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segunda-feira, junho 23, 2014

Arrábida, da Serra ao Mar - um dos belos lugares deste Portugal, 'meu país desgraçado'


No post abaixo já vos dei notícia dos riscos na utilização de detector de mentiras. Isto da franqueza absoluta às vezes pode dar mau resultado - que o diga o casal envolvido na experiência descrita ou o candidato a emprego cujo entrevistador se entusiasmou com um certo detalhe revelado na conversa.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, a conversa é outra. Arrábida, sempre.


A maravilhosa Serra da Arrábida
(foto obtida aqui)


Na sequência do vídeo sobre a Serra da Arrábida que aqui vos mostrei no outro dia, um Leitor presenteou-me com um outro que mostra a Arrábida segundo uma perspectiva, um pouco diferente mas igualmente bela.





O vídeo Arrábida, da Serra ao Mar é da autoria de Luís Quinta e Ricardo Guerreiro, 
com narração de Eduardo Rêgo, com patrocínio da AMRS.

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E porque, quando falo da Serra da Arrábida, inevitavelmente me vem à ideia o Poeta que tanto a exaltou, Sebastião da Gama, não resisto a incluir aqui um seu poema (in 'Cabo da Boa Esperança') que, infelizmente, ainda não perdeu a oportunidade.



Meu país desgraçado!… 
E no entanto há Sol a cada canto 
e não há Mar tão lindo noutro lado. 
Nem há Céu mais alegre do que o nosso, 
nem pássaros, nem águas… 

Meu país desgraçado!… 
Porque fatal engano? 
Que malévolos crimes 
teus direitos de berço violaram? 

Meu Povo 
de cabeça pendida, mãos caídas, 
de olhos sem fé 
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde 
a causa da miséria se te esconde. 

E em nome dos direitos 
que te deram a terra, o Sol, o Mar, 
fere-a sem dó 
com o lume do teu antigo olhar. 

Alevanta-te, Povo! 
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres, 
a calada censura 
que te reclama filhos mais robustos! 

Povo anémico e triste, 
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres! 
— olha a censura muda das mulheres! 
Vai-te de novo ao Mar! 
Reganha tuas barcas, tuas forças 
e o direito de amar e fecundar 
as que só por Amor te não desprezam! 


--

SERRA MÃE
te chamou o Poeta
(eu não me atrevo)
Só ele te deu
em vida
essa ternura
de quem sabe a morte prematura

Arrábida
caminho
tantas vezes percorrido
abuso de verde que não cansa

Arrábida
Esse teu ar agreste e doce
me encanta e me fascina
se tu és MÂE
não contes a ninguém 
os meus velhos sonhos de menina


Poema da Leitora Era uma Vez publicado numa Colectânea de Poetas, antigos e contemporâneos, que escreveram sobre a Arrábida, iniciativa do Centro de Estudos Bocageanos com o nome "A Serra da Arrábida na Poesia Portuguesa", (2002)


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Para saberem os cuidados a ter junto de um detector de mentiras, desçam, por favor, até ao post já a seguir.

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quinta-feira, dezembro 05, 2013

Morreu Nelson Mandela? Tenho para mim que não. Madiba continuará na memória das pessoas de todo o mundo a dançar, a sorrir, a mostrar a extraordinária alegria e força de querer e perdoar, a agraciar o mundo agreste com a sua ingénua amabilidade


Não gosto de obituários. Geralmente mal morre alguém conhecido, logo as redes sociais se apressam a registar a notícia. Raramente alinho pois gosto de festejar a vida e, pelo contrário, entristece-me e quase prefiro ignorar a morte.

Mas hoje morreu uma pessoa especial, de uma grandeza extraordinária. Grande na força, na coragem, na determinação e, depois, na capacidade de perdoar, na abertura de espírito, no humanismo absoluto, na alegria: Nelson Mandela.


Por isso, para recordar a sua extraordinária grandeza, aqui fica o registo. Que para sempre continue a inspirar as pessoas do todo o mundo.



No final de Maio de 2012 milhares de pessoas da África do Sul juntaram-se na Praça Nelson Mandela em Sandton para gravar um tributo de parabéns para o seu 94º aniversário em 18 de Julho. 

Aqui fica hoje esse festejo que transborda de ternura no dia morte de Nelson Mandela aos 95 anos. Long live Madiba!

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Sing for Madiba

*

A palavra aos Leitores de Um Jeito Manso
 (a quem, em nome de todos, muito sinceramente agradeço a generosidade e a beleza das palavras):

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Madiba

Hoje, no terreiro grande,
nesse misto de comoção e festa,
homens de olhares coloridos
te sentem e cantam
livre sem cor
com sorrisos
sem dor
de ti preso nascidos,

é o nosso canto
de encanto
libertando amor
durante a tua sesta,

é comoção
feita quase festa
de humana libertação…


[José Rodrigues Dias, 2013-12-06]

<><><>

Um CRISTO NEGRO visitou a terra
braços abertos
sorriso calmo
alma lavada
e a cruz à sua espera

roubaram-lhe
vida
conforto
dias de luta desejada
o pôr do sol austral
(nunca lhe roubaram liberdade)

e ainda veio a tempo
(sobrou-lhe idade)
para acender na escuridão o seu sinal
para viver os seus tantos amores
e deixar o seu olhar sereno num terno abraço à humanidade

quem dera tenha adormecido a sonhar com anjos de todas as cores


[Era uma Vez, 2013-12-06]

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E Bertold Brecht pela mão do jrd


OS QUE LUTAM

Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons; 
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons; 
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda; 
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.

segunda-feira, novembro 18, 2013

Esquivas raposas, jogos de palavras, atraentes abismos, mulheres silenciosas, cúmplices nocturnos, distantes pontos de luz







Atravesso o tempo sem me deter a pensar. A vida assoma de longe ou abeira-se, o tempo foge umas vezes, ou suspende-se outras, e eu aqui, serenamente vivendo, caminhando, buscando os meus sonhos, sem pressa, degustando cada passo, cada olhar, cada palavra. O que é meu a mim virá. Os meus olhos percorrem as pequenas flores que renascem, as folhas que caem, as palavras que despontam, e sinto que este é o meu tempo - e tudo acaricio com o olhar.

O tempo é suave quando estamos em paz.

Estou aqui, escrevendo, e uma vez mais percorro o caminho que as palavras desenham. 

Quem de longe me espreita? Quem de longe me espera?

Não sei. Recebo um a um os que me visitam, e a todos estendo as minhas mãos. Venham, sentem-se aqui comigo, deixem-se ficar.

Vamos inventar um jogo. Chamemos-lhe o jogo das palavras. Começa um de vós. Uma palavra. Qualquer. Pode ser uma palavra qualquer. E depois outro inventa uma frase onde entre essa palavra. E depois outro diz uma frase onde entre uma das palavras que o anterior disse. E assim sucessivamente. Simples.

Vá, vamos brincar.

Vou dar um exemplo: eu podia dizer 'raposa'.

E depois um de vocês dizia uma frase que podia ser assim: eu ia num bosque e vi a espreitar atrás de uma árvore uma raposa de fulva pelagem e olhar arisco como o de uma mulher perigosa.

E uma de vós prosseguia, voz quase ciciada: Eu sou essa mulher perigosa que, quando a noite cai, atrai os solitários que atravessam florestas silenciosas.

E outro podia continuar, ar de quem conhece os alçapões da vida: A solidão é um abismo onde caem aqueles que fogem das mulheres silenciosas.

E outro ainda, ar de pensador, podia dizer: Ah, os abismos atraentes onde todos os amantes interditos querem mergulhar.

E outro, com voz cava, de quem sabe do que fala, dizia: As noites são perigosos abismos onde se escondem os que temem o fogo das palavras.

E aí interromper-se-ia esse ciclo porque a última pessoa  teria repetido uma palavra de ligação.

Como castigo teria que lançar outra semente. Por exemplo, poderia dizer: 'poeta'. E outro pegaria na semente e fá-la-ia florir no meio de uma frase.

Poderíamos ficar, assim, a noite toda, a desafiar-nos mutuamente, brincando com palavras, simulando a vida mas sabendo que estaríamos apenas a brincar com palavras.

Por fim, já estaríamos meio adormecidos, falando como se sonhássemos, as palavras já suaves como carícias, e o sono a chegar, um tule quase invisível, e um diria poemas, tanto que eu gosto de adormecer a ouvir poemas, e outro diria outros poemas macios como uma seda na minha pele, e outro diria apenas palavras soltas, sílabas, sons, pétalas soltas.

Quando a manhã começasse a raiar, um de vós pegar-me-ia ao colo e levar-me-ia já a dormir até à minha cama. Depois, um a um, pé ante pé, sairiam devagarinho até vossas casas. Na noite seguinte cá nos reuniríamos de novo.

Cúmplices, doidos, sereníssimos amantes das palavras.


E, se um dia, por acaso, nos encontrássemos por aí - talvez num bosque cerrado ou numa livraria, numa labiríntica livraria, talvez junto a infinitas estantes, perto de faunos voadores, rodeados de seres inventados daqueles que vivem dentro de livros - talvez nem nos reconhecêssemos.

Sim, não nos reconheceríamos de certeza porque eu sou uma mulher inventada, cubro-me com mil véus, saibam que com mil véus mesmo, e quando pensam que me conhecem, logo eu me escondo, porque quero ser apenas um sopro, um gesto, um ramo de palavras como se fora um ramo de violetas, uma mulher imaginária, uma esquiva raposa que se esconde no fundo de atraentes abismos.

E vocês, meus ternos cúmplices, são para mim apenas distantes pontos de luz. Mas nunca me faltem, por favor. Todas as noites aqui estarei, esperando por vós.


:~:~:~:~:~:~:


Na escuridão da noite vos beijo e vos espero...

sou a raposa que se esconde
que se esquiva nos abismos
cubro-me de mil véus
(insisto nos mil véus)
porque apenas um sopro, um gesto um ramo de palavras me revela

sou a sedução e a espera
(o poema por assumir)
a fêmea imaginária
onde

apenas a mulher raposa se revela



['POEMA NÃO IMAGINÁRIO DE UM JEITO MANSO' da autoria de Era uma Vez em comentário aqui abaixo]


:~:~:~:~:~:~:


  • A música é Tchaikovsky, Romance para piano 
As fotografias são respectivamente:

  • Merida [Iris van Berne fotografada por Tom Allen para a Harper’s Bazaar U.K.]
  • Editorial de moda: vestido Vera Wang, capa de pele de Basia Zarzycka, coroa de VV Rouleaux.
  • Karen Elson fotografada por Tim Walker para a Vogue UK de Dezembro de 2013
  • Campanha Chanel 1997

:~:~:~:~:~:~:


Se descerem um pouco mais, poderão encontrar já a seguir o meu desabafo depois de uma ida a um posto da GNR para participar o roubo de umas coisas in heaven. A situação de penúria a que as forças de segurança estão a chegar é qualquer coisa que a todos nós deveria inquietar.

*

Muito gostaria ainda de vos convidar a irem até ao meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa, onde por lá hoje tenho o Jorge Palma com o Pierre Aderne cantando uma canção de amor e onde recebo uma vez mais Herberto Helder, o Poeta. Pelas palavras dele vou eu, exprimindo alguma melancolia - mas uma melancolia ardente.

:~:~:~:~:~:~:

E por hoje já chega, não é? 
Resta-me desejar-vos, meus Caros leitores, uma bela semana, a começar já por esta segunda feira. 

quinta-feira, setembro 12, 2013

Marilyn Monroe, ascensão e queda de uma estrela. A magia, o corpo, a luz, a treva interior que a habitava, os amores, a grande paixão, o grande desgosto, a solidão, a perda do controlo. E a forma como a sua escrita acompanhou o seu percurso. [E ainda, de bónus, o filme da célebre performance 'Happy Birthday, Mr. President' e um outro relativo ao seu romance com o dito presidente, JFK - que viria a ter também um fim trágico no ano seguinte à morte de Marilyn]


Ontem falei da escrita de Marilyn Monroe em contraponto com a de Jacqueline Kennedy e, tendo ficado tão surpreendida com a escrita da primeira,  não resisti a aprofundar um pouco (um pouco porque isto, aqui, tem que ser sempre coisa pela rama, e, além disso, o meu tempo para investigações detalhadas é nulo) a evolução da sua escrita ao longo do seu percurso de vida.

Marilyn nasceu em Junho de 1926 mas não nasceu Marilyn, isso foi depois. Ao nascer foi chamada Norma Jean.



Norma Jean em pequenina


A mãe era mentalmente instável, incapaz de tomar conta e de sustentar financeiramente a filha. Do pai não se ouve falar pois Gladys divorciou-se e, além disso, nunca ficou bem claro se aquele a que perfilhou Marilyn era, de facto, o seu pai. 

Na primeira infância, Norma Jean viveu com os avós ou com a mãe ou e assistiu a vários episódios traumatizantes. A mãe tão depressa a queria ter consigo e protagonizava verdadeiros raptos da filha, como reconhecia a impossibilidade de a ter e deixava que outros se preocupassem com ela. Norma Jean passou, pois, a infância em bolandas entre a casa de uma amiga da mãe que lhe incutiu o gosto pelo cinema (nomeadamente por Jean Harlow cujo look viria a querer imitar), uma tia da amiga, uma outra tia, e mais outra família, instituições, etc. Além disso, e como se isso fosse pouco, menina bonita e cativante, rapidamente despertou a gula dos homens com quem privava, levando a que tivesse que deixar a casa dessa grande amiga da mãe por o marido a ter assediado sexualmente. Não foi o único e não é claro que algum dos que tentou não o tenha conseguido.



Norma Jean sorria, sorria sempre,
parecia a miúda mais feliz do mundo


Aliás foi a essa infância altamente problemática, em que se sentia indesejada, um fardo, e em que, tão depressa era assediada por uns como rejeitada por outros, que muitos atribuíram a hiperactividade sexual que mais tarde viria por vezes a demonstrar, e as insónias, e a instabilidade emocional de que viria mais tarde a sofrer.

Quando entrou na adolescência, uma vez mais a família que, na altura, a acolhia teve que se mudar e, para Norma Jean não ter que ir para uma casa de acolhimento, foi convencida a casar-se com um jovem seu amigo, o filho de um vizinho. Foi o seu primeiro marido que, logo a seguir, foi para a guerra.



Norma Jean Baker, morena, nariz largo
sorridente apesar de tudo o que lhe acontecia


Era assim a letra de Marilyn por esta altura, a letra de uma jovem
 que vivia na defensiva, medrosa, hesitante


Norma Jean foi então trabalhar para uma fábrica ligada à aeronáutica. Com o objectivo de figurar numa revista feminina dirigida às mulheres,  especialmente àquelas cujos maridos estavam na guerra, Yank, the Army Weekly, foi-lhe sugerido que fosse fotografada, como modelo, para aparecer lá. Nessa altura era ainda morena mas disseram-lhe que seria preferível que se pusesse loura como a Jean Harlow. Norma Jean nem pensou duas vezes. As fotografias foram um sucesso.

Era uma segunda Jean Harlow e não tardou a despertar a atenção da gente do cinema.

Foi então que mudou de nome. Monroe era um dos nomes da mãe e, depois de alguma hesitação, aceitou ser Marilyn, um nome que soava sexy, disseram-lhe.

Começou, entretanto a dar nas vistas como actriz e começou a ter mais papéis. Em 1950, tendo assinado um contrato por sete anos com o estúdio  20th Century Fox, aceitou fazer uma pequena cirurgia plástica ao nariz para o tornar mais afilado, mais perfeito.

Em 1951 inscreveu-se University of California, Los Angeles, onde estudou literatura e crítica de arte.



Marilyn fotografada por Eve Arnold
Marilyn tem numerosas fotografias a ler,
gostava muito de ser fotografada com os seus livros


Começou a fazer figuração em pequenos papéis enquanto começou a ter aulas de canto, dança e representação. Quando não tinha trabalho no cinema, trabalhava como modelo. Foi, por essas alturas, que aceitou posar nua por 50 dólares.



Marilyn e os nus da polémica que a ajudariam, afinal, a lançar-se
Esta, em concreto, foi capa da Playboy
Fotografia de Tom Kelley em 1952


Exuberante, irregular, impulsiva, insegura -
assim era a letra de Marilyn nesta fase de descoberta e euforia


Uns anos depois foram divulgadas as fotografias de nus, o que provocou um escândalo que fez vacilar o estúdio quanto à sua conduta. Marilyn resolveu assumir que eram de facto dela as fotografias mas que o tinha feito porque precisava de dinheiro para viver. O público desenvolveu uma simpatia ainda maior por ela e Hugh Hefner fez dela a 1ª Playmate of the Month, fazendo a capa da Playboy.

Passo a passo, acabou por se tornar internacionalmente conhecida mas, por outro, o seu aspecto sensual fazia com que frequentemente lhe atribuíssem papéis de loura burra, o que de todo não era.



Belíssima, os fotógrafos adoravam fotografá-la, diziam que não se percebia se a luz se reflectia nela como em ninguém mais ou se a luz vinha mesmo de dentro dela.

Aqui fotografada por Milton Friedman


Teve aulas com Lee Strasberg no Actor’s Studio que disse "Já trabalhei com centenas e centenas de actores e actrizes e só há dois que se destacaram dos outros. O número um é Marlon Brando e o número dois é Marilyn Monroe."

As câmaras adoravam-na, captando a sua subtileza, a sua sensualidade. A luz parecia reflectir-se no seu corpo e no seu rosto fazendo parecer que era dela que a luz irradiava.



Marilyn, uma material girl avant la lettre,
aqui de novo segundo Milton Friedman

A escrita de uma mulher bem sucedida, segura, exuberante na sua sensualidade,
assim era a escrita de Marilyn 


Apesar de tímida, de ter medo do palco, de chegar atrasada ou de se esquecer das falas, querendo repetir as cenas vezes sem conta até se dar por satisfeita, o resultado era sempre um sucesso, tendo sido nomeada e agraciada com alguns prémios.

Contudo a nível pessoal as coisas não iam tão bem. Já ia no terceiro marido (Arthur Miller) e os sintomas de vulnerabilidade pareciam acentuar-se. Outra coisa a perturbava profundamente: queria ter filhos mas abortava, o que a deixava de rastos.

Pelo meio teve um breve caso com Yves Montand que não resultou pois ele não quis separar-se de Simone Signoret. 



Simone Signoret, Marilyn Monroe e Yves Montant


Falam-se de outros flirts, um ou outro algo mais que simples flirt, mas era ao segundo marido, a Joe DiMaggio que ela chamava quando estava mais em baixo.

É que, entretanto, os problemas de insónias tinham começado a acentuar-se e teve que  começar a ser medicada. Mas ia a vários médicos, tomava medicamentos de mais. Tornou-se dependente também do psiquiatra Dr. Ralph Greenson. E, se ele não estava por perto, mais medicamentos e álcool ela ingeria. O último filme, The Misfits, os Inadaptados, já foi um calvário. Doente, chegando sempre atrasada, levando a equipa toda ao desespero, esquecida das suas falas, levou-a a ter inclusivamente a ser internada durante dez dias.

Foi por essa altura que Eve Arnold fez a fotografia que mostrei ontem. Vejo as fotografias e tirando uma ou outra em que algum cansaço é notório, as outras mostram uma Marilyn belíssima, alegre, com aquela sensualidade inocente e feliz que parecia caracterizá-la. Aquela sua duplicidade era qualquer coisa de extraordinário. Dá ideia que ao sentir-se olhada por uma câmara, se tornava outra, tomada pela leveza, sem quaisquer pesos a desgraçar-lhe a vida. Parecia irradiar serenidade.



Marilyn, por Eve Arnold, também por altura da rodagem de The Milfits
Olha-se e parece ver-se uma mulher tranquila, confiante, feliz.
E, no entanto...


Depois do filme divorciou-se e voltou a ser internada, desta vez para ser operada às trompas de Falópio (não sei mas, provavelmente, outra gravidez mal sucedida).

E não dormia e sentia uma angústia que a quebrava por dentro. Estava péssima, infeliz, frustrada, dependente.



Letra muito irregular, texto irregular na forma, as margens desiguais ao longo do texto,
 a tender para baixo, letra disforme, estrutura atabalhoada
Assim era a letra de Marilyn quando estava internada



O seu estado de ansiedade acentuava-se e tenha crises de pânico, e um verdadeiro pavor de representar.

Em Maio de 62, nessa altura em que já estava assim, foi convidada para cantar os parabéns a você a John Kennedy, Presidente dos EUA, a convite de um cunhado deste. Sexy e provocante, um vestido sobre o corpo que quase a deixava nua, sem roupa interior - ninguém diria o estado em que estava. Vejo o filme e pasmo. Esta era a pessoa que vivia quase à custa de medicação? Que não dormia senão drogada? Que bebia demais? Que se sentia miserável? De facto, no início, vê-se pela respiração que está tensa mas também era normal (eu, se fosse comigo, se perante aquela imensa plateia tivesse que actuar para um Presidente, ainda por cima, para um Presidente do qual fosse amante, estaria petrificada de terror - se bem que nem consigo imaginar tal situação sendo o Presidente o Cavaco. Credo).





Teve um caso com o Presidente e, apaixonadíssima por ele, ligava volta e meia para a Casa Branca, tendo chegado a dizer à própria Jackie Kennedy que ela, Marilyn, seria a próxima Primeira Dama. O estado de desnorte em que estaria para fazer uma coisa dessas… Jackie ter-lhe-ia respondido friamente que poderia ir andando. Farta de saber dos deslizes do marido estava Jackie. Vivia a aturar-lhe as insuportáveis dores nas costas e os descarados adultérios. E, perante o exterior, também sempre sorrindo suavemente - tal como vos mostrei ontem, assim a captou também Eve Arnold: Jackie, a sereníssima esposa, a orgulhosa mãe da filha Caroline que brincava com as flores. 

Quando o Presidente deixou Marilyn (um Presidente não pode correr o risco de ter um caso com uma pessoa desequilibrada que mete na cabeça ser Primeira Dama), ela teve um profundo, profundo desgosto. Consta que amava John Kennedy com verdadeira paixão (o que também não é de estranhar já que John era uma criatura solar, um carismático líder, belo e sedutor) e que tinha idealizado poder viver com ele um grande e legitimado romance de amor.



Marilyn vs Jackie
(Não podiam ser mais diferentes)



Nesse período de turbulência consta que mantinha em simultâneo um caso com o irmão, Bob (que, segundo se diz, a teria visitado no dia em que ela apareceu morta) e que foi para este irmão que se virou mais intensamente quando abandonada por John. Marilyn estava, pois, a tornar-se incómoda para a Casa Branca: instável, sentindo-se abandonada, dependente de medicação, já não media bem o impacto dos seus actos. Um caso sério.

Por essa altura conturbada, Marilyn faltava constantemente às filmagens. A consequência era inevitável: foi despedida e obrigada a indemnizar o estúdio. 

Foi então que Marilyn desencadeou uma série de ofensivas mediáticas, aceitando entrevistas e sessões fotográficas para a Vogue (a última sessão, The Last Sitting, com Bert Stern é das mais famosas), para o Cosmopolitan e para a Life.



Marilyn fotografada por Bert Stern

Bert Stern achou-a divertida, com sentido de humor, brincalhona,
ousada, muito sensual, orgulhosa do seu corpo - uma deusa material

Seis semanas depois morria


Sempre luminosa, um corpo belo, um rosto feliz. Não se vêem traços de noites em claro, se bebia demais isso não lhe alterava o semblante, se vivia deprimida, infeliz, isso não transparecia por entre o sorriso insinuante, os gestos soltos, descontraídos.

Sabemos que temia, sobretudo, a solidão. A mulher mais desejada do mundo não tinha, muitas vezes, com quem passar a noite, com quem festejar o aniversário, com quem conversar.

Mas, enfrentava uma câmara e nem rasto de tristezas, de medos, de dependências. Nada. Apenas beleza.



Ainda de The last sitting, Marilyn por Bert Stern para a Vogue
(finais de Junho de 1962)


Entretanto, no meio de toda esta vida complicada, andava a estudar outras possíveis participações em filmes. Nada fazia prever que tencionasse pôr fim à vida. Aparentemente não o fez deliberadamente. A não ter ocorrido intervenção de alguém no infeliz desfecho (coisa que nunca se soube ao certo), o mais provável é que o álcool e o excesso de medicamentos tenham levado acidentalmente ao trágico final (embora tudo o que envolve esta triste situação esteja envolto em contradições).

No início de Agosto de 1962, com 36 anos, Marilyn, foi, pois, encontrada morta, nua, na cama, com um frasco de comprimidos ao lado. Diz-se que o seu último telefonema terá sido para o Presidente. 

Apenas 31 pessoas a acompanharam o enterro. A polícia vigiava de perto.

*





****

Senhores, que isto ficou longo demais! Como é que eu vou conseguir reler tudo com o sono com que estou? A ver se me levanto mais cedo para o fazer. Desculpem, portanto, as gralhas que por aí encontraram.

****

Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quinta feira muito feliz.


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E, já depois de ter fechado este post, volto para aqui colocar um poema da Leitora Era uma Vez  (a quem muito agradeço) sobre Marilyn





Quando aquela súbita ventania
nasceu do centro da terra
e soprou sensualidade no seu corpo de mulher
um aceno "iluminou o mundo"

tudo parecia belo e sem defeito
a brisa o branco a transparência
tudo tão perfeito
o olhar deslumbrante e deslumbrado

então
que nome
que tédio
que segredo
que mistério
desenhou um traço a negro
na alvura do momento errado???

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sábado, setembro 07, 2013

Enquanto os meus amores dormem, eu rendo-me ao prazer das palavras inteligentes e luminosas e festejo, como uma menina radiante, os presentes que os meus amigos deixam aqui à minha porta. Momentos bons. __________ [Ontem o Um Jeito Manso recebeu de visita uma capicua - atenção: eu disse capicua, não catatua. Quero eu dizer: tive ontem 1.111 visitas. São sempre muito bem vindos, venham em capicuas ou com catatuas ao ombro. Muito obrigada por tudo!]


Depois de uma noite de quatro horas, de um dia dos danados, uns seiscentos quilómetros de autoestrada, muito falatório em inglês (coisa que, parecendo que não, cansa um bocado mais do que na língua nativa), depois da agitação de tipo hora de ponta a fazer jantar com toda a gente já a querer comer, e depois, à mesa, um a fazer gracinhas como querer atirar a papa pelos ares e outra a querer ir tirar um e outro cafézinho, e depois de muita brincadeira, desenhos, saltos na cama e, para rematar, a história da cinderela, eis que dormem os dois.

Mais doces, mais fofos, uns texuguinhos mais lindos. 




Amanhã juntar-se-ão os primos e a festa será ainda mais animada. Por isso, enquanto a coisa está calma, deixem-me descansar. Peace and love. And quiet night, please.


O mio bambino caro, Puccini pelas Meninas Cantoras de Petrópolis




Entre muitos milhares de sítios e muitos milhares de pessoas, coloca-me a sorte junto à fazedora de poemas que, por vezes, aqui vem deixar a luz das suas palavras. Da primeira vez soubemo-lo depois, porque aqui mostrei as fotografias onde tínhamos estado as duas a escassos metros uma da outra. Da segunda vez, porque conheço o filho (quem o não conhece?) imaginei que seria ela mas não tive a certeza nem vi como me aproximar não tendo a certeza. Ela não me viu nem me conhece. Mas sabe, a posteriori, que eu ando ali por perto, sem que ela me pressinta.

Há coisas que não se explicam.

Em dia de histórias, conto eu, pois, este conto. Era uma vez uma mulher especial com dois filhos especiais que já lhe deram três princesas muito lindas. Nuns dias ela embala as princesas, veste-as de folhos e cores, noutros deixa que os sonhos voem feitos palavras. Tenho a sorte de, por vezes, essas palavras virem aqui pousar. Esta noite tinha estas no parapeito da minha janela:

              Não analises um poema
              deixa que seja ele a explicar-te o som a cor o tamanho das coisas                                  mais banais
              deixa que ele se ilumine
              te ilumine
              e pouco mais...
              despi-lo é violá-lo
              e se o amas apenas tens de senti-lo
              e tão só
              amá-lo


Mas eis que o Poeta-Filósofo me desarma. E eu rendo-me. Touchée.

Diz ele:



Ocorreu-me agora uma coisa sobre a análise poética. 

Há um prazer específico que lhe está associado. 

Esse prazer tem uma natureza infantil e é idêntico ao da criança que, depois de brincar com um certo brinquedo e porque gosta dele, o vai desmontar para ver como funciona. 

Esse desmontar nasce de um acto de amor. O que se pode concluir daqui? Que a análise é um acto infantil. 


Talvez, mas há uma outra possibilidade: pode-se concluir que o amor é uma coisa perigosa. 

Por exemplo, só analiso poemas de que gosto. 

Relativamente à criança o analista tem uma vantagem. O brinquedo desmontado raramente volta ao que era. O poema permanece na sua inteireza. 

Há ainda uma outra coisa, e essa é perversa. Há duas formas de pureza, a da razão e a do coração. 

A filosofia estriba-se na pureza da razão, a sua leitura da poesia, na pureza do coração. 

A análise provoca a contaminação e utiliza a razão para alcançar um excesso de gozo, para um prazer que ultrapassa o prazer inicial.



Com esta argumentação, já percebo melhor a motivação de quem abre um poema para o ver por dentro. 

E que palavras maravilhosas.

Já o jrd tinha concluído e, como sempre, directo e certeiro:

Jorge C. Maia para além de ser um filósofo é também um grande poeta, por quem tenho uma enorme admiração, mesmo quando dele discordo.


Um dia comentei no Kyrie Eleison que "a poesia é uma arma carregada de futuro" (Gabriel Celaya) e ele não concordou. Que fazer, pergunto eu, se os Poetas sabem sentir muito mais do que nós?


Pois é, jrd.

É claro que um engenheiro (engenheiro que é engenheiro é engenheiro toda a vida) fala outra linguagem (mesmo quando também é poeta). E diz: Quando eu era engenheiro de telecomunicações aprendi que para comunicar é necessário um emissor, um canal de comunicação e um receptor e claro, uma linguagem percetível a ambos e capaz de ser transmitida. A arte para mim é essencialmente uma forma de comunicação de emoções, de sensações, de “estados de alma” ( que infeliz esta expressão!!!). Se o emissor não faz a mínima ideia de que está ou o que pretende comunicar e se o canal de comunicação, o texto ,a escultura ,a foto, a pintura não funciona, o pobre do receptor só por acaso poderá receber alguma coisa. E se recebe não é obra do “artista” mas sim do Senhor Acaso.

Quer que eu o rebata, Senhor Engenheiro? Lamento. Não o faço. Concordo.

Paula Rego
(Feias? Macacadas? .... Não acho.
São mulheres normais, apenas isso)

Mas antes já me tinha dado motivos para o fazer. Disse: 

Porque me irritam solenemente o Pedro Cabrita Reis ( com uma sala dedicada na Tate Modern) ou o Julião Sarmento (o artista plástico que mais vende no estrangeiro) ou até a Paula Rego (com personagens sempre horrendamente feias, prefiro de longe as macacadas que fazia anteriormente), a Gabriela Llansol (com tracinhos originais em vez de palavras), o Gonçalo M Tavares (totalmente incompreensível) ou o António Lobo Antunes actual ( um híper chato labiríntico)





E aqui tenho pontos para discordar. Rebato quanto a Paula Rego, uma pintora 'maluca' cá muito da minha estimação, ou a Maria Gabriela Llansol com palavras fantásticas por entre os tracinhos. Quanto aos outros também não rebato, com excepção para as Crónicas de Lobo Antunes.


E depois chega uma pessoa muito querida, tratadora de mantos de anjo, que, por pura generosidade, uma generosidade que agradeço, perde toda a isenção e diz uma enormidade destas:  Parabéns pela escritora, pintora, criadora, etc., que é. 

Aqui é que eu tenho que rebater à séria: pela imensa admiração que sinto por escritores, pintores, criadores artísticos em geral, tenho que dizer com toda a sinceridade: gostava muito de ser isso tudo - mas não sou. Sou uma aventureira, uma descarada, uma inconsciente, sou muitas coisas deste género mas escritora ou pintora, lamento muito, mas não sou. 

Sou uma menina deslumbrada pela arte e pela inteligência dos outros, pela natureza, pela beleza, pelo cheirinho bom dos meus amores pequeninos, pela vida, pelo que conheço e pelo que sei que um dia hei-de ainda conhecer e também pelo que sei que jamais chegarei a conhecer. 

Recebo dos meus amigos presentes valiosos, sorrisos, palavras que me tocam e maravilhas como os vídeos que me foram enviados. Escolho um deles, aquele que representa uma menina como eu.




"Argine" - Wonderful animation


****

A fadinha voadora e a bailarina suspensa, penso que já anteriormente aqui mostradas, e que agora se encostaram às palavras do JCM, são pequenos seres que se movem quando a janela deixa entrar a aragem e que, deste modo, espalham graça sobre mim enquanto aqui escrevo. 

****

E, por agora, nada mais. Vou descansar porque estou mais para lá do que para cá. 

(সেম কুএরের কার্রেগুই নুমা তেচ্লা আলী এম সিমা এ অ কইসা ইস্টá অ সির আসিম। ক কইসা দ কারাçএস সেরá এস্টা? লেইও আলী ন বতãও ক é অ ত্রান্স্লিতেরাçãও দে পালাভ্রাস এস্ক্রিতাস ফনেতিকামেন্তে এম ইংলêস. দেভে সের দা হরা মাস নãও পের্সেব বেম ক রিও দে কইসা é এস্টা).

Adiante.

Tenham, meus Caros Leitores, um sábado muito bom.

segunda-feira, junho 24, 2013

Muitos parabéns (ainda que um pouco atrasados) para a Erinha! Que conte muitos e bons e sempre rodeada pela sua maravilhosa família!




harmonia
a luz no corpo
é a lua




*

NB: Não era bem esta música que eu queria ter aqui mas, a que eu queria, do Rodrigo Leão, não dava para incorporar aqui no blogue. Mas esta também é bonita. Espero que goste.

As flores são uma fotografia de Robert Mapplethorpe.

E aquele pequeno poeminha é de Abel Neves e é só para ir abrindo o apetite para o livro que hei-de ler da fantástica Poetisa que é a Era uma Vez. Estou à espera - mas agora já acredito que esteja para breve.

Beijinhos à carangueja de primeiro dia!

E parabéns às mimosas Patanisquitas por terem uma  Avó tão especial.

E parabéns aos manos M., ambos tão simpáticos e tão dotados e que enchem a nossa casa com a sua alegria e talento, por terem uma Mãe tão especial.

E, já agora, parabéns também ao marido que é, certamente um homem de sorte, pela mulher tão inspirada e pela família extraordinária que tem.


domingo, junho 23, 2013

Uma lua branca nos céus, aqui in heaven. Não uma superlua, não sei se no seu perigeu lunar, mas branca e macia. E, para que os pequenos seres lunares que de lá me observaram saibam onde estou quando descerem, aqui lhes deixo fotografias da minha casa e dos caminhos que os podem trazer até mim


No post a seguir a este falo sobre a eventual homossexualidade do ministro. O ministro é gay? O lobby gay pôs mais um ministro no governo? - perguntas que as pessoas colocam. Mas isso é a seguir.

Aqui, agora, a conversa é outra.




A lua branca que me ilumina agora aqui, in heaven


Há bocado fui à rua à procura de uma lua grande. Pensei que pudesse estar pousada sobre um muro, à minha espera no banco que está aqui à porta, talvez sobre as árvores. Pensei-a próxima, quase ao alcance da minha mão.

Afinal estava no céu, luminosa e branca, distante. Como sempre.

Fotografei-a mas o zoom recusou-se a funcionar nos limites. Ando pouco persistente, não gosto de forçar os objectos, não querem, não querem. Por isso, a definição da imagem não é extraordinária. 

Ao olhá-la, reparo agora como os limites estão imprecisos, mas talvez seja mesmo assim este planeta: impreciso, macio, cinzas brancas, memórias.

Talvez os nossos espíritos nos observem de lá. Quem nos garante que somos só o que pensamos que somos? O que vemos ao espelho? Eu não sei. Admito como muito natural que uma parte de mim, aquela que costuma andar a sobrevoar-me, livre e imaterial, esteja por lá quando a olho. E, se não uma parte de mim, talvez, então, aqueles que se ausentaram da minha vida mas que vivem ainda no meu coração. Não sei.

Branca, com pequenos pontos de luz, quase prateada, lá estava a lua de sempre, nem muito grande, nem muito próxima. Mas se calhar só se aproxima quando não estamos a olhá-la. Eu podia ir agora lá fora, outra vez, ver se a apanhava desprevenida. Mas já estou aqui sozinha, o resto da casa dorme, tenho medo de ir à rua de madrugada, não sei se sobre as árvores não andarão pequenos seres lunares, transparentes, se no chão escuro não andarão gatos silenciosos, com olhos perfurantes. Não saberia como reagir se os visse.

Por isso, como não tinha imagens surpreendentes de uma lua gigante pousada à minha porta, andei pela casa a fotografar pequenos recantos. Não sei porquê. Talvez seja para que os pequenos seres que há pouco me olharam da lua quando eu tentava descobri-los, vejam como é a minha casa por dentro para que, se vierem daqui a nada, quando eu estiver a dormir, saibam que esta é a minha casa, que é aqui que estou.



Menina feita com sombras lunares


Tenho meninas, santos, galos, candeeirinhos antigos que parecem de brincar. Aqui, na minha casa, as crianças gostam de estar, têm um mundo de coisas diferentes por descobrir. Estou sentada num sofá repleto de almofadas às cores, para onde olhe só vejo cor. Os pequenos seres transparentes que voem da lua para aqui vir brincar talvez queiram variar, vivem num mundo branco, sem peso, flutuam entre cinzas - aqui encontrarão muita cor, muitos seres coloridos e felizes.



Casal trabalhando no campo
(oferta da minha mãe, para gozar com o facto de eu  e o meu marido andarmos sempre nas nossas lides)
e uma vela em forma de galinha gorda.
Por cima, alguns quadros pintados por mim, coloridos como sempre


Há algum tempo que não pinto, a ver se amanhã o faço, tenho saudades. E tenho sempre aquela vontade de tentar pintar com cores claras, suaves, brancas, lunares. A ver se amanhã o consigo, a ver se, quando der por mim, não estou a pintar encarnados, laranjas, amarelos quentes.



Um galo elegante que é um mealheiro, em cuja ranhura enfiei umas hastes de alfazema cheiroso
Na mesa por baixo está um outro galo campestre e garboso mas quase não se vê na fotografia


Hoje, quando cheguei, já a tarde ia avançada. Como sempre, andei a passear, a fazer o reconhecimento, a ver se os figos já estavam grandinhos, a ver se das figueiras já me chegava aquele perfume fresco e sensual de que tanto gosto. Ainda não, as folhas estão ainda muito jovens, os figos ainda rijos e pequenos. A sensualidade maior chega na idade madura.



Figo pingo-de-mel ainda não pronto para eu me atirar a ele - mas talvez já não falte muito


Numa zona de mato compacto, absolutamente intransitável, imaginei um caminho, há muito tempo que o imaginava. No outro dia, nós dois desbravámos o tojo, abrimos espaço, fomos andando, cortando. Depois pedimos ajuda. Hoje já estava com jeito de caminho, já andei a caminhar por ele. Agradecida e feliz, até um pouco emocionada. Imaginei tanto isto quando, há uns anos, o terreno era apenas mato rasteiro e pedras. Lutei tanto para que os pinheiritos sobrevivessem, uma luta, por cada muitos plantados, lá sobrevivia, e a custo, um ou dois. Reguei-os a garrafões de água, como se estivesse a amamentar um raposinho selvagem.



O caminho faz-se caminhando

Quando o verão aquecer, à tarde aqui vai sentir-se um dos melhores perfumes do mundo, um perfume de pinheiro misturado com alecrim, sálvia, esteva, orégãos.

Ao andar por aqui de vez em quando ouve-se uma agitação: é um coelho que foge à nossa frente. E ouvem-se os pássaros, os mais genuínos habitantes deste espaço. Cantam, brincam, voam. Por isso ando devagar, em silêncio, a ver se me reconhecem como igual. Quero aprender com eles a ser inocente e feliz; mas sei que não vai ser uma aprendizagem fácil. Fácil é aprender o que vem nos livros, fácil é saber coisas que não interessam para nada. Difícil é aprender a simplicidade da natureza.



A delicadeza das pequenas flores que nascem de entre o solo rochoso

(Mas será delicadeza ou, de facto, uma bravura muito feminina?
Se nascem e resistem no meio desta adversidade...)


E agora vou deitar-me. Podia deixar a porta aberta mas, claro, não o faço. Em vez dos pequenos seres brancos, transparentes, que flutuam, talvez ainda com as suas asas macias cobertas de cinzas lunares sei lá se não entrariam os cavalos azuis de Franz Marc, os bailarinos de Matisse, o galo gigante de Chagall, gatos bravos, coelhos, pássaros gigantes?





LUA BRANCA (Chiquinha Gonzaga) - Cristina Motta

**

TODOS
falam da lua de ontem vinte e dois
maior, mais brilho, mais encanto
saudando o primeiro dia de Verão
deslumbrando deslumbrando...

POUCOS
sabem uma coisa comesinha
enquanto as princesas me cantavam
e eu fechava os olhos num desejo
e os risos ali me aconchegavam

silencioso o Tejo se apagava
e a lua enorme imensa era SÓ MINHA



['Vaidade', poema de Era uma Vez, num comentário aqui abaixo]


***

Permitam que relembre que sobre se temos ou não ministros gays no Governo de Passos Coelho falo no post a seguir a este (mas vou já avisando que a minha opinião é que a sexualidade dos ministros é o que menos interessa para a qualidade das nossas vidas).

***

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um domingo muito bom.


segunda-feira, janeiro 28, 2013

'Era o pinheiro mais alto aqui do bairro' - a palavra de 'Era uma Vez'


Há dois anos um golpe de vento derrubou uma árvore.
Uma grevílea.
Não quis que se serrasse o tronco, esperando que rebentasse.
Algum tempo depois, constatando-se que não nascia e, com muita pena,
assenti a que se serrasse o tronco lá em baixo (ainda se vê).

Para nossa surpresa e alegria, despontou uns meses depois.
Tem sido acarinhada como uma fénix.
Até o meu marido, no verão, vai com uma garrafa de água refrescá-la.

Fotografei-a ontem, uma resistente.




Era o pinheiro mais alto aqui do bairro
o único dos quatro iniciais
e o arquitecto a fazer o desenho
sem lhes tocar
e eu a gritar-lhe
nem um risco a mais

Altaneiro
parecia um farol sem faroleiro
atrevido deu em rachar o muro alto do vizinho
e o perigo era grande e espreitava e eu fazia de conta e assobiava
adiando o inadiável...

Era Janeiro e o meu pai partia
ele que o defendia e aconchegava
então pois tem de ser
marcou-se o dia
e o meu coração atormentado
inventava uma espécie de milagre
por acontecer

Ao cair da noite
olhei e demorei o olhar
mal sabes tu que será a última vez que anunciarás o nascer do sol
e o dia vinte de Janeiro a começar

Fugi antes do crime
embrulhada num casaco velho e quente
atravessei avenidas e ruelas
nos meus ouvidas as maquinas e as serras
e só voltei a custo ao fim da tarde

fiz o luto dos dois adoecendo
porque era uma postura única
desassombrada
um estava já velho e doente
o outro não, presente
e a vida roubou-me os dois
tão indiferente
como se não doesse nada

Quando os dias cresceram de novo
e aqueceram
e eu voltei ao meu pequeno mundo
reparei que o céu era maior e mais azul
e da varanda agora via a serra e o castelo como nunca vira
e que é verdade
que Deus fecha uma porta abrindo
sempre uma janela
pois é
e há um lugar dentro de nós
onde se guardam os pais, os amigos, os amores, os pinheiros
e os nossos queridos bichos
como de fosse a nossa arca de Noé

ainda hoje o lembro com culpa e com saudade
quando no lugar onde ele estava me deito e sonho
e olho o céu

e espreito o sol nascer como ele espreitava...


[Poema da Leitora 'Era uma Vez' a quem muito agradeço]

sábado, junho 23, 2012

Vítor Gaspar assume derrapagem mas, pelo que disse, acho que ainda não percebeu porquê. A Popota Merkel , agora em versão hooligan, começa a virar o bico ao prego e já apoia o desenvolvimento (e ainda bem!). E Joana de Vasconcelos, a nossa Princesa em Versailles, enche-nos a todos de orgulho.


Música, por favor


Vira do Minho - Vira e torna a virar




Vitor Gaspar, o homem que não atina com os números: a realidade teima em não se comportar
 como os  modelos que ele engendrou, o que não admira pois, para fazer modelos económicos,
é preciso ter conhecimentos teóricos e práticos, não apenas teóricos


Com ar maçador e sem pitada de graça, ficando a milhas da piada de Manuel Marques quando o imita, o ministro-que-não-acerta-uma, Vítor Gaspar de seu nome, lá apareceu outra vez a confirmar aquilo que toda a gente com dois dedos de testa, toda a gente menos ele, já tinha adivinhado há muito tempo: que, apesar da espoliação aos contribuintes, os valores das receitas fiscais estão aquém do que estava à espera, que o défice está em risco, que a autonomia financeira do país está em risco na data prevista e que os nossos parceiros da Europa nos irão ajudar quando precisarmos.

Ou seja, um fiasco em toda a linha. Nem mais: as políticas de Passos Coelho a conduzirem o País à miséria, ao desemprego, à ruína, às falências em cadeia... e para nada.

Desde o início que aqui tenho dito - mas não é esperteza privativa minha pois, por todo mundo, muitas e muitas vozes, incluindo prémios Nobel da Economia e os próprios gestores do FMI, têm alertado para o mesmo - esta política absurda de cortes em cima de cortes, sem qualquer incentivo do lado do investimento, gera um tal desequilíbrio estrutural que só podia mesmo gerar recessão em espiral, em que a austeridade gera recessão que, se for combatida com mais austeridade mais recessão vai gerar e assim sucessivamente. O vazio a atrair a realidade a uma velocidade vertiginosa. 



Quanto mais a desgraça alastra mais Passos Coelho se ri com as graçolas do Vítor Gaspar
Penso que julga que este é um humorista, que o que diz são piadolas, acho que o confunde com  o
Manuel Marques - e também ainda não percebeu que o Manuel Marques é bom demais para se meter
nestas cegadas


Com excepção de uns happy few que sabem viver sempre a bom recato dos males que afectam o comum dos mortais, toda uma população está mais pobre, mais insegura, todo o tecido económico está mais frágil, o sistema de saúde está uma desgraça, já se rateiam os tratamentos, os mais pobres já não se tratam, a cada dia mais famílias perdem a casa, os mais jovens abandonam o país em massa, as melhores empresas do país são vendidas ao estrangeiro, não fica pedra sobre pedra - e, para surpresa do Gaspar-que-não-percebe-nada-da-vida-real, isto não conduziu ao eldorado que ele, rapaz que se tem por inteligente, imaginava. Pelo contrário, a dívida aumentou, o défice não vai ser cumprido e alguém terá que nos estender, de novo, a mão. Mas nestes negócios ninguém estende a mão com bons propósitos. Os juros são altos, as condições insuportáveis, os honorários das comissões que nos vigiam são exorbitantes e, não menos importante, continuaremos a ser geridos por burocratas que de vez em quando aí aparecem e que são tratados pelo Governo como se fossem nossos donos. Uma desgraça e uma humilhação.

*


Angela Merkel - Isto foi noutro jogo porque no jogo de ontem estava de verde - mas o jeito marcial era o mesmo


Enquanto isso, a guru Merkel, antes de ir disfarçar-se de hooligan no jogo da Alemanha com a Grécia, reuniu-se com o Hollande, o Monti e o Rajoy e, marimbando-se para o Durão Barroso, Van Rompuy e outros inúteis, foi dizer como é - que desenvolvimento é essencial e que um programa europeu para relançamento da economia vai ser posto em marcha. É a reviravolta a começar a operar-se e em boa hora isso acontece; e tomara que muitas mais piruetas ocorram nos próximos tempos pois, caso contrário, não há  salvação possível para o euro e para a Europa que cairá no caos em três tempos. Claro que ainda não se sabe como, quando, controlado por quem, mas é um bom sinal. Não é caso para euforias, mas é um sinal.

Não imagino é como é que Passos Coelho e o Gaspar vão reagir perante isto. Provavelmente não vão perceber. E o homem da Goldman Sachs, o António Borges que por aí anda, à rédea solta, a tratar dos negócios, vendendo as nossas empresas estratégicas segundo critérios lá muito dele, pessoa esta que acha que a legislação laboral deveria ser mais flexível e que o abaixamento de salários é uma inevitabilidade, o que dirá ele? Se calhar vai acelerar na sua actividade antes que se faça tarde. 


*

Música, de novo, por favor

Juliette Greco - Sous le ciel de Paris



E, para terminar, porque gosto de terminar em beleza, uma notícia mesmo boa, que a todos nos enche de orgulho.



Joana Vasconcelos, uma Princesa Portuguesa em Versaillles


A grandiosa Joana Vasconcelos está a arrasar em Versailles. A sua obra é tão imprevista como colossal.



Le dauphin et la dauphine - fainaças Rafael Bordalo Pinheiro vestidas a crochet



Com crochet, tricot, peças de arte popular ou utensílios domésticos (que, por aquelas bandas, a etiqueta realesca não adimitiu os utensílios íntimos), Joana recria, reinventa, imagina, ousa (e, de caminho dá trabalho a uma vasta de equipa de pessoas que ajudam a dar corpo a esta imaginação fantástica).


Pavillon é - em ferro forjado


Joana d' Arte

Joana vale tudo o que pesa e pesa tanto
de tachos faz sapatinhos de cristal
e as supostas filigranas se enredam no olhar

até o impensável garrafão brilha na relva
a provocar a provocar...

porque nas mãos de Joana tudo acontece
a mente de Joana é um palácio sem fim
e até os lustres são intimidade
na alma de Joana
Portugal é um país imenso
no coração de Joana
do passado se faz presente

e se constrói futuro
com fios e rendas de saudade



[Poema da autoria da Leitora 'Era uma Vez', a quem agradeço a generosidade, num comentário ao post de dia 19 deste mês]



Marilyn - tachos, panelas e tampas em inox


Muitos parabéns à Princesa Joana, a Lúcida, uma mulher empreendedora, arrojada, que honra a alma e a arte popular portuguesa.

*

Se vos apetecer, gostaria de também vos ter lá no meu Ginjal e Lisboa
Hoje as minhas palavras entregam-se a um olhar sensual em torno da Lúbrica de Cesário Verde. 
A música é ainda de Shostakovich.

*

E tenham, meus Caros Leitores, um belo sábado!