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domingo, abril 23, 2023

Entre o bafo quente da multidão

 

Na altura das eleições no Brasil disse aqui que obviamente desejava que houvesse um grande não a Bolsonaro. Mas que o meu entusiasmo com o Lula era reservado. Na lógica do mal o menos, ok ao Lula. Mas com muita pena que não haja melhor no Brasil. Um país enorme e complexo como o Brasil para ser bem governado e para ser respeitado interna e externamente tem que ter um presidente bem capacitado, consistente, com uma visão modernista, humanista. Lula está longe disso.

Por exemplo, a posição do Brasil sobre a Rússia a propósito da invasão criminosa da Ucrânia não é apenas dúbia. É também cínica, hipócrita, incoerente. Não sei se estas flutuações de posições, ajeitadas consoante o interlocutor, se devem ao seu caráter pouco consistente ou se Lula é simplesmente uma pessoa pouco informada. Ou se é a lógica interesseira do videirinho que quer fazer negócio e disfarça a coisa com conversa da treta julgando que os outros são mais parvos que ele. Não sei. Seja como for não é uma boa coisa.

E o que sei também é que, por tudo isto, Lula não me merece grande respeito.

Continuo a dizer: entre Bolsonaro e Lula, Lula. Mas que o Lula está aquém, mas muito aquém, do que o Brasil precisa, isso parece-me uma evidência.

E se pensarmos que o Brasil deveria ser um aliado de peso para Portugal, o que me ocorre é esquecer os interesses diplomáticos (que são incontáveis) e mandar bugiar o Lula. Ter um aliado como Lula é pormo-nos a jeito para vários tiros nos pés. Mas porque o Brasil é mais, obviamente muito mais, do que quem o governa, pois que se feche um bocado os olhos ao nonsense em forma de gente que é o Lula. 

(Num aparte, completamente aparte, também devo dizer que não percebo a que propósito é que anda em todo o lado, mesmo nos encontros institucionais, com a mulher a reboque). 

Enfim, uma tristeza.

Mas haja esperança. Por entre o bafo quente da multidão que acarinha gente como Bolsonaro, num quadrante, ou Lula, num outro, pode ser que surja uma consciência, uma voz que se erga. Muda como a exactidão   como a firmeza    como a justiça. Brilhando indefectível.

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Partilho um vídeo Cine Povero que me encanta, um remake de um anterior

Jorge de Sena :: Uma pequenina luz / Por Pedro Lamares


Desejo-vos um bom dia de domingo
Saúde. Ideias claras. Paz.

terça-feira, março 07, 2017

Marcelo Rebelo de Sousa e a estabilidade financeira que Carlos Costa lhe inspira.
A Ítaca de Cavafy lida por Sean Connery.
E a história do azul.
Com o Salvador Sobral e 'nem eu'




Não sei que imagem passo para quem me lê pois tenho a imagem de mim mesma enquanto escrevo -- e essa é a única que me chega. E, ainda assim, chega distorcida.

Hoje. Por exemplo.

Levantei-me muito cedo e, como sempre acontece quando madrugo, na véspera adormeci tarde demais, tive o sono leve e acordei antes da hora. Centenas de quilómetros, horas de reuniões, sem oportunidade para fechar os olhos, para descansar. Chegada a casa, cansada, pouco fiz, um jantar ligeiro. Um pouco mais tarde, aqui no sofá, incapaz de me manter acordada. Leio os comentários que os Leitores deixaram, espreito os mails, gosto de os ler, tenho vontade de lhes responder mas adormeço. Agora comecei a escrever a ver se me mantenho acordada.

Há pouco espreitei as notícias. Marcelo quer estabilidade financeira. Quem a não quer? Mas é difícil tê-la com um ceguinho tartamudo e taralhouco à frente do Banco de Portugal. Nada contra as instituições, genericamente falando. Mas uma pessoa inquieta-se quando sabe que o tesouro está à guarda de uma pessoa que não sente os ladrões a aproximarem-se, não dá por nada enquanto o roubam e, no fim de tudo, vem confessar que a culpa não foi dele, porque não deu por nada. Ora abóbora.



Marcelo quer estabilidade financeira. Também eu. Um colega meu, supostamente parafraseando Marques Mendes na SIC, diz que se critica o polícia ceguinho e permissivo mas não se critica o ladrão manganão. Engano. Ricardo Salgado está a braços com a justiça, com bens arrestados, a vida virada do avesso. A justiça dirá o que se segue (e, sabendo o que é a justiça em Portugal, o mais certo é que tenha calvário até ao fim dos seus dias, provavelmente antes que se apure um juízo final). Mas depois do BES já o Banif foi também ao ar. E com Carlos Costa à frente do BdP já todos sabemos que é o que se quiser. Portanto, se Marcelo quer estabilidade financeira, espero bem que em vez de aquilo com Carlos Costa ter sido uma conversa inclusiva, tenha sido uma airosa conversa de chega para lá. É que duvido que Marcelo embarque -- parvo ele não é. Aquilo lá em Belém, cá para mim, foi mais uma de, enquanto noblesse oblige, "estabilidade" e "instituições", bla, bla bla, olhe lá, meu amigo, não quer ir gozar a vida enquanto tem saúde?


E não me apetece dizer mais nada sobre isto. Aos anos que ando a dizer que aquele lá é uma coisa de faz de conta. Regulador? Está bem, está. Só contaram para o Passos Coelho.


E sigo. Ensonada, percorro as notícias e pouco mais mobiliza a minha atenção. Talvez o Salvador. Não vi o Festival da Canção mas gosto muito do Salvador. No verão vi o concerto dele no EDP Cool Jazz e foi muito bom. Um menino talentoso. Vou agora ouvir a canção com que ganhou, o 'Amar pelos dois'.


E, aqui chegada, talvez fizesse sentido dizer mais qualquer coisa sobre a actualidade; mas não consigo interessar-me. Só me apetece ver ou ouvir coisas que não têm nada a ver. Coisas fora do tempo.

Para ajudar à festa, pensei que deveria aqui colocar algumas das fotografias que fiz no domingo. E, ao escolher, também me apeteceu optar por aquelas que não têm a ver com o texto nem, a bem dizer, com nada. Montras com reflexos, graffitis, uma pintura na porta de uma loja, uma nossa senhora. Também podiam ser fotografias do céu com a elegante caligrafia das linhas eléctricas que alimentam os elétricos. Mas fica para outra vez.


Mas, com isto, não sei que ideia passo para vocês que aí me lêem. Desconcentrada? Desordeira? A mim, volta e meia, aconselham-me : 'Tem que ter algum cuidado. Podem dizê-la desalinhada'. Muito bem. Gosto disso, desalinhada. Mas era bom que objectivassem: desalinhada em relação a quê? A uma linha torta?

Mas, enfim, isso agora não interessa para nada. A verdade é que, de facto, não consigo manter-me alinhada em relação a alguma pretensa imagem (e a qual? alguém me diz?) pois, aqui, nada me obriga a nada. Escrevo ou divulgo apenas o que me dá na bolha -- e o que me influencia no momento em que aqui escrevo é apenas a minha vontade, a minha disposição, o meu estado de espírito ou o facto de estar ou não acordada.

Portanto, com vossa licença, permitam que me esteja nas tintas. E isto das 'tintas' não é metáfora: é literal.

Mas, antes, uma pausa. Deixem que me fique aqui, durante um bocado, com a Ítaca de Cavafy. Quem a lê é Sean Connery. Desta vez não é Tom O'Bedlam que me leva na conversa: é a voz meio enrolada de Sean Connery que me faz sentir transportada para bem longe daqui.


(...)
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.

(Tradução de Jorge de Sena)


E agora, com vossa licença. uma coisa ainda mais descontextualizada: a história do azul. Ainda no outro dia estive a pintar uma grande tela e usei vários tipos de azul. Pode parecer que azul é azul.
O azul é o azul é o azul é o azul é o azul é o azul.
Nada mais errado. Cada azul tem sua personalidade. Consoante o que tenho em mente, vou experimentando. Misturando, arriscando. O azul é um fascínio. Outras cores também. Melhor: todas as outras cores também. Mas o azul. O rio, o mar, o céu, o meu corpo por dentro quando me evado de mim.

Como se faz o azul em que me movo.
Ou melhor: o azul em que me movia antes de eu ser esta que sou hoje,
quando vivia nos tempos em que a alquimia inventava pós mágicos, cores misteriosas.





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E pode ser que ainda cá volte. Agora que parece que estou a acordar, ocorre-me partilhar convosco uma descoberta que fiz a propósito de mim. Coisa hot.

Ou fica para mais logo que a coisa presta-se a aprofundamento, não pode ser sumariamente despachada antes de recolher aos meus aposentos.

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quarta-feira, março 23, 2016

Bruxelas e o terrorismo. A Europa e o terrorismo. O mundo dito civilizado e o terrorismo
Está a chegar a hora dos sociólogos, antropólogos, filósofos, politólogos, psicólogos, historiadores, etc.



O dia todo a trabalhar, não acompanhei as notícias. De manhã tinha sabido que havia drama em Bruxelas mas não sabia exactamente a extensão. À hora de almoço já ouvi falar em mortos e em muitos feridos. Agora estou a ver apontamentos de reportagem e alguns comentários.


Não sou especialista em nada, muito menos em crises deste género. Ouço que isto é uma guerra que está em curso, que há que combater ferozmente os terroristas, que, uma vez mais, falharam os serviços de informação. E tudo estará certo.

Mas a mim uma coisa me faz espécie: não há terroristas com mais de 40 anos? Só putos? Estamos a falar maioritariamente de jovens já nascidos e criados nos subúrbios das cidades ocidentais? Filhos de pais desenraizados? Jovens sem ideais e que procuram uma causa por que lutar?

Não sei. Estou a perguntar por mera ignorância.

A mim, leiga, leiga, mil vezes leiga, parece-me que há neles a motivação e os meios e que é, sobretudo por aí, que há que travar o combate.

Nos últimos anos, os economistas, os gestores e os advogados têm sido a força de elite que tem comandado o mundo: em regra, é gente culturalmente ignorante, desconhecedora de quase tudo o que não seja EBIT, NOPLAT, ROI, ROCE (e por aí vai) e o que é preciso fazer para que os indicadores de criação de riqueza para os accionistas sejam maximizados.

À volta dos núcleos onde se fazem todas as ginásticas para que o capital saia incólume, orbitam as pessoas a quem é preciso sonegar direitos de trabalho, a quem é preciso precarizar os vínculos laborais e, logo, sociais. 

Na periferia dos parques de edifícios onde se instalam as sedes das grandes empresas há bairros sociais habitados por hordas de jovens sem nada que fazer, que passam parte do dia na ociosidade, uns com os outros. Vejo-os por vezes, em grupos encostados aos prédios ou sentados no passeio à porta de casa, capuz da cabeça, conversando, dias a fio. Sem estudarem, sem trabalharem, sem nada fazerem, quais serão as suas motivações?
Lembro-me agora de uma experiência cujo relato li há dias. Colocaram um conjunto de pessoas fechadas num local, sem terem nada que fazer. Contudo poderiam aplicar a si próprias choques eléctricos. Para saberem qual a sensação, estes eram-lhes aplicados choques antes de começar a experiência. Conheciam, pois, a dor. Pois bem, grande parte das pessoas, ao fim de algum tempo, não suportando o tédio, aplicavam a si próprias choques eléctricos. Recomendo a leitura pois talvez explique algumas coisas.
O tédio recorrente a que os jovens se entregam acontece em Portugal, especialmente nas grandes cidades, e, certamente, em todas as grandes cidades europeias.

Durante anos, os executivos têm troçado de quem tem cursos ditos inúteis, aqueles cursos onde se aprende a pensar, a conhecer as civilizações, as culturas, os hábitos, a história, as religiões. Têm sido os profissionais destas áreas que mais têm sentido na pele o peso da crise económica (e civilizacional) que atravessamos. Não sabem gerir empresas, não contribuem para a criação de valor para os accionistas, logo pouco mais são do que parasitas - e, se o não querem ser, pois que trabalhem em caixas de supermercados, em call centers ou onde quiserem desde que não chateiem.
- E isto tem sido, mais coisa menos coisa, o pensamento dominante nas nossas brilhantes sociedades.
Sabemos também como a direita liberal que tem vindo a governar grande parte dos países da Europa (e os EUA, especialmente antes de Obama) é avessa ao Estado Social. Investir na inclusão, em programas de ensino e ocupação, investir na cultura e no conhecimento, é visto por esses crânios como um desperdício de dinheiro. Os mercados dispensam essas frescuras.


E, portanto, sem acompanhamento, entregues a si próprios e sem que ninguém os compreenda e tente integrá-los, tem vindo a desenvolver-se -- nestes meios suburbanos em que há jovens oriundos de famílias desenraizadas onde o desemprego e a pobreza imperam --  um caldo de insatisfação, de disponibilidade para a rebelião, para a vingança, para o crime, para a ficção seja sob que forma for. Ou para o simples combate ao tédio.

Junte-se a isso a cegueira da ganância que leva a que, sobre este clima de medo e insegurança, reinem, imperiais e intocáveis, a indústria do armamento e comércio do petróleo.

Diria eu, na minha ingenuidade, que uma luta objectiva contra estas sérias e difusas ameaças terroristas deveria dar primazia à suspensão do fornecimento de armas e da aquisição de petróleo (e de obras de arte, já agora). E, em simultâneo, constituir núcleos de saber polivalente para saber interpretar todos quantos são potenciais candidatos a ingressarem movimentos terroristas, e com dois objectivos: uns ao serviço dos sistemas de informações e outros para ajudar na inclusão, mas na inclusão a sério, daqueles que hoje são menos que nada nas sociedades ditas desenvolvidas.
E nem estou a falar nas centenas de milhares de refugiados que são acantonados em parques sem quaisquer condições de vida e tratados abaixo de cão. Daqui só pode nascer a revolta.
Uma sociedade decrépita, com uma demografia anémica, com uma economia de rastos, deveria ser capaz de aproveitar esta oportunidade para se rejuvenescer e enriquecer com tanta gente caída do céu, gente nova, com conhecimentos novos, oriundos de outras culturas. Pelo contrário, sem líderes, sem verdadeiros políticos, com o poder nas mãos de burocratas e de medíocres, estamos como estamos.

Condenar os crimes não chega, é preciso perceber o que está na raiz do pensamento dos criminosos. E eu, quando vejo as fotografias deles, o que vejo são putos. E o que sinto é que é preciso ver mais longe, mais fundo, e deixar que as pessoas que sabem pensar e que conhecem a história, os hábitos, as religiões, o funcionamento da mente, sejam chamadas a ajudar o mundo civilizado que tão entregue tem estado a gente incivilizada.

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Termino com poesia

Há vídeo novo do Cine Povero

De Jorge de Sena :: Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya / Dito por Mário Viegas



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As fotografias são da autoria de  Hidenobu Suzuki e mostram a Primavera no Japão

Glenn Gould interpreta, de J.S.Bach: Concerto No.5 in F-minor for Harpsichord and Strings (BWV 1056)

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quarta-feira muito feliz.

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terça-feira, fevereiro 09, 2016

Sem título





Às vezes os dias teimam em não passar, arrastam-se na maior indolência, sem história nem tremura de pele que os distinga. Não sei se posso afirmar, suportada pela estatística, que geralmente isso me acontece em dias de céu cinzento e pressão atmosférica incerta. Mas, com base no que agora estou a sentir, afirmo.

Não gosto de dias assim, acho que estou a desbaratar um bem precioso. Num deserto, ver uma fonte a deitar um vagaroso fio de água e passar-lhe adiante, com desdém (sem perceber que, mais à frente, quando a carne mirrar de tão seca, poderei já não ter como reverter a situação), parece-me até desfaçatez.

Então invento aventuras para poder ter com que entreter a cabeça e o coração. Pulo cercas artísticas, deslizo invisível por salas de museus, espreito quadros nas paredes a ver se algum me acelera a batida, percorro jardins, enfio-me nas grutas mais escuras, chamo o papão, desenlaço tranças imaginárias para ter com que enlear algum incauto príncipe que se aproxime, bebo licores raros a ver se algum me faz sentir especiosa -- qualquer coisa.

Outras vezes, em dias de mansidão, apenas abro clareiras para que a sombra do tédio se afaste e chegue até mim a luz das páginas de algum livro que me encontre. Não me esforço, apenas espero que seja livro com falas de pintores desaluados, diários de escritores tresloucados, reflexões de pernas para o ar de algum filósofo arredio, frases soltas de algum bem-aventurado, cartas de poetas a editores, recados de mulheres friorentas a homens tratadores de árvores -- coisas assim.

Ou, se a preguiça do dia já se me colou à pele, deito o olhar pela janela e ele, sozinho, que escale a serra ao fundo, que encontre os espigões de rocha onde se fixar, que deite mão às lianas por onde possa balouçar-se até encontrar o cume, o leito, a razão de ser.

Pode acontecer também que esteja completamente serena, uma vontade de doçura e subtileza, e que uma palavra, um olhar, um sorriso faça por valer o dia. Em dias assim, de brandura e calidez, posso até procurar o nome de flores generosas para, em imaginação, as passar nos pulsos, no recôndito do detrás da orelha, no prenúncio dos seios. Mas têm que ser raras e desconhecidas: boronia, tuberosa. Adentro-me então em procuras: que outros nomes têm, com que se parecem. Fico contente quando as reconheço: magnólia, nardo, loendro. Hesito, então: será que não as deveria temperar com rosas e jasmins ou com a folha fresca da laranjeira? Ou escavar uma abertura no tronco grosso de um pinheiro da longínqua Flandres e mergulhar lá as mãos, encostar a nuca, deixar que o cheiro activo da seiva roce a minha pele? Imagino como um véu invisível, feito de um bouquet irreal, traria maravilhas únicas aos meus dias parados. E, com isto, os dias agitam-se, preenchem-se de vontades - onde encontrar as flores, como misturá-las, como imergir nesse manto leve de perfumes inventados?


Dias feitos de silêncios. E, neste esvair de tempo, por vezes consigo sentir que os momentos que invento enriquecem o meu viver. Mas se isso não me satisfaz ou se algum sucedimento não pousa no meu dia, pois então desato as mãos e deixo que a rede dos meus pensamentos se espalhe no espaço. E fico à espera.


Agora que escrevi isto, olhei pela janela, espreitei o céu. Se nada vejo é porque os meus olhos ainda andam desaprendidos do indizível. Mas sei que há uma flor navegando pelos ares, que há água e estranhas formas de vida noutros planetas, que há milhões de sóis, milhões de céus, milhões de sonhos perdidos em órbitas desencontradas, palavras flutuando sobre as ondas que as marés siderais levam e trazem, medusas aladas, anjos, luas, pedrinhas, memórias, braços que procuram abraços, sons estelares, infinitos nadas; e lugares escuros, sem tempo, onde passado, presente e futuro se misturam. E então ocorre-me que só tenho que me deixar estar porque a chave que desvenda a minha existência está algures, presa entre os dentes de algum misterioso ser que de longe me olha, me desafia, me seduz, me envolve em segredos, em ternuras, em subtis destempos.

E assim vou vivendo, esperançosa, paciente, deixando palavras destas pelos ares, palavras que às vezes entram no coração de alguém, palavras que, tantas vezes, se perdem de mim e que ninguém vê, ninguém ouve, ninguém toma para si, palavras que não compreendo, palavras ditadas por uma alma que não me habita.


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Ao pé dos cardos sobre a areia fina 
que o vento a pouco e pouco amontoara 
contra o seu corpo (mal se distinguia 
tal como as plantas entre a areia arfando) 
um deus dormia. Há quanto tempo? Há quanto? 
E um deus ou deusa? Quantos sóis e chuvas, 
quantos luares nas águas ou nas nuvens, 
tisnado haviam essa pele tão lisa 
em que a penugem tinha areia esparsa? 
Negros cabelos se espalhavam onde 
nos braços recruzados se escondia o rosto. 
E os olhos? Abertos ou fechados? Verdes ou castanhos 
no breve espaço em que o seu bafo ardia? 
Mas respirava? Ou só uma luz difusa 
se demorava no seu dorso ondeante 
que de tão nu e antigo se vestia 
da confiada ausência em que dormia? 
Mas dormiria? As pernas estendidas, 
com um pé sobre outro pé e os calcanhares 
um pouco soerguidos na lembrança de asas; 
as nádegas suaves, as espáduas curvas 
e na tão leve sombra das axilas 
adivinhados pêlos... Deus ou deusa? 
Há quanto tempo ali dormia? Há quanto? 
Ou não dormia? Ou não estaria ali? 
Ao pé dos cardos, junto à solidão 
que quase lhe tocava do areal imenso, 
do imenso mundo, e as águas sussurrando - 
-ou não estaria ali?... E um deus ou deusa? 
Imagem, só lembrança, aspiração? 
De perto ou longe não se distinguia.

[Metamorfose de Jorge de Sena
-- poema deixado por Rosa Pinto em comentário abaixo e que me deixou emocionada]
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Hubbard Street Dance Chicago dançam “Waxing Moon” numa coreografia de Robyn Mineko Williams, com os bailarinos Jacqueline Burnett, Jonathan Fredrickson

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Já respirei fundo, já fiz uma pausa.
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E agora deixem que vos convide a descer até ao post seguinte onde fiz uma entrada de pé em riste na direcção do Miguel Sousa Tavares, o gémeo separado à nascença do João Miguel Tavares (facto a que, bem entendido, Sophia, a mãe do primeiro, é alheia)

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segunda-feira, dezembro 14, 2015

O Natal já se abeirou de mim e eu sinto que nunca agradecerei suficientemente a gentileza do Leitor que me oferece as suas palavras e as deixa num local que me é tão especial


Ainda o Natal mal se acercou e cá em casa as luzes que o anunciarão ainda não se acendem em volta dos espelhos ou da árvore sob a qual os presentes se irão acomodar, e já eu estou a ser agraciada com a gentileza dos meus Leitores. 

Ontem à noite li o mail de um querido Leitor, escrito várias horas antes, no qual ele me dava conta que, num esconderijo, o mesmo de outras vezes, me tinha deixado um presente. Mostrava-me as fotografias do local para que não me restassem dúvidas.

Àquela hora já não consegui lá ir mas este domingo lá fui, sempre com aquela expectativa infantil de quem vai espreitar, a ver se o Menino Jesus lá deixou mesmo o presente que se tinha anunciado.




Tinha chovido, podia ter-se estragado. E já já devia estar quase há vinte e quatro horas, já alguém podia tê-lo descoberto. Ou os gatos poderiam ter-se entretido com ele, sabido que é que são dados a actividades clandestinas.

Segui o caminho, cheguei ao ponto que a fotografia mostrava, baixei-me. E lá estava. Intacto, bem protegido.


Abri logo o invólucro plástico, depois o envelope. Procurei a dedicatória. Gosto tanto de ler dedicatórias; ou melhor, gosto de ler as palavras que uma pessoa concreta, um Leitor amigo, escreveu para mim. Isto do blog, às tantas, é tão virtual... -- pode parecer-vos que eu não existo de verdade e, por vezes, quase penso que vocês aí, meus Caros Leitores, são apenas presenças abstractas. Ora, vendo palavras escritas para mim, para a UJM (que é esta que sou também eu), vejo que, neste meu exercício de escrita, chego mesmo até a pessoas de verdade, pessoas que não se importam de sair dos seus caminhos usuais para vir deixar um presente a alguém de que apenas conhecem as palavras, as opiniões, os gostos.


Depois, enquanto andava, fui logo folheando, lendo os seus poemas falando de rios, de viagens, de silêncios, de caminhos de procura.


Choviscava, as gaivotas gritavam pelos ares, e eu ia andando, transportando comigo palavras de poemas que nunca escrevi mas que chegaram, soltas, até mim.


Quando cheguei a casa, fotografei o livro, a sua capa de papel sedoso, as suas páginas, sentei-me a ler os poemas, a imaginar a delicadeza de quem os escreveu -- a procura permanente da toada que reflecte o pensamento, a junção das palavras que descreve o sentimento. 


Pode a vida não ser sempre feliz mas há momentos de felicidade. 

Pensei que, ao andar, enquanto ia a ler:
Alarga-se o braço
em traços que traçam
no papel em branco
riscos, sombras, volumes,
linhas soltas, livres,
sem destino certo
(...)

uma gaivota, gritando, voou na minha direcção. Apressadamente fechei o livro, apontei a máquina, julgando não conseguir captá-la. Só quando passei as fotografias para o computador, vi, com alegria, que tinha conseguido mostrá-la com os braços abertos num largo abraço.

Se fossem letras
seriam palavras, texto
ou talvez
um poema

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Muito obrigada, Joaquim. Saiba que me deixa muito feliz com este seu presente. Gostei... e muito.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma semana muito boa -- a começar já por esta segunda-feira.

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domingo, novembro 15, 2015

Em todas as páginas em branco, pedra, sangue, papel ou cinza, escrevo o teu nome. Renasci para conhecer-te, para dizer o teu nome: Liberdade




Nos meus cadernos da escola
Na minha carteira nas árvores
Sobre a areia e sobre a neve
Escrevo o teu nome

Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas em branco
Pedra sangue papel ou cinza
Escrevo o teu nome

Na selva e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
Na memória da minha infância
Escrevo o teu nome

Em cada raio da aurora
Sobre o mar e sobre os barcos
Na montanha enlouquecida
Escrevo o teu nome

Na saúde recuperada
No perigo desaparecido
Na esperança sem lembranças
Escrevo o teu nome

E pelo poder de uma palavra
a minha vida recomeça
Eu renasci para conhecer-te
Para dizer o teu nome

Liberdade



Excerto do poema Liberdade, Paul Éluard (traduzido Jorge de Sena;aqui lido por Gérard Philippe)

domingo, março 09, 2014

Letter to my children. Dia grande no CINE POVERO: Jorge de Sena, Banksy e Diagram of Suburban Chaos. Les beaux esprits se rencontrent. Entrem, por favor, que a sessão está prestes a começar.


No post abaixo mostro-vos um filme cheio de luz e romance. Um Scorcese com as arestas suavizadas faz brilhar as estrelas - e não são precisas palavras, os sorrisos falam por si.

Mas isso é a seguir.

*

Agora, aqui, festejo mais um vídeo do Cine Povero. A sua sensibilidade encanta-me. E, neste seu último vídeo, ele junta um poema maior de Jorge de Sena com imagens que me são caras, as maravilhosas pinturas de rua de Banksy tão, tão, a propósito. Para que o conjunto ficasse ainda mais perfeito, juntou-lhe uma música que, para mim, é novidade, da autoria de Diagram of Suburban Chaos.



Quando o vídeo chega ao fim fica-nos uma estranha sensação de solidão. Ou de estranheza. O mundo é um lugar perigoso e os seres humanos muito têm contribuído para isso. As crianças são inocentes enquanto crianças mas parece que, mal crescem, se dedicam à destruição - destruição de laços de solidariedade, destruição de sonhos, destruição da serenidade. Não sei explicar.

Que mundo é este?

Não é de agora, isto.

Sempre assim foi, mas há ciclos de escuridão que custam a atravessar. 

Bem sei que, depois, vêm momentos de alegria, de expectativa, de esperança. Curtos momentos.

Logo a mediocridade volta a despontar e a abafar tudo o que contenha luz própria.

Consciente que estou da minha finitude não penso dentro dos limites da minha vida. Penso em geral: alguma vez o género humano saberá portar-se inteligentemente, não se dedicando sistematicamente à destruição daquilo que os antecessores construíram?

Vejo as imagens de denúncia de Banksy, ouço os sons (sub)urbanos de Diagram of Suburban Chaos, leio as palavras de Jorge de Sena - e tenho vontade de reagir, de lutar contra a solidão que cresce em volta das pessoas como erva daninha, tenho vontade de sonhar: encher as ruas de flores, trazer crianças para a rua, pô-las a cantar e dançar numa grande roda, esquecer os gestos de maldade, as ameaças surdas, e ver toda a gente feliz. 


Tomara que um dia. Talvez não eu. Mas os meus filhos. Os filhos dos meus filhos. Os filhos dos filhos dos meus filhos. Vivam num mundo em que a solidão não se escreva nas paredes. Tomara.

*

Os excertos que aparecem no vídeo fazem parte da tradução de Richard Zenith do poema "Carta a meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya" (1959) de Jorge de Sena.


Segundo me contou o Cine Povero, a opção pela versão em língua inglesa do poema bem como o texto de apresentação do vídeo no YouTube devem-se à vontade de divulgação internacional do belíssimo poema de Jorge de Sena.

Em português, escreveu assim o Poeta:

Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
Um dia sabereis que mais que a humanidade
não tem conta o número dos que pensaram assim,
amaram o seu semelhante no que ele tinha de único,
de insólito, de livre, de diferente,
e foram sacrificados (...)
Houve sempre infinitas maneiras de prevalecer,
aniquilando mansamente, delicadamente,
por ínvios caminhos quais se diz que são ínvios os de Deus.
(...)
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.

[A versão completa em língua inglesa pode ver-se no texto que acompanha o vídeo no Youtube]


Que comece, então, a sessão.


CINE POVERO - Letter to my children / Graffiti by Banksy






Parabéns Cine Povero.

Este vídeo tocou-me especialmente.

(Apetece-me dizer-lhe que lhe fico a dever esta)

*

Desejo-vos, meus Caros Leitores, um domingo muito feliz.
A Primavera começa a assomar e é bom ver a vida a querer renascer.

terça-feira, dezembro 24, 2013

Desabafos, votos, presentes - Véspera de Natal no Um Jeito Manso





Eu podia deixar para mais logo mas temo depois não ter tempo.

Mas antes tenho que ser sincera. Não sou muito de atribuir grandes significados a datas. Pode não parecer mas sou um bocado despegada de rituais e afins.

Não atribuo grande significado ao dia de Natal até porque não sou dada a práticas religiosas (apesar de andar rendida ao Papa Francisco). Mas a quem pertença a famílias de raiz católica é impossível passar ao lado dos festejos. Desde pequena que o Natal é vivido em família, de forma perfeitamente ritualizada e já nem é o significado mas o hábito que faz com que não consiga imaginar o Natal sem luzinhas a piscar, troca de presentes, lautas e barulhentas refeições, visitas familiares, um certo sentimento de aconchego e pertença a um núcleo feito de proximidade e afecto.

Desde há algum tempo que, por vezes, perpassa no semblante de alguns uma névoa de tristeza. Não se fala mas sabemos que é a lembrança dos que no ano anterior ainda cá estavam. Parece que no Natal as ausências são mais dolorosas. Mas sabemos que devemos festejar a presença dos que estão e, por isso, disfarçamos e seguimos em frente.

Nestas alturas em que parece que há quase uma obrigação de todos desejarmos a todos um bom Natal e umas Festas Felizes, lembro-me muito também dos que não têm família ou que têm quase apenas mais uma ou duas pessoas junto a si. Imagino como talvez se sintam postos de fora da alegria que parece assaltar os outros, imagino que talvez pensem que a vida os deixou fora da mesa ruidosa da felicidade.

Penso nessas pessoas e gostava de poder saber como, de alguma forma, compensar ou atenuar alguma solidão que sintam. Gostava de saber inventar palavras para daqui lhas enviar mas temo que parecessem artificiais.

Não o seriam.

Seriam apenas um gesto de afecto e uma palavra de esperança.

Enquanto nos tivermos uns aos outros, mesmo que seja desta forma remota e longínqua, não estaremos sós.

Penso também naqueles de quem o Papa Francisco falou: os que não têm casa. Os mais pobres e mais sozinhos, aqueles que nem o amparo das paredes têm, quanto mais o aconchego da família.

Há pouco, antes de ir ao supermercado, dei uma rápida volta e pé. Depois de uma viagem de centenas de quilómetros, por mais cansada que esteja, preciso mesmo de esticar as pernas, de andar. Chovia, a noite estava muito fria, desagradável. E então reparei que junto a um prédio numa artéria movimentadíssima, encostado a uma caixa da electricidade, estava um monte de qualquer coisa. Olhei e era uma pessoa tapada por cartões e por um cobertor. Fiquei ainda mais gelada. Não estava ali antes. Chegou agora, pelo Natal. Como terá ido ali parar e como escolheu aquele sítio? Uma noite tão fria e tanta chuva e aquela pessoa ali enrolada, tanta gente a passar e nem se dava por ela. Fico tão triste, tão em sofrimento. Posso seguir o meu caminho mas fico ferida por dentro.

E, este ano em especial, lembro-me também de outra coisa. Nem sei como diga para não parecer lamechas. Mas penso tanto nisso que me custa agora não falar. 

Refiro-me àqueles para quem o mar foi, por estes dias, tão traiçoeiro.

Os jovens, meu Deus. Como estarão as famílias? Como foi possível tamanha desgraça? Há pouco ouvia dizer que faltava apenas aparecer um corpo. Que horror. Os filhos de alguém ali, perdidos no meio do mar ou a darem à costa como despojos.

Parece uma coisa impossível. Estavam vestidos de negro, disseram, e que iam calmos quando os viram seguir para a praia perto da uma da manhã.

Cisnes negros derrotados por uma onda amaldiçoada. Que dor tão grande.

Ou os amigos que saíram, animados, para a pesca. Saíram por desporto, confiantes. E aconteceu uma coisa assim, outra onda. E o mar tão frio. Famílias destroçadas, o que deve custar saber como se devem ter sentido tão irremediavelmente desamparados.

Que Natal mais infeliz estas famílias vão ter, que vidas para sempre marcadas. Quanta injustiça nisto, como pode o mar, que é tão belo, fazer uma coisa destas?

E como ficarão também marcados para sempre, órfãos dos amigos, os que sobreviveram, um em cada grupo? Quanta aflição. Não terão Natal este ano. Talvez nunca mais verdadeiramente o tenham.

...

Não devia estar aqui a importunar-vos com estas minhas ideias num dia destes. 

O Natal deve ser vivido em felicidade para quem não tenha infortúnios, dores, doenças, lutos, medos.

Como disse lá em cima, eu deveria talvez guardar para mais logo os meus Votos, talvez me saíssem mais festivos. Mas tenho receio de não ter tempo, tenho tanto que fazer.

Por isso deixo-vos já aqui agora, meus Queridos Leitores, os meus votos de uns dias muito bem vividos, de preferência na companhia dos que mais amam. 

Gostaria de vos dizer que penso em cada um de vós, os que leio com devoção e os que por aqui passam e me deixam comentários ou me escrevem mails e, por isso, cujos nomes conheço, e nos anónimos, imateriais, apenas uma longínqua respiração. Gostaria de poder dirigir uma palavra especial a cada um de vós, mas isso tornar-se-ia fastidioso e, confesso, estou tão cansada que acho que não conseguiria fazê-lo.

Por isso, não levem a mal se vos disser apenas que desejo a todos um Natal vivido no aconchego da família e de quem amam.

E que sintam o prazer de estar vivos.

E que lutem pelo bem de todos. E que nunca desistam dos vossos sonhos. E que tenham esperança.

A vida renasce, é da natureza. Nascer, renascer.


E, numa ordem arbitrária, estes votos cheios de carinho vão para a Maria, para a Maria Clotilde, para a Ana, para a outra Ana, para a Erinha, para a Isabel das Palavras, para a Sol Nascente, para a Maria Eduardo, para a Carlota, para a Isabela, para a Sara, para a Antonieta, para a Leanora, para a Mary, para a Margarida-Guida, para a Margarida-Margarida, para a Margarida-Maggie, para a Sónia, para a Helena, para a a Bárbara Helena, para a Eva, para a Lia, para a Eli, para a Isa, para a Madalena, para a Olinda, para a Maria Luísa, para a Luísa, para a Rita, para a Patrícia, para a Ana Cristina, para a Rosário, para a Teresa-Teté, para a Maria Teresa, para a Teresa-Tita, para a Irene, para a Redonda, para a Lúcia, para a São, para a Alice, para a GL, para a Leonor, para a Ivone, e para a Mariana, para MN, e para o Joaquim, para o João, para o João Cerqueira, para o José, para o Zé, para o jrd, para o P. Rufino, para o dbo, para o Rui, para o Jorge, para o Jorge lá longe, para o Francisco, para o Luís Filipe, para o Domingos, para o Henrique, para o Daniel, para o Tiago, para o para o José Catarino, para o Bartolomeu, para o António, para o Eufrásio, para o Lino, para o Rafael, para o Luís Bento, para o Fernando, para o Luís, para o Francisco, para o Bartolomeu, para o Pedro, e para o outro Pedro, e para o Eduardo, para o André, para o Nuno, para o Patrício, para o Carlos, para o Manuel, e para o Salvador, para o Carlos, para o Puma, para o Edgar, para o Soliplass, para o MCS, para o Cine Povero, para o Anónimo que tantas vezes comenta e tantos links interessantíssimos aqui deixa, e para todos os outros cujos nomes não referi por imperdoável esquecimento ou por desconhecimento.

Quero ainda dizer que a vossa presença aí desse lado é um presente que não tenho como agradecer. E as vossas palavras afectuosas são um abraço que sinto e que me encantam. Bem hajam, meus queridos Leitores.




...

Hoje não vou poder responder individualmente aos comentários de ontem, já passa das 3 da manhã. Com isto de me pôr a escolher imagens e músicas acabo por perder muito tempo e nem sei como me tenho ainda de pé. Mas o meu agradecimento está aqui neste texto. Já respondi a alguns mails e amanhã tentarei responder aos que ainda me faltam.

...

Gostava de conseguir encher-vos de presentes mas logo hoje estou assim, tão cansada. 

Mas o que aqui vos deixo é de gosto. 

> O Poema do Menino Jesus de Fernando Pessoa na voz de Maria Bethania.




> E um vídeo lindíssimo do Cine Povero (Jorge de Sena por Pedro Lamares, música de Michael Nyman) que não se consegue inserir no blogue mas que pode ser visto/ouvido aqui e que deve ser visto até à última maravilhosa imagem.


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As imagens em néon são da fotógrafa Sarah Leal


As imagens das flores em rx são do físico Arie Van't Riet


A primeira música é Do You Hear What I Hear (Christmas music from Africa) pelo African Children's Choir


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Um feliz Natal, meus queridos Leitores!

segunda-feira, agosto 26, 2013

Face à briga literária, com o Expresso transformado em cenário de guerra, entre Arnaldo Saraiva e Filipe Delfim Santos a propósito de um livro sobre a correspondência entre Jorge de Sena e João Gaspar Simões o que eu tenho a perguntar é o seguinte: esta gente das literaturas, críticos e editores literários, é tudo gente cheia de birras, ódios de estimação, pancada da grossa ou quê...? É que mais parecem umas vizinhas a dizerem mal uns dos outros, credo. Neste meiozinho literário há alguém que goste de alguém ou vivem todos à beira de se esganarem uns aos outros? [Vidé também o António Guerreiro e a Ana Cristina Leonardo em relação ao Eduardo Pitta]


Em tempos foi o António Guerreiro, no Expresso, a atirar-se à bruta ao Eduardo Pitta, a atirar-se à bruta e a gozar descaradamente, uma coisa excessiva. Parecia um ajuste de contas em público, uma coisa feia de se ver. 


Já a Ana Cristina Leonardo não perde oportunidade de fazer o mesmo, dar tareia a sério no mesmo Pitta lá no seu Meditação na Pastelaria, blogue que sigo aqui na minha galeria de 'Amigos e Ilustres Desconhecidos', baptizado como 'Rebelde com causas'. Acho graça à Ana Cristina Leonardo, tão emotiva, tão impulsiva, mas há que reconhecer que, em relação ao Eduardo Pitta, há ali um odiozinho de estimação que chega a fazer impressão (independentemente de eu lhe poder dar alguma razão aqui ou ali).


Jorge de Sena e João Gaspar Simões -
- nem eles sonhavam o bate-boca a que a sua correspondência viria a dar lugar

Agora no outro dia foi o Arnaldo Saraiva que escreveu um texto longo no caderno Actual do Expresso a dissertar e rebater e a dizer que não disse e que o que a senhora disse, que ela não o deveria ter dito, ou que não foi bem isso que ele disse, e que os outros disseram o que não deviam ter dito, e parece que a coisa azedou por causa de umas alusões homossexuais lá na tropa e mais não sei o quê e que ele até desmentiu, e que o editor não sei que mais, e que a a senhora é isto e aquilo e mais um par de botas e por ali anda o Jorge de Sena e a Srª D. Mécia e o João Gaspar Simões e mais o editor e o escambau no meio daquele azedume todo.


A gente chegava ao fim daquele texto e pensava, ó c'um catano, qu'esta gente parece qu'anda uma vida inteira a coligir raivinhas e azedumes para, anos depois, os vir bolsar em público...

Pois bem, este sábado eis que a coisa se estragou de vez. Outra vez artigo de duas páginas, desta vez saindo à liça o dito editor literário Filipe Delfim Santos a dizer das boas ao Arnaldo Saraiva. E lá aparecem outra vez que este disse, que o outro respondeu, e que isto, aquilo e o outro, e mais farpas, alfinetadas, e ainda uns gaspões, umas dedicácias, e ainda uns cauteleiros fardados, e que as frustrações de um e outro que queriam ser o que não são e que os académicos andam afastados da realidade e mais um palavreado que não acaba.


A gente lê estes desfiares de raivinhas, fúrias descabeladas, rangeres de dentes, e imagina-os a escreverem, pulsação acelerada, doidos da vida a não se quererem ficar atrás, enrubescidos, furibundos, orgulhozinhos feridos, a ajustarem contas como se disto dependesse a sua vida. E a gente lê e pensa: mas está tudo doido?!

E pergunto eu na minha santa ignorância: será que não poderiam limitar-se a fazerem duelos aí numa qualquer viela? Ou a escreverem cartas ofensivas uns aos outros? Coisas assim civilizadas em vez destas peixeiradas em público? Em vez desta barrela de roupa suja que parece que nunca mais acaba?

Ó senhores que ninguém me poupa...!


sábado, maio 18, 2013

A beleza branca das palavras - e a estranheza de uma vida branca que se transforma em poesia [Emily Dickinson descrita e traduzida por Jorge de Sena, cantada por Hanne Tveter e por Jash Bagabaldo e dita por alguém cujo nome desconheço]


No post abaixo felicito Isabel Moreira, a corajosa Mulher-República cujas lágrimas de emoção me emocionaram, por ter conseguido a aprovação da lei da coadopção por casais homossexuais. O País abre-se à diferença, mostra que respeita e aceita a diferença e abre caminhos para os lutam por uma vida normal apesar das diferenças - e muito disso a Isabel Moreira o deve.

Mas disso falo no post a seguir a este. Aqui, agora, o assunto é outro. Hoje não há números nem palavras de revolta. Hoje há serenidade e leveza. E uma beleza branca.

**

(...) A maioria dos manuscritos estão nos pedaços de papel que ela tinha à mão, prospectos comerciais, contas, etc, onde ela fazia as correcções e a si mesma propunha variantes, e que guardava assim, para dar-lhes a forma definitiva, quando expedia os poemas com um ramo de flores ou um pudim.

Estes poemas são tão elípticos como a sua simples vida o foi, e como muitas das numerosas cartas que escreveu, entre as quais se distinguem, pelo tom comedido e literário, as que dirigiu a Higginson, muito diversas pelo visionarismo irónico e da fantasia estilística de quase todas as outras.

E era lendária, risonhamente lendária, aquela solteirona que se via perpassar vestida de branco, sempre vestida de branco, por detrás das vidraças ou no pórtico da sua casa, e se esgueirava escada acima, quando batiam à porta.

(...)

A 15 de Maio de 1886, quando Emily morre, apenas Lavinia fica naquela casa, para pasmar-se com a papelada imensa que a irmã deixara. Apenas sete poemas - tremendamente e desalentadoramente 'corrigidos' - haviam sido publicados em vida de Emily. E ninguém sonhava o que era o espólio poético de quase trinta anos de ininterrupta poesia daquela mulher pequenina como uma carriça, de quem a sobrinha, em 1931, recordava 'olhos negros, a pele branca, o cabelo ticianesco, e a voz grave e profunda'.




[Hanne Tveter (cantora e música norueguesa) - My Letter To The World - Emily Dickinson]



                                                 By a departing light          
                                                 We see acuter, quite,
                                                 Than by a wick that stays.
                                                 There's something in the flight
                                                 That clarifies the sight
                                                 And decks the rays.

                                                                                            A uma luz evanescente
                                                                                            Vemos mais agudamente
                                                                                            Que à da candeia que fica.
                                                                                            Algo há na fuga silente
                                                                                            Que aclara a vista da gente
                                                                                             E aos raios afia.



Jash Bagabaldo - Emily (Dickinson) 



                       There is a solitude of space
                       A solitude of sea
                       A solitude of death, but these
                       Society shall be
                       Compared with that profounder site
                       That polar privacy
                       A soul admitted to itself -
                       Finite infinity.

                                                                                        Há uma solidão do espaço
                                                                                        E do mar há solidão
                                                                                        Solidão da morte, mas
                                                                                        Alegres parecerão
                                                                                        Comparadas à mais funda
                                                                                        E polar intimidade
                                                                                        De uma Alma diante si própria -
                                                                                        A Finita Infinidade.



"Hope" is the thing with feathers: Emily Dickinson

[Transcrevo da apresentação deste pequeno filme no youtube: 
"Hope" is the thing with feathers, a great little poem by Emily Dickinson and the more I read it for this...the deeper it seemed to go. I would have liked the blind to have been right down...but I walked into the kitchen one morning and it was thus. If I had pulled it down...they would have flown off ! ]



                                  How slow the Wind -
                                  how slow the sea -
                                  how late their Feathers be!

                                                                                      Quão lento o Vento -
                                                                                      Quão lento o Mar -
                                                                                      Quão tardas suas Penas em voar!


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O texto inicial é um excerto da Notícia Biográfica que faz parte da Introdução do livro '80 Poemas de Emily Dickinson', poesia traduzida por Jorge de Sena que também escreve a introdução.

Os poemas são de Emily, primeiro no original e a seguir na tradução/versão de Jorge de Sena.


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Caso queiram partilhar a emoção de Isabel Moreira, é descer até ao post seguinte.

Se quiserem continuar com Emily Dickinson, permito-me sugerir que venham comigo até ao meu Ginjal e Lisboa, a love affair onde hoje, por lá, excepcionalmente a poesia não vem pela mão de um poeta português. Hoje, por lá, Emily Dickinson vai ao cinema e entra dentro deles. Vale a pena ver, vão por mim.

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E já é sábado. 

Vou ter cá em casa toda a descendência. Brincadeiras, risos, alegrias, ternuras, a doçura inocente da infância e de quem com ela convive. 

E, como esta sexta feira mal dormi e tive centenas de quilómetros para cima, centenas para baixo e umas quantas horas de reunião, despeço-me por aqui.

Tenham, meus Caros Leitores, um dia muito feliz, leve, se possível com muito afecto e muitos sorrisos.
E em paz.

quinta-feira, setembro 30, 2010

Meu Deus, quando é que eu embarco? Que encanto é o teu?

Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
seu corpo meio maduro.

Seus seios altos parecem
(se ela estivesse deitada)
dois montinhos que amanhecem
sem ter que haver madrugada.

e a mão do seu braço branco
assenta em palmo espalhado
sobre a saliência do flanco
do seu relevo tapado.

Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?

(de Fernando Pessoa)



(fotografia que coloquei na minha Galeria do Olhares)


Amo-te muito, meu amor, e tanto
que, ao ter-te, amo-te mais, e mais ainda
depois de ter-te, meu amor. Não finda
com o próprio amor o amor do teu encanto.
(...)
Que encanto é o teu? Deitado à tua beira,
sei que se rasga, eterno, o véu da graça.


(de Jorge de Sena)
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