclamarmos um com o outro, já tem barbas, ou seja, já não ligamos muito aos protestos um do outro.

Outra coisa que fica para mim é a rega. Gosto imenso de regar. Quem me acompanha aqui há muito tempo, recordar-se-á que já contei que, de início, investimos fortunas (salvo seja) em sistemas de rega mas que, quando cá chegávamos ao fim de semana, estava tudo roído. Os coelhos (ou outra bicharada) roíam tudo. O meu marido substituía e eles comiam. Desistimos. O meu marido decretou que o que sobrevivesse sem rega seria bem vindo, o que carecesse de cuidados, podia desaparecer à vontade. E assim foi.

Mas o que está mesmo em volta da casa, do lado da frente, tem que ser regado. Agora do lado de trás e dos lados (se bem que a casa, pela sua arquitectura, na prática não tem frente, nem lados, nem trás) nunca é regado.

E, no entanto, está tudo gigante. Só as laranjeiras, e estão à frente, é que estão raquíticas e vão acabar por morrer. Não deveriam ter sido plantadas, não se dão aqui, é impossível. Quando comprámos o terreno já cá estavam, e já eram infelizes. Trinta anos depois ainda sobrevivem... mas coitadas.

E hoje já andei a apanhar orégãos, amanhã já vou montar o estaminé do costume: lençol em cima da mesa da casa de jantar e eles espalhados em cima, a secar. 

Adoro. São perfumados, frescos. Bouquets graciosos, delicados e com a graça adicional de serem comestíveis.

O campo, para mim é uma mistura de mil sensações boas: os sons, os cheiros, a luz, a paz, o vagar, o contacto directo com a terra, com o trabalho simples. Maravilha maior. Não há cá férias em resorts, em turismos de habitação cinco estrelas, o que for: aqui é que a minha alma rural se sente bem.

E, ao fim do dia, enquanto estava ao telefone com a minha filha, ia ela a caminho de casa depois de umas belas férias abroad, e eu por ali andava de um lado para o outro, uma surpresa daquelas que me deixam a sorrir, com vontade de agradecer, com vontade de trepar às árvores a ver se me aceitam como uma deles: um esquilo a andar por cima de um banco, a trepar a um muro e depois a subir pelo tronco da azinheira sob a qual eu estava. Que bênção, que alegria. Eu com receio que eles tivessem desaparecido e, afinal, ainda por aqui andam. Este é mais escurinho do que os que eu tinha visto antes. Este era mesmo castanhinho escuro. Lindo, fofo, um rabo enorme, ao alto.

Estava a falar ao telefone, não consegui fotografá-lo. Mas acreditem, ainda por aqui andam. Provavelmente, enquanto ando a varrer, estão eles lá em cima a tentar compreender que animal é este que, cá em baixo, se entretém a fazer montes de folhinhas e bolotas (e pinhas que eles deitam para o chão depois de as roer). Esse animal sou eu que, tal como eles, vim de outras paragens para usufruir do privilégio de respirar este ar tão puro, para viver nesta paz tão mágica.

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Desejo-vos uma boa semana

Be happy

sábado, junho 21, 2025

Um dos mais lindos metros do mundo

 

Isto é uma manifestação

Não sei há quantos anos não ando de metro em Lisboa. Décadas, seguramente. Habituámo-nos a andar de carro. Bem sei que é uma parvoíce. Mas, quando sugiro ao meu marido que, em vez de andarmos preocupados com o trânsito ou com o estacionamento, podíamos usar transportes públicos, pergunta-me onde é que deixávamos o carro. Não há transporte directo para o centro, pelo menos que saibamos. Por isso, ou fazíamos transbordo ou íamos de carro até um lugar mais ou menos periférico. Mas desabituámo-nos, isso parece-nos mais complicado do que irmos de carro desde que fechamos a porta de casa até quase à porta do lugar onde vamos. Há hábitos difíceis de quebrar.

Isto é uma (subtil) performance

Quando eu andava de metro, e gostava de andar por ser prático e rápido, esteticamente nada tinha que se lhe dissesse. Mas mudou e, do que tenho ouvido dizer, mudou para melhor, para muito melhor. Tenho ouvido falar de algumas estações que me dizem ser espectaculares, quer do ponto de vista arquitectónico quer do ponto de vista artístico. Do ponto de vista técnico, nomeadamente do ponto de vista de engenharia civil, tendo em conta as particularidades da cidade, nem falo pois não tenho competências para avaliar -- mas imagino que cada estação seja um desafio, especialmente as da baixa, debaixo de água, no meio de estacaria e de ruínas.

Estas são as três graças

Mas hoje, depois de um dia longe de trânsitos, poluições e outras confusões, um dia dedicado a varrer (não dou conta da caruma, das folhas secas das azinheiras, das bolotas), a caminhar entre árvores, a fotografar flores e florzinhas, pés de orégãos, searas imaginárias, luzinhas mágicas a envolver pomponzinhos fofos, eis que pouso aqui, no bem bom, e recebo, de presente do youtube, um vídeo que mostra a beleza do metropolitano de Lisboa.

Diz ele que é dos mais belos do mundo. E eu fico contente por saber isso. Adoro Lisboa, adoro Portugal, adoro as coisas lindas do meu País.

Para quem esteja como eu -- a milhas de o conhecer -- aqui fica. Lindo, de facto, moderno, elegante, arejado e convidativo. Um dia destes vai ter que ser.

This Is the Most Beautiful Metro (that no-one talks about)

When transport fans, enthusiasts, tourists, guidebooks and listicle websites talk about the most beautiful underground systems in the world, the same small handful of cities tend to be mentioned. You've just immediately thought of at least two of them.

But no-on ever seems to bring up the Metro in Lisbon, which is, in my opinion, definitely worth including on the list. Using footage from my recent trip to the city, let me show you what I mean...


Dias felizes

sexta-feira, junho 20, 2025

Podem desmentir-me se quiserem

 

Isto é uma catedral

Gosto agora muito de me sentar no jardim ou no campo, em especial à tardinha, a olhar para o ar, para o céu, para as árvores. 

No jardim há agora um perfume novo, creio que a mistura de várias flores. É um perfume floral, isso sem dúvida, mas, ao mesmo tempo, doce e íntimo. Os pássaros também gostam. Descem e vêm passear perto de mim, entretendo-se a debicar o que encontram na terra. 

Se estou sob as árvores gosto de as admirar, vendo-as de baixo. Não existiam e foram-se tornando a maravilha que são. E gosto de ver as flores através da luz. Ou a luz através das flores. Parece o mesmo mas não é. 

As nuvens também me cativam. São efémeras como uma aragem. Não têm a noção do tempo nem do espaço, são livres como uma partícula elementar, como uma palavra solta ao vento, como espíritos vogando por aí.

Isto é um deus, e creio que daqueles que não são particularmente santos
(honi soit qui mal y pense).

Muitas vezes tenho um livro comigo mas, se o livro não tem nada que me impressione (e impressionar no sentido em que a luz impressiona a película, nela gravando imagens, sombras, movimentos), fecho-o e deixo-me estar.

Isto é um milagre. Inexplicável. Fruto da inspiração de uma inexistente divindade

Tenho saudades de fotografar com as minhas máquinas fotográficas. Foram-se estragando e, depois, para quê continuar?, já tinha milhares de fotografias. Faz sentido continuar a acumular fotografias? Não vou voltar a vê-las. O que gosto é do momento em que capto a imagem. A partir daí já não me interessam. Agora uso o telemóvel. E vou apagando pois estou sempre a precisar de mais espaço.

Isto é uma obra de arte. Fortuita. Com a vantagem de não ser um Miró 

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Já contei muitas vezes que, quando fazemos as nossas caminhadas nestes dias de calor, mal transpomos e entrada do nosso jardim, sentimos a frescura que nele se acolhe. A temperatura está uns graus abaixo da temperatura fora dele. São as árvores, as trepadeiras, as flores, é o carinho que retêm.

In heaven a mesma coisa. Vou andar lá em baixo e, no meio das árvores, é outra a geografia. 

Em qualquer dos casos, o tempo suspende-se. 

Hoje estava sentada no meio das flores, o cão deitado, os passarinhos a cantar. Pensei que poderia ficar assim saecula saeculorum. Talvez bastasse não me mexer. O mundo à minha volta a girar e eu ali, parte do tempo, imóvel como o tempo, uma partícula imaterial suspensa na infinitude do espaço.

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E para que não protestem com o teor da conversa, para quem prefere temas mais concretos, aqui está um vídeo que poderia muito bem servir de inspiração a quem tem a responsabilidade de melhorar os espaços públicos.

THE MINI FOREST - Rewilding using the Miyawaki Method

Terrell Wong is about to plant 100 trees in her small Toronto backyard, a dense mini forest based on the Miyawaki Method. What at first seems like a simple act soon evolves into a complex story about dirt, lawns, fungus, wildlife, native species, and finally the human brain. An anti-lawn anthem from director David Hartman, The Mini Forest explores this innovative form of afforestation and the importance of restoring the native woodlands that once covered so much of Canada and the World.


Uma boa sexta-feira

quinta-feira, junho 19, 2025

Bons momentos, boas memórias, jardins, boa gestão da água (para combater a desertificação), etc.

 

Gosto de livros, de filmes e de vídeos sobre jardins e jardineiros. Sobretudo, gosto de jardins. 

Tenho vivido bons momentos ao longo de toda a minha vida. 

Não guardo traumas (ou, pelo menos, não dou por eles). Sempre relativizei o que me desagradava. Na escola devo ter passado por situações menos boas pois toda a gente se lembra de ter passado e eu não devo ser diferente dos outros. Mas, de facto, não me lembro. Situações boas de que me lembre são aos montes. Provavelmente desde miúda que reajo como sempre me ter lembrado de ter reagido: não ligar a mínima ao que me desagrada.

Por exemplo, lembro-me de que, quando cheguei ao 1º ano do que se chamava Ciclo Preparatório, hoje 5º ano, não conhecia ninguém na minha turma. Na altura, as turmas eram inteiramente femininas. Várias das minhas colegas tinham andado juntas na escola primária e, portanto, já eram amigas. Eu aterrei num mundo desconhecido. Isso para mim foi apenas uma alegria, um mundo novo a descobrir. Era tudo desconhecido: o espaço, o ambiente, as professoras, as colegas, as regras. Com dez anos acabados de fazer ia, de autocarro ou a pé, sozinha para a escola e da escola para casa. Os meus pais trabalhavam e, por isso, eu estava por minha conta. Achava isso natural. Talvez estranhando não verem a minha mãe, perguntavam-me por ela e eu dizia que ela estava na escola, a dar aulas, era professora. Lembro-me de um dia uma colega me ter dito, com ar abespinhado, que eu julgava que era melhor que as outras e, quando eu me mostrei admirada e perguntei porque dizia ela isso, me ter respondido que eu dizia que a minha mãe era professora. Lembro-me bem do meu espanto e de ter dito: 'Mas ela é professora!'. E lembro-me de ter pensado: 'É mesmo burra, se calhar queria que eu dissesse que a minha mãe estava em casa, só para ser igual às outras'. Não me aborreci. Relativizei, achei apenas que ela era burra. E ao longo de todos os anos em que com ela convivi mantive a mesma opinião: só diz burrices.

Por isso, se alguém me chateou (e, repito, só me lembro dessa vez), borrifei.

A minha mãe por vezes arreliava-se por eu ser assim. Disse-me várias vezes que me achava excessivamente racional. Na realidade, eu sempre fui muito o oposto dela. Embora para o exterior ela mostrasse alguma resistência à opinião alheia, a verdade é que se incomodava muito com isso. E guardava mágoas e ressentimentos. Eu zero. Não queria saber disso para nada. Ela às vezes dizia-me: 'disseram isso de ti e não queres saber..?'. E eu respondia que não, não queria saber. Zero, zero. Por isso, quando ela às vezes mostrava opiniões negativas sobre alguém, eu nunca sabia porquê. Se alguma vez tinha sabido, já tinha esquecido. Ela ficava passada comigo. Achava-me excessivamente desprendida. 

Mas dos momentos bons não me esqueço. E não os desvalorizo.

Podem ser situações aparentemente insignificantes mas, para mim, muito relevantes. Por exemplo, e já falei disso muitas vezes, dos momentos bons, relembro os que vivi, ainda que fugazmente, nos viveiros em que ia comprar pequenas árvores para tornar o nosso terreno pedregoso naquilo que é hoje. Já não me lembro como se chama a terra, se é Chamusca, se é Azambuja, sempre confundi os nomes. Saía de casa muito cedo, metia-me a caminho para lá estar muito cedo (não me recordo bem mas tenho ideia que aquilo abria às oito). Depois escolhia as arvorezinhas, levava o carro cheio e regressava a Lisboa, para ir trabalhar. 

As jardineiras, simpaticíssimas, de galochas, andavam pelo meio de todo aquele mundo, um mundo perfumado, húmido, generoso, a terra negra, fértil -- e elas conheciam todas as espécies pelo nome correcto, sabiam como cresciam, como se faziam, escolhíamo-las em conjunto, eu pedia a opinião delas, elas juntavam-se para andar comigo. Acredito que achassem curioso que ali chegasse aquela mulher vinda de Lisboa, vestida daquela maneira, de saltos altos, toda produzida, e por ali andasse conversando com elas, escutando-as com tanta atenção. Cheguei a dizer-lhes que as invejava, que não me importava de trabalhar ali. A forma como faziam transplantes de vasinhos para vasos maiores, a forma como tratavam as plantinhas como bebés, como animaizinhos que precisassem de cuidados, enternecia-me.

No liceu detestei botânica. Hoje penso que a forma como se ensina destrói a curiosidade e o gosto dos miúdos. Muito se deveria repensar sobre a forma de ensino.

Mas também é certo que o meu gosto por árvores, por flores, por trepadeiras, é um gosto mais espiritual que académico ou funcional. Por exemplo, não me sinto atraída por saber as regras de uma poda correcta ou por fazer uma horta. Mas gosto de andar junto às plantas, contemplá-las, venerá-las. É um gosto poético, um gosto imaterial, quase abstracto, difícil de explicar. 

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Não obstante, gosto de ver vídeos como este que aqui partilho em que se abordam temas bem pragmáticos, muito terrenos. Muito pertinentes. Este é um dos tipos de sabedoria que me cativa.

Portugal is Turning into a Desert – Can This Farming Method Save It?

Portugal is slowly turning into a desert. But is the real issue a lack of water—or poor water management? Lars and Denise are using a powerful technique to restore the land and prevent desertification. This technique can be applied anywhere in the world—not just in Portugal or dry regions. By using this method, you’ll gain a deeper understanding of farming and how to work with nature instead of against it.

In this short documentary, Lars—who has spent years working with nature—explains the basics of his approach, inspired by syntropic farming. Want to learn more? Together with Lars and Denise, I (Sara) have created step-by-step videos to teach this method.

00:00 - 00:37 Intro

00:37 - 02:17 Results

02:17 - 05:56 How to regenerate the land? Permaculture vs. syntropic farming

05:56 - 08:06 How long does it take to regenerate? No dig vs. dig

08:06 - 12:20 Water management

12:20 - 13:03 Step-by-step tutorials

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Dias felizes

quinta-feira, junho 05, 2025

Marcelo a agarrar uma jovem pelo pescoço e a sujeitar-se a uma tremenda humilhação -- um fim patético para um Presidente que, de tanto querer ser amado e de tanto falar e de tanto fazer e desfazer, vai acabar desprezado.
Mas, se me permitem, vou antes falar de javalis in heaven -- o que, não sendo surpreendente, é a confirmação que faltava

 

Hoje o dia começou com o meu marido a dizer que tinha visto um javali. Contei-o numa story no Instagram. 

Há um sítio em que a vegetação é um pouco mais fechada, um lugar sempre à sombra, sempre fresco. Há um grande cedro, uma azinheira, diversas aroeiras, erva diversa. A terra aí é fofa, negra. E frequentemente está remexida. 

O nosso cão anda sempre intrigado por ali. Põe o nariz no chão e anda de um lado para o outro. É frequente ver ali pegadas de bicho grande, terra levantada. Sempre me admirei: que bichos por ali andam e o que procuram? Dá ideia que desenterram coisas. Já pensei muitas vezes: trufas? Não faço ideia.

Esse lugar é numa extrema do terreno vedado (há uma outra parte, separada por uma estrada, que não está vedada). Ali, naquele sítio em concreto, a vedação não está danificada. Ou seja, não é por ali que os bichos entram. O javali que o meu marido viu estava ali, ao lado da vedação e ficou a olhar para ele. O meu marido diz que, pelo tamanho, não era adulto. 

O nosso vizinho que mora na entrada da rua, uma vez que falámos da nossa desconfiança, disse que de vez em quando acordavam com um grande barulho na estrada, animais a trote. Então, passaram a estar atentos e uma noite fizeram uma espera e conseguiram ver uma grande vara de javalis a correr na estrada, na direcção do vale, passando pela nossa casa.

Um conhecido já avisou algumas vezes: é preciso o máximo cuidado com as mães javalis ou com bichos que se sentem ameaçados. Por isso, hoje, ao andar por ali sozinha com o cão sempre por perto, pensei que se me aparecesse um bicho pela frente haveria de ser um festival, o cão aos saltos e a ladrar furioso e o bicho, assustado...

Bem. Não foi surpresa a constatação de que, na verdade, há javalis in heaven mas foi surpresa estarem à vista, de dia, tão perto.

Não tenho falado mas, em contrapartida, dos gatos nem sinal. Desapareceram todos. E dos esquilos agora não tenho visto vestígios, nomeadamente aquela fartura de pinhas roídas em baixo. Estive a informar-me e, nesta altura, as pinhas não estão boas para roer. Por isso, podem continuar residentes mas andarem a alimentar-se com outros acepipes.

Tirando isso e o expediente comum (o meu marido a roçar mato, eu em arrumações e varridelas e etc.), continuo, como sempre, fascinada com o efeito da luz através das flores. 

Que cores, que perfeição, que harmonia. 

Quanta beleza.

Nestes dias não se vê televisão, não se procuram notícias. Ao fim do dia, no carro, por acaso apanhámos o fim do noticiário, qualquer coisa sobre os novos ministros. Desejamos que, a bem do País, corra bem. Contudo, algumas escolhas parecem estranhas.

Quando chegámos a casa, já jantados, ainda demos, bem de noite, um passeio com o cão. Confesso que senti algum receio. O meu marido disse que não havia razão para isso e, por isso, confiei.

Com isto, a verdade é que não consigo ter disposição para falar de política. 

Só quero dizer uma coisa: quando a minha nora enviou para o grupo da família um vídeo com a cena do Marcelo a fazer um tristíssimo papel com uma jovem na Feira do Livro, ao ver tive dúvidas de que fosse real. Depois vi que é. E fiquei perplexa. Mau, muito mau, mau de mais. Começou por parecer um totó de roda da jovem, a querer rebater, a querer interromper, a não saber pôr-se no seu lugar. Depois, no fim, a forma como a agarrou pelo pescoço, com força, foi de uma agressividade inqualificável. Todo aquele comportamento foi de uma inconveniência inusitada, uma menorização da função presidencial como nunca antes se tinha visto. A jovem, de que não sei o nome, pelo contrário, manteve um sangue frio, uma atitude fantástica. Deixou-o nitidamente aos bonés. Se Cavaco acabou mal e retratado com a boca cheia de bolo-rei, Marcelo acabará ainda pior e retratado a agarrar uma rapariga pelo pescoço, acabando com ela a instá-lo a largá-la e a virar-lhe as costas. Cena mais macaca. Marcelo não se enxerga. Que fim mais triste.

A ver se amanhã me regressa a vontade para falar de política para me pronunciar sobre os membros do Governo e o que é que as escolhas podem significar. Preferia, contudo, esperar pelos Secretários de Estado, para ver se são melhores dos que os anteriores. Logo vejo.

E agora vou descansar, é tardíssimo. 

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Dias felizes

quarta-feira, junho 04, 2025

Isto é sobre uma história de amor

 

Às vezes acredito em coincidências. Outras vezes acho que qual coincidências, qual carapuça, o que se passa é que ele há coisas

Se o Instagram e o Blogger estivessem associados a uma plataforma comum, poderia dizer que o algoritmo caçava coisas num lado para influenciar ou impressionar noutro. Mas não é o caso. O Instagram é Meta e o Blogger é Google. Não se contagiam. De resto, não é a primeira vez que ando com uma em mente, sem deixar pistas no google, e, ao abrir o YouTube, me aparecem vídeos justamente relacionados com isso. Parece que o caraças do algoritmo do youtube consegue captar-me os pensamentos.

Hoje, como tantas vezes acontece, andava imersa na natureza, a sentir-me feliz, em paz, parte integrante do lugar, não mais importante que os pássaros, não mais relevante que os bichos que por ali andam, aspirando o ar limpo e perfumado, sentindo que sou abençoada por me ser dado sentir tão benfazeja comunhão, sentindo-me humilde, efémera, um conjunto de partículas que o acaso mantém unidas até que um dia se dispersem e se agrupem com outras, quaisquer, talvez provenientes de flores, de borboletas, de raios de luz, de musgos. 

Fiz um vídeo que publiquei no feed do Instagram sobre o cedro que caiu e que ainda ali está, enorme, digno, verde, belo. E fiz um outro, que publiquei numa story, sobre uma flor que parece um pompom (esta aqui ao lado) e disse que não tarda que se desfaça e fique a pairar, podendo eu respirar partes dela, flores dançando dentro de mim. 

Sinto-me feliz ao andar por ali, por pensar e dizer coisas assim -- mas não me alieno a ponto de não perceber que o mais certo é que quem me ouve ache que tenho uma pancada, e das grandes, nesta minha cabeça. Mas, como isto é inócuo, não sinto necessidade de disfarçar. Sou muito autêntica no que escrevo e no que digo.

Por exemplo, ao aproximar-se da casa, de longe, vi um losango dourado, flutuante. Achei maravilhoso, uma aparição. Não percebia o que era, mas adorei. Sou míope. Por isso, de longe a minha visão é impressionista. Quando cheguei mais perto, percebi que era a luz a incidir no tronco de uma azinheira. Achei lindo. A natureza, a luz, a sombra, as mutações cromáticas, as texturas -- tudo me parece arte, tudo me parece beleza.

Depois pensei: mas a casa e a azinheira estão aqui desde sempre; como é possível que eu nunca tenha visto isto? A verdade é que não. Se calhar, a esta precisa hora, nesta altura do ano, nunca me aproximei da casa por este lado. Parece-me pouco provável mas nunca antes tinha visto esta figura geométrica de luz sobre o tronco da árvore. Ou, então, os nossos olhos nem sempre veem o que está disponível para ser visto -- e hoje eu estava disponível para ver a luz que se concentrava no tronco e se espraiava pelo chão, nessa direcção.

Pois bem. 

Andei nisto e, depois, ao cair do dia, andei nas minhas regas -- ando de mangueira, rego e rego e rego --, depois jantei, vi um bocado de televisão, e, ao ligar o computador, fui ver os mails e espreitar as notícias e, de seguida, abri o youtube. 

Logo à cabeça, o vídeo que aqui abaixo partilho. Ao vê-lo, pensei: caraças, até parece que tinha visto este vídeo antes de fazer os meus. Como é isto possível? Como é que, logo hoje, depois de ter publicado aqueles meus vídeos, me aparece isto aqui?

Mas, depois da surpresa, estupefacção mesmo, fiquei contente. 

Não tinha dúvidas, sabia que aquilo de que abaixo se fala é mesmo verdade, mas gostei de o ouvir dito por uma cientista, gostei de ouvir dito como ela o diz. 

O vídeo está legendado. E é um prazer. Espero que também gostem.

Nature Isn't a Place - It's Who You Are | Laurence Nachin | TEDxGöteborg

When was the last time you "visited" nature? What if that whole concept is based on an illusion? Laurence Nachin reveals why our separation from nature might be the biggest myth we've ever created.

Discover how breaking down the illusion of separation from nature could be the key to creating a more joyful and sustainable future for all. From microscopes to mindfulness, Laurence's journey from completing her PhD in microbiology and cell biology to becoming a nature-based facilitator offers a revolutionary perspective on our relationship with the natural world. She demonstrates how we're constantly connected to other living organisms, whether we're in a forest or a city office. As the founder of Sense in Nature, Laurence helps organizations make nature their business partner, showing how this connection boosts wellbeing, creativity, and pro-environmental behaviors. Her insights reveal how acknowledging our inherent connection to nature isn't just about environmental awareness - it's about becoming fully human again. 


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Dias felizes!

domingo, maio 25, 2025

Modo de pausa

 


Depois de ter esperneado com o resultado das eleições, ter espremido os neurónios tentando pôr em equação o ensarilhamento em que estamos metidos, depois de ter lido mil opiniões e ouvido cinquenta mil sapientes veredictos, o que tenho a dizer é o mesmo que sempre fiz em situações de berbicacho: bola para a frente porque para a frente é que é caminho.

Enquanto muitos dos meus colegas adoravam enfronhar-se em cansativos meas culpas ou em intermináveis sessões de lições aprendidas, eu sempre fui mais de me reunir rapidamente com quem tinha alguma coisa de inteligente a dizer (opiniões de burros ou de papagaios dispenso), tirar meia dúzia de conclusões, com essas conclusões e mais o que há pela frente traçar um caminho e... bora lá antes que se faça tarde.

Portanto, por mim já chega de andar a tentar a pisar e a repisar sobre o mesmo assunto.

É certo que continuo a achar que o Montenegro é um chico-esperto e que, nos 11 meses em que governou, não fez nada de jeito -- e o que pareceu melhorzinho foi a continuação do que vinha do anterior governo ou a distribuição de ma$$a, pois tinha folga (herdada) e sabia que as eleições estavam ao virar da esquina. Mas, enquanto a Spinunviva ou outras argoladas do género não o derrubarem, só espero é que faça aquilo para que foi eleito.

Quanto ao PS, sempre disse que achava que o Pedro Nuno Santos não era a pessoa certa para suceder a António Costa. O PS pela mão de Pedro Nuno Santos quase me levou a não votar no PS. Pedro Nuno Santos foi um erro de casting, como os resultados eleitorais mais do que demonstraram. 

Na altura, pareceu-me que José Luís Carneiro seria a pessoa certa. Mas, na altura, o Chega ainda gatinhava. Agora, os do Chega já andam em duas patas e já convenceram milhão e tal de pessoas que são os melhores para governar o País. Orwell cheirou-os a léguas (a eles e a todos os outros que têm feito o mesmo percurso). Não sei se, para a presente circunstância, José Luís Carneiro tem o carisma, o punch e a visão para levantar o PS e, ao mesmo tempo, para atirar o Chega ao tapete. Não estou a querer dizer que acho que não. Estou apenas a dizer o que disse, que não sei. Não o conheço suficientemente bem. Mas espero que sim. Espero bem que sim.

Face a este panorama, se eu fosse o Marcelo o que faria, antes de mais, em paralelo com as conversas oficiais com os partidos e off the record, seria chamar os directores de informação dos diferentes meios de comunicação social para os desafiar a fazerem um pacto (de regime) para que parem de andar atrás do Ventura. O Chega é o Ventura. E o Ventura é um demagogo, sem ética, sem vergonha. Mas é também um excelente comunicador. Criativo e bom comunicador. Consegue lançar ossos para a praça pública a toda a hora, mobilizando a agenda dos media. Só que os canais de televisão -- ou de rádio ou os jornais -- não são cães para irem atrás de qualquer osso, pois não? Se a Comunicação Social deixar de dar palco ao Ventura, o Chega esvazia-se. Provavelmente deveria ser a ERC a ter um papel pedagógico junto da Comunicação Social. Mas a ideia que tenho é que a ERC não risca, não serve para nada. Portanto, penso que deve ser o Marcelo (que tem muitas culpas no cartório em toda a instabilidade que atravessamos) a atravessar-se.

Identicamente, alguém deveria andar em cima das redes sociais dos partidos, em especial do Ventura e do Chega. Contas falsas devem ser denunciadas. Incitamentos ao ódio ou insultos devem ser denunciados. Há mecanismos legais para lidar com tudo. Não deve haver complacência.

Tirando isso, penso que, com toda a humildade, deve tentar validar-se se as percepções de tanta gente estão erradas ou se, pelo contrário, são legítimas. 

Dou alguns exemplos:

Como são atribuídos os subsídios? Como é que isso é auditado para verificar se não há abusos? Há gente que não faz nenhum e que vive, ao após ano, à pála de subsídios?

Há mesmo milhares e milhares de imigrantes que não trabalham e que recebem subsídios? 

Há mecanismos para acolher e integrar os imigrantes, em especial os que não falam português? 

E, pelo que se tem visto em algumas reportagens, os abusos que se têm detectado no SNS são altamente lesivos das contas públicas e, também pelo que tem visto, os processos administrativos, para além de permitirem toda a espécie de abusos, são manuais, precários e não há auditorias. Será que isto acontece generalizadamente? 

Tenho lido que em Portugal há mais médicos por habitante do que na maioria dos outros países. E, no entanto, há muitos milhares de pessoas sem médicos de família, é preciso esperar muitos meses por uma consulta banal (e sobre as de especialidade acho que ainda é pior). Parece que há sempre falta de dinheiro. E, no entanto, na volta o que há é dinheiro a mais, esbanjamento, aproveitamento, muita ausência de gestão, muito regabofe. Tenho defendido que a gestão de hospitais deve ser entregue a gestores profissionais. Não a médicos, não a gentinha dos partidos. Hospitais que gerem orçamentos de milhões têm que ser entregues a gestores competentes e profissionais. Numa altura em que a Saúde está tão mal, com Urgências fechadas, com tantos atrasos, se entregassem a gestão a profissionais não apenas se poupariam muitos milhões como os serviços melhorariam rapidamente. Se as pessoas começarem a ver 'saneamento' de gastos abusivos e melhoria no atendimento com certeza o paleio populista será esvaziado.

Quanto à habitação, também é preciso arranjar soluções urgentes: aproveitem edifícios públicos, adaptem-nos, alojem o máximo de pessoas. Rapidamente. Com assertividade. Com pouco paleio. E favoreça-se e apoie-se o ressurgimento de cooperativas de habitação. Apareçam com soluções concretas, rápidas, bem articuladas, bem acompanhadas, bem divulgadas. Esvazie-se o populismo.

Já disse e repito-me: é tempo de juntar esforços contra o populismo. E, enquanto a legislatura for avançando, o PS terá tempo para se reorganizar. Ou haverá tempo para aparecer um novo partido (caso o PS não consiga livrar-se do anquilosamento aparelhista, não consiga regenerar-se assimilando com inteligência o ar do tempo).

Mas, dito isto, agora vou continuar na mesma onda em que tenho estado nestes últimos dias: a ler, a curtir, regando, cozinhando, caminhando, estando em família, na boa. Agora nem tenho escrito. Tem-me apetecido descansar, estar em modo de pausa.

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Desejo-vos um belo dia de domingo

sexta-feira, maio 23, 2025

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício

 

Dia de intervalo, de pausa, de descanso, de folga. Hoje não quero dissertar, pensar, reflectir, equacionar. Zero, por favor. 

Durante o dia quase não conversámos sobre o que se passou pois não gostamos de falar sobre percepções que não temos como fundamentar. Pelo contrário,  somos racionais, tendemos a ser analíticos, frequentemente assentamos os nossos raciocínios em números. Ora, no caso vertente, tudo o que aconteceu desafia a lógica, a razão, a objectividade. 

Ouvi, há pouco, no Eixo do Mal, o Luís Pedro Nunes dizer que em Rabo de Peixe, terra em que mais gente usufrui de subsídios de subsistência, ganhou o Chega, partido que faz campanha contra os subsídios. Ou seja, os subsidiados votaram em quer acabar-lhes com os subsídios.

E li que em pequenas aldeias em que grande parte da população emigrou, que estão meio desertificadas e sem mão de obra local e que sobrevivem graças aos imigrantes, votaram contra o Chega porque não gostam de imigrantes. Se calhar, preferiam viver em terras desertas, solitárias, sem trabalho, só com velhos à espera da morte. 

E o meu marido viu uma reportagem, numa vila piscatória, em que um homem dizia que, se não fossem os imigrantes, não arranjava gente para poder sair com os barcos e, ao mesmo tempo, que tinha votado no Chega porque estava farto dos imigrantes. Ouve-se isto e só podemos concluir que, para pessoas assim, a lógica é uma batata.

Portanto, num tal quadro de irracionalidade, mais vale pendurar os neurónios ao sol, a ver se arejam, se se vitaminam, e, ao mesmo tempo, dar tréguas ao que sobra da minha inteligência.

No entanto, deixem que junte ainda uma informação. No outro dia, a minha filha dizia que muita gente só tem contacto com a 'informação' -- e vamos pôr aspas e mais aspas a embrulhar a 'informação --, através das redes sociais. E, enquanto falávamos, disse: 'Deixa cá ver como é a presença deles no Instagram'. E lá está: branco é, a galinha o pôs. É que os números falam por si. André Ventura está em todas, gera conteúdo, dá tração ao algoritmo, e, como resultado, tem 581.000 seguidores. Os outros estão a milhas. Por exemplo, Luís Montenegro tem apenas 59.900 seguidores. Pedro Nuno Santos ainda menos, 40.500 seguidores. 

Uma investigação, creio que da CNN, que contratou uma empresa israelita especialista nestas coisas, divulgou que no X, ex-Twitter, cerca de 50 % das contas que promovem o Chega e minam com comentários negativos o PS e o PSD são falsas. Mas, entre falsidades e verdades, o que se pode concluir é que se as televisões andam permanentemente com o Ventura ao colo, nas redes sociais são as vozes dos apoiantes do Chega, sejam eles verdadeiros ou falsos, que se fazem ouvir. E quem não aparece esquece. 

Mas, retomando a minha trégua, antes que os meus fusíveis se queimem todos a tentar encontrar uma solução para isto, hoje resolvi que era holiday. Tenho esperança que, depois da borrasca, venha a bonança e é com essa esperança (uma esperança abstracta e congénita) que vou ter que me alimentar.

E, nesse comprimento de onda, viro-me para as leituras. Como sempre, navego em águas marginais. 

Só o que é diferente satisfaz a minha necessidade de alimento intelectual ou estético. O meu prazer na leitura é encontrar o que me deixe a pensar, o que me divirta ou me enterneça, o que me faça pensar: 'olha, está bem visto', o que me interrompa porque está tão bem escrito que me apeteça fazer uma vénia.

Agora são estes:

Uma última pergunta - Entrevistas com Mário Cesariny (organização, introdução e notas de Laura Mateus Fonseca com um belo prefácio de Bernardo Pinto de Almeida)

A longa estrada de areias - Pier Paolo Pasolini

Hojoki - reflexões da minha cabana - Kamo No Chomei

Tenho constatado, no Instagram (where else?), que há muitos clubes de leituras. Vejo que as pessoas se juntam para comentar o que leem. Mas o que vejo é que comentam livros banais. E, de certa forma, compreendo-as. É que estes livros que estou a ler, por exemplo, seriam diminuídos se um conjunto de pessoas se pusesse a dizer banalidades sobre eles. Mesmo que não fossem banalidades... É que são livros para a gente ler com vagar, apreciar, quando muito ler uns trechos para outra pessoa ouvir também. Mas é para a gente sentir prazer com eles. Só isso. Não é para explicar, descodificar, perceber. Não, não.   

Enfim. Que sei eu? Se calhar sou eu que sou atípica, bissexta, escalena, um número primo, uma letra de um abecedário ainda por desenhar. 

Termino transcrevendo uns versos de Pastelaria, do Cesariny

(...)

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

(...)

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mas vou ainda catrapiscar melhor para depois repiscar um pouco mais (talvez até abusivamente, não é...?), deixando agora apenas o que me dá jeito:

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício

Que afinal o que importa é não ter medo

Que afinal o que importa é rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta

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 E hoje o que me apetece ouvir (e ver) é isto:

Bruce Springsteen - Dancing In the Dark


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Boa sexta-feira