Mostrar mensagens com a etiqueta cartazes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cartazes. Mostrar todas as mensagens

sábado, novembro 12, 2022

Kherson e o tudo o mais que dificilmente compreendo

 


Há muitos assuntos relevantes, cada um em seu patamar. E eu não sei bem em que patamar hoje quero estar. E este 'querer' não tem a ver com afinidade mas com capacidade. Poderia até ter vontade de me abeirar de vários. Mas sei que não iria conseguir. 

Longe vão os tempos em que ficava bem com meia dúzia de horas de sono e, se falo em meia dúzia, até estou a pecar por excesso. Não há muito ia pelo menos uma vez por mês passar o dia em reuniões nas instalações da empresa a norte. Levantava-me às cinco e tal, saía de casa às seis depois de me ter deitado à uma ou duas. E, muitas vezes, com receio de não acordar com o despertador, quase não conseguia pregar olho nas escassas horas de cama. E, no entanto, estava fresca e aguentava um dia inteiro de reuniões, coffee breaks, almoço, viagens. Chegava a casa tarde, voltava a deitar-me tarde e no dia seguinte já estava fresca e a pé às sete e tal e pronta para outro dia.

Agora já não é bem assim. Nos últimos meses passei duas noites no hospital com a minha mãe (felizmente, saindo ela de lá bem) e, em ambos os casos, longas horas a pé (prefiro estar cá fora a andar de um lado para o outro do que estar no meio da apinhada sala de espera). E fiquei francamente cansada. Comparando com a minha resistência dos tempos dos esticões aquando das idas do meu pai às urgências não há comparação. Agora o meu corpo vai-se mais abaixo. Fico a sentir-me quase de gatas.

Ou seja, sinto necessidade de descansar, tenho vontade de ficar a dormir até mais tarde. 

E, por isso, chego a esta hora ou ao fim da semana e sinto que me falta a energia para falar de muitos assuntos. 

- As alterações climáticas e a nossa cultura e a nossa organização enquanto sociedade que nos leva a fazer uma vida assente no consumo de produtos produzidos a milhas, em viagens de avião a preço de uva mijona, em espaços industriais ou de serviços que se situam longe das zonas residenciais, em hábitos que são pouco saudáveis -- seria um dos temas em que hoje gostaria de falar sobretudo porque não vejo que estejamos colectivamente conscientes da inflexão que tem que ser feita, sobretudo porque não estou a perceber bem o rumo que isto está a levar.

- O Twitter, essa plataforma que meio mundo utiliza, nomeadamente políticos, empresários e tutti quanti foi tomada de assalto por um maluco encartado que despediu uns milhares e depois disse que os ia readmitir, depois que ia cobrar a certificação das contas verdadeiras e que ia fazer e depois desfazer,  montes de ideias ideias peregrinas, agora, perante a debandada geral, está nas bocas do mundo pelo risco de falência -- e esse seria outro dos temas sobre o qual também gostaria de falar. 

[A day of chaos brings Twitter closer to the brink]

[Two weeks after Elon Musk completed his acquisition of Twitter, the future of the company has never looked less certain. In the past week alone, one of the world’s most influential social networks has laid off half its workforce; alienated powerful advertisers; blown up key aspects of its product, then repeatedly launched and un-launched other features aimed at compensating for it; and witnessed an exodus of senior executives]

Sobretudo porque há em tudo isto muita coisa que não percebo, a começar naquilo que, pelos vistos, não oferece dúvidas aos milhões que tuitam. 

- Claro que também me apeteceria falar dos milhares de despedimentos do Facebook/Instagram e do que um dia aí virá para desgosto de quem se viciou na exposição pública da vida privada. Sobretudo porque um dia será muito claro que, para além dos fenómenos de adição ou de depressão, estas plataformas são um risco real para a democracia.

- Marcelo e as gaffes diárias (ou será horárias?) e a sua compulsiva necessidade de comentar tudo, seja de que natureza for, a qualquer hora, em qualquer contexto levando aos seus cada vez mais frequentes excessos, enganos, tons inapropriados, palavras deslocadas e/ou escusadas, tiradas infelizes, ideias trocadas e gatadas -- seria outro tema a que gostaria de deitar mão, em especial num dia em que, uma vez mais, se saiu com uma que logo mereceu reparos, correcções e sorrisos. Sobretudo não percebo se o senhor não está bem de vez ou se é achaque passageiro.

- Ou Matt Hancock, o bacano ex-ministro da Saúde inglês, demitido depois de ser apanhado abraçado e a apalpar o rabo a uma colega numa altura em que o distanciamento era obrigatório, e agora deputado, que está agora a participar num reality show, deixando os ingleses divertidíssimos e os conservadores em estado de rebuçado -- e disso eu apetecia-me mesmo falar. Sobretudo porque não percebo bem qual a dele e porque, para dizer a verdade, gostava de ver como reagiríamos se um qualquer nosso ex ministro e ainda deputado se metesse numa destas, a comer insectos e a conviver com cobras.

- E tantos mais temas... 

Mas não dá. O corpo está a pedir-me caminha.

Contudo, ainda assim, para que a vossa visita a esta vossa casa não seja completamente em vão, vou tentar falar de Kherson. Um bocadinho, que não dá para mais. E falo contente, claro. Como não...? Claro que fico contente. As imagens de felicidade dos ucranianos, a jovem a tocar violino na curva da estrada... Claro que tenho que me sentir contente. São momentos épicos.

Desde o dia um, quando -- petrificada e revoltada -- caí na real e constatei que a Rússia tinha mesmo invadido a Ucrânia, tive para mim que Putin não estava apenas a assassinar muitos inocentes e a arrasar um país, estava também a cavar a sua própria sepultura. 

Putin manda destruir prédios, pontes, escolas, teatros, hospitais, manda chacinar uma população e eu olho para o que a comunicação social mostra e o que vejo é a derrocada do regime corrupto e ditatorial de Putin, o que vejo é um perdedor, um desgraçado. E vejo também a incrível força anímica do povo ucraniano, um povo necessariamente vitorioso. 

Contudo, o que se passou com Kherson é qualquer coisa que não entendo bem. É uma vitória ucraniana, certamente. Mas se isso corresponder ao que parece, uma pesada e humilhante derrota russa, a situação será ainda mais caricata. Custa-me a crer que as forças do Kremlin sejam tão nabas e estejam tão desgovernadas como parece porque, se o que está a acontecer é mesmo o que se vê, então tudo isto será mesmo fruto de um delírio absurdo de um homem maluco e de uns quantos cobardes que vivem à sua sombra. No terreno, no dito teatro de guerra, o que parece é que tudo não passa de bandos de patifes deixados à solta, de bandidos descomandados, violadores, ladrões, esfomeados, ou simplesmente jovens espantados e desnorteados, sem uma estratégia que os guie. E, se assim é, como se explica que o mundo assista estarrecido a este circo bárbaro sem ser capaz de impedir o assassino de prosseguir?

A partir daqui, será que é a isto que se vai assistir: debandada geral dos russos, deixando tudo para trás, maquinaria, munições (para além de rastos de barbaridade)? Um dia, mais cedo do que pensamos, acordaremos com a notícia do fim do regime de Putin? Acordaremos, em breve, felizes com a notícia de paz na Ucrânia?

Ou isto não é exactamente o que parece...? Poderemos ainda ser surpreendidos com alguma outra cartada de violência e destruição?

Que Putin vai ser apeado e que a Ucrânia sairá vitoriosa e será reconstruída e será um dos mais felizes países europeus disso não tenho dúvida. O que não sei é se será em breve ou se, até lá, ainda muito mais sofrimento vai acontecer. Isto de Khersen deixa-me um bocado confundida. 

____________________________________________

Ilustrações, de novo, de Pawel Kuczynski na companhia de Nicolas Altstaedt que interpreta Bach/ Cello Suite nr. 1 in G – Sarabande

____________________________________________

Um bom sábado

Saúde. Tudo de bom. Paz.

sábado, maio 21, 2022

No fim de mais um dia daqueles, apesar da noite não estar estrelada foi-me oferecido de bandeja um grande discurso

 


Por razões que não vêm ao caso tenho dormido muito pouco. Por umas razões ou por outras, tenho sido forçada a acordar cedo demais, não conseguindo dormir os mínimos dos mínimos. E se antes encaixava bem noites seguidas com poucas horas de sono agora já me custa.

Acresce que os dias têm sido longos demais. Longos, cansativos, stressantes. Esta sexta, por exemplo, começou cedo com um telefonema complicado. Acabou o telefonema e fiquei incomodada. Tentei digerir mas não descia. Liguei de volta para dizer de minha justiça. Não consigo processar incómodos sem soltar os cachorros. Está-me na massa do sangue. E foi uma hora de discussão acesa. Há momentos em que há que encontrar o devido equilíbrio entre ser-se contemporizadora e ter a mão pesada. Eu tendo para a mão pesada pois não creio que faça sentido ser de outra maneira para quem não é leal nem se esforça por ser competente. Ele acha que é preferível tê-los por perto do que afugentá-los e deixá-los à solta a fazer não se sabe o quê. Mas estou cansada e sem paciência para paninhos quentes, para jogos de espelhos.

Mas, enfim, é o que é. 

Por vezes penso na dificuldade que tenho quando os miúdos me perguntam: 'Mas fazes exactamente o quê?'

O que faço é isto. Tomar decisões que nem sempre agradam a todos, questionar quem preferia não ser questionado, não satisfazer as vontades de todos, puxar por quem preferia estar quieto, mandar estar quieto a quem faz o que não deve, tentar que se entendam alguns que não podem nem ver-se. Coisas assim.

Por isso, chego a esta hora e estou off ou quase. 

Hoje, depois de almoço, não tendo nenhuma reunião agendada para a próxima hora, reclinei-me. E adormeci instantaneamente. Infelizmente logo tocou o telefone. Há bocado, aqui no sofá, estava a ver as notícias quando senti que não aguentava. Encostei a cabeça para trás e pimba. Não estaria completamente anestesiada pois estava a ouvir vozes familiares. Mas não conseguia processar a quem pertenciam nem abrir os olhos para tentar esclarecer. Só passado um bocado consegui sentar-me melhor e ver o que se passava. O Masterchef Australia. Não sabia que estava a dar nem faço ideia em que episódio vai. Pena não ter acompanhado de início.

Agora, mais ou menos acordada, estou a ver o Pantanal. Não vi da primeira vez, não sei porquê. Fui ver quando foi e vi que foi em 1990. Eram os meus filhos pequenos. Desses tempos lembro-me é da minha labuta para acompanhá-los o melhor possível apesar do tanto trabalho que tinha, apesar das filas de trânsito, apesar da labuta que me trazia numa correria. Provavelmente à noite, depois de os pôr a dormir, depois de arrumar a casa e preparar as coisas para o dia seguinte, já não me sobrava tempo para telenovelas. Se calhar só para ler um bocado. Não sei.

Antes de jantar, fui dar uma volta no jardim. Agora nem isso tenho podido. Reparei que uns vasos estavam quase secos. Não sei como fui esquecer-me de os regar. Deu-me uma inquietação de verdade. Uns arbustos que escolhi e plantei e tratei com tanto cuidado e fui esquecer-me de os regar. Parece que estava fiada nas pingas de chuva que de vez em quando haveriam de cair. Mas tem estado tanto calor e chuva nenhuma. Fui logo a correr encher o regador, uma e outra vez. Mas não sei. Nem quero pensar. Olhava para os pequenos arbustos, antes tão viçosos e agora ressequidos, uns se calhar já sem recuperação. Como foi isto de me esquecer...?

O tempo não me chega para todas as obrigações. Mas regar os vasos é daquelas que não podia ter-me esquecido -- e esqueci.

----------------------------------------------------------------------------------------------

Estive há pouco a ver o que o YouTube tinha para me sugerir e só posso tirar o chapéu às mentes brilhantes que concebem o algoritmo que o movimenta. Já é inteligência artificial (IA) e eu, que tanto me preocupo com os riscos da IA neste mundo ainda tão desregulado no que a isto diz respeito, afinal sou consumidora de produtos que me são dados a comer por um algoritmo. Ele mostra-me o que 'acha' que eu gosto e não me mostra o que 'acha' que eu não gosto. E acerta bastante no que eu gosto. Mas não sei se, mesmo que na melhor das boas intenções, a de me agradar, não me oculta muito do que se calhar eu gostaria de conhecer. Mas, enfim, é um produto que uso gratuitamente e, por isso, não posso esquecer-me de que quando consumo um produto que não pago é porque o produto sou eu. Portanto, adiante.

Estava eu dizendo que estava a ver o youtube e apareceu-me um excerto do fantástico O Grande Ditador. Como o que é bom é para ser partilhado, aqui o deixo convosco.

Charles Chaplin - O Grande Ditador - Discurso final

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Ilustrações de Alireza Karimi Moghaddam (que vive em Lisboa) sobre a vida e obra de Vincent van Gogh 

na companhia de Don McLean com Vincent (Starry Starry Night)

------------------------------------------------------------------------------------------------

Desejo-vos um bom sábado

Saúde. Alegria. Serenidade. Paz.

sábado, fevereiro 26, 2022

Ucrânia --> resistir (apesar do medo)
Resto do mundo civilizado --> unir esforços e apoiar a Ucrânia seja de que forma for

 

























Sem palavras. Mais cartoons aqui

___________________________________________________________________________

Força à Ucrânia e força a todos nós para que nos mantenhamos unidos no apoio à Ucrânia e nos esforços contra Putin.

quarta-feira, abril 15, 2020

Como e quando vai ser o day after?
[Reflexões enquanto curto a arte da quarentena]





Durante os primeiros tempos assisti, revoltada, preocupada, a uns tontos a não perceberem o que estava a acontecer. Gabavam-se que não tinham medo, gabavam-se de não fazer parte dos grupos de risco. Punham os outros em risco ao exibirem a sua marialvice que não era senão estupidez.

No espaço de dias foram ultrapassados pelos acontecimentos. Estão em casa, calados, sem saberem qual o seu espaço nestes tempos de confinamento, reduzidos à sua inutilidade. 

Entretanto, algumas pessoas conscientes, desde logo, assumiram várias linhas de conduta e aí animei-me: em primeiro lugar preservar a saúde das pessoas, em segundo lutar pelo rendimento que auferem, em terceiro -- ou ao mesmo tempo, sabe-se lá qual a real ordem dos factores quando a gente mergulha de cabeça na procura de uma solução -- aguentar a sustentabilidade das empresas, não interromper a cadeia de valor, não deixar de pagar a fornecedores. Meio mundo para casa em teletrabalho e, ao mesmo tempo, assumir mil cuidados para que quem tem que continuar a trabalhar o faça em segurança. Tem sido uma luta. Tudo se tem feito, tudo. E tem estado a correr menos mal.

Muita gente começa a adaptar-se. Outros continuam sem perceberem nada e sem conseguirem acompanhar o andamento das coisas. Mal nos lembramos deles. Hoje lembrei-me de um e lembrei-me para pensar que há que séculos que nada sabia dele, que há séculos que nem me lembrava dele, para constatar a pouca falta que faz.


Começa agora a pensar-se no retomar. E, uma vez mais, os que não perceberam antes, continuam a não perceber agora. Acham que se vai voltar para os mesmos lugares, nas mesmas condições. Não vai. Digo: não vai. Ficam calados. Se insisto, dizem: logo se vê. E eu percebo que é uma maneira de dizerem: não chateies. Mas não sou só eu, é meio mundo que diz o mesmo: não vai voltar a ser o mesmo.

E há que começar a pensar em como vai ser. É nisso que deveríamos estar concentrados. É que vai ser muito diferente. Nós vamos estar muito diferentes. Por isso, grandes mudanças devem ser encaradas.

Quem for inteligente, ajustar-se-á e saberá ficar bem, talvez melhor que antes. E este 'quem' não é apenas aplicado a pessoas, é também a empresas e organizações em geral. As empresas podem ser mais sustentáveis, melhores, melhores para os trabalhadores, melhores para o ambiente, para a economia em geral.

Pelo meio, perder-se-ão hábitos antigos. Mas ganhar-se-ão outros. O padrão de consumo vai mudar e pode ser que mude para melhor.
Contudo, vi uma fotografia da abertura da Hermès na China, depois do confinamento, e fiquei com dúvidas quanto à minha ideia: filas compactas na rua, muitas pessoas sem máscaras, uma loucura, tudo ávido de consumo, tudo a marimbar-se para o corona, tudo danado para matar saudade de écharpe, de gravata, de luxo. Olhei a fotografia e pensei: será que o bicho homem é burro mesmo, não aprende nem por mais uma? 

Mas sou crente. Não crente de dar beijo em cruz que alguém segure por mim mas crente de crer mesmo, no mais íntimo de mim, na capacidade de superação de que, por vezes, o bicho-homem é capaz. Desde que bem enquadrado, desde que com baias, sem ter muito por onde se espalhar, bem trabalhadinho, o bicho-homem é capaz de lutar pela sua sobrevivência e é capaz de criar belas obras de arte, belos feitos, belos actos de generosidade. Acredito nisso. E acredito na força da natureza. Cada vez mais, acredito na imensa sapiência da natureza. E acredito na omnisciência, omnipresença e omnipotência do tempo. O tempo e a natureza e uma carreiro apertado e bem vigiado na carneirada que é o bicho-homem e talvez a coisa vá.

Aqui no campo, com o tempo frio e chuva que deus a dá, só tenho os canais generalistas e o computador. Sou, pois, poupada a comentadores ou a notícias dadas e reprocessadas. São poucos os comentadores que vejo e, ainda assim, ou é gente de saber ou vai de asa. Por isso, apenas ao de leve me chegam ecos de gente ansiando pelo regresso. Não sei bem o que defendem nem me interessa. O que eu sei, mas sei por mim e sei pelo que vejo nos círculos em que me movo (agora, de forma virtual), é que, tirando os descerebrados do costume, o que há é muito cuidado. Em casa os que podem ficar em casa e, quase numa redoma e sob apertada monitorização, os que têm que sair para ir trabalhar no local de trabalho habitual. E muito agradecimento, muito, muito, muito, a todos os que se arriscam todos os dias. E que assim continue enquanto não existirem melhores informações ou tratamento ou vacina.

Claro que, no meio da desgraça que está a acontecer à economia, tenho a sorte de trabalhar num Grupo grande, que opera em áreas que, apesar de tudo, apresentam maior resiliência face a este embate. Mal, mal, está tudo o que tenha a ver com turismo, com restauração, com espectáculo, com pequenos estabelecimentos, com actividades individuais (por exemplo, como estará a aguentar-se o pequeno salão de cabeleireira de bairro, em que só há uma cabeleireira, a dona, onde vou quando o rei faz anos?; e como estarão a aguentar-se as empregadas de limpeza dos escritórios que estão fechados?; e será que todas as clientes de empregadas domésticas lhes pagam como se elas estivessem a trabalhar?; e será que faz sentido eu continuar a ter empregada doméstica se ficar em casa nos próximos meses, sei lá quantos? e os ATL? o que vai acontecer a todos os funcionários se, nos próximos tempos, os pais vão estar, na maior parte, em casa? etc. etc, etc). Muitas dúvidas, muitas armadilhas, muitas incógnitas.


Por isso, antes que se comecem a dizer coisas, deve é pôr-se os pés na terra e começar a imaginar o que vai ser o mundo daqui para a frente. E começar a encontrar soluções para os problemas que se forem identificando.

E as soluções devem passar por ter em consideração que novas necessidades vão nascendo -- e que vai haver um certo retorno ao interior, a outras formas de vida.

Mas lá está. Para que tudo isto se encarreire e se encarreire com o menor dolo possível é bom que haja baias, que o bicho-homem seja tocado para entrar nos caminhos certos.

E aqui entra a liderança necessária. Liderança política, antes de mais.

Até aqui António Costa tem estado bem: tem ouvido cientistas, tem ouvido economistas. Deve ouvir também sociológos, antropólogos, urbanistas. Deve criar grupos mistos de reflexão que contenham cientistas, artistas, economistas, engenheiros, arquitectos, agrónomos, consultores de estratégia com implantação internacional, etc. Mas deve pôr esta gente a pensar para produzir orientações estratégicas globais dentro de muito pouco tempo.

____________________________________________________________

Numa de #achatar a curva#, há quem transforme em arte a quarentena. As obras aqui expostas provêm de um lugar bem pensado. E a Joan Baez, interpretando Diamonds and Rust, faz sempre uma boa companhia.

E, para rematar, uma mescla de COW, Swan lake e Midsummer nights dream, obra do genial Ekman

______________________________________________________________________

E uma boa quarta-feira.

Dantes, quarta-feira era o dia em que se dobrava a semana. Agora as semanas são um contínuo. 

Mas que seja um dia bom, seja como for.

sábado, março 07, 2020

É simples: não toque na sua cara


Nas empresas sopesa-se o risco de alarme ou pânico pois ninguém quer que as pessoas desamparem a loja e, cheias de medo, se auto-isolem e quem vier a seguir que feche a porta e, ao mesmo tempo, o risco de contágio.

Tenta-se que se sigam os novos protocolos de cumprimentos, evitando o contacto físico, tenta-se que se lavem ou desinfectem as mãos o mais frequentemente possível, tenta-se não estar perto de quem esteja com tosse ou com espirros.

Mas, claro, nada disto, por vezes, é possível.

Por exemplo, se a gente não conhece uma pessoa e ela, ao ser-nos apresentada, vem direito a nós de mão estendida, não há outro remédio senão apertá-la. Se for colega, dizemos que dê um toque cotovelo-cotovelo mas, se não a conhecemos, há um mínimo de pudor que não nos deixa ficar a pessoa de mão no ar. E se, por exemplo, se a pessoa, durante a reunião, tosse e, educadamente, tosse para a mão, nós, que acabámos de conhecê-la, não vamos perguntar-lhe se ainda não aprendeu que se tosse para o braço. E se, no fim, vem direitinho a nós, com a mão infectada estendida, o que fazemos: perguntamos-lhe se ainda não aprendeu que, nas actuais circunstâncias, se devem evitar os apertos de mão, muito menos com a mão infestada? Não, né? Acabámos de conhecê-lo, não vamos indispô-lo, destratando-o como se o senhor fosse um mal educado ou um mastronço. Fazemos de conta que não há COVID-19 e a seguir vamos à casa de banho e lavamos bem a mão.

Mas eu, que tenho sido uma acérrima defensora de boas práticas -- e não é só por mim: é também porque não quero ser veículo de propagação --, dou por mim a passar o dedo pelas pálpebras superiores para atenuar o smoky ou a descansar o queixo, apoiando-o sobre a mão ou, pior, com comichão no nariz e, quanto mais penso que não devo coçar, mais comichão sinto e, mal me distraio, já foste, ou seja, já cocei. E quem diz isso diz outros gestos em que só dou por eles depois de os ter feito. Não é fácil. 

Mas, enfim, o que se admite é que a coisa está contida e, portanto, ainda não haverá muita bicheza por aí à solta.

Estava com algum receio de que esta sexta-feira pudessem aparecer uns dez ou doze casos novos levando o total de infectados para cerca de 20. Mas, felizmente, apenas apareceram novos 4 casos. Claro que ainda estamos no início pelo que ainda não há dados suficientes para traçar curvas de tendência. Pode acontecer que um dia destes acordemos com mais vinte, depois mais quarenta ou cinquenta. Mas, até ver, com os escassos dias que levamos disto, não dá para perspectivar nesse sentido. A dizer alguma coisa, o que posso dizer é que dá a ideia que, até ver, a coisa está relativamente controlada e que o contágio só está a acontecer por via quase tête-a-tête. Portanto, vamos esperar que toda a gente tenha os cuidados devidos e não seja inconsciente e irresponsável.


E para os que ainda não perceberam a situação e se armam em leões (e ainda hoje tive uma acesa troca de argumento com um assim), aqui fica uma entrevista com um epidemologista:


Mas, enfim, não é fácil. Basicamente é isto:


Mas é preciso tentar.

___________________________________________

Mais statements do ‘Dude With A Sign’ podem ser vistos aqui.

sábado, dezembro 21, 2019

Quase Natal na companhia da família e do Norman F***ing Rockwell




Estou completamente desconcentrada. A minha filha está sentada ao meu lado no sofá, a conversar, a mostrar-me cenas no computador e eu, apesar de querer escrever, não resisto a ver o que ela está a ver. Coisas fantásticas. Só visto, ninguém o diria.

Os meninos dormem e só espero que não nos acordem muito cedo. Presumo que não pois já são autónomos e, além disso, deixei-lhes uma tigela grande de papas de aveia, um frasco de mel, fruta. Quando me levantar logo preparo um segundo pequeno-almoço. Ou eu ou o avô. Vêm a contar comer torradas com azeite e tomate, ovos mexidos, queijo fresco. Faz parte do package.

Jantaram cá -- e se jantaram... nem percebo como conseguem comer tanto. Depois brincaram, jogaram à bola, levantaram pesos, depois cearam (leite, bolachas) e, finalmente, deu-lhes o sono.


Este sábado junta-se-nos o resto da turma. O pior é o mau tempo. Tanta gente fechada em casa com um bando de crianças cheias de energia e sem ter muito por onde gastá-la dá sempre granel e chinfrim. Pode ser que nos ocorra algum sítio onde ir apesar da Elsa e do Fabien.

Sempre ouvi uma coisa que é assim: 'Ó Elsa! Vais presa?'. 'Não, vou dormir com o Chefe'. E sobre isto da tempestade Elsa era dessa Elsa que eu me lembrava. No entanto, no carro, ouvi que, quando se fala em Elsa, toda a gente se lembra logo do Frozen. Até me senti mal, credo. Nem de tal me lembraria. A menos que a Elsa do Frozen também costume dormir com o Chefe da Polícia. Mas acho que não, a Elsa não me parece moçoila para tais andanças, diz que é de gelo.

Bem.


Já fiz as compras todas e isso deixa-me aliviada. Ou melhor, não. Ainda não comprei o presente da minha filha mas tem que ser comprado com ela. Por isso, amanhã de manhã vamos as duas às compras. Com o meu filho, a coisa fia mais fino. Disse que queria o último do Le Carré e mais nada. E eu sei que não gosta mesmo de receber coisas de que não precisa. E não quer coisas para a casa, sejam enfeites sejam utilidades. Não quer. É frugal e minimalista.

Mas este ano, mesmo para os meninos seguimos à risca o que recomendaram: uma coisa para cada um. Para além disso comprei mais um pijama e um fato de treino para cada um mas isso nem é bem presente. Aliás, os que estão cá a dormir já estão com o pijama vestido, mesmo sem ser lavado. Mas na loja tinham alarme preso, não dava para ter sido provado. Portanto, supostamente sujos não estavam. Quando soube que eu tinha cá os pijamas e que tencionava dá-los antes do dia de Natal, a minha filha aproveitou logo para não vir carregada com pijamas.


Tirando isso o que posso dizer é que antes deles chegarem, fui à pressa buscar luzinhas, o pai natal trepador e mais um para pôr na porta da rua, uma árvore de natal mínima com umas luzinhas pinini, duas árvores de natal alternativas sobre a lareira. E este natal, finalmente, tenho um presépio decente. Para dizer a verdade, acho-o mesmo bonito. Simples mas bonito. Se amanhã me lembrar, fotografo as minhas decorações nataleiras para vos mostrar. Nada que se recomende mas, enfim, quem mostra o que tem a mais não é obrigado.

De resto, não tenho mais nada a acrescentar pois é tarde e sendo o tema o da chuva e dos leitos de cheia e dos leitos dos rios todos a transbordarem, não me arrisco a enfiar-me por tão escorregadio tema não vá o meu pingado blog meter ainda mais água do que é costume e, assim sendo, se não se importam vou mergulhar num outro leito, menos molhado e mais quentinho.

_____________________________________________

A música que se ouviu pertence ao que o The Guardian considera o melhor álbum de 2019. Lana Del Rey soma e segue.

E se ela pode invocar o grande Norman Rockwell, eu também posso e, por isso, as ilustrações que aqui se vêem são dele.

__________________________________________________________________

E desejo-vos um bom sábado. Tudo de bom para vocês.

[No outro dia recebi um postal de natal digital que dizia: brindemos há vida. Deitei as mãos ao alto mas depois percebi que me precipitei. Um lapsus de nada que só prova a falta que uma vírgula faz. Cá para mim, o cavalheiro quis dizer Brindemos: há vida.]

quinta-feira, dezembro 12, 2019

E vocês o que têm a dizer?




Assim também eu!

Santa paciência, não gostas não comas.

Mais passarinhos de peluche daqueles que pipilam!


Porque é que a Cristina Ferreira faz anúncios a produtos de cabelo?

Fim às intermináveis reportagens com desgraças no fim dos telejornais.

Toalhões bem quentinhos depois do banho, sempre!


Ofereço champanhe no dia em que a Manuela Ferreira Leite se cansar de andar por aí a opinar.

Mas então o Gand'Alex não quer dar uma prensa no Papagaio-Mor?

Ó lobo das estepes, por onde andas?


Um Jeremy Irons por dia nem sabes o bem que te fazia.

Façam um teste ao ADN da Júlia Pinheiro e da Ana Gomes para se comprovar que são gémeas.

Ó Clara Ferreira Alves, continuas ao lado do Bolsonaro a achar que a Greta é uma pirralha?


Não posso dizer para onde é que estou a olhar. (Mas não é para o gorro).

Gente chata é coisa que não se aguenta.

Para quando uma estátua do rabo alçado da Georgina?


Aceitam-se ofertas de emprego para a Cristas.

Viva o ruivo do capachinho do Toni Carreira!

Joacine a comentadora de futebol. Já! 

Outbursts com batatatinhas é do melhor que há.

-----------------------------------------------------------------------

O homem em protesto nas fotografias acima chama-se Seth e tem uma conta no Instagram que dá pelo nome de Dude With Sign onde se mostra com cartazes, pelas ruas da cidade que não dorme. E o engraçado é o que ele escreve nos cartazes: coisas que não têm nada a ver, coisas que lhe ocorrem, graças, recados, coisas do dia a dia, coisas que não lembram ao diabo. Coisas daquelas que me fazem ter vontade de o imitar. Já me imagino com uma cartolina nas mãos, braços ao alto, numa esquina de uma rua dentro do Colombo, como se estivesse em protesto. E, escrito na cartolina, coisas como as que acima escrevi. Um cartaz por dia. Muito bom.

Por exemplo, punha-me à porta da loja do Nespresso com este cartaz: 'Quanto é que poderia custar o Nespresso se não fosse vendido numa loja tão cagona?'

Ou punha-me à frente da Fnac e escrevia: 'Quem comprar um livro de poesia pode levar o Pedro Lamares para casa'

Ou punha-me à frente da Zara, que está cheia de lamés, lantejoulas e brilhos de toda a espécie para o réveillon, e escrevia: 'Alguém me explica porque é que anda toda a gente a falar em chuva dourada?'

Ah, o que eu haveria de me divertir.

sábado, novembro 24, 2018

Sobre o que está a passar-se em Borba, naquela pedreira abandonada, naquele caldo de lama


Não gosto de falar de desgraças quando elas estão a decorrer, não gosto de dizer mal quando a situação ainda é nebulosa demais para se saber de quem se deve, justamente, dizer mal. Não gosto de falar de mortos, nunca. Muito menos quando ainda pode haver corpos por resgatar. E custa-me falar de corpos quando pouco tempo antes eram gente inteira e não apenas corpos...

Não gosto de apontar o dedo a uma causa específica quando, à vista desarmada, se vê que as causas do que aconteceu são mais muitas, os perigos previsíveis mais do que muitos, a cegueira que deixou que não se visse o que estava à vista difícil de explicar.

Ver o ar mortificado do Presidente da Câmara de Borba impressiona-me, dá-me muita pena e, garanto-vos, mesmo muita pena. Haja ou não responsabilidade da sua parte, é um triste peso que jamais deixará de carregar. Neste momento, de forma precipitada, concluir que houve pareceres não atendidos, descentralizações provavelmente mal assimiladas, querer buscar culpados -- isso a mim nada me diz. Nada aconteceu deliberadamente. E a pequena culpa de muitos cruza-se com mil circunstâncias e, na verdade, transforma-se numa culpa difusa, inútil.

As causas são forçosamente mais profundas. Se calhar é o sistema eleitoral que temos que apela à desresponsabilização, ou os mandatos demasiado curtos, nunca ninguém tem tempo para levar a cabo medidas estruturais. E este mal geral, comum a todos nós: nunca ninguém tem tempo para pensar a sério em assuntos de fundo.

Hoje gritamos porque uma estrada caíu num temível precipício, ontem porque as florestas pegaram fogo, antes porque uma ponte ruíu.

Grita-se muito, faz-se pouco. Quem mais barulho faz é quem menos se assume como responsável do que quer que seja. Provavelmente, desses que muito se indignam nas redes sociais, poucos são os que votam, e, se votarem, poucos votarão depois de bem reflectirem. Criam-se grupos de WhatsApp, criam-se ajuntamentos no Facebook. Mas informarem-se a sério, lerem, pensarem com a sua própria cabeça está quieto.

[ilustração de Elia Colombo]
Não serei melhor que ninguém mas a mim não me apanham a fazer coro com a carneirada. A cada desgraça que acontece não viro justiceira e não desato a encontrar culpas e culpados.

Pelo contrário. 

Este post hoje tem um único propósito: louvar, mas louvar de mãos postas, agradecida, os mergulhadores da pedreira abandonada de Borba. 

Esses bravos homens mergulham naquele poço profundo, barrento, totalmente opaco, esbarram, às cegas, contra vultos, volumes, coisas que não sabem se são bocados da estrada que lá se despenhou, se são pedras, se são carros, se são os corpos desaparecidos. Arriscando a sua própria vida, provavelmente vencendo o medo, ali andam, nadando, sabe-se lá como, naquele caldo de lama, tentando conseguir o que parece impossível.

Quem se lembra de dar a conhecer estes corajosos homens? Quem se lembra de lhes agradecer? 

Pois eu, aqui deste meu canto, agradeço-lhes e desejo que nada de mal lhes aconteça. E um dia que este pesadelo tenho passado e que voltem à sua vida normal, gostava que sentissem como todos nós os admiramos e como reconhecemos a sua valentia e abnegação. Seria bom que o Professor Marcelo os louvasse pois ainda bem que por cada rebanho de carneiros inúteis há uma ou duas bravas pessoas que se distinguem por fazerem qualquer coisa de útil.

O caminho do amor




Desde que ganhei consciência de mim que preciso de espaço. O espaço é-me vital.

Penso que já uma vez aqui o contei: numa formação daquelas comportamentais, fizemos uma experiência. Cada um de nós, à vez, vendado, no centro e, à volta, numa roda larga, as outras pessoas da turma. E as pessoas começavam a aproximar-se em silêncio. E nós deveríamos aguentar o mais que pudéssemos. Quando achássemos que os outros já estavam muito em cima de nós e já não conseguíssemos mais a pressão da sua presença, deveríamos dizer que parassem. Quase todos os meus colegas aguentaram até estarmos quase em cima deles. Eu, quando foi a minha vez, mandei-os parar quando ainda não estavam nem a um metro de mim.

Mal acabei de fazer dezassete anos, com o pretexto de não querer perder tempo em transportes, depois de muita persistência e guerra, saí de casa dos meus pais para viver perto da faculdade. Por muito bem que me desse com eles, já não queria estar sob seu controlo, nem dos vizinhos da rua, nem do bairro, nem de conhecidos, sequer de amigos. Quis libertar-me de tudo. Ia a casa ao fim de semana e adorava lá estar mas bo mesmo eram os dias de semana, à larga.

A sensação de liberdade é-me indispensável. Viver num meio pequeno e confinado não é para mim. Viver sob vigilância da família ou de vizinhos ser-me-ia insuportável. Se há coisa de que gosto é de me sentir turista, livre.

Imagino que em meios pequenos não seja fácil conhecer novas pessoas, conversar com elas, jogar os deliciosos jogos da sedução que levam um no sentido do outro, percorrer novos caminhos, ousar descobertas. Mesmo pessoas que vivam solitárias e gostassem de descobrir amores ou paixões terão mais dificuldade em fazer esse percurso de descoberta quando se sabem vigiados e, possivelmente, comentados ou criticados. Mas há que arriscar, soltar as amarras, não deixar a vida por viver.

Em contrapartida, quando uma pessoa tem a certeza de ter descoberto a 'outra' pessoa -- aquela por quem o seu coração bate de uma maneira especial, aquela por quem os seus olhos se enternecem, aquela que passa a habitar o seu pensamento -- a procura de outros deixa de ser tema. 

Mas, mesmo nesses casos, a história não acaba aí. Sabermos de quem gostamos não nos isenta de termos que procurar o ponto de convergência, de tentarmos alcançar o momento em que a fusão acontece, em que os dois corações se tocam. No labirinto que são os caminhos de cada um há aquele caminho, aquele único caminho que conflui no caminho, daquele também único caminho, do labirinto do outro, daquele que amamos. 

----------

O desenho, que me deu vontade de escrever o que acabaram de ler, é da autoria de Elia Colombo

quarta-feira, abril 25, 2018

25 de Abril





Oito das minhas unhas das mãos estão pintadas de cor de cravo. A menininha linda pediu se, depois de jantar, me podia maquilhar. Foi buscar a caixa e sarapintou-me. Depois pediu que a pintasse eu a ela. Assim fiz. Logo, de seguida, pediu para me deixar pintar-me as unhas de cor de cravo. Deixei. O mano do meio tinha ido buscar a guitarra e tocava e cantava uma sentida balada, alto e bom som. E o bebé trepava para cima de tudo, abria todas as portas, tentava tirar tudo de dentro dos armários, abrir todas as gavetas enquanto eu tentava impedi-lo. Portanto, no meio daquilo, não me sobrava capacidade de reacção para argumentar. 

À hora de jantar já o bebé tinha partido um prato. Tínhamo-nos esquecido que com gentinha miúda deste calibre ou os pratos são de plástico ou temos que ficar agarrados à louça. Depois de ter jantado um prato de sopa, um prato de arroz e frango assado e um kiwi, não descansou enquanto não comeu mais arroz e mais frango. E eu a dar atenção aos manos, num segundo descurei o prato à frente dele e pimbas, no chão. E ele a rir.


Depois fez cocó. Levei-o para a sala para lhe mudar a fralda e, no segundo em que vim deitar fora a fralda e o deixei à guarda da irmã, ouvi-a a chorar, desesperada aos gritos: 'Alguém vem aqui depressa?'. Assustada, larguei tudo e fui a correr. Estava ela a chorar e ele a rir. 'O que foi?'. 'Foi ele que me mordeu!'. Levantei a blusa para ver. A maminha toda encarnada. 'Mas porque é que ele fez isto?'. 'Porque estava a abrir o armário e eu não deixei porque ele queria tirar uma garrafa e ele mordeu-me'. Lá fui pôr-lhe água na maminha. Enquanto isso já o bebé estava a trepar para um banco. E eu a gritar pelo meu marido para vir tomar conta do bebé. Lá veio, lastimando-se: 'Pá... gostava de jantar...'. 

Resolvemos ir passear com eles: muita gente na rua, música, ambiente de festa. O meu marido com o bebé ao colo, eu agarrada aos dois que tremo de os perder de vista. Uma alegria para eles. Depois ela quis uma bandolete com luzes da kitty ou da minnie (não sei de qual) e ele uma espada com luzes. O bebé perdido de sono mas de olho aberto. Por ali andámos até que achámos que já tinham sentido o espírito de festa. Resolvemos regressar, os mais crescidos todos contentes e o bebé meio a dormir, meio a espreitar o que se passava.


Em casa, tentei adormecer o bebé mas está quieto. De cada vez que me via a querer pôr-lhe a chucha desatava a fugir. Os manos puseram-se a ver televisão. E ele a subir e a descer do sofá, a rir, a desafiar os outros. Peguei-o ao colo, embalei-o. E ele de olhos quase fechados, a adormecer. Mas, logo de seguida, cuspia a chucha, sentava-se, ria e aí vai ele a abrir portas, gavetas, a gozar, todo brincalhão. 

À meia-noite vieram os pais e ali estavam os três ainda a pé: a mais velha de bandolete a piscar, o do meio com espada luminosa e falante e o bebé a andar de um lado para o outro a rir. 

Depois estivemos à janela a ver o fogo de artifício porque daqui conseguimos vê-lo e, para eles, é sempre uma festa.

Ela contou-me qualquer coisa do Dia da Revolução, salvo erro que fez um desenho em que saíam cravos das espingardas. 


Queria ter cantado o Grândola mas eles já estavam com sono demais para isso. 

Há muitos anos foi esse dia 25 de Abril e tomara que todos os meninos saibam sempre como foi importante que tenha havido essa revolução que trouxe luz, alegria e esperança a este país que era cinzento, velho, baço, rançoso, sem futuro.

Ainda há muita gente que conserva esse espírito. E é pena. A democracia e a liberdade são coisas boas e é bom que a gente as respeite e preserve na sua pureza original. E é bom que as saibamos ir interpretando à luz da modernidade para que nunca se abra espaço para a sua negação.


Ensinei o bebé a levantar o punho quando eu dissesse 25 de Abril sempre mas, quando os pais chegaram, talvez por estar passado de sono, recusou-se a mostrar a gracinha. O meu filho gozou: 'Não te está a correr bem, mãe'. Mas aposto que hoje, bem dormido, deve fazê-lo. 

Gostava que os meus queridos cinco pimentinhas guardassem sempre, dentro deles, este slogan: 

25 de Abril sempre!


quarta-feira, abril 11, 2018

Que é feito do egocêntrico trauliteiro que pôs o País inteiro a desejar vê-lo pelas costas...?
Bem... o País inteiro talvez não.
Os do outro lado da 2ª Circular devem estar a esfregar as mãos de contentes.



É um não-problema quando comparado com os verdadeiros problemas. Mas é daqueles um fait-divers que, de tão insólito e estúpido, desperta a atenção até dos mais indiferentes. Dá vontade de parodiar. E dá vontade de pensar: como é que tanta gente supostamente inteligente se deixa levar nas cantigas de uma criatura tão bacoca e ordinária a ponto de votarem nele e, mesmo depois de verem do que a casa gasta, continuarem a apoiá-lo?

Sei a resposta que costumam dar: a situação financeira do clube melhorou e tal e coisa.

Não me parece razão: um troglodita daqueles não deve ser desculpado de modo algum. 

Mas essa da coisa financeira por acaso ainda gostava de perceber. Seja o que for que tenha acontecido não foi, de certeza, obra dele. Tem lá um bom director financeiro? Talvez. Não faço ideia. Mas, para além da gestão da coisa, há aquilo daquele sujeito de aspecto sinistro que já lá meteu não sei quantos milhões. 20 milhões aqui e mais 20 milhões ali. A troco de quê? Como? Em que condições? E não me venham com milagres: uma nova emissão obrigacionista para conseguirem fazer face ao serviço da dívida e mais não sei o quê...? Dívida para pagar dívida. Nada de mais. Business as usual. Mas , então, aquilo, afinal, não está a nadar em dinheiro...? 

Ok. Estamos falados. Um dia destes ainda vamos saber afinal como é que é.

Entretanto, agora que parece que apagou a conta do Facebook (terá mesmo...?), deve estar a expressar o seu doentio egocentrismo de outra forma qualquer. Quiçá a pintar o seu auto-retrato.


.........................................

Ilustrações de Marco Melgrati

terça-feira, março 27, 2018

Eu, Charlie e Sergei


Se vos contasse o meu dia de hoje. 

Melhor: se vos contasse o meu dia de sábado... Não acreditariam. Se, não há muito tempo, eu soubesse que ia viver estes momentos, diria que não, que não seria capaz. Afinal sou capaz. Mas ainda me custa a acreditar. Se me dissessem que saberia reagir, que saberia relativizar a este ponto situações que são absolutas e não relativas, diria que nem pensar. Mas afinal sei reagir, sei relativizar, sei manter-me inteira e optimista mesmo em situações limites. 

Na tarde de sábado liguei à minha prima. Muito pouco a dizer. O que se sabe. O expectável. Um dia de cada vez, disse-me ela que é médica. Repeti: é isso, um dia de cada vez. Mesmo pensando que não haveria outro dia. Acordada a meio da noite a pensar, com medo, que o dia poderia já ter chegado ao fim.

E se vos contasse o meu dia de domingo também não acreditariam. Uma coisa... Incrível, incrível, incrível. Como é possível? E como sou capaz? Não sei. Mas sou. 

Somos. Somos capazes de tudo. Não só eu. Todos. 

Mil dias dentro de um único dia. Lágrimas e festa, gemidos e aplausos. Não são máscaras, não são mil faces. Não. Sempre a mesma. 

Talvez um dia conte. Mas agora não. Tudo muito, tudo muito excessivo. 

E hoje já outro dia. E, uma vez mais, mil contrastes, contrastes totais. E eu a percorrer o meu caminho como se o caminho não percorresse, ele próprio, paisagens tão díspares como se de planetas distintos proviessem. 

Tantas coisas nestes meus dias feitos de estilhaços, de reflexos, de abraços, de medos, de tudo. E as reuniões e o trabalho como se, no resto, nada de diferente se passasse. E eu, no meu trabalho, como se nada, lá fora se passasse de incomum. 

Serão todas as pessoas assim ou serei eu que não sou muito normal? Não sei. 

O que sei é que aqui chegada, às tantas da noite, não consigo aprofundar-me em dissertações inteligentes. Pelo contrário, só me apetece entreter-me. 

É como quando, in heaven, desato a varrer ou a podar arbustos e árvores como se não houvesse amanhã. Acho que é a minha maneira de atirar para trás das costas o resto de tudo o que me inquieta.

À conta disso fiz, no verão, quando em férias, uma rotura parcial num tendão: com dois internados em simultâneo, um em cada hospital, cada um pior que o outro, altas e recaídas e reinternamentos e tudo periclitante e tudo a ter um desenlace a cada momento, entre idas e vindas e telefonemas sempre com más notícias (até que, num dos casos, houve, de facto, um dramático desenlace), nos exíguos intervalos entreguei-me às lidas rurais e domésticas com uma intensidade extraordinária, como se o meu corpo tivesse a elasticidade e resistência de uma atleta profissional. Deu no que deu. E à noite aqui estava como se nada se passasse. 
(Acho eu que parecia que nada se passava mas, às tantas, os meus Leitores mais atentos e perspicazes conseguiram perceber o temporal que eu estava a atravessar)
É frequente ler-se na blogosfera relatos sofridos de abandonos ou perdas ou de doenças próprias ou alheias, preocupações com filhos, zangas com irmãos ou tios, sérios amuos com mães ou pais ou sogros, venetas fatais com chefes, insuportáveis desatinos com colegas tóxicos. Leio com admiração. A mim dá-me para o oposto.

Quanto mais o mundo à minha volta parece querer vir abaixo, mais a mim me dá para a maluqueira, para procurar motivos de risota. E o estranho é que, no meio dessa maluqueira e dessa risota, primária como sou, acabo mesmo por me bem-dispor e quase esquecer o que me assusta ou arrelia. Só quando a bonança regressa é que consigo falar do que se passou, já com algum distanciamento, e, mesmo assim, é quando é. E ao de leve. Ao de leve porque não gosto de coisas pesadas. Muito menos de pesadelos.

......................................................

E esta conversa à toa para vos convidar a ver comigo estes dois vídeos. Lindos.

Charlot, o entertainer



Sergei, o entertainer



..............................

As imagens escolhidas estão ali, no meio do texto, apenas porque as acho o máximo. Pelo menos as duas do meio são da autoria de Gerhard Haderer.

...................................