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segunda-feira, setembro 22, 2014

Tarde nos maravilhosos Jardins da Gulbenkian - e a fama, o facebook e os dinossauros


Se há lugar à superfície da terra que parece feito pelos deuses, o Jardim da Gulbenkian é sem dúvida um deles. É um lugar de harmonia e de paz.






Pode parecer estúpido eu dizer isto sabendo que a mão que o desenhou é bem humana mas, ainda assim, digo-o pois não sei se não foi a mão de um qualquer Deus que guiou a mão de Gonçalo Ribeiro Telles, o arquitecto paisagista que teve uma inspiração do além ao conceber esta sua obra fantástica.

Já contei tantas vezes: eu andava a estudar e ia passear e namorar para estes Jardins. E saía das aulas e ia para lá e, enquanto fazia horas para qualquer coisa, entrava no museu ou no lugar das exposições e perdia-me por lá. Espantei-me com Miró, não compreendia, não sabia dizer se gostava ou não, ficava perplexa, um sapato, uma cadeira e dali saía uma escultura, e quadros que eram pingos e desenhos infantis. E voltava lá para ver outra vez, presa àquela luminosa alegria, sem me compreender. E outras vezes a ver Rodin, presa, presa à pequena figura Celle qui fut la belle heaulmière. Tantas e tão boas descobertas.

E íamos lanchar na esplanada e íamos encontrar esconderijos e eu conhecia cada pequeno recanto. Preferia a beira do lago, a água sempre foi o meu elemento.

Mudei de namorado mas não de jardim.

Depois nasceram os meninos. Lugar privilegiado para as crianças. Os patos, certamente já filhos e netos dos patos de então, o lago, os recantos, os relvados para poderem correr à vontade, o almoço no self, um clássico, as bolas de esparregado, os peixinhos da horta, os ovos recheados, tudo tão previsível, permanente, tudo tão bom. E sempre as exposições, o imprevisto de tantas obras, as retrospectivas, o ambiente bom dos lugares habitados pela arte, o anfiteatro ao ar livre, os chilreios, os risos das crianças, a quietude dos que leêm.


O tempo passa e o Jardim continua lindo, os recantos são os mesmos, o self o mesmo, o bolo de gelatina com fruta dentro, o cup de frutas, as farófias, lugar maravilhoso para almoçar ou lanchar no meio da natureza, e a livraria, e o ambiente, tudo, tudo.

Os meninos cresceram e já se multiplicaram e os novos meninos continuam a adorar o local, os jardins são bosques, têm grutas secretas, tocas escondidas, os lagos escondem monstros como o de Ness e as pedras redondas são ovos de dinossauro.

E o cheiro é o mesmo, a terra fértil e húmida junto aos lagos e ribeiros, os patos, os recantos que são abrigos, o sol que nos aquece a pele, a natureza que parece virgem. 

E sempre a vontade de voltar, sempre a sensação de uma tarde bem passada. No meio da cidade.


___


Nos Jardins da Gulbenkian encontram-se pessoas de todas as idades, condições sociais, estados civis. Até pela heterogeneidade é um local acolhedor. É frequente encontrar-se por lá, anónimas, pessoas com vida pública. Ninguém as incomoda. É-lhes reconhecido o direito à privacidade.

Mas hoje uma chamou a nossa atenção: uma muito conhecida apresentadora de televisão e de presença mediática muito intensa, uma das mulheres tidas por mais bonitas no nosso país, passeava-se por lá com uma amiga. Fotografavam-se uma à outra, riam, faziam selfies e até pediram a pessoas que passavam que as fotografassem entre os bambus. A seguir passaram à fase de olharem e escreverem no telemóvel, as duas, provavelmente a verem e a postarem as fotografias. Dava ideia que não desfrutavam o lugar, que se limitavam a fotografar-se e a exibirem as fotografias, provavelmente com o único intuito de dizerem que ali tinham estado. Fez-me lembrar o que li há dias, que dantes as pessoas iam aos museus para verem as obras expostas, enquanto agora vão para se fazerem fotografar lá, para poderem dizer que lá estiveram. O prazer de estar parece estar a ser substituído pela necessidade de se dizer que lá se esteve. A minha filha disse, Aposto que está a pôr no facebook. Espreitou no telemóvel e confirmou: já lá estava, a fotografia dela com a amiga no meio dos bambus com uma frase daquelas fast-filosofia.

Devo confessar que ficámos todos um bocado surpreendidos: uma das pessoas mais fotografadas no país e ainda com esta narcísica necessidade de se fotografar e de se mostrar a toda a hora, ainda por cima em momentos que se pensaria serem dedicados ao recato. 

Se coloco aqui a fotografia que lhes fiz é apenas porque toda a situação se prestou a isso e porque uma fotografia em que aparecem as duas está no seu facebook, que é público. E, para meu total espanto, vejo que já teve para cima de 4.000 likes e muitos comentários (lindas... sorrisos contagiantes... beijinhos... smiles, e coisas do género). Ou seja, enquanto blogues excelentemente escritos recebem escassas visitas diárias, uma fotografia que eu diria totalmente desinteressante recebeu mais de 4.000 visitas no espaço de 4 ou 5 horas.

A natureza humana é, frequentemente, muito incompreensível para mim.

Por vezes, quando fico admirada com os livros que estão no top de vendas ou com as opções de voto das pessoas, esqueço-me que, cada vez mais, faço parte de uma minoria. Sou eu que sou uma marginal, marginal face a comportamentos que se vão tornando virais na nossa sociedade e que, talvez porque sou osso duro de roer, ainda não me contagiaram. Mas espécies assim como aquela a que pertenço, que não se adaptam ao meio ambiente, não costumam ter grande futuro. Veja-se o que aconteceu aos dinossauros. 



quinta-feira, abril 11, 2013

O Prémio Sir Goffrey Jellicoe, o 'Nobel' da arquitectura paisagista, foi atribuído a Gonçalo Ribeiro Telles e eu fico orgulhosa e enternecida


Se quiserem saber do Relvas e do camelo do Hollande que foi comido, é no post abaixo. Aqui, agora, a conversa é  sobre botânica e não sobre animais.

Gosto muito de jardins. Quando vou a uma cidade pela primeira vez, gosto de ver os jardins públicos. Aprecio a concepção, os caminhos delineados, os bancos estrategicamente colocados, os lugares para leitura à sombra junto às árvores de grandes copas, os repuxos, os lagos, os desníveis que simulam a natureza, os recantos reservados para a intimidade do namoro. E aprecio o trabalho dos jardineiros, carinhosos e cuidadosos tratadores. 

Quando a terra lá, in heaven, era apenas um terreno de mato bravio e eu, apesar do solo rochoso, sonhei ter ali árvores grandes, pequenos bosques onde os pássaros se acolhessem, frequentei muito os viveiros.

Uma vez que ali é dificílimo abrir buracos e porque, dado o microclima extremado, há sempre muitas árvores que não vingam (já para não falar nos coelhos que roem os pequenos troncos), sempre achei melhor plantar árvores muito pequenas. Até porque, esta, é uma opção mais económica.

Assim, ia aos viveiros do Ministério da Agricultura ou aos da Câmara de Lisboa, ali aos Olivais. Nestes locais, as plantas são muito baratas porque são árvores ínfimas e porque apenas são vendidas as que não fazem falta aos serviços. Não sei quantas vezes lá fui. Um prazer que não imaginam.

Não sei porquê mas quem ali trabalha são mulheres, jardineiras. Andavam de botas, aventais, e eram simpáticas e falavam das pequenas árvores como as amas dedicadas falam dos bebés a seu cargo. E eu quase as invejava, imaginando a maravilha que deve ser o seu dia de trabalho. 

Sei que é trabalho árduo, andam curvadas, cavam, carregam árvores pesadas. Mas sei também que é um prazer plantar, ver crescer, cuidar. Eu via o orgulho que elas sentiam quando mostravam que sabiam o nome em latim, quando sabiam os truques para as pequenas árvores melhor resistirem à invernia.

Elas já me conheciam e vinham ter comigo com alegria, conversando com genuína afabilidade. Perguntavam pelas que tinha levado antes e eu contava como umas estavam grandinhas, outras tinham sucumbido, outras estavam frágeis e eu reparava na preocupação com que me aconselhavam ou na alegria pelas que cresciam saudáveis e resistentes. Dir-se-ia que falávamos de crianças.

Eu dizia quero seis pinheiros mansos, seis cupressos (e elas perguntavam: lusitânicos?), seis ciprestes, dois loendros (a que elas chamavam cevadilha), duas tipuanas, e elas escolhiam com cuidado e eu dali ia feliz, o carro cheio de pequenas plantas.

Depois, passado uns meses, metade desapareciam e lá ia eu outra vez. O meu marido passava-se, o carro sujo, a trabalheira. Anos disto. A plantar, a regar no verão, a tratar das pequenas árvores como se tratam os bebés.

Agora as árvores cresceram, os caminhos estão definidos, o mato continua a ter o seu lugar (aliás, alastra vigoroso e tem que ser arduamente contido), e, por onde se ande, ouvem-se os pássaros que dali fizeram também a sua casa. Um sonho que se constrói todos os dias.

Tenho muitos livros de jardins. Jardins japoneses, elegantes, desenhados com leveza, jardins mediterrânicos, floridos, simples, jardins ingleses, densos, verdes. Gosto muito porque gosto de natureza e gosto de apreciar o trabalho dos homens quando é um trabalho feito com amor - e os jardins são, justamente, os lugares onde os homens actuam com criatividade e desvelo sobre a natureza.



O fim de semana passado


Dos muitos jardins que conheço, há um que está ligado de forma muito vincada à minha vida: o Jardim da Gulbenkian.



Um jardim concebido para todas as idades


Nele namorei com o meu namorado poeta, nele namorei depois com o meu namorado parecido com Cristo  - parecido com Cristo excepto na santidade, diga-se (muito mais bonito e hot o meu que o da Oprah, o Diogo Morgado, que agora aí anda na boca das americanas, todas babadas com ele, coitado). 

Depois, nos jardins da Gulbenkian, muito brincaram os meus filhos, desde que nasceram até agora, em que lá vão com os seus filhos.



A darem pão aos peixinhos, aos patos e aos pombinhos, tal como os pais há tão pouco tempo faziam


Estes lindíssimos jardins são uma das várias obras de Gonçalo Ribeiro Telles que muito justamente viu a sua obra reconhecida com o Prémio  Sir Goffrey Jellicoe, o 'Nobel' da arquitectura paisagista: uma vida inteira dedicada a ser o jardineiro de Deus.

Uma vida de cabeça erguida, de luta, de palavras sábias, de compreensão perante a incúria e miopia da maioria, sempre uma expressão de bondade no rosto tranquilo, uma vida de integridade e uma cabeça cheia de sonhos verdes.

Volto aos Jardins da Gulbenkian: parece impossível jardins assim, tão variados, tão 'naturais', no meio de uma cidade, ali mesmo incrustados no meio de prédios e estradas.

Ir à Gulbenkian é ir ao Museu, às Exposições Temporárias, ao centro de Arte Moderna, ao restaurante ou ao Bar e, claro, aos jardins.

Há recantos e espaços que permitem múltiplas utilizações. Em todo o lado se está bem. Há sol nuns locais, há sombras noutros, há lugares para estar, para ler, para brincar, para fazer picnic, para namorar.



No anfiteatro do Jardim da Gulbenkian


Mas não é a sua única obra que eu admiro. Se tivesse tempo, ia procurar umas fotografias que aqui tenho feitas no Jardim no Alto do Parque Eduardo VII que estabelece a ligação com Monsanto, o tão desejado e agora concretizado Corredor Verde de Monsanto. 

Se tivesse aqui, mas não tenho, gostaria também de ilustrar o conceito das hortas urbanas da cidade, tão defendidas por Gonçalo Ribeiro Telles ao longo de toda a sua vida. 

Todos os dias ando em autoestradas e vejo, com admiração, as hortas que as pessoas fazem nas ribanceiras junto às estradas. Chova ou faça sol, lá os vejo, cavando, arranjando a terra. Vejo pequenos talhões de favas, de tomateiros, de batata. Parece o campo e afinal está-se na zona mais asfaltada e inóspita das cidades. Não é bem a isto que o Arquitecto se refere, ele refere-se aos baldios, aos vazios urbanos que as autarquias deveriam disponibilizar para ajudar à subsistência de uma população mais carenciada ou com saudades de uma 'terra' longíngua, uma forma de estabelecer a ligação à natureza. Ultimamente a Câmara de Lisboa já loteia e leiloa a exploração de pequenas hortas por parte de munícipes, frequentemente munícipes urbanos que sentem a nostalgia da terra. 

Se não fosse tão tarde e eu não estivesse já tão cheia de sono, continuaria aqui de gosto a falar de jardins, hortas urbanas, sonhos. Assim, paro por aqui mas vou mostrar-vos um pequeno filme sobre Gonçalo Ribeiro Telles, 'Em nome da terra', um filme que achei muito interessante e onde, entre outros, aparecem Mário Soares, seu admirador, e um outro arquitecto muito especial, um visionário, um humanista e um homem da cultura e das cidades, Nuno Portas.





Parabéns, arquitecto! E muito obrigada!

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Tal como referi acima, se quiserem ver os riscos que o Relvas enfrenta ao ser obrigado a manter-se preso no ministério (e maiores riscos correrá se alguns dos funcionários forem oriundos do Mali) deverão descer até ao post a segui a este.

E, já sabem, muito gostaria de vos ver no meu Ginjal e Lisboa. Hoje temos o Poeta-Embaixador Luís Filipe Castro Mendes a falar de um deserto que invade o coração e eu, levada por ele, falo de um outro deserto, o do medo, que alastra pelos corpos. A música, a seguir, ajuda a lavar a alma: é outra grande interpretação de Uri Caine.

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E com isto me vou que daqui a nada já são duas da manhã e eu não tenho emenda. 
Desejo-vos uma quinta feira muito feliz. 
Se puderem passeiem num jardim, descansem o espírito, está bem? 
E, se não puderem, imaginem que também é bom. Eu gosto de adormecer a pensar que estou a passear num jardim, Gulbenkian, Serralves, Retiro, qualquer um.