Quem a conhece diz que é simpática, simples, afável. Sei de quem, numa situação em que é usual obter tratamento de privilégio para algumas pessoas, lhe sugeriu isso e ela não o quis, optando por ficar em situação de igualdade no meio de pessoas que, certamente, nem terão reparado que era a 'princesa' que ali estava. Não sei se isto diz alguma coisa sobre ela para além disto mesmo -- mas fica o apontamento.
Sei também de um ou outro caso, e um deles é público. A equipa de gestão que escolheu fez razia. E, no entanto, sabendo-se o que se sabe, não se pode dizer que a razia não estivesse mesmo a pedir para ser feita.
Sei também de quem disse, ao falar-me de um certo lugar de Luanda: um condomínio de luxo, fantástico -- da Isabel, claro.
Sabe-se também como todos queriam usufruir do dinheiro dela. Portugal em crise, endividado até à medula, a economia em seca severa depois da liquidez circulante se ter escoado. Um dia, eu própria sugeri: 'E porque não apostarmos também para Angola? Dinheiro é o que não falta, contactos com ela também não. Ela quer investir, ela quer parceiros idóneos, ela quer ganhar credibilidade. Porque não?' Obtive um liminar não!: 'É nossa política não nos metermos em esquemas'. Contrapus: 'E será que ainda é assim? Ocidentalizada e moderna como é, será que é de esquemas?'. Do outro lado um sorriso: 'Ali tudo funciona com base em esquemas'. Nunca mais toquei no assunto pois os sinais iam chegando de que assim era.
Um dia, uma outra pessoa contou-me: 'Para um casamento da família, um avião fretado só para levar flores da Holanda'. E descreveu como foi. E uma pessoa, ao ir ouvindo, vai-se torcendo. Não era ela mas alguém próximo. Mas nem era isso, em particular: era, isso sim, o modo de vida da entourage. Luxo. Dinheiro. A rodos. Um excesso mas um excesso que custa mais a encarar de frente quanto se sabe da pobreza da população, quando se sabe da perseguição a quem denuncia, a quem se opõe.
É certo que dinheiro gera dinheiro. Os melhores consultores, os melhores advogados, as oportunidades sabidas em primeira mão. Sempre assim foi, sempre assim será: dinheiro gera dinheiro.
Mas eu falo do que sei e o que sei é pouco, é nada, e embora seja fácil admitir que talvez tenha mesmo usufruido de facilidades e de facilitismos, nada sei em concreto do que se passou ou de como se passou. Não parece difícil acreditar no desvio para paraísos fiscais mas deve falar-se do que se sabe e do que se tem como provar. Ou isso ou optimização fiscal. É o que os bons fiscalistas fazem: explicar, a preço de ouro, como é. Ou parquear acções aqui ou acolá, parquear a fortuna aqui e a dívida ali, gerir a política de dividendos com inteligência, umas vezes com ousadia, outras com pinças. É este o mundo dos grandes investidores, dos grandes empresários.
Claro que há os que têm a ética e a consciência social no seu ADN e há os que almejam lá chegar, um dia. Para todos, a sustentabilidade já é palavra de ouro, uns porque sim, porque sempre lhes foi conceito caro, outros porque é moda e querem estar updated, estar naquele ponto a que se chama state of the art. Não é fácil, para quem não está por dentro, distinguir com exactidão os que são e os wanna be.
Quando uma empresa consulta fornecedores, consultores, advogados ou quer fazer parcerias e tudo vem bem sustentado, as contas estão auditadas, não há risco de crédito, tudo está em ordem, é normal responder e estabelecer parcerias. Não se vai investigar a pureza de intenções nem se tem como investigar a origem do dinheiro. Portanto, é bom que os jornalistas -- que pouco sabem disto -- ou a malta que pulula nas redes sociais não desatem a fazer juízos primários ou numa absurda caça às bruxas como se todas as empresas que têm ou tiveram alguma interacção com a 'princesa' fossem corruptos ou, pelo menos, esquemáticos. Ou seja, haja alguma ponderação e inteligência: não falem do que não sabem nem saiam a disparar para todos os lados.
Não estou a defendê-la, longe disso. Se desviou dinheiro público para contas privadas em offshores, se usurpou benefícios indevidos ou coisa do género, isso é uma coisa e é bom que a justiça investigue a fundo e, de forma célere, isenta e eficaz, faça o seu papel. Outra coisa é andar a malta de faca afiada porque a mulher é rica ou filha do Dos Santos -- como se isso, só por si, fosse crime.
E outra coisa: sobre empresas de diamantes ou imobiliárias ou resorts de luxo no Brasil ou em Luanda ou onde seja ou outras empresas não me pronuncio. Não tenho qualquer informação para além do que se vai lendo. Agora sobre as empresas em Portugal ou outras que tenham participação em empresas relevantes em Portugal, aí já me preocupo. Não nos esqueçamos que isto que se está a passar causa danos reputacionais nas empresas em que Isabel dos Santos tem participação. E os danos reputacionais por vezes matam as empresas. Antes de pensarmos apenas no facto de ela ser, directa ou indirectamente, accionista, pensemos nas pessoas que lá trabalham e que não têm nada a ver com isso, pensemos nas suas famílias, nos fornecedores e clientes dessas empresas. Milhares de pessoas. Não matemos empresas com a mesma leviandade com que o Passos Coelho resolveu matar o Grupo Espírito Santo.
Finalmente: uma vez mais o Banco de Portugal parece ter demonstrado que é um peso morto, uma mão cheia de nada. Em relação às operações num banco conotado com ela (e, mais do que conotado, diga-se) o Banco de Portugal, não viu, não desconfiou, não previu, não monitorizou...? Nada..? Dizem que não. E isso é assustador. Aparentemente não serve para nada. Não policia coisa alguma. Um regulador de luxo que, aparentemente, não serve para nada.
Algum dos senhores jornalistas que gosta de andar atrás de frioleiras já alguma vez olhou para o orçamento do Banco Portugal? Algum dos senhores comentadores que enxameia as televisões já fez o deve o haver do Banco de Portugal para ver se ficamos a ganhar alguma coisa com a sua existência? Tenho cá para mim que haveria de ser giro.
Mas, claro, a incompetência e a inutilidade do Banco de Portugal não desculpam nem atenuam os crimes de Isabel dos Santos -- a ser provado que existiram, claro.
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As ilustrações que representam Isabel dos Santos foram obtidas na net sem que tenha conseguido descobrir a sua autoria
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