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segunda-feira, setembro 12, 2022

Um domingo tranquilo na despedida do verão



Tenho a dizer que tive um domingo bem tranquilo. No sábado tinha ido sair com a minha mãe, demos um belo passeio ao sol, à beira rio, depois pela cidade e acabámos a lanchar numa esplanada.

Antes já tinha lavado a roupa, tinha arrumado a casa. Tempos houve em que a roupa transitava da máquina de lavar para a de secar. Desde que esta se avariou voltámos ao são hábito de secar a roupa ao ar, no estendal. Dá mais trabalho mas prefiro. 

Mas, portanto, o domingo nasceu sem compromissos. 

Dormi até que o sono me quis, tomei o pequeno almoço nas calminhas. Coisa boa.

Depois, caminhámos e estava um sol bem bom que quase me arrependi de não me ter protegido com o meu sprayzinho SPF 50.

Para o almoço, fiz legumes estufados ao de leve, qualquer coisa a meio caminho entre os simplesmente cozidos e os lightly guisados. Coisa soft. Em cima, escalfei dois ovos pois adoro ovos escalfados com o sabor do molho em que cozinham. Desta maneira os legumes ficaram não-binários, talvez na versão fluida. Ou seja, a ideia é que os legumes dessem quer para acompanhar o peixe do almoço quer carne amanhã. 

Ao lado, numa frigideira, em azeite alourei cebola às rodelas, dentes de alho (aos quais não tiro a casca), louro, uns pezinhos de perfumado alecrim. 

Quando estava tudo já bem lourinho, quase caramelizado, coloquei por cima lombos altos de atum. Por cima dos lombos deitei pedrinhas de sal e raspa da casca de uma lima. Depois, para reforçar, cortei a dita lima às rodelas e coloquei-as na frigideira. Virei os lombos para não ficarem passados. Douradinhos nas superfícies mas rosadinhos por dentro.  Nem sempre é fácil. Com medo que os lombos fiquem crus, frequentemente deixo-os passar do ponto. Mas, desta vez, interceptei-os a tempo. Ficaram au point.

Depois de almoço, estendi-me lá fora a ver se dormia. Mas deu-me vontade de procurar umas coisas na net e passou-me o sono. (Ando com umas ideias e, para não tentarem demover-me, fui procurar às escondidas).

Depois fomos passear para a zona nova da Expo. Ainda lhe chamo Expo porque me parece mais mignon que Parque das Nações. Prédios muito bonitos, todos iguais, uma disposição e uma dimensão equilibradas, bem pensadas. Toda aquela zona tem uma organização muito interessante, com parques infantis, máquinas de desporto, espreguiçadeiras de madeira à beira rio, passeios largos e jardins muito bonitos. 

A turma da minha filha já lá estava. Quando o urso felpudo os viu ficou doido de alegria. Salta para um, salta para outro, abraça um, abraça outro, uma euforia. É um extrovertido.

Na marina, vimos uma coisa que nos deixou cheios de ideias: casinhas-flutuantes. São casinhas e são barcos. Cada uma tem um terraço com zona de lounge, com bicicletas, e, em cima, um outro terraço com espreguiçadeira e cama de rede. Tem motores e volante. Os meninos, habituados a velejar, diziam que devia ter âncora e cabos (ou correntes?) e, perante a perspectiva dos avós saírem pelo rio sem estarem habituados às manobras marítimas, ofereceram-se para ir numa outra casinha para nos irem dando apoio. Mas escusam de se preocupar, não sou de me afoitar mar adentro. 

Se experimentasse era para me manter acostada, só para sentir a leve ondulação, para experimentar dormir sobre as águas e acordar envolta em maresia. Contento-me com pouco.

No regresso, fui ao supermercado fazer as compras da semana.

Para o jantar, comprei massa não de farinha de trigo mas de lentilhas. Trouxe também salmão fumado, bolinhas de mozzarela, salada de alfaces, coentros. O meu marido partiu ainda tostas aos bocadinhos lá para dentro. Croutons, pois então. Temperei a minha salada com molho de manga e lima, um molho que lá vi num frasquinho e que me pareceu que faria pendant com a salada que tinha em mente. O meu marido não vai nas minhas aventuras e temperou com azeite e ketchup. 

E depois de arrumar a cozinha e de pôr mais comida na tigela do cão, desloquei-me até este meu poiso, o sofá onde me sento a escrever estas conversas vadias.

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Como faço sempre que ligo o computador, espreito o que o YouTube tem para me oferecer. Há dias em que abro um vídeo, abro outro. Acontece que o sono que não dormi a seguir ao almoço está agora aqui a puxar-me pela pestana e, por isso, vi o primeiro e gostei o suficiente para ficar por ali. E vou partilhar pois o que é bom para se ver.

Marieta Severo abre sua casa no Rio e mostra coleção de arte popular brasileira | Lar

Em episódio da série documental "Lar: Vida Interior", a atriz Marieta Severo abre as portas de sua casa no Rio de Janeiro e mostra sua coleção de arte popular brasileira. A paixão pela cerâmica começou ainda na década de 70, e só cresceu ao longo dos anos junto com o número de itens. Com obras de artesãos como Roque Santero e Tiago Amorim, a coleção se expandiu tanto que Marieta chamou uma museóloga para catalogar cada obra. Dê play e conheça esse verdadeiro tesouro que a atriz guarda em sua casa!

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As flores nasceram das mãos de Van Gogh e pela mão dos Tindersticks vem For The Beauty

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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Boa disposição. Paz.

domingo, dezembro 12, 2021

Novas do pequeno urso peludo

 


Ora bem. Falemos, então, do pequeno urso peludo. Está maior, claro, mas maior está também a exuberante vivacidade e a irreprimível teimosia. 

A literatura diz que são cães excepcionalmente inteligentes e, de facto, este assim é. Aprende tudo num instante. Pergunta-se: queres um biscoitinho? Ou: queres um ossinho? E ele, de imediato, dando ao rabinho, vem de onde estiver para a cozinha, para junto do móvel onde estão os pacotinhos de guloseimas. Ou: onde está a bolinha? E ele de imediato vai à procura e aparece com ela. Ou: onde é que está o pau? E aí vai ele à procura do pau. Dizer-lhe: Anda, vem e ele vir já nos parece normal. Ou: escuta... será o dono? E aí vai ele para junto da porta da rua. Senta, dá a patinha -- isso é de caras.

Quando começa a pôr-se de pé, agarrado a mim, quase me impedindo de andar, ou a saltar para o sofá onde estou para se pôr de pé agarrado a mim e tentar arrancar-me o elástico do cabelo -- e, pelo meio, arranhar-me toda ou dar-me cabo da roupa (dado que tem umas unhas afiadas) --, por vezes obedece à ordem: 'Chão!'; mas, se está endiabrado, vai para o chão e, acto contínuo, salta e repete as maluquices. Mas, se me levanto ou me viro com alguma brusquidão e digo: 'Mas tu queres ver...?!', ele aí percebe que a coisa pode ser a sério e põe-se logo sossegado. (Mas pode ser sol de pouca dura.)

A minha roupa de malha está cheia de pegões. As minhas meias estão cheias de buraquinhos pois, volta e meia, dá-lhe daquelas raivinhas malucas que o levam a querer arrancar-me as meias.

Na cozinha, volta e meia, quando estou a servir os pratos ou a preparar a comida, põe-se de pé, as patinhas da frente sobre a bancada. A nossa querida boxer nunca fez nada disto. Nunca, nunca. Este anda assim, de pé, de um lado para o outro, entusiasmado com os cheiros. Se tento tirá-lo com a mão, rosna, mostra-me os dentes. O que faço é sair da cozinha e fechar-lhe a porta ou, se for à noite, faço o mesmo e apago a luz. A seguir, entro e já está no chão, deitado ao comprido, ar infeliz. 

Aprendi que agressividade desencadeia mais agressividade. Procurar comida ou ser territorial, aprendi, faz parte do instinto básico dos cães. Temos que saber lidar com eles, mostrando-lhe que não temos medo e que aquelas atitudes não levam a lado nenhum. Indiferença ou um castigo que os deixe tristes, é o que parece resultar melhor.

Quando, lá fora, enfio na mão a alça com a escova e lhe digo: Põe as patinhas aqui, vamos pentear, ele põe-se de pé, patinhas no assento de uma cadeira, de costas para mim. Penteio-o nas calmas, todo em volta, como quero, e ele ali fica, de gosto. De vez em quando é tranquilo, sossegado, obediente.

Mas desencanta o que calha -- vasinhos pequenos, restos de esfregão que sobraram de umas obras, parafusos, plásticos ou papéis seja do que for -- e leva para onde possa estar a brincar ou a comer.

No outro dia comeu um bocado de cogumelo e hoje repetiu a proeza. Parece que percebe que não queremos que vá para ali e, teimoso como uma mula, é mesmo para ali que quer ir. No primeiro dia em que isso aconteceu, foi no campo, era um cogumelo redondo, castanho, quase parecia uma batata. Hoje foi um daqueles cogumelos brancos grandes. Fico passada, preocupada. No outro dia, liguei logo para a veterinária. Disse-me que a reacção, se houvesse, ocorreria no prazo de meia a uma hora e ficaria prostrado, a babar-se muito ou com vómitos. Se acontecesse, teríamos que ir de imediato para o veterinário mais próximo. Felizmente, nem no outro dia nem hoje houve problema. Mas, quando anda lá fora, anda sempre a comer coisas, nem nós sabemos o quê. Nas ocasiões em que desenterra ou descobre uma porcaria para comer, se tentamos tirar-lha da boca, rosna e tenta morder. Tem que ser na calminha e tentando desviar-lhe a atenção. Se não for assim, não apenas ensaia de ficar agressivo como engole, rapidamente, o que tem na boca.

Adora que, lá fora, brinquemos com ele. Por exemplo, atiro o pau e digo: 'Busca, busca'. Quando o apanha, digo: 'Ai, ai, ai... vou-te apanhar'. E ele desata a correr a uma velocidade maluca, em círculo. Parece um cão-flecha. E eu finjo que quero apanhá-lo. Tentamos fazer isso uma ou duas vezes por dia, no mínimo um quarto de hora intenso de cada vez, para ver se se cansa um pouco pois também aprendemos que cão cansado é cão feliz. Pelo menos, esperamos que, quando tem o pico de energia à noite, não roa fios eléctricos, não lamba tomadas, não tente tirar todas as almofadas de cima dos sofás, não tente roer os cantos dos sofás, não nos salte mil vezes para cima, não nos desafie descaradamente. Pelo menos, não durante muito tempo...

Quando estou com ele no jardim e quero regressar a casa, vem a correr e agarra-se a mim para me impedir de andar, ou vai a correr ainda mais depressa e fica à porta a tentar barrar-me a passagem.

Por vezes, vejo-me grega para conseguir distrai-lo e conseguir entrar em casa. Esperto como é, quando percebe que quero acabar com a brincadeira e voltar para casa, já não se deixa enganar de maneira nenhuma.

Quando íamos no carro, eu ia no banco de trás para impedi-lo de cair e de tentar que fosse para o banco da frente. No outro dia, quando fomos a casa da minha mãe, pusemos a caminha dele no porta-bagagens e ele que, por acaso, estava com sono deixou-se ficar e a coisa correu bem. Ficámos todos contentes. Finalmente eu poderia regressar ao banco da frente.

Mas foram foguetes atirados antes de tempo.

No dia seguinte, repetimos convencidos que já já era um dado assumido que passaria a andar no porta-bagagens. Passado um bocado, estava de pé no porta-bagagens a espreitar por cima do banco. Nós, do banco da frente, íamo-nos zangando. Está bem, abelha. Passado um bocado estava a tentar saltar. Instantes depois, tinha mergulhado e já estava de pé, entre os bancos da frente. Estávamos na autoestrada pelo que eu pouco podia fazer. Por fim, estava ao colo do meu marido. Imagine-se o perigo.

Lembrei-me, então, que havia uma rede para se pôr entre o porta-bagagem e o banco de trás, para suster carga e evitar que os animais se evadissem. O meu marido lá andou a ver como é que aquilo se montava. Portanto, na terça-feira passada, ao irmos à hora de almoço até ao campo, lá foi no porta-bagagens, isolado da comunidade humana pela dita rede. Parecia a solução ideal.

Uma vez mais, estávamos a animar-nos antes de tempo.

Pouco depois, já ele estava de pé, no porta-bagagens, a espreitar pelo canto da rede. O carro é abaulado dos lados pelo que a rede não vai completamente até aos extremos. Contudo, parecia-nos impossível que conseguisse passar por ali ou ganhar balanço para trepar e enfiar-se pela alta e estreitíssima abertura. Mas, pela persistência do bicho, começámos logo a prever o pior. Passado um bocado, estava no ar, na prática entalado num dos cantos, entre a extremidade do carro e a rede. Tínhamos o banco de trás atafulhado com rolos de rede para o meu marido colocar no gradeamento para evitar que se escapulisse por entre as grades. O espaço  é estreito mas se os cães do vizinho conseguem lá entrar, também ele conseguiria sair. Bom. O que sei é que no momento seguinte estava a surfar os rolos de rede, todo desequilibrado, até que veio pôr-se, outra vez de pé, entre os bancos da frente. Resultado: o meu marido parou na estação de serviço, os rolos de rede foram, a custo, para o porta-bagagem e eu regressei ao banco de trás. 

A diferença é que agora vai de trela para eu o puxar de cada vez que quer ir para o colo do dono, certamente para também ir a conduzir. Vamos ver se arranjamos um apetrecho para o prender ao cinto de segurança.

Lá, no campo, quando o meu marido estava do lado de fora da vedação, na estrada, a pôr a rede pois, por dentro, com os arbustos, era difícil, quando olhou para o lado, já lá estava ele, na estrada. Tinha-se escapado por entre o gradeamento. Em quase treze anos nunca a nossa boxer tinha feito aquilo. Nem aquilo nem nada que se parecesse.

E, no entanto, é, ao mesmo tempo a coisa mais querida, a melhor companhia, a coisa mais fofa. Ainda este sábado passeámos na Expo, andou pela trela conduzido pelos meninos, esteve sentado com eles, eles abraçados e fazendo-lhe tudo e mais alguma coisa e ele o maior paz de alma. Obediente, calmíssimo, uma doçura. 

Portanto, é ele que vai crescendo e adaptando a sua personalidade independente e campestre à nossa e somos nós que nos vamos adaptando ao seu temperamento vivo, amigo da liberdade e, não fosse ele um cão-pastor, sempre com vontade de ser ele a conduzir-nos. Um processo de aprendizagem mútua.


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E é isto. Não vos maço mais. Poderia ainda falar das franjas dos meus tapetes que ele faz de tudo para tentar arrancar ou podia falar do tapete de uma das casas de banho que volta e meia aparece na sala, do chinelo de quarto do meu marido que aparece no jardim, das bases para copos que apareceram debaixo da mesa, de como adora a bolinha colorida com um guizo no interior, presente da menininha mais linda a quem ele obedece quando ela se impõe e com quem fica dócil como um cachorrinho fofo quando ela se senta ao seu lado... ou de tantas outras coisas. 

Tem agora quatro meses e meio e há cerca de dois meses e meio que vive connosco, vindo, pele e osso, de um monte do Alto Alentejo. Espera-se que, à medida que cresce, ganhe juízo e aprenda a comportar-se e a acatar docilmente os limites que queremos impor-lhe. Mas, apesar de tantas vezes nos tirar do sério, uma coisa é certa: já é um membro querido da nossa família.

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Desejo-vos um feliz dia de domingo

segunda-feira, novembro 18, 2019

Num domingo assim, tão chuvoso e tão frio, consegui ter o coração quente






De manhã fomos passear para a beira-rio. Estava frio e soube-me muito bem caminhar rente ao Tejo, sentir a frialdade húmida, ver as aves andando descansadamente nos lodos ou esvoaçando, deslizando pelos ares no maior vagar. Ao contrário de quando está bom tempo, hoje os turistas e caminhantes tinham-se retirado. Menos pessoas. Levei a máquina fotográfica mas, porque são as pessoas que mais me atraem, hoje senti que faltavam os motivos que, geralmente, me fazem sentir aquela adrenalina de as apanhar à socapa, de as apanhar no ângulo em que não podem ser reconhecidas ou, melhor ainda, de antecipar os gestos que vão fazer no instante seguinte, aquele em que vou estar a postos para os 'apanhar'.

Mas não fez mal. Fotografei as belas árvores pintadas com as mais intensas cores outonais, fotografei as esculturas de rua, fotografei os rastos que se desenham nos lodos, fotografei as águas mansas, longe dos azuis exuberantes, que quase se confundiam com o céu também em cores quase neutras.


Depois fomos almoçar. Já era tarde. O meu marido ainda tinha que ir à empresa buscar o computador e eu, chegando a casa, ainda tinha sopa para fazer, comida para o jantar de hoje já a contar com o de amanhã, pôr a máquina a lavar, etc. De manhã, tinha-me levantado com um pouco de dor de cabeça pelo que tinha pensado que, depois da labuta concluída, haveria de deitar-me no sofá, a ler e, tentativamente, dormiria um pouco a ver se aquela moinha nas têmporas desaparecia.

Mas, então, estando nós no início do almoço (e isto já depois das duas da tarde), eis que recebo uma sms da minha filha a dizer que o mais velho gostava que fossemos assistir aos seus jogos de futebol. Com o programa de festas que tínhamos pela frente, não era nada que desse jeito. O meu marido abanou a cabeça, encolheu-se todo. Que não dava tempo, que não dava jeito. Tinha um trabalho para fazer e não lhe dava jeito interrompê-lo para ir ver o jogo, às seis e tal da tarde.


Mas há uma coisa: eu não consigo dizer que não, não consigo desiludir os meninos. Se ele gostava que fossemos e se a minha filha também gostava que fossemos, então iríamos. O outro menino tinha também um jogo, mais cedo, noutro lugar, e aí era o pai a ir com ele. Mas, se acabasse a horas, iriam lá ter. 

Fomos. Chovia a potes. Mau tempo, frio, vento, chuva. Ainda pensámos que não haveria jogo. A minha filha até nos ligou, estávamos nós a meio caminho, que, se ainda estivéssemos perto de casa, se calhar não valia a pena irmos, que com o tempo daquela maneira era pouco provável que houvesse jogo. Mas houve. Um gelo. O meu menino lindo encharcado, enregelado, ali debaixo de chuva. Só visto.

Mas um valentão. Jogou muito bem. Tem muito jeito. Está um rapazinho. Vibrei imenso. Enregelada também eu, embora encasacada, mas feliz da vida. O meu marido também gostou de ver o neto a jogar bem. Três jogos, hora e meia a jogar à bola, coitado, ao vento e ao frio, debaixo de água.


Chegámos a casa às oito e tal, ele ainda com trabalho para fazer e eu com coisas para arrumar e tratar. E vínhamos com um frio entranhado no corpo. Diz ele: 'Arranjas-me com cada uma...'. Como se tivesse sido por mim e não pelo neto e pela filha. Mas, se calhar, se não tivesse sido eu a dizer que tínhamos que ir, ele, com o que tinha planeado de trabalho, diria que não. Ou talvez não. No fundo, apesar de não parecer tão 'agarrado' como eu, também não gosta de desiludir as crianças pequenas (nem as grandes).

Sempre assim fomos. Mesmo quando os nossos filhos eram pequenos, mesmo que tivéssemos muito que fazer, nada nos fazia desviar um milímetro quando o que estava em causa era estarmos junto deles. Muita ginástica para conseguirmos conciliar as obrigações com as devoções, muitas corridas para chegarmos a horas, muito stress por vermos o tempo a passar, o trânsito parado sabendo nós que eles estavam à nossa espera.


Lembro-de uma vez em que uma viagem a Itália coincidiu com os anos do meu filho, teria ele uns cinco anos. Fiz de tudo para mudar mas foi impossível. Íamos três e íamos ter reuniões com pessoas de duas outras empresas; e conciliar agendas foi uma complicação, acabando por convergir, desgraçadamente, naqueles dias. Fui com o coração partido. os meus pais vieram para ajudar o meu marido que, naquela altura, tinha trabalhos fora de Lisboa ou reuniões com pessoas que vinham de fora e que queriam optimizar o seu tempo cá, puxando os horários. E havia a festinha de anos com os meninos da escola. Todos disseram que eu fosse descansada, que o menino era pequeno, que nem ia perceber, que eles tratariam de tudo. Mas eu não consegui aceitar o que tinha feito e, ao segundo dia à noite, tomei uma decisão. Arrumei a mala e no dia seguinte de manhã, ao pequeno almoço, apresentei-me junto dos meus colegas dizendo que ia regressar a Lisboa. Ficaram perplexos, sem palavra. Mas eu disse que nem valia a pena dizerem nada. Quase sentia a voz estrangulada na garganta tanto me doía ter estado ausente no dia de anos do meu filho Não me lembro de como fiz para mudar o voo de regresso. Naqueles tempos, sem telemóveis nem internet, não sei como se resolviam coisas destas. Mas eu tê-las-ia resolvido mesmo que estivesse no meio do deserto. Lembro-me de andar meio assustada naquele aeroporto de Milão que é enorme, pejado de gente, eu com pouco tempo, com medo de não dar com a porta de embarque, enervada, angustiada comigo mesmo, desejando chegar a casa mas, ali sozinha, incontactável, com medo de não conseguir embarcar. Mas consegui. Quando, a seguir ao almoço, toquei à porta do apartamento dos meus pais, a minha mãe ficou ainda mais perplexa. Mas o meu alívio por estar de volta, por poder abraçar os meus filhos, por regressar a casa, não tinha tamanho. E tenho para mim que os meus colegas e o meu chefe da altura passaram a respeitar-me mais por ter mostrado tanta determinação e tanto amor pelos meus filhos.


Outra vez foi com a minha filha. Estava numa reunião de um grupo de trabalho do qual fazia parte, estávamos a preparar uma apresentação para o dia seguinte. Naquela altura as apresentações eram feitas em acetatos que se projectavam com auxílio do que hoje será obra de museu e que creio que dava pelo nome de retroprojector. Uma trabalheira. E tínhamos que acabar cálculos para passarmos as conclusões para os acetatos. E nisto ligam-me da creche a dizer que a minha filha tinha estado com um pouco de falta de ar e que, por precaução, a tinham levado ao hospital mas que parecia não ser nada de muito grave. Foi como se me tivessem tirado o chão, como se me tivessem tirado também a mim o ar, como se o céu estivesse prestes a cair-me sobre a cabeça. Fiquei aterrorizada, impotente. Na altura, andava de transportes públicos e chegar ao hospital parecia-me uma eternidade. Em tal estado de aflição me devem ter visto, certamente quase sem conseguir falar, que o meu chefe da altura me disse apenas: vai buscar as tuas coisas que eu levo-te lá. E foi a abrir, num ápice, eu em lágrimas, numa ansiedade -- como se o recado tivesse sido o oposto. Para mim era como se ela estivesse em risco de vida. Não encontro explicação para a irracionalidade que se apodera de mim em situações assim. Quando lá chegámos, ele disse que ficava à espera mas eu quis que ele se fosse embora pois sentia que era responsabilidade minha, que não podia dividir com ninguém. Voei dentro do hospital até dar com ela. Estava sentada, bem. Tinham-lhe feito um aerossol ligeiro e tinha ficado bem. Levei-a para casa mas num tal estado de medo que me lembro que passei o resto do dia a encostar o ouvido às costas dela a tentar detectar alguma pieira ou sinal de alarme. Quando penso nisto, ocorre-me que, na altura, ainda nem trinta anos tinha. Ontem ela e a sobrinha estiveram a ver fotografias e eu era tão novinha. Nesse dia, eu tinha vinte e tal anos e, para mim, apesar de ser muito responsável no trabalho, não havia acetatos, apresentações ou o que fosse que me prendessem perante a perspectiva de a minha filha não estar bem e eu não estar junto a ela.


E, mais recentemente -- embora já há uns sete ou oito anos --, o meu genro ligou-me um dia a dizer que o mais velho estava com um bocado de falta de ar e que tinham ido ao hospital e que, por prudência, lá ia ficar. Foi como se tivesse sido atingida por uma bala. Parece que, em momentos assim, se me esvaem as forças, parece que me fica a doer o peito, o ventre, tudo. Voei para o hospital. Uma preocupação imensa por ele, por imaginar o susto da minha filha, por tudo.

E podia dar mais exemplos. Apesar de achar que uma pessoa, em situações normais, não deve abdicar da sua profissão ou da sua ambição por fazer aquilo de que gosta por causa dos filhos, devendo, antes, esforçar-se por conciliar os dois mundos -- até porque os filhos crescem e a nossa disponibilidade passa a ser outra (e até porque não devemos nunca dar motivo para que os filhos fiquem a achar que nos devem alguma coisa, nomeadamente por nos termos sacrificado por eles) -- a verdade é que, para mim, sempre esteve muito claro que os filhos e a família vêm em inquestionável primeiro lugar.


Por isso, hoje, apesar de um certo transtorno e desconforto, foi com o coração quentinho que estive a ver o meu menino crescido, tão lindo, tão querido, a dar pontapés na bola tão fortes, tão certeiros, e tão contente por nos ter lá.

E claro que levei um lanchinho. Quando me despedi dele, no carro, ele, molhado e enregelado, coitado, disse-me: 'Obrigado pelo apoio... e pelo lanche...' e eu só me apeteceu enchê-lo de abraços e beijinhos.

E pronto, uma vez mais não ouvi notícias, não sei do que se passa no mundo a não ser alguns temas que não me dão muita vontade de falar neles -- como, por exemplo, que Bill Gates já ultrapassou o Bezos e que já é outra vez o homem mais rico do mundo mas os números são de tal ordem que me parece haver qualquer coisa de muito indecoroso em tudo isto; ou que Veneza está desgraçadamente submersa há tempo demais, de uma forma quase catastrófica, mas acho tudo tão assustador que mal consigo falar nisso -- e, tirando isso ou coisas pouco inspiradoras relacionadas com o Trump ou com o Boris, não tenho muito assunto. Só mesmo isto. Enquanto, na maior paz, ouço os sons do silêncio e escrevo isto que estão a ler.


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As fotografias foram feitas este domingo rente ao Tejo

Lá em cima, são Simon & Garfunkel a interpretarem The Sound of Silence
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A todos desejo uma boa semana a começar já por esta segunda-feira.

segunda-feira, julho 08, 2019

Gracias a la vida:
os segredos dos que se esquecem de morrer, nas 'zonas azuis' do planeta




Acho bonito que chamem às zonas do mundo onde as pessoas vivem até mais tarde 'zonas azuis'. O azul é uma cor saudável, tranquila, a origem e o fim de tudo -- isto, claro, depois e antes do branco original e final, depois e antes do grande infinito. O azul, o vasto horizonte que se funde com o grande líquido azul que transporta e preserva a vida, dentro e fora de nós.

Não me lembro se já algma vez aqui falei disto: os locais da Terra onde há idosos a quem a idade não pesa, vivendo muitas vezes até para lá dos cem anos, mas vivendo com qualidade, felizes da vida.

A nova obra do Bordalo II - um big gato na Expo


É um fenómeno que tem atraído a atenção de jornalistas e de cientistas. E eu, que sempre convivi de perto com gente de avançada idade, interesso-me pelo assunto.

Ainda conheci uma bisavó. Eu era muito pequena e lembro-me de uma velhinha deitada num quarto da casa da minha avó. Dos outros bisas não faço ideia. Tenho uma fotografias de um casal de bisavós e julgo que eram os pais da minha avó paterna mas não garanto. Nada sei deles, não me lembro de alguma vez ter ouvido falar deles. Daquele que fugiu às dívidas de jogo e mulheres ninguém sabia nada. Durante muito tempo, se se falava nele, alguém dizia: 'Se calhar ainda está vivo' mas, que eu saiba, nunca ninguém mexeu uma palha para saber do seu paradeiro. Sabia-se que tinha ido lá para as américas do sul e pouco ou nada mais. E creio que o recíproco também foi verdadeiro. Digo creio porque é isso: mão juro que assim tenha sido.


Quanto aos meus avós, tirando um que morreu novo num acidente horrível, os outros viveram até bem tarde. E o tempo vai passando e agora já são os meus netos que vèem um velhinho na cama e o velhinho agora é o meu pai. E ainda me custa chamar velhinho ao meu pai porque o meu pai sempre foi um homem tão desportista, tão autónomo, tão 'bem conservado' e parece que ainda acho que aquele AVC foi, de facto, uma coisa acidental, que não devia mesmo ter acontecido, daquelas rasteiras que veio mudar o rumo normal das coisas, interromper o que tinha tudo para ser uma vida tranquila para ele e para a minha mãe. Tentamos todos que viva o melhor possível mas o grau de consciência dele já é uma coisa que, para nós, é cada vez mais enigmática.

Mas a minha mãe, essa, sim, poderia muito bem figurar numa destas reportagens das blue zones. Tem uma vitalidade, uma jovialidade e um aspecto que parece de mulher muito mais nova. O que ela faz, o que ele pensa, o que ela ri, transforma-a num exemplo para quem lida de perto com ela. Os netos e bisnetos adoram estar lá em casa. E não é só pelo banquete que ela sempre prepara, é mesmo pela boa onda, pela compreensão e leveza com que encara a vida (apesar da tristeza -- e prisão -- que é partilhar a vida com alguém que se vê a definhar progressivamente, sem esperança que um dia melhore).


Mas, voltando às zonas azuis, o que parece ser comum entre os muito idosos que vivem até tarde conservando a qualidade de vida é:
  • a convivência -- porque a solidão é um mal terrível, uma coisa que corrói a alma e esgota a seiva que alimenta a vida, 
  • a alimentação natural -- muitos legumes e frutos, de preferência de época, locais, e ervas aromáticas, nomeadamente o alecrim, e carne não muitas vezes por semana, para aí umas duas ou três vezes; não são vegans, são apenas minimalistas no consumo de carne. 
  • o exercício, actividade física -- porque a inactividade faz perder massa muscular, faz perter o tónus, faz amolecer a alma e a vontade de festejar a vida; vários idosos têm a sua horta que cuidam e da qual provêm alguns dos seus alimentos

Fiquei contente por saber. Agrada-me a forma simples de viver e sempre que ouço que isso faz bem ao corpo e à mente fico descansada. Saber aquilo do alecrim, então, para mim foi uma alegria. Gosto imenso de usá-lo e os meus filhos estão sempre a aborrecer-se comigo, dizem que uso e abuso, e o meu marido faz coro, arma-se em vítima como se fosse obrigado a ingerir comida envolta em arbustos do campo. Nada disso. Uso de forma moderada e quando me parece que vem a propósito.

Por exemplo, hoje para o jantar (e a contar que sobrasse para a semana) fiz um guisadinho e, ao temperar, hesitei mas resolvi não usar alecrim. Conto como fiz e parece que ficou bom e digo que 'parece' porque  apenas o meu marido o provou.
(Eu hoje, ao jantar, fiquei-me pela sopa de legumes que tinha feito pouco antes, queijo e fruta, acompanhados por dois ou três goles de Trinca-Bolotas, e que rematei, à laia de sobremesa, com um quadrado de chocolate negro comido ao mesmo tempo que dois cubos de gengibre cristalizado). 

Mas, então, a receita do meu guisadinho. Tinha comprado vitela, em bocadinhos para fazer a kind of jardineira. Num tacho coloquei azeite, uma cebolona gigante cortada aos bocados, um tomate também bigalhão igualmente aos bocados, salsa, duas folhas de louro, uma meia dúzia de dentes de alho. Pus a frigir ligeiramente para que os sabores se misturassem. A seguir, juntei os bocados de carne, um pouco de sal, pouco, e, quando hesitei a propósito do alecrim, acabei por optar por um pouco de orégãos. Estava o calor no máximo e, quando levantou fervura, baixei. Gosto de cozinhar a baixas temperaturas. pelo que os meus cozinhados nunca ficam 'repuxados'. Coloquei uma pinguinha de água, apenas para poder estar a cozinhar durante mais de uma hora sem risco de acidentes. Quando voltei à cena já a carne estava macia. Nessa altura preparei cenouras, batatas doces, mais cebola, mais tomate, mais salsa, coentros e uma novidade dos meus cozinhados: quiabos. Juntei tudo e envolvi com uma colher, levantando a temperatura até que voltasse a ferver. Depois baixei, temperatura 3 numa escala de 1 a 9. Ficou ali a cozinhar por mais uns quinze minutos. Quando desliguei, continuou sobre a placa para que apurasse um pouco mais. Estava um cheirinho mesmo bom. 

Não sei onde iam estes seres irreais
que avistei hoje quando estava a caminhar à beira rio, desta vez do lado de cá

E, por ora, é isto. Deixo-vos com um vídeo de apresentação de uma série que vai passar em França e onde Angèle Ferreux-Maeght, chef de cuisine e naturopata e Vincent Valinducq, médico e investigador, investigam o que se passa nas zonas azuis junto de gente que anda por volta dos cem no Jaão, Sardenha, Grécia e Costa Rica.

Mais informação pode ser vista em À la découverte des "zones bleues", ces villages reculés où les centenaires vivent heureux, no site de Madame le Figaro.




Já agora, a quem possa interessar, mais alguma informação sobre os Segredos de uma vida longa, agora falado ou legendado em português.


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Todas as fotografias foram feitas este domingo.

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E a todos vós desejo uma bela semana a começar já por esta segunda-feira.

Paz, saúde e amor.

segunda-feira, dezembro 03, 2018

A cidade mais linda do mundo




Não sou muito viajada. Já fui um pouco mas nestes últimos anos, por razões que já aqui expliquei, tenho dificuldade em afastar-me. Mas gosto muito de viajar. Talvez até mais do que  que viajar, gosto de me sentir turista. Gosto de descobrir lugares, gosto do prazer de ver pela primeira vez, gosto de me deixar surpreender. Mas consigo ter essa sensação em lugares que conheço bem, quase como a palma da minha mão. Consigo descobrir coisas em lugares onde estou todos os dias e esse prazer é igual, ou quase igual, ao que tenho quando nunca antes estive num lugar.

Tenho também descoberto o prazer de conhecer melhor o que está perto de mim. Tenho a sorte de viver num país maravilhoso onde as belezas são mais do que muitas e as descobertas permanentes.


E basta que o vento mude ou se suspenda, que a luz e as nuvens transformem a paisagem, que o nosso estado de espírito nos deixe ver com outros olhos -- e logo as descobertas se sucedem.

Este domingo almoçámos todos juntos, em volta de uma grande mesa redonda. E é sempre uma alegria tão grande. Todos gostam tanto de estar uns com os outros que a conversa, o riso e as brincadeiras para além de ruidosas, são constantes. E eu alimento-me destes momentos. Se, para mim, a beleza natural e a arte e a música e o silêncio e as palavras e as memórias são fundamentais, o afecto e o aconchego de estar junto daqueles que mais amo são o alimento de que o meu espírito mais precisa.

Depois de almoço fomos passear para o passadiço sobre o Tejo, aproveitar o solinho bom, a temperatura amena, e os meninos estavam entusiasmados a olhar por entre as tábuas para descobrir alforrecas lá em baixo. A cada meia dúzia de passos, chamavam uns pelos outros e logo de punham de joelhos a espreitar para o que tinham descoberto junto às traves, no rio.


Depois o meu filho viu no telemóvel que haviauma trotineta eléctrica ali por perto e foi buscá-la. Apareceu a alta velocidade para delírio da criançada. A seguir andou com cada um deles e foi a loucura e a seguir as meninas grandes também experimentaram mas a muito menor velocidade do que ele. A festa que as crianças fizeram é inenarrável. Só o bebé é que não deu por nada pois estava, no carrinho, a dormir.

Não andei de trotineta, claro, mas tirei umas fotografias com a minha maquininha pequenininha não apenas à aventura e aos bravos aventureiros como ao que me rodeava. O Tejo hoje estava chão, espelhado, de uma serenidade contagiante e eu só tenho pena de não conseguir captar, nestas minhas fotografias, como é tão verdadeiramente magnífica esta tão intemporal e luminosa.

E todas aquelas construções, elegantes e harmoniosas, reflectidas nas águas, pareciam quase irreais de tão lindas.

Não é à toa que Lisboa é a melhor, a mais bela e acolhedora cidade (vide o reconhecimento dosWorld Travel Awards). 


Ande-se na Baixa Pombalina, no Chiado, nas Avenidas Novas, nos seus Parques e Jardins, junto ao rio, na zona monumental ou aqui, no Parque das Nações, andaremos sempre maravilhados em Lisboa.

Claro que, para dizer isto, tenho que me abstrair do trânsito nas horas de ponta nas principais vias de acesso durante a semana de trabalho. Mas, lá está, acredito que algumas soluções inteligentes estão a caminho e outras mais disruptivas poderão vir um dia e, para além disso, agora estou a escrever isto na qualidade de turista nesta Lisboa que adoro. 


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E queiram fazer o favor de descer para verem a minha querida Paula Rego, de quem gosto tanto, tanto.

domingo, novembro 04, 2018

Prazeres antigos e sempre como novos
-- isso, cores lindas e o cheirinho bom a lareira.
Talvez seja o outono que vem chegando. Tão bom.




Ora bem. É como andar de bicicleta: não se esquece, não se perde a mão. Já dei um bom avanço. Tão bom. Há quanto tempo... Como consegui estar tanto tempo?

Esta que aqui está é daquelas em que vou fazendo, sem desenho, como se pintasse. Os que têm desenhos complicados estão na cidade. Aqui, in heaven, sempre preferi coisa que eu possa fazer assim, tranquila e desatenta, para não ter que estar concentrada a seguir o guião. Para este, a minha ideia era fazer um tapete comprido, como uma passadeira, para pôr no corredor que vai dar à sala onde vemos televisão e em que mais tempo estamos. Queria que fosse claro, neutro, sem efeitos especiais, uma coisa apenas para dar conforto e para não distrair a atenção do principal que é a vista que se tem daquela sala.
Fui à cesta, peguei nele, peguei nas lãs, fui buscar o dedal e retomei onde o tinha deixado há uns anos -- e foi como se o tivesse deixado ontem. Que bom que é. Sempre gostei muito de trabalhos manuais.

Na cidade o único tapete que não foi feito por mim é o redondo (que está debaixo da mesa redonda). De resto, todos foram feitos por mim. São, quase todos, réplicas de tapetes genuínos, dos primórdios, século XVII, que estão em museus, quer cá, como o de Arte Antiga, quer em Paris (Arts Décoratifs) ou Londres (Albert and Victoria), por exemplo. Alguns são bastante grandes, carpetes que até a mim me custa acreditar que tenha sido eu a fazer. Mas fui. Olho para elas sempre com algum espanto. Um colega meu uma vez que as viu também se espantou: 'Mas como é possível? Quando vou ao seu gabinete nunca a vejo a fazer tapetes...'


Aqui, in heaven, as duas carpetes da sala de jantar foram compradas em Arraiolas, antes de eu me ter dedicado a este ofício. Mas as que estão nas salas de estar ou no meu quarto foram feitas por mim mas, neste caso, longe de desenhos originais ou de qualquer classicicismo. Apenas o ponto e o preceito são os genuínos, o resto é tudo inventado.

Na fotografia, vê-se não só a que estou a fazer como, embora apenas uma ínfima parte, a que está aqui aos meus pés, uma assim a la Rothko.

Fazer tapetes não é coisa sensaborona: para mim é uma coisa boa. Enquanto bordo, estou a pensar, a ouvir música, a ver televisão, o que for. Provavelmente é uma forma de meditação. Antes de fazer tapetes, fazia tricot. Camisolas com modelos e padrões altamente criativos, algumas com desenhos abstractos. Também fiz camisolas para o meu marido mas, aí, muito normais (e que, portanto, não me davam grande gozo a fazer). Para os miúdos nunca me deu para fazer porque a minha mãe e uma tia do meu marido encarregavam-se disso e, além do mais, eles não apreciavam ir para a escola vestidos com camisolas que achavam artísticas demais. Também já me dediquei ao crochet: panos de tabuleiro, toalhas de chá, uma toalha de mesa grande e uma colcha. 


Já em adolescente me ocupava de coisas assim: almofadas bordadas em bastidor e sei lá que mais.

E tudo isso me dá vontade de ter mais tempo para tudo, porque de tudo eu gosto e o tempo não me chega para esse infinito tudo.

Tenho aqui ao meu lado o Kundera, 'Os testamentos traídos', que vim a ler no carro e que bastante prazer me está a dar, mas agora à noite estou preguiçosa, não me apetece ler, apetece-me estar aqui, com as mãos em acção enquanto a cabeça voa. Na volta também escrevo, as mãos também voando sobre o teclado, para dar uso às mãos -- a escrita como uma forma de artesanato.

E tudo isto, arrumações, tapetes, escritas, fotografias e tudo o mais é terapia e terapia das boas porque a gente nem chega a precisar de tratamento porque ter a cabeça e as mãos ocupadas evita qualquer nó ou buraco negro na cabeça.


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As árvores que aqui se vêem, excepto na última fotografia, aqui mais abaixo, não são de cá. Foram feitas ao início da tarde, antes de virmos. Tínhamos estado a esfolar o rabo às arrumações e já era tarde. Almoçámos e demos um pequeno passeio.

Não sei porquê os áceres nunca vingaram aqui, in heaven. Fiz várias tentativas mas nenhuma resultou. Até um cedro japonês, daqueles que no outono fica ao rubro, não vingou. A terra tem destas coisas. Uma questão de química: se o santo da terra não cruza com o santo da árvore, a coisa não acontece. Digo eu.

Mas não há árvore mais linda para nos enternecer com as suas cores abstractas do que o ácer. Emociono-me a olhar para eles. São lindos no Outono.

Aqui, in heaven, tirando a vinha virgem, o que fica mais bonito é o abrunheiro. Fotografo-o encantada, contrastando os seus tons quentes com as folhas do plátano que também já começam a ficar douradas.


Bem. Agora, apesar de já passar da uma, vou fazer um pouco mais de Arraiolos. Ah, coisa mais boa. E vou pôr mais lenha na salamandra. Cheira bem. Não se se é azinheira. Cheirinho mais bom.

Um belo dia de domingo para vocês, meus Caros Leitores. Saúde e boa disposição para todos.

segunda-feira, setembro 17, 2018

No dia dos U2 em Lisboa,
optei pelo Book Club e fui ver como as Sombras de Grey mudaram a vida de quatro mulheres danadas para a brincadeira




Passo, então, a dar uma breve nota deste meu dia de despedida de umas tão preciosas três semanas de férias. 

Para começo, a parte mais chata: arrumações e compras no supermercado, incluindo legumes para a sopa -- coisa que, a não ser para as crianças, já não fazia vai para cima de um mês.


Depois, caminhada à beira-rio. Estranhando tanta gente, aproximámo-nos do ajuntamento. Camiões gigantes todos iguais. Muita gente com tshirt U2. Claro: é o hoje o concerto no pavilhão Atlântico (ainda me horroriza dizer Altice Arena). De facto, tínhamos vistos uma reportagem com a Ana Moura, que ia cantar com eles. Muito bem. U2 em Portugal e nós, noutro planeta, sem darmos por isso. Não sei se o Bono já tem voz. Deve ter senão não mantinha o concerto.

Gosto dos U2 mas devo dizer que aquele Bono já me parece um franchising dele próprio. E desde aquilo da evasão fiscal fiquei a olhá-lo de lado. Bem prega Frei Tomás -- e parece que é sempre isto, quanto mais pregam mais se desenfiam. Bem pode andar a fazer merchandising de causas mediáticas que para peditórios desses não contam comigo: fico-me apenas pelo lado musical da coisa. 


Fizemos a nossa caminhada na mesma. O rio estava chão, um espelho. No entanto, não cheirava muito bem. A maré vaza hoje não estava especialmente perfumada. Fotografei na mesma. 

A seguir fomos aos nossos petiscos cantoneses, incluindo crepes vietnamitas que, para o efeito, não querem saber de geografias e são deliciosos.


Depois de uns afazeres intermédios, ala para o cinema. O meu marido é quezilento quanto a filmes chatos e mais ainda em relação a salas com mastigantes pipoquentos -- coisa que a mim também me maça mas não tão radicalmente quanto a ele -- mas, tendo visto na televisão o anúncio a este filme, não se opôs.

'Do jeito que elas querem' que, no original, se chama 'Book Club' com Diane Keaton, Jane Fonda, Candice Bergen e Mary Steenburgen nos papéis principais foi uma boa escolha. Na verdade, não podíamos ter fechado as férias com melhor chave de ouro. Claro que é daquelas comédias ligeiras mas o que nos rimos valeu bem a pena. O tema é a sexualidade (e a vitalidade e o gosto pela vida) na idade madura, a amizade entre mulheres, o amor que só aparece quando se está disponível para ele. Etc. O meu marido que não é de riso fácil, fartou-se de rir. Portanto, já podem ver. 


Só encontro trailer legendado em brasileiro o que é um bocadinho enervante porque há expressões que não são bem as nossas mas, ainda assim, prefiro ao não legendado para ser perceptível por quem não se entende bem com a língua inglesa.


Queria mostrar um bocadinho das cenas com Andy Garcia que faz um papel simpatiquíssimo na contracena com a Diane Keaton, muito contido mas muito sólido e interessante e aqui, sim, tem que ser mesmo em inglês pois não encontro com legendas.

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E até já

sábado, agosto 18, 2018

Passear à beira-rio, jantar em Cantão.
[E um amor inexplicável]




E, assim sendo, hoje o fim da tarde e a noite foram passadas no bem bom passeio à beira rio, o sol já posto, a temperatura afável, muita gente flanando. Em momentos assim, o tempo parece suspender-se, o vagar parece abraçar as árvores, as silhuetas, os corpos. O entardecer no verão de Lisboa é coisa boa e bonita de se viver. 

Podem os dias ser árduos, tormentosos, complexos que, dêem-me um cair de noite assim, todos os meus problemas se evaporam como que por artes mágicas. Quem me visse e ouvisse, de mim diria que tenho uma vida fácil, isenta de preocupações, que os meus dias são brincadeira de criança. E, se calhar, são mesmo.


Como nós, muitos outros passeiam, conversam, riem. Outros fazem poses, casais fazem românticas selfies. Alguns sentam-se a olhar o rio e a linha do horizonte, outros abraçam-se ou beijam-se, isolados do resto do mundo -- como se para ali, para aquela amena ponta do mundo, tivesse convergido toda a paz do mundo.

Até ali fui encontrar uma conhecida directora-geral que volta e meio vejo na televisão, sempre muito assertiva, e que hoje, por ali, andava perdida, meio pardalita, com um aspecto frágil e solitário. Disse: até me apetece ir dizer-lhe uma palavrinha de conforto. O meu marido disse: havia de ter graça que a fosses chatear. A mulher deve estar à espera de alguém. Não me pareceu. Inclino-me para que lhe tivesse apetecido respirar ar puro em ambiente de liberdade.


Resolvemos ir ao dim sum, gracinhas gastronómicas de que tanto gostamos. Costuma estar folgado, silencioso mesmo quando tudo à volta fervilha. Mas, mal entrámos, percebemos que hoje, ali, o filme era outro. Gente, gente, gente. Salvo a nossa mesa e uma outra com africamos, tudo asiático. Todo aquele amplo salão estava repleto de asiáticos. Não sei se japoneses, chineses ou what. Mesmo as duas salas privadas estavam cheias. Felizmente, lá nos arranjaram uma mesa. Não tinha vista de rio como aquelas onde costumamos sentar-nos mas, em tempos de escassez, não se pode ser esquisito... e conseguir jantar sem reserva nesta noite lisboeta é milagre.


A grande maioria eram mesas redondas. Repletas. E eram só travessas de santola, lagosta e lavagante. Tantas travessonas. Um empregado não fazia outra coisa senão ir ao aquário pescar grandes crustáceos. E as empregadas, sem parar, iam levando marisco de grande porte, enquanto os empregados iam levando Cartuxa que, segundo alguém comentou na nossa mesa, custam 20 euros cada. E vá de levar garrafas. A espaços, a malta de uma mesa levantava-se, todos riam, faziam um brinde e zás: copo abaixo. De penálti. 


E logo outra mesa, como que ao despique, se levantava, e outro brinde. E venham mais cartuxas.

Penso que é escusado dizer que, para o fim, parecia que tínhamos desembarcado em plena Cantão. Conversas muito alto, risos, uma alegria, uma animação, tudo bem regado, homens, mulheres, rapazes, raparigas, tudo num chilreio, numa galhofa. Enquanto nós comíamos, na calminha, os nossos crepes de arroz com carne e mel, a nossa sopinha wantan, os nossos bolinhos também de carne e mel com molho de soja, os nossos raviolis de legumes grelhados, os nossos crepes viatnamitas e outros petisquinhos daborosos, nas outras mesas rolava o tinto, devoravam-se suculentas lagostas e ria-se aberta e ruidosamente.


Observei-os a todos de gosto. Cantão em Lisboa. O ambiente dos bazares, dos restaurantes de rua, aquela boa disposição que parece congénita, inocente, famílias inteiras na maior festança, amigos divertidos. O meu marido contrapôs: tudo já com os copos. Mas o meu marido, apesar de saber dizer de cor e até com uma certa graça, poemas e poemas, desde Camões até aos poetas mais improváveis do romantismo, é um pé em termos de poesia, tão pragmático que até chateia. Portanto, na mesa ninguém lhe deu ouvidos.

Não sei de onde veio toda aquela gente. Verdade seja dita: é a primeira vez que ali vamos jantar. Almoçar, sim, muitas vezes. Mas jantar não. Na volta aquilo é malta daqueles belos hotéis que se aloja ali na zona para arejar a nota no casino e que, à noite, antes de se deslocar até às machines e à roleta, vai fervilhar de animação enquanto se enche de marisco e tintol. Conhecido meu que é dado ao jogo (coisa que a mim me assusta) diz-me que, por ali, aquilo até ferve de chineses endinheirados. Mas não sei. Podem ser simples excursionistas.


O que sei é que, por ali, pela beira-rio, tudo é bonito, tranquilo. Árvores floridas, a calma das águas, o perfume do ar, a suavidade de quem passa. E eu, como sempre me acontece, senti-me de férias, bem comigo e com os outros, confiante, feliz da vida. Problemas...? Quais problemas...? Desconheço. (É tão bom ser uma incorrigível simplória).

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E, não me perguntem porquê, apetece-me agora ouvir um dos poemas de que mais gosto. Mas é um gostar tão inexplicável que me sinto até um pouco constrangida por estar a colocá-lo aqui para aí pela terceira vez apesar de não encontrar explicação para gostar tanto dele. Mas gosto. E quando se gosta de uma coisa ou de uma pessoa de uma forma assim tão orgânica e irracional, não devemos tentar contrariar ou justificar: simplesmente aceitar e desfrutar o prazer de gostar.
(...)
left with no trace
as if not spoken to in the act of love 
as if wounded without the pleasure of a scar.

You touched 
your belly to my hands 
in the dry air and said 
I am the cinnamon 
peeler's wife. Smell me.



The Cinnamon Peeler
de Michael Ondaatje (lido por Tom O'Bedlam)