terça-feira, junho 03, 2025

A Inteligência Artificial vai atirar o desemprego para uns assustadores 20%? Já é caso para alarme?
Ou vamos esperar a ver no que dá e, até lá, que não nos doa a nós a cabeça...?

 


Quando comecei a trabalhar havia profissionais que, mais tarde, desapareceram. Por exemplo, havia codificadores. Mais tarde, as próprias pessoas escolhiam os códigos que, de entre a lista, melhor se adequavam. Na informática, que ocupava enormes 'salões', havia 'analistas' de diversos tipos, programadores e 'operadores de recolha'. Os diversos serviços enviavam diariamente montanhas de documentos que estes últimos 'recolhiam'. Aos poucos, a 'recolha' acabou pois os diversos serviços introduziam a informação directamente nos sistemas.

Dentro dos centros de informática propriamente ditos, espaços gigantescos, havia os preparadores que organizavam a sequência em que entravam os 'jobs' e, para a informação ser cozinhada, havia programas que 'corriam' de noite. E, de manhã, os estafetas distribuíam lençóis, 'pijamas', por todos os serviços - listagens enormes de papel às risquinhas com buraquinhos dos dois lados. Aos poucos isso foi saindo nas impressoras que estavam nos serviços e mais um conjunto de profissionais ficou sem trabalho.

Havia salas enormes com operadores de telex. Os serviços preparavam o que hoje seriam mails, os 'contínuos' levavam à sala dos telex's. 

E havia a enorme sala de dactilografia. Só senhoras. Eram elas que 'batiam à máquina' cartas, relatórios, contratos e o que houvesse a fazer em letra de forma. Algum tempo depois, essas salas desapareceram.

Outra das salas enormes, enormes mesmo, era a da Contabilidade. As facturas dos fornecedores chegavam lá, eram contabilizadas em máquinas de manivela, e eram registadas e arquivadas em mais do que uma via.

Já mais recentemente, as facturas chegavam, alguém abria os envelopes, organizava-as e passaram a ser digitalizadas à chegada e, a partir daí, todo o processo passou a ser automatizado, com sistemas que transformam imagem em dígitos, com workflows para que circulassem por quem as aprovava, e, daí até entrarem directamente no sistema, eram um ai. Vários profissionais foram dispensados, claro. Posteriormente, a mudança foi ainda maior com os fornecedores a registarem directamente as facturas no portal que a empresa disponibilizava. E mais redução de pessoal, claro.

Fazer o orçamento da empresa e fazer o acompanhamento mensal, quando entrei, ocupava muita gente e era um trabalho terrível. Tinha que se recolher informação manual de todas as áreas e fazer infindáveis cálculos manuais. Fazer uma alteração implicava, frequentemente refazer todo o processo. O produto do orçamento era um dossier enorme, cheio de folhas datilografadas, que era distribuído pelas direcções. Mensalmente eram produzidos, em papel, relatórios com os desvios e as suas explicações bem como uma projecção dos impactos no resultado anual. Uma trabalheira que hoje dificilmente se imagina.

Aos poucos, os escritórios foram encolhendo. O que antes requeria edifícios gigantes com muitas centenas de funcionários ficou reduzido a um andar em que a maioria das pessoas já estava afecta a áreas mais 'nobres' como planeamento, investigação, inovação, qualidade, gestão de talento e coisas assim.

Fora dos escritórios a revolução foi também brutal. Os armazéns, por exemplo, antes fervilhavam de gente: uns recebiam o material, outros codificavam, outros inseriam as guias de entrada em dossiers e em folhas de registo para serem 'recolhidas' ou, mais tarde, directamente no sistema, isto depois dos codificadores catalogarem tudo. Depois havia os que arrumavam os artigos, outros que faziam inventários, outros que atendiam quem lá ia levantar artigos e, aí, faziam os movimentos inversos. Hoje poucas pessoas lá trabalham. Tudo está informatizado, automatizado.

E podia continuar mas o panorama seria sempre o mesmo.

Em cada um destes movimentos houve sempre alguém que foi sacrificado mas, vendo a posteriori, nada disto foi globalmente dramático pois as pessoas iam sendo 'reconvertidas', outras saíam com indemnização e arranjavam lugar noutras actividades. E isto era um processo gradual.

O que aconteceu nas empresas em que trabalhei, aconteceu em todo o mundo.

Mas não sei se a revolução que a inteligência artificial não vai ser mais disruptiva. Não a vejo como um interruptor -- hoje funciona assim e amanhã já é de outra maneira e, de um dia para o outro, saltam pessoas aos milhares -- pois as organizações levam tempo a assimilar as mudanças e a adaptar-se. Mas, assim que se inicie a migração para processos que incorporem a inteligência artificial, o movimento será irreversível e rápido.

Hoje ainda não sabemos dizer ao certo todas as áreas em que a IA vai mexer mas é só questão de começar. Onde ela entre, o movimento será imparável.

A nível caseiro, já a uso a toda a hora -- e já sinto que há um antes e um depois do ChatGPT. Dou um exemplo: contei no outro dia que a rega não tinha arrancado. Herdámos o sistema de rega com a compra da casa. Tem sido sempre uma aventura atinar com o seu funcionamento pois não ficou nenhum manual e, quando tínhamos jardineiros, cada um mexia à sua maneira, dizendo que tinha reprogramado. E havia noites em que regava em permanência, outras vezes arrancava de dia, em horas impróprias, outras vezes funcionava dia sim, dia não. Quando resolvemos que estávamos melhor sem jardineiros, esse imbróglio passou para nós. O incrível mundo das electroválvulas e das estações e dos programas passou para nós. O mal das coisas complexas e sofisticadas -- que dão para adaptar a tudo e mais alguma coisa e que permitem combinações de tudo com tudo -- é que descortinar o que está programado e o que se pode fazer sem fazer perigar todo aquele equilíbrio instável é um desafio. O meu marido é apologista da técnica de mexer o menos possível. Eu sou o contrário: eu sou de tentar perceber tudo e depois refazer tudo em consciência. Mas, antes, faltava-me o apoio técnico. 

Até que chegou o ChatGPT. Agora fotografo o programador e coloco dúvidas. Ele reconhece a marca e o modelo e começa a interpretar o que vê. E vou seguindo o que 'ele' diz. Claro que ele não me diz tudo às primeiras pois é sabido que a maior ignorância é a que desconhece a dimensão da sua ignorância. Portanto, não pergunto tudo o que há para perguntar e, portanto, vou recebendo respostas que são apenas uma parcela do que há a fazer. Uma luta. Tentativas infrutíferas umas atrás de outras. Mas não desisto. Faço, fotografo o que diz o monitor, volto ao ChatGPT, volto ao programador, e assim sucessivamente. Neste momento, já estou mais perto de dominar a coisa. Ainda não estou lá, mas já vi a luz ao fundo do túnel mais longe... Claro que ainda não cheguei à parte a que provavelmente nunca me atirarei: a do aspecto físico da coisa, o das electroválvulas, a sua associação às estações respectivas. Mas, se calhar, até para isso, 'ele' me ajudaria. O que antes requereria um jardineiro especialista em sistemas de rega, agora está nas minhas mãos e nas do ChatGPT. 

E quem diz isto diz interpretar um balanço e uma demonstração de resultados, apontando pontos críticos, áreas a requerer atenção -- e isto através do 'upload' de um ficheiro ou de fotografias. Isso ou interpretar análises clínicas ou relatórios de exames médicos. Ou fazer o upload de um livro, ou de um contrato ou do que for, e pedir um resumo, uma apresentação ou o que for. E o trabalhinho aparece imediatamente feito.

O impacto disto nas empresas, nos escritórios de advogados, na Administração Pública, na Investigação, na análise das imagens de exames médicos, em todo o lado..., vai ser imenso.

Claro que haverá sempre muitas profissões que não desaparecerão. Muitas. E novas profissões surgirão. Muitas. 

Estudar o impacto, área a área, de tudo isto é imperioso: para programar a formação e as vagas por curso, para repensar a sociedade no seu todo. Se tudo for pensado e planeado, decorrerá sem sobressaltos de maior. Se nada se fizer, será um ver se te avias de crises, crises daquelas bem problemáticas.

A entrevista que o Anderson Cooper conduz com o CEO de uma empresas de Inteligência Artificial é interessante. Penso que é um tema que deveria ser trazido para a ribalta. Em vez de andarem mais do sete cães a um osso a ver quem diz mais mal do Gouveia e Melo mais valia que se antevisse o futuro. Com pés e cabeça. Com factos, com objectividade. Com gente que saiba e não com papagaios. Estou farta de papagaios.

AI company's CEO issues warning about mass unemployment

Anthropic CEO Dario Amodei tells CNN's Anderson Cooper that "we do need to raise the alarm" on the rise of AI and how it could cause mass unemployment.

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Imagens geradas, a meu pedido, pelo Sora (IA)
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Dias felizes

segunda-feira, junho 02, 2025

Grande entrevista na CNN. José Sócrates, um grande entrevistado. André Carvalho Ramos, um grande entrevistador.

 

Tive um dia preenchido e feliz, com a casa cheia e alta animação, e isto ao mesmo tempo que um joelho me doía, não sei se fruto de passadeira demasiado acelerada no ginásio, se fruto de muita lavagem esforçada de carpete, se fruto de outra coisa qualquer. Por isso, quando o pessoal se foi, sentei-me no sofá com a perna esticada e pus-me a ver as fotografias que entretanto recebi e a ver mensagens de amigos. E depois pus-me a ler. 

Até que calhou ver o comentário do Caro Leitor Ccastanho sobre a entrevista do Sócrates. Não tinha visto, nem sabia que tinha dado. Mas, entretanto, estava a dar uma coisa que o meu marido queria ver pelo que já passava da uma da manhã quando comecei a ver.

Com isto, eu que ia falar do meu dia em família e mostrar umas fotografias e etc., fiquei a pensar que deveria era falar daquilo a que tinha acabado de assistir. Só que é tarde e estou com sono... 

Mas, ainda assim, não consigo deixar de dizer que:

  • Sócrates continua a ser o mesmo animal político de sempre
  • Sócrates continua a mostrar que tem um estofo e uma estaleca e uma visão e determinação que são ímpares entre os políticos portugueses vivos
  • Sócrates continua a demonstrar que tem um ímpeto reformista com opções modernas e acertadas como a nenhum outro primeiro-ministro vi e voltei a ver
  • Sócrates continua a mostrar uma capacidade e a coragem de falar de frente, de pegar os bois pelos cornos, e a fazê-lo com honestidade intelectual e sem usar eufemismos ou indirectas
  • É pena que a porcaria do processo Marquês não se resolva de vez para que ele possa voltar a andar pela vida política, sem peias 
  • É pena que a história não se faça mais em tempo real para que a verdade sobre os benefícios para o País da sua governação possa ser conhecida e discutida com objectividade
  • Finalmente, é pena que o tema da sua vida pessoal (o apartamento de Paris, os empréstimos do amigo, as escutas, etc.) nunca tivesse sido devidamente esclarecida por ele próprio para que a suspeição que o envolveu e continua a envolver como uma nuvem negra deixasse de ser tema
[Sócrates disse muitas coisas relevantes sobre muitos temas e que aqui mereceriam destaque, mas tenho que me levantar cedo e já é tardíssimo. Contudo, quero aqui, pelo menos, louvar a forma como se referiu a Marcelo Rebelo de Sousa: um personagem inconsequente. Não poderia estar mais de acordo com tudo o que ele disse, na forma intriguista e ínvia como conduziu a sua actuação enquanto Presidente da República. O retrato que Sócrates fez do Presidente Marcelo é perfeito.]

Em síntese: gostava que o convidassem mais vezes para entrevistas como esta. 

E gostei muito, muito mesmo, da excelente entrevista que André Carvalho Ramos conduziu. Um trabalho incrível, uma atitude perfeita -- foi contido, educado, incisivo, inteligente. Entrevistar uma pessoa como Sócrates não é fácil pois é um interlocutor ágil, truculento, desafiador. Mas André Carvalho Ramos esteve completamente à altura. Está, uma vez mais, de parabéns. 

Um belo momento de televisão.

domingo, junho 01, 2025

Rui Rio foi à jugular do Marques Mendes (e à de Marcelo e, de certa forma, à do Montenegro).
Rui Rocha descurtiu e vai dar banho ao cão.
Eu, pela parte que me toca, prefiro defender as buganvílias e maravilhar-me com as efusivas rosinhas

 


Eu já tinha tapetes de Arraiolos antes de me dar a veneta de os fazer. Portanto, como desatei a produzi-los, fiquei com muitos. A minha mãe também os tinha com fartura. Ora, quando tive que tirar as coisas de casa dela, não era coisa de que me desfizesse. Trouxe-os. Portanto, agora até na cozinha tenho um tapete, ou melhor, uma carpete de Arraiolos pois cobre quase todo o chão. Por acaso até é confortável especialmente no inverno quando ando descalça e a pedra do chão está fria. 

Este sábado, dia de calor, foi dia dele ir à barrela. É uma coisa que gosto de fazer em dias em que secam bem: no terraço junto à cozinha, com agulheta no máximo, omo, vassoura forte, descalça, lavo-os e esfrego-os que é um mimo. 

No entanto, o tempo virou um bocado e não ajudou: pouco depois, o céu como que se encobriu e a temperatura baixou um pouco. Por isso, à noite ainda não estava bem seco. Espero que amanhã seque de vez pois tapetes de lã que não secam logo correm o risco de ficar a cheirar a mofo.

Também andei de mangueira a regar vasos de um lado e do outro da casa. Gosto de regar. Gosto de tudo o que mexa com águas.

Como sempre, pasmo com o que tudo cresce. 

As sardinheiras estão robustas, frondosas, cheias de flores. Umas suculentas crescem sem parar. A roseira que está junto a um dos portões tem crescido de uma forma inacreditável. Já vai no muro e já trepou para uma árvore que está perto. Agora já há rosinhas penduradas na cerejeira japonesa. E as buganvílias estão uma maravilha. O meu marido anda doido para avançar com o corta-sebes elétrico. Como não o deixo, faz chantagem, diz que o meu filho vai protestar, vai dizer que também tem que andar todo dobrado para não andar a levar com as flores na cabeça. Creio que é um falso problema, basta que se desviem. Uma delas, então, mais que todas, estão uma loucura, um cortinado de flores. 

O meu marido diz que qualquer dia não se consegue estar na mesa que lá está debaixo, que precisa mesmo de ser cortada. Explico que é um caramanchão, que é mesmo assim. Mas vejo, pela maneira como olha para ele, que qualquer não vai resistir. A única coisa que deve estar a travá-lo é que sabe que, se fizer isso, estará a pisar uma linha vermelha, linha essa fortemente minada.

Hoje, quando vínhamos da caminhada da tarde, reparámos que uma delas, do outro lado, já passou para o lado dos vizinhos e já está a enfeitar o telheiro deles. Também uma das glicínias, uma loucura de glicínia, uma avalanche de glicínia, já vai no muro que separa do vizinho e já enfeita o lado de lá. Claro que poderão cortá-la, se o quiserem, claro. Mas, pelos vistos, gostam.

Mas esta fartura de fertilidade tem um senão. Temos dois vasos, bem bonitos, que têm aloé veras. Mas os aloés estão estão grandes, reproduziram-se de tal maneira que as raízes já não cabem nos vasos, já estão a subir, e os aloés estão a querer definhar. Já falei com o meu marido que vamos ter que tomar uma resolução. Para tentar não destruir os vasos, não vejo outra maneira senão deitá-los de lado e puxar pelos aloés, tentando que se desprendam. E depois teremos que encontrar uns locais, fazer uns buracos grandes e plantar as plantas directamente na terra. O meu marido diz que não está a ver que seja tão simples assim e não lhe vejo qualquer vontade de se atirar à tarefa. Mas temos que tentar pois, se não fizermos nada, os aloés acabarão por ficar ressequidos. Neste momento são uma espécie de ilustração do Princípio de Peter. Cresceram, cresceram até atingirem o ponto em que se constata que, a partir daí, será para pior.

Com tanta flor e com as árvores também todas cobertas de folhagem, a passarada está sempre em festa, uma alegria de chilreios que é uma delícia. E há um perfume bom no ar. Estive lá fora a ler e a sentir-me feliz até já não haver luz. 

Entretanto, estou preocupada pois a rega não arrancou. Temos a rega programada para funcionar de noite e eu gosto de estar aqui a escrever e a ouvir os esguichos da água e a sentir o cheiro molhado da terra e das flores. E hoje não está a funcionar e não faço ideia porquê. Chatice. A minha vontade era ir lá fora ver o que se passa mas o meu marido já dorme e eu tenho um certo receio de andar lá fora sozinha a desoras. Além disso, o dog a esta hora dorme descansadamente e não quero sobressaltar toda a gente a abrir portas e a acender luzes.

Tirando isso, vi que houve mais um dano colateral do terramoto eleitoral: também o Rui Rocha saltou fora. Se vier a Mariana Leitão será bom pois há poucas mulheres na política. Claro que não deixará de ser curioso que, sendo tão poucas, logo sejam as duas Marianas. Mas acho que é mais genuína e mais atilada que a Mortágua. Pelo menos, parece-me. 

E, sem que nada o fizesse esperar, o Rui Rio foi à jugular do Marques Mendes, o que não deixa de ter piada. Imagino o Marcelo, o Marques Mendes e o Montenegro todos de cabeça à roda. Quanto ao inSeguro e ao desVitorino o melhor que têm a fazer é manterem-se na toca. Entretanto, fiquei a saber que um conhecido nosso está a pensar candidatar-se, parece que já anda a recolher assinaturas. Só visto.

E, pronto, é isto. Vou descansar que já vão sendo horas.

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As imagens foram feitas com recurso à minha inteligência natural

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Desejo-vos um belo dia de domingo

sábado, maio 31, 2025

Elon Musk, drogas e poder: uma combinação explosiva no coração da política norte-americana?

 

Quando o tema é o consumo de drogas vou com pés de lã. É mais que sabido que uma pessoa, quando ultrapassa a barreira do consumo terapêutico para passar a ingerir por vício, se torna dependente e, muitas vezes, fica incapaz de reagir normalmente. Um viciado é um doente. Não é, pois, caso para se falar com ligeireza. Um drogado estraga a sua própria vida e, na maior parte das vezes, contamina o ambiente entre os seus próximos, aflige os que o amam -- e não consegue evitá-lo. 

Elon Musk já tinha admitido que passa por períodos de depressão e que é medicado para isso. E já se falava que ele andava a abusar fortemente e já circulavam notícias de que os investidores andavam apreensivos com os seus comportamentos erráticos.

Mas a recente revelação de que Elon Musk pode estar a consumir até 20 comprimidos por dia, incluindo cetamina, Adderall, ecstasy e cogumelos psicadélicos, levantou sérias preocupações éticas e institucionais. Estas informações, reveladas por fontes que lhe são próximas e relatadas pelo The Guardian e outras publicações, apontam para um cenário alarmante: um dos homens mais influentes do mundo, com acesso a informações sensíveis e com influência direta na economia global e nas decisões políticas norte-americanas, pode estar a funcionar sob o efeito constante de drogas psicoactivas.

Perguntei ao ChatGPT para que servem os medicamentos que supostamente ele toma e quais os riscos. Eis as respostas:

  • Cetamina: originalmente um anestésico, tem uso off-label no tratamento da depressão resistente. Em doses moderadas, pode causar dissociação, alucinações e perda de coordenação. Em doses frequentes e altas, está associada a danos na bexiga, além de alterações cognitivas e dependência.
  • Adderall: medicamento composto por anfetaminas, usado para TDAH. Melhora foco e energia, mas o uso recreativo ou excessivo pode levar à insónia, ansiedade, agressividade, paranoia e psicoses induzidas por estimulantes.
  • MDMA (ecstasy): estimula uma intensa libertação de serotonina. Pode gerar euforia e empatia, mas também confusão, hipertermia e, a longo prazo, dano neurológico.
  • Cogumelos psicadélicos: causam alucinações visuais e auditivas, alterações na perceção do tempo e da realidade. O uso frequente pode desencadear episódios psicóticos, ansiedade severa e despersonalização.

Perguntei ainda qual o perigo das misturas. Eis a explicação:

A combinação destas substâncias, sobretudo em regime crónico, é particularmente preocupante. Misturar cetamina (um dissociativo), Adderall (um estimulante forte) e MDMA (um entactógeno) altera profundamente o funcionamento neuroquímico do cérebro. Pode comprometer:

  • Tomada de decisões
  • Capacidade de julgamento moral
  • Controle emocional
  • Lucidez e coordenação cognitiva

Em termos clínicos, uma pessoa sob este cocktail medicamentoso pode apresentar lucidez parcial, mas com graves prejuízos em áreas como a empatia, raciocínio crítico e autocontrolo.

O mais alarmante é que, durante este período, Musk terá desempenhado um papel activo na estratégia política de Donald Trump. Fontes referem que foi sob o efeito destas substâncias que Musk ajudou a articular ideias e decisões do chamado "gabinete Doge", um grupo informal de conselheiros com impacto na retórica e direção política da campanha republicana.

Ora é inegável que isto levanta questões profundas sobre:

  • A falta de supervisão institucional sobre figuras com acesso a tecnologia crítica e influência mediática;
  • A fragilidade dos mecanismos de verificação de aptidão em ambientes de liderança privada com impacto público;
  • O perigo da normalização do comportamento errático de figuras poderosas, sob a capa do “genial excêntrico”.

É legítimo questionar até que ponto alguém com este padrão de consumo tem capacidade para tomar decisões que afetam milhões. Mais do que um debate sobre saúde individual, trata-se de um alerta sobre a interseção entre poder, tecnologia, dependência e responsabilidade. A sociedade precisa de refletir sobre os limites éticos e institucionais que colocamos a quem lidera empresas com contratos governamentais e impacto social profundo ou a quem ocupa posições de poder em geral.

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‘Could explain something’: Nicolle Wallace on Elon Musk’s reportedly intense drug use

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As duas imagens lá acima, no meio do texto, foram geradas pelo Sora (IA)

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Um bom sábado

sexta-feira, maio 30, 2025

A matemática só serve para fazer contas ou pode ser um precioso auxiliar ao serviço da política...?

 

Ao ler que um grupo de trabalho europeu vai fazer um estudo em Barcelona para perceber o impacto do turismo de massas na crise da habitação, fiquei contente. É preciso estudar os assuntos antes de se desatar a alvitrar soluções aleatórias, coxas, precárias. A crise habitacional é transversal e profunda pois onde haja turistas alojados em casas que antes era de habitação e/ou onde haja muita imigração, faltam casas para morar e, logo, disparam os preços. Ou seja, uma franja considerável dos habitantes não arranja casa para viver.

Já não é a primeira vez que aqui falo do assunto pelo que peço que me desculpem pela repetição. 

Uma das vertentes da matemática é a de resolução de problemas em que há milhares de condicionantes, milhares de variáveis e em que se pretende atingir um objectivo.

Por exemplo, imagine que, por uma vez, alguém com poder de decisão decide ser rigoroso e quer saber, município a município, quantas casas para arrendamento habitacional deve haver (escalonando a resposta por tipologias de casa e por intervalos de renda) e quantas casas para arrendamento turístico são admissíveis. O objectivo, diria eu, seria misto: por um lado que não haja pessoas sem casas para viver (admitindo que a renda não deve ultrapassar x% do rendimento líquido do agregado), por outro que haja uma oferta turística razoável (ie, não excessiva) e, vendo na perspectiva dos proprietários da casa, que obtenham um rendimento justo e adequado, em linha com o que é obtido nos mercados em que o tema da habitação não é um problema. 

Dito assim, pode parecer abstracto, impossível de quantificar.

Mas, digo-vos eu, para quem saiba, é canja de galinha. Não é a primeira vez que aqui digo que há decisões que deveriam ser tomadas com base em modelos matemáticos precisos, inequívocos. 

Tomar decisões a olho, atirar bocas mortáguas para o ar ou dar palpites com base em achismos, isso a mim arrepia-me.

Precipitações como diabolizar os Airbnb são outro disparate. O turismo é óptimo para o país e, como se vê, os hotéis estão cheios pelo que, se se reduzirem os alojamentos locais, não haverá resposta suficiente por parte dos hotéis, ou seja, será dinheiro que não entra no País. Portanto, o que há é que equacionar e tomar decisões por forma a atender a todas as necessidades.

Acresce à realidade do desvio de casas do arrendamento habitacional para o turístico, a presença no País de mais de um milhão de imigrantes que precisa de casa.

Ou seja, há forçosamente um défice de casas. Ora, saber quantas, onde e de cada tipo é indispensável.

Para começar, o que há a fazer é um levantamento, por local, do número de famílias que carece de casa arrendada para viver, quantificando quantas pessoas por agregado e de que rendimento líquido dispõem.

Igualmente deve ser feito um levantamento de fogos potencialmente disponíveis que sejam do Estado (Administração Central, Local, Forças Armadas, etc).

Claro que, para além destes dois levantamentos, os mais complexos, há muito mais informação necessária -- mas nada de transcendente.

Há ainda aspectos paralelos a equacionar: não se pode pedir a um proprietário que, tendo a possibilidade de gerir um arrendamento local no qual aufere um rendimento mais interessante, abdique dele para fazer um arrendamento habitacional que está sujeito a muitos custos e a pesados impostos. 

Já aqui falei muitas vezes da pesada carga fiscal que reduz liquidez às pessoas que pagam impostos. Se os salários (ou pensões de reforma) já de si são baixos, se lhe raparmos uma grande fatia, pouco sobra. Se há uma grande camada da população que não paga IRS por auferir baixos rendimentos, a verdade é que há uma 'invisível' camada que não paga porque foge ao fisco. E foge de todas as maneiras que pode: os senhorios não passam recibo fiscal, e, todos os que podem, sejam senhorios, médicos, etc, criam empresas através das quais recebem 'ordenados' e às quais imputam toda a espécie de custos de forma a não pagarem IRC ou a pagarem pouco, ao mesmo tempo que pouco -- ou nada -- pagam de IRS.


Ora, no caso dos inquilinos, se as famílias (e aqui não me refiro apenas às pobres, muito pobres, mas às da classe média) dispuserem de mais rendimento líquido, já não ficarão com a corda na garganta ao pagarem rendas mais altas.

Ou seja, o tema da crise habitacional é um tema com alguma complexidade e que toca vários pontos a optimizar. Mas, sendo complexo, não é transcendental. Qualquer pessoa que perceba do assunto e que disponha de informação, equaciona o problema e resolve-o (e o que não faltam são ferramentas informáticas para isso), providenciando, aos decisores, informação concreta. 

Pensar que é um tema complexo e carpir em cima dele ou tomar decisões avulsas ou a olho (por exemplo, atirar para o ar a boca de que fazem falta 26.000 casas e logo a seguir vir alguém dizer que não é isso mas o dobro e logo depois vir uma dizer para pôr um tecto às rendas e vir outro dizer para usar quartéis e... por aí fora, cada um a atirar palpites para o ar e todos sem qualquer base sólida) é apenas deixar que o problema se agudize e se arraste.

Ainda não percebi que gente é que nos governa que não percebe que a matemática não se resume à aritmética banal. Saber quantos médicos, quantos enfermeiros, quantos centros de saúde e com que recursos, quantas creches, quantas escolas, quantas casas, etc, são necessárias para resolver os problemas da população é coisa que requer cálculos, que requer cabeça, que requer informação fundamentada, que requer uma correcta afectação de recursos financeiros. Os matemáticos não servem só para serem professores, servem para muito mais. Servem, por exemplo, para ajudar criaturas inteligentes a tomarem boas decisões. Claro que a decisão última deve ser sempre política mas, caraças, que se baseie em cálculos correctos, sujeitos a critérios bem explicados e bem intencionados.

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Imagens obtidas via Sora (IA)

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Dias felizes

quinta-feira, maio 29, 2025

Um frango esquecido e um biquini sem cuecas

 



Posso ter dado a ideia de que esta minha actual vidinha é um absoluto mar de rosas. Se dei, foi involuntário. É que, como em tudo na vida real (e reforço a 'vida real' porque na vida virtual tudo é possível, até a vida ser um imaculado mar de perfeições), não há bela sem senão.

E o senão é simples: quando ambos trabalhávamos, almoçávamos sempre em restaurantes. O jantar era muitas vezes leve, com alguma frequência comprado. Agora a coisa fia mais fino. 

Se calhar, se vivêssemos no centro da cidade, facilmente descíamos até à rua e, mesmo a pé, íamos até à próxima tasca ou poderíamos escolher um dia um restaurante, outro dia um de outro tipo. Morando afastados da urbe e, de vez em quando, imersos no campo mais campo que se possa imaginar, a oferta não está ao virar da esquina. Temos que nos meter no carro e ir. Depois há que estacionar. E depois, chegados ao restaurante, há que ter paciência para esperar. Ora, estamos comodistas. Não temos pachorra para o trânsito, para andar às voltas para descobrir lugar para o carro, para ficar à espera de ser atendidos. Muito menos temos pachorra para comida banal ou pior do que a que faço em casa.

Conclusão: salvo uma ou outra excepção, dia após dia temos que andar a puxar pela cabeça para saber o que se faz para o almoço, o que se faz para o jantar. Como queremos fazer uma alimentação saudável, tudo o que são frituras, refogados puxados, coisas gordas ou com molhos calóricos, estão fora dos cardápios diários. Ora, às vezes falta-me a imaginação.

Esta quarta-feira, para o almoço tinha feito um arroz de chambão com legumes. Para o jantar não sabia o que fazer. Queremos sempre coisas leves ao jantar mas estava sem pica nenhuma, incapaz de ter ideias. Como tinha que ir ao supermercado, pensei que podia comprar lá um frango assado, depois fazia um arroz e uma salada e estava feito. O meu marido achou bem.

Lá fomos. 

O meu marido ficou cá fora para aproveitar para dar a volta higiénica com o cão-fofo. 

Lá dentro, fui pondo no carrinho o que precisava: cebolas, cenouras, tomates, alface, pão, kéfir, iogurte grego natural, requeijão, chocolate preto. Trouxe também atum e salmão congelados. E mistura chinesa congelada. Resolvi também trazer, para experimentar os gelados de pistácio revestidos a chocolate pois o pessoal mostrou abertura para experimentar e, ao fim de semana, no verão, contam sempre que haja gelados no congelador. Depois, vi lá uma tshirt branca de um tecido que me pareceu interessante e a um preço baixo. Pareceu-me que estaria talvez grande demais mas, sendo branca, mais vale larguinha que justa. Trouxe. E vi um biquíni que me daria jeito pois, para aqui apanhar sol, só tenho um. E o preço também me pareceu bom. Trouxe.

Ao chegar à caixa, uma fila dos diabos, um tempo do caraças à espera. 

Quando cheguei ao carro... upssss... tinha-me esquecido do frango assado... E, com aquelas filas, impossível lá voltar.

O meu marido ficou desconcertado: 'E agora? Praticamente era esse o motivo da vinda ao supermercado... Pões-te a ver tretas e esqueces-te do fundamental.'. Respondi: 'Trouxe bife de atum... Posso fazer... ou salmão...'

Pela cara, vi que não estava muito para aí virado. Felizmente, tive uma ideia: como ele ia aproveitar a 'viagem' para ir a uma estação de serviço, pensei que talvez lá vendessem frango assado. 

E tive sorte. Mas só havia uma metade. Receei que fosse um despojo. Perguntei: 'É recente?' O rapaz olhou para mim muito admirado. Ocorreu-me que estava na dúvida se eu me estava a referir a ele próprio. Esclareci: 'Pergunto se o frango é recente...'. Mesmo assim não devo ter esclarecido bem, ou, então, não estava seguro do que responder. Disse-me com o que me pareceu fraca convicção: 'É...'

Chegados a casa, ao arrumar as compras, com um certo desconforto constatei que a embalagem do biquini afinal correspondia apenas ao soutien. Pelos vistos, vendem as peças separadas. Senti-me frustrada. É que, quando lá regressar, já não devo encontrar a parte de baixo à venda.

Mas, vejamos as coisas pelo lado positivo: com a mistura chinesa fiz um belo arrozinho e o frango afinal ainda estava quentinho e era bem saboroso.

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E, com esta conversa fiada, pela qual me penitencio, poupo-me a falar sobre os resultados dos votos dos emigrantes e sobre a confirmação de que o Chega é o 2º partido do meu País. Espero que façam a caridade de me compreender.

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Imagens obtidas via Sora (IA)

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Dias felizes

quarta-feira, maio 28, 2025

Tudo conspira, e muito, contra a inocência

 

Imagino a invejinha que quem ainda trabalha sente quando me lê a relatar o meu dolce fare niente. Espero é que seja daquela invejinha boa, inocente, não daquela que vem sob a forma de olho gordo. 

Lembro-me bem daquela ex-colega de quem toda a gente dizia que apenas se realizava através do trabalho e que um dia, uns meses depois de ter saído da empresa, apareceu lá a visitar-nos. Vinha remoçada, muito bem vestida e penteada. Quando lhe perguntámos como estava a adaptar-se à condição de 'desocupada', riu de gosto e disse: 'Penso muitas vezes que se as pessoas soubessem como não trabalhar é tão bom, ninguém queria trabalhar...'

E é mesmo. Não percebo como é que há tanta gente que faz de tudo para se manter a trabalhar até estar quase a cair da tripeça. Mas, enfim, cada um é como cada qual.

E o que eu ia dizer é que estava numa espreguiçadeira, à semi-sombra, completamente em paz comigo e com o mundo, a ler e a ouvir os passarinhos, e pensando que devia ter ali um lápis para ir assinalando algumas frases com piada. Nisto, reparei que o cãobeludo estava freneticamente a espreitar para uns vasos que estão num nível abaixo e que estão separados daquela zona por uma pequena rede. Entre a rede e os vasos costuma juntar-se farta caruma. E era para ali que ele olhava, saltava, agitado como se tivesse descoberto coisa. Tremo quando isso acontece pois antecipo que o passo seguinte seja o cometimento de um crime.

Chamei o meu marido. 

Nessa altura já ele (ele, o cão) tinha ido para essa zona rebaixada e já andava agitadamente em volta dos vasos. O meu marido pegou numa cadeira dobrada e colocou, na parte de baixo, junto aos vasos, tentando impedir que ele lá chegasse.

Em sobressalto, fui buscar a mangueira e abri a água para tentar evitar que o predador se atirasse ao que quer que fosse que ali estava. Então, do monte de caruma que ali estava, monte que mais parece um ninho, saiu um pássaro espavorido, a correr. Parecia um pássaro ainda criança, que ainda não sabia voar, mas de um porte grande, digamos que do tamanho de uma palma de mão aberta. Desatei a chamar o meu marido para impedir que houvesse um desastre e, ao mesmo tempo, a dar mangueiradas de água para afastar o cãomaluco. 

O aflito passarito foi a correr, ladeira abaixo, indo encostar-se a um canto do portão da garagem. 

O meu marido foi então com uma pá para tentar que ele se pusesse lá em cima para o pôr a salvo. Mas foi o bom e o bonito pois, apesar de estar a levar mangueiradas de água, o cão queria, à viva força, ir atirar-se ao frágil serzinho. E o meu marido gritava com ele para ele se ir embora. Só que, com tal reboliço, o passarito abalou a correr ladeira acima, atravessou o jardim e foi refugiar-se junto à sebe. Só que o cão foi mais rápido que o meu marido e que eu com a mangueira. Em menos de um segundo saltou, implacável. 

Quando o meu marido lá chegou, já o passarinho estava deitado de lado, sem se mexer. O meu marido deu um grito ao cão e eu apontei-lhe a mangueira. Mas, aí, ele deve ter percebido que tinha feito um mal irreparável pois afastou-se e ficou como se paralisado, sentado, a olhar para o pobre defunto. 

O meu marido foi resgatar a vítima. O cão-marado afastou-se, pesaroso.

Fiquei atordoada com tudo aquilo. E francamente arreliada por não termos conseguido evitar tão infeliz desfecho. 

Mas a vida na natureza tem destas coisas. 

Depois fui apanhar nêsperas e, como sempre, foram quase tantas as que comi, in loco, como as que coloquei na taça. É congénito: não desfazendo... mas estou mais para Rubens do que para Giacometti.

E agora estou aqui sossegadamente a ganhar coragem para ir à procura de algumas frases de que gostei.

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E, depois de ter feito uma rápida pesca à linha, aqui estão algumas frases transcritas do gostoso 'Uma última pergunta - Entrevistas com Mário Cesariny'

- Tudo conspira, e muito, contra a inocência, contra a linguagem verdadeira.

- O que eu sinto é que a partir dos 50, por exemplo, uma pessoa sabe demais, não era preciso saber tanto. E muito do que se aprende é triste.

Como define a poesia?  - A técnica mais proibida da mágica mais procurada 

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Imagens geradas pelo Sora (IA)

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Dias felizes

terça-feira, maio 27, 2025

Uma dor humanamente insuportável

 

Não sei nem quero saber nem sei se alguém sabe: a dor de perder um filho é igual à dor de perder nove filhos? Se calhar, a dor de perder um filho é tão ilimitada que não se distingue da dor de perder nove filhos. Se calhar há sempre um desespero, uma aflição, uma sensação de impotência, de injustiça, uma dor que esmaga e que é tudo tão infinito que não faz diferença ser um ou serem todos ou quase todos. Não sei. Não quero saber.

Não sei o que sente a Dr Alaa al-Najjar que diariamente saía de casa para ir cuidar de crianças e que, na sexta-feira, na sequência de mais um bombardeamento israelita, perdeu nove dos dez filhos, sendo os corpos ou o que sobrou de sete deles que chegaram ao hospital. Dois corpinhos ainda estão sob os escombros e o menino que se salvou e o marido estão mal, hospitalizados. 

Não sei como se sobrevive a uma perda destas. Não sei. Não sei como é que uma mãe a quem acontece uma desgraça destas consegue sobreviver.

E não sei como consegue Netanyahu dormir depois disto. Disto e de tudo o resto que tem feito. Não sei como tem ânimo para viver o homem responsável por tanta destruição, tanto sofrimento, tanta morte, tanta maldade.

Nem consigo dizer mais nada.


In one of the most heart wrenching moments since the start of the genocidal war on Gaza, Palestinian paediatrician Dr Alaa al Najjar received the bodies of her nine children at the hospital where she works. An Israeli occupation air strike hit her family home in the Qizan al Najjar area of Khan Younis while she was on duty at Nasser Medical Complex.

The children arrived at the hospital burned and in pieces. Her husband, Dr Hamdi al Najjar, and one of their children survived the initial blast but are in critical condition. Colleagues described how Dr al Najjar collapsed in agony as she realised the victims were her own children.

(...)

em: Palestinian doctor receives bodies of her nine children after Israeli occupation strike on Khan Younis home


segunda-feira, maio 26, 2025

Em dia de final da Taça, bolonhesa encarnada para os sportinguistas.
Isto depois de, na véspera, sandwiches de feijoada para os benfiquistas
[Receitas incluídas]

 


No sábado fiz feijoada para o almoço. Deve haver mil maneiras de a fazer mas eu faço uma versão soft. Assim: num tacho, refogo ao de leve uma mega cebola. Depois junto um repolho (será que o nome correcto é couve-lombarda?), uns dentes de sal, salsa e coentros, uma folha de louro, um pouco de água, um little bit de sal e deixo cozer. Quero que a couve fique bem cozinhada para ser bem digerida. Quando está macia, junto carne de porco e vaca picadas. Deixo cozinhar um pouco. Juntei uma rodela de chouriço de carne apenas para dar alguma graça. Juntei depois um frasco de feijão encarnado cozido, com o caldo, e deixei que cozinhasse tudo junto durante uns minutos. Ficou bem saborosa. Pelo menos, nós gostámos.

Depois, quando estava quase tudo pronto, lembrei-me que parece que costuma haver arroz a acompanhar. Fiz simples, juntando apenas um pouco de salsa e coentros e uma folha de louro. 

O pessoal tinha dito que não viriam no sábado mas, ao princípio da tarde, a ala benfiquista disse que passaria por cá daí a pouco. 

Quando os mais novos disseram que estavam com fome, à falta de um lanche previamente estruturado, servi bolinhas de Rio Maior com feijoada. Antes aqueci levemente o pão; depois coloquei umas colheradas de feijoada, que ainda estava morna, em cada bolinha. Gostaram. E eu fiquei contente por terem gostado.


Este domingo, a ala benfiquista foi assistir ao jogo no Jamor. Mas a ala sportinguista, tirando o menino mais crescido que ficou a ver o jogo com amigos, veio cá ver o futebol com o sportinguista-mor.

Fiz bolonhesa que é coisa que sempre agrada. Embora banal, como também há mil maneiras de a fazer, conto como eu faço a minha.

Numa frigideira grande, ponho azeite, muitos dentes de alho, folhas de louro, um ramo de alecrim, e quando os alhos estão alourados, junto a carne picada (do mesmo lote do lote que usei para a feijoada, isto é, carne de porco e carne de vaca que, no talho, peço para picarem e misturar) e um pouco de sal. Deixo estar sempre no máximo e vou mexendo e virando a carne para fritar, isto é, para não cozer. Depois desligo.

Antes disso, num tacho coloco azeite, duas cebolas grandes aos bocados. Depois de refogar um pouco, juntei quatro tomates chucha bem maduros, cinco cenouras grandes aos bocados, um bom ramo de salsa e um pouco de sal. Tapo e deixo cozinhar até a cenoura estar cozida. 
Depois, com a varinha mágica, trituro até ficar um molho de tomate bem macio. Não fica nada ácido pois a o doce da cenoura corta a acidez. Fica, isso sim, um shot de vitamínico.

Num tacho grande, coloco água a ferver com sal e massa fresca, agora não me lembro o nome, é daquelas fitas largas com ovo. Pouca gordura, pouco sal. Coze durante uns cinco a sete minutos. Desligo. Escorro a água. Uma parte da água, pouca, junto ao tacho do tomate. Uma parte, ainda menos, junto à carne. A água de cozer a massa engrossa os molhos, dá-lhes uma boa textura. O resto da água foi fora. Mas ainda ficou uma parte do tacho. Temperei com azeite e salpiquei com orégãos.

Volto, então, ao tacho do molho de tomate. Com a varinha mágica, trituro até ficar um molho de tomate bem macio. Não fica nada ácido pois a o doce da cenoura corta a acidez. Fica, isso sim, um shot de vitamínico.

Servimo-nos em separado: a massa, depois a carne e, por cima ou ao lado, conchas de molho de tomate. Há queijo ralado para polvilhar.


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À tarde, cá em casa, claro que os sportinguistas começaram por sofrer para, por fim, deliraram. No Jamor, claro que os benfiquistas se entusiasmaram e depois sofreram. 

Como é bom de ver, nos poucos minutos que aqui estive, como sempre não consegui concentrar-me e estava para ser penalti e eu nem isso percebi. Gosto de ver as emoções de quem vibra e consigo colocar-me no lugar deles. Mas mais do que isso só consigo mesmo quando são jogos da Selecção em campeonatos importantes, como no Europeu ou no Mundial.

O meu marido, com tudo isto, nem assimilou o que comeu. Depois de ter almoçado e jantado bem, há bocado, ao ver um anúncio às bolachas Oreo, disse que estava cheio de fome e que até bolachas oreo marchavam se as tivesse, que parece que lhe apetecia qualquer coisa doce. Ele que nunca come bolachas e que poucos doces come... Antes de ir para a cama, ouvi-o na cozinha. Deve ter ido comer qualquer coisa, não faço ideia de quê. Não há bolachas nem bolos. 

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Os painéis de azulejos não têm a ver com o texto. Têm apenas a ver com o meu gosto por azulejos.

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Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira

domingo, maio 25, 2025

Modo de pausa

 


Depois de ter esperneado com o resultado das eleições, ter espremido os neurónios tentando pôr em equação o ensarilhamento em que estamos metidos, depois de ter lido mil opiniões e ouvido cinquenta mil sapientes veredictos, o que tenho a dizer é o mesmo que sempre fiz em situações de berbicacho: bola para a frente porque para a frente é que é caminho.

Enquanto muitos dos meus colegas adoravam enfronhar-se em cansativos meas culpas ou em intermináveis sessões de lições aprendidas, eu sempre fui mais de me reunir rapidamente com quem tinha alguma coisa de inteligente a dizer (opiniões de burros ou de papagaios dispenso), tirar meia dúzia de conclusões, com essas conclusões e mais o que há pela frente traçar um caminho e... bora lá antes que se faça tarde.

Portanto, por mim já chega de andar a tentar a pisar e a repisar sobre o mesmo assunto.

É certo que continuo a achar que o Montenegro é um chico-esperto e que, nos 11 meses em que governou, não fez nada de jeito -- e o que pareceu melhorzinho foi a continuação do que vinha do anterior governo ou a distribuição de ma$$a, pois tinha folga (herdada) e sabia que as eleições estavam ao virar da esquina. Mas, enquanto a Spinunviva ou outras argoladas do género não o derrubarem, só espero é que faça aquilo para que foi eleito.

Quanto ao PS, sempre disse que achava que o Pedro Nuno Santos não era a pessoa certa para suceder a António Costa. O PS pela mão de Pedro Nuno Santos quase me levou a não votar no PS. Pedro Nuno Santos foi um erro de casting, como os resultados eleitorais mais do que demonstraram. 

Na altura, pareceu-me que José Luís Carneiro seria a pessoa certa. Mas, na altura, o Chega ainda gatinhava. Agora, os do Chega já andam em duas patas e já convenceram milhão e tal de pessoas que são os melhores para governar o País. Orwell cheirou-os a léguas (a eles e a todos os outros que têm feito o mesmo percurso). Não sei se, para a presente circunstância, José Luís Carneiro tem o carisma, o punch e a visão para levantar o PS e, ao mesmo tempo, para atirar o Chega ao tapete. Não estou a querer dizer que acho que não. Estou apenas a dizer o que disse, que não sei. Não o conheço suficientemente bem. Mas espero que sim. Espero bem que sim.

Face a este panorama, se eu fosse o Marcelo o que faria, antes de mais, em paralelo com as conversas oficiais com os partidos e off the record, seria chamar os directores de informação dos diferentes meios de comunicação social para os desafiar a fazerem um pacto (de regime) para que parem de andar atrás do Ventura. O Chega é o Ventura. E o Ventura é um demagogo, sem ética, sem vergonha. Mas é também um excelente comunicador. Criativo e bom comunicador. Consegue lançar ossos para a praça pública a toda a hora, mobilizando a agenda dos media. Só que os canais de televisão -- ou de rádio ou os jornais -- não são cães para irem atrás de qualquer osso, pois não? Se a Comunicação Social deixar de dar palco ao Ventura, o Chega esvazia-se. Provavelmente deveria ser a ERC a ter um papel pedagógico junto da Comunicação Social. Mas a ideia que tenho é que a ERC não risca, não serve para nada. Portanto, penso que deve ser o Marcelo (que tem muitas culpas no cartório em toda a instabilidade que atravessamos) a atravessar-se.

Identicamente, alguém deveria andar em cima das redes sociais dos partidos, em especial do Ventura e do Chega. Contas falsas devem ser denunciadas. Incitamentos ao ódio ou insultos devem ser denunciados. Há mecanismos legais para lidar com tudo. Não deve haver complacência.

Tirando isso, penso que, com toda a humildade, deve tentar validar-se se as percepções de tanta gente estão erradas ou se, pelo contrário, são legítimas. 

Dou alguns exemplos:

Como são atribuídos os subsídios? Como é que isso é auditado para verificar se não há abusos? Há gente que não faz nenhum e que vive, ao após ano, à pála de subsídios?

Há mesmo milhares e milhares de imigrantes que não trabalham e que recebem subsídios? 

Há mecanismos para acolher e integrar os imigrantes, em especial os que não falam português? 

E, pelo que se tem visto em algumas reportagens, os abusos que se têm detectado no SNS são altamente lesivos das contas públicas e, também pelo que tem visto, os processos administrativos, para além de permitirem toda a espécie de abusos, são manuais, precários e não há auditorias. Será que isto acontece generalizadamente? 

Tenho lido que em Portugal há mais médicos por habitante do que na maioria dos outros países. E, no entanto, há muitos milhares de pessoas sem médicos de família, é preciso esperar muitos meses por uma consulta banal (e sobre as de especialidade acho que ainda é pior). Parece que há sempre falta de dinheiro. E, no entanto, na volta o que há é dinheiro a mais, esbanjamento, aproveitamento, muita ausência de gestão, muito regabofe. Tenho defendido que a gestão de hospitais deve ser entregue a gestores profissionais. Não a médicos, não a gentinha dos partidos. Hospitais que gerem orçamentos de milhões têm que ser entregues a gestores competentes e profissionais. Numa altura em que a Saúde está tão mal, com Urgências fechadas, com tantos atrasos, se entregassem a gestão a profissionais não apenas se poupariam muitos milhões como os serviços melhorariam rapidamente. Se as pessoas começarem a ver 'saneamento' de gastos abusivos e melhoria no atendimento com certeza o paleio populista será esvaziado.

Quanto à habitação, também é preciso arranjar soluções urgentes: aproveitem edifícios públicos, adaptem-nos, alojem o máximo de pessoas. Rapidamente. Com assertividade. Com pouco paleio. E favoreça-se e apoie-se o ressurgimento de cooperativas de habitação. Apareçam com soluções concretas, rápidas, bem articuladas, bem acompanhadas, bem divulgadas. Esvazie-se o populismo.

Já disse e repito-me: é tempo de juntar esforços contra o populismo. E, enquanto a legislatura for avançando, o PS terá tempo para se reorganizar. Ou haverá tempo para aparecer um novo partido (caso o PS não consiga livrar-se do anquilosamento aparelhista, não consiga regenerar-se assimilando com inteligência o ar do tempo).

Mas, dito isto, agora vou continuar na mesma onda em que tenho estado nestes últimos dias: a ler, a curtir, regando, cozinhando, caminhando, estando em família, na boa. Agora nem tenho escrito. Tem-me apetecido descansar, estar em modo de pausa.

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Desejo-vos um belo dia de domingo

sábado, maio 24, 2025

Sebastião Salgado libertou-se das frágeis amarras da vida mas o o seu imenso e belo legado será eterno

 

As fotografias que fez desnecessitavam de cor. A luz moldava-se em gradações de preto e de branco. A humanidade do que ele retratava não precisava de mais pois o seu olhar que a lente intermediava transportava a vida inteira.

Todas as geografias, todas as raças, todas as paisagens ganhavam majestade quando vistas por ele. A dignidade de todos e de tudo tornava-se transcendente.

Foi ao fim do mundo, ao fundo dos poços, ao cimo das árvores, misturou-se com animais, com gente, captou a alma, o movimento, a perplexidade, o esforço, a dureza das condições de sobrevivência, o sorriso mais puro. 

Não sei se há outro fotógrafo assim.

Mas o seu legado não se cinge à fotografia. A transformação que ele e a sua mulher operaram em montes e vales antes inférteis e agora verdejantes, plenos de vida, em que a água corre, é igualmente memorável. 

Não há pessoas eternas por geniais que sejam. Somos todos pouco mais que ínfimas partículas neste universo  desconhecido. Mas algumas para sempre cintilarão como abençoados pontos de luz.

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Casal planta 2,7 milhões de árvores em uma área degradada e a transforma em uma incrível floresta

Em 1994, Sebastião Salgado, um dos mais conhecidos e premiados fotógrafos do mundo, resolveu dar um tempo do trabalho após um traumático episódio pelo qual retratava tragédias humanitárias em Ruanda, na África.

Ao retornar à fazenda da família em Aimorés/MG, percebeu que sua casa havia se transformado em um lugar desprovido de qualquer vida selvagem e só havia 0,5% de área coberta por árvores.

Naquele momento sua esposa, Lélia Wanick Salgado, o acompanhava em uma visita à propriedade, onde Sebastião passou boa parte da sua infância. A arquiteta olhou para aquela paisagem devastada e nasceu ali um projeto que traria verde e vida de volta àquelas terras.

Sebastião Salgado também enxergou essa nova paisagem e o projeto saiu do papel em 1998, quando o casal fundou o Instituto Terra. 

Desde então foram mais de 2.100 hectares de mata reflorestada pelo Instituto Terra, sendo 608,69 na Fazenda Bulcão, que se tornou uma Reserva Particular do Patrimonio Ambiental.

Somente na Fazenda Bulcão, o casal plantou mais de 2,7 milhões de árvores em uma área completamente degradada e a transformou em uma incrível floresta de Mata Atlantica.

Após mais de duas décadas de intensa dedicação, a floresta já abriga mais de 150 espécies de pássaros, quase 300 espécies de plantas, 33 espécies de mamíferos e 15 espécies de répteis e anfíbios.

O projeto também recuperou o fluxo hídrico da área, restaurou nascentes importantes para o balanceamento natural do espaço, além de ter melhorado a qualidade de vida de quem habita a região, através da revitalização do ar e de áreas de convívio ao ar livre.


sexta-feira, maio 23, 2025

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício

 

Dia de intervalo, de pausa, de descanso, de folga. Hoje não quero dissertar, pensar, reflectir, equacionar. Zero, por favor. 

Durante o dia quase não conversámos sobre o que se passou pois não gostamos de falar sobre percepções que não temos como fundamentar. Pelo contrário,  somos racionais, tendemos a ser analíticos, frequentemente assentamos os nossos raciocínios em números. Ora, no caso vertente, tudo o que aconteceu desafia a lógica, a razão, a objectividade. 

Ouvi, há pouco, no Eixo do Mal, o Luís Pedro Nunes dizer que em Rabo de Peixe, terra em que mais gente usufrui de subsídios de subsistência, ganhou o Chega, partido que faz campanha contra os subsídios. Ou seja, os subsidiados votaram em quer acabar-lhes com os subsídios.

E li que em pequenas aldeias em que grande parte da população emigrou, que estão meio desertificadas e sem mão de obra local e que sobrevivem graças aos imigrantes, votaram contra o Chega porque não gostam de imigrantes. Se calhar, preferiam viver em terras desertas, solitárias, sem trabalho, só com velhos à espera da morte. 

E o meu marido viu uma reportagem, numa vila piscatória, em que um homem dizia que, se não fossem os imigrantes, não arranjava gente para poder sair com os barcos e, ao mesmo tempo, que tinha votado no Chega porque estava farto dos imigrantes. Ouve-se isto e só podemos concluir que, para pessoas assim, a lógica é uma batata.

Portanto, num tal quadro de irracionalidade, mais vale pendurar os neurónios ao sol, a ver se arejam, se se vitaminam, e, ao mesmo tempo, dar tréguas ao que sobra da minha inteligência.

No entanto, deixem que junte ainda uma informação. No outro dia, a minha filha dizia que muita gente só tem contacto com a 'informação' -- e vamos pôr aspas e mais aspas a embrulhar a 'informação --, através das redes sociais. E, enquanto falávamos, disse: 'Deixa cá ver como é a presença deles no Instagram'. E lá está: branco é, a galinha o pôs. É que os números falam por si. André Ventura está em todas, gera conteúdo, dá tração ao algoritmo, e, como resultado, tem 581.000 seguidores. Os outros estão a milhas. Por exemplo, Luís Montenegro tem apenas 59.900 seguidores. Pedro Nuno Santos ainda menos, 40.500 seguidores. 

Uma investigação, creio que da CNN, que contratou uma empresa israelita especialista nestas coisas, divulgou que no X, ex-Twitter, cerca de 50 % das contas que promovem o Chega e minam com comentários negativos o PS e o PSD são falsas. Mas, entre falsidades e verdades, o que se pode concluir é que se as televisões andam permanentemente com o Ventura ao colo, nas redes sociais são as vozes dos apoiantes do Chega, sejam eles verdadeiros ou falsos, que se fazem ouvir. E quem não aparece esquece. 

Mas, retomando a minha trégua, antes que os meus fusíveis se queimem todos a tentar encontrar uma solução para isto, hoje resolvi que era holiday. Tenho esperança que, depois da borrasca, venha a bonança e é com essa esperança (uma esperança abstracta e congénita) que vou ter que me alimentar.

E, nesse comprimento de onda, viro-me para as leituras. Como sempre, navego em águas marginais. 

Só o que é diferente satisfaz a minha necessidade de alimento intelectual ou estético. O meu prazer na leitura é encontrar o que me deixe a pensar, o que me divirta ou me enterneça, o que me faça pensar: 'olha, está bem visto', o que me interrompa porque está tão bem escrito que me apeteça fazer uma vénia.

Agora são estes:

Uma última pergunta - Entrevistas com Mário Cesariny (organização, introdução e notas de Laura Mateus Fonseca com um belo prefácio de Bernardo Pinto de Almeida)

A longa estrada de areias - Pier Paolo Pasolini

Hojoki - reflexões da minha cabana - Kamo No Chomei

Tenho constatado, no Instagram (where else?), que há muitos clubes de leituras. Vejo que as pessoas se juntam para comentar o que leem. Mas o que vejo é que comentam livros banais. E, de certa forma, compreendo-as. É que estes livros que estou a ler, por exemplo, seriam diminuídos se um conjunto de pessoas se pusesse a dizer banalidades sobre eles. Mesmo que não fossem banalidades... É que são livros para a gente ler com vagar, apreciar, quando muito ler uns trechos para outra pessoa ouvir também. Mas é para a gente sentir prazer com eles. Só isso. Não é para explicar, descodificar, perceber. Não, não.   

Enfim. Que sei eu? Se calhar sou eu que sou atípica, bissexta, escalena, um número primo, uma letra de um abecedário ainda por desenhar. 

Termino transcrevendo uns versos de Pastelaria, do Cesariny

(...)

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

(...)

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mas vou ainda catrapiscar melhor para depois repiscar um pouco mais (talvez até abusivamente, não é...?), deixando agora apenas o que me dá jeito:

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício

Que afinal o que importa é não ter medo

Que afinal o que importa é rir
de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta

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 E hoje o que me apetece ouvir (e ver) é isto:

Bruce Springsteen - Dancing In the Dark


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Boa sexta-feira