Todos nós temos um sósia? Dizem que sim. E é provável que haja alguma celebridade que seja nosso sósia? A julgar pelo vídeo abaixo, até parece que sim.
Em relação a mim já me disseram -- mas isso nos idos da minha vida em que quer eu quer elas ainda estávamos na flor da idade -- que era muito parecida com a JC, que havia em mim um lado muito MM ou que fazia muito lembrar a KB.
No outro dia, disseram-me que havia em mim qualquer coisa de uma outra, a SS.
Ponho assim, cifrado e não por extenso e com fotografias, para que não se pense que quero que pensem que sou assim ou assado.
Sobre essas parecenças que já me atribuíram, não faço ideia se sim, se não, mas confesso que, a meus olhos, foi generosidade dos olhos de quem o disse. Mas, confesso também, é-me totalmente irrelevante ser assim ou o contrário pois sou o que sou e, a cada dia que passa, deixo de ser essa e passo a ser outra. O tempo passa e deixa marcas e o que éramos vai ficando soterrado sob a capa que o tempo vai desenhando em nós. Mas deixa em nós e em toda a gente. Quem sobrevive envelhece.
E o que quero dizer é que acho extraordinário que, juntando-se um espermatozoide e um óvulo, a coisa se misture, se conjugue, se ajeite, e, qual milagre, pela multiplicação celular, desse misterioso processo acabe saindo uma pessoa. No caso, eu. E, numa outra qualquer parte do mundo, um espermatozoide de um outro homem e um óvulo de uma qualquer outra mulher se misturem, se chocalhem, se entrelacem, se conjuguem e, milagre dos milagres, saia outra pessoa que, não se percebendo como, seja muito parecida connosco, comigo.
Já aqui contei e repito. Uma vez, na Gulbenkian, duas senhoras estavam sentadas numa daquelas mesas corridas do restaurante em que também estava eu e o meu marido. Olhavam para mim, olhavam uma para a outra, falavam baixo, olhavam para mim. Até que falaram: estavam estupefactas pois eu era igual a uma amiga delas. Diziam que éramos iguais. O rosto, o cabelo e até a voz. E até como me vestia.
Não foi a primeira vez: em Espanha, uma funcionária do El Corte Inglês veio ter comigo para me abraçar. Eu e a tia dela éramos iguais. Disse-o em espanhol. Quando eu falei e disse que não, que eu era portuguesa, ela dizia que sim, que já tinha viso que não. Mas quase se atirava para o chão, dizia que até a minha voz era igual à da tia, que não acreditava em coisa assim.
Ora como é que é possível uma coisa destas?
Não sei. Alguém me explique.
Who's your celebrity look alike? (Strangers Answer)
Face às circunstâncias da véspera, a noite passada dormi muito mal. Só adormeci de madrugada. Como tinha posto o despertador, acabei por dormir muito pouco.
Mas a causa era boa e, quando a vontade é muita, o sono e o desgaste emocional passam para secundaríssimo plano.
Fomos a um lugar onde já não íamos há algum tempo e que é daqueles lugares onde não me importava nada de ter uma casa. Aliás, há uns anos, foi coisa que foi equacionada. Muito bonito. Uma mistura de natureza e de vilarejo bem cuidado, um local simultaneamente de turismo e de tradições.
Um dos nossos intrépidos guarda-redes tinha lá um desafio de futebol e a família foi apoiá-lo. Para mim foi bom pois estou a precisar de me distrair, de espairecer. Gostei muito. Bons ares, boas ondas (metafórica e literalmente falando), boas tostas, e, ainda por cima, umas boas defesas.
Pelo meio, notícias que, de tão boas, soaram a inacreditáveis.
De volta a Lisboa, fomos lá. Estava de facto melhor, felizmente, mas não como tinham descrito. Afinal tinham-se enganado. Está lá há uma semana e o enfermeiro baralhou-se. Mas, ainda assim, de facto, muito melhor do que de véspera.
É aquela velha máxima, para mim recente: um dia de cada vez. Um dia assim, outro assado, num dia as perspectivas são umas, no dia seguinte isso passou à história.
A minha prima, quando eu lhe disse que a minha mãe estava melhor, corrigiu: foi um dia melhor. A enfermeira depois disse a mesma coisa. É assim. Seja como for vim de lá mais contente. E, assim sendo, provavelmente vou conseguir dormir bem. Altos e baixos em roda livre, aleatoriamente.
Uma vez que o programa não era compatível, o cãobeludo teve que ficar em casa. Por isso, passou o dia sozinho, no jardim. Chegámos de noite e, como sempre, ao ver-nos, manteve-se encolhido, receoso. Fui ao pé dele: 'Tão bonito. Ficou a tomar conta da casa. Portou-se muito bem.' e ele, no chão, a dar ao rabinho, a pôr-se de lado, a abrir a perna, a querer festas na barriga. E eu a fazer-lhe festas: 'Foi muito lindo, sim senhor, a dona está contente.'. Então, vendo que não estava de castigo, levanta-se numa alegria, desata aos saltos, a correr, numa alegria desmedida. A seguir, fomos passear com ele, uma boa caminhada, sob o frio cortante da noite.
E, para o jantar, o resto da pizza familiar trazida ontem, acompanhada por salada. Bem bom.
Entretanto, como sempre faço quando me apetece descansar a mente, estive a ver vídeos e apareceu-me o que agora partilho em que, como sempre, me admiro com a espontaneidade de quem é apanhado, do nada, no meio da rua e se predispõe a fazer o que a Thoraya lhes propõe. Desta vez não é que contem segredos cabeludos ou outras coisas do além: desta vez é que dancem. E a malta dança. Espanto-me com a alegria, o ritmo, a espírito de festa com que a malta reage, apesar de estar a ser apanhada de surpresa
The most beautiful footage of strangers dancing in public
Para aqui não falar do que me traz apreensiva tenho agora, sempre, que omitir uma parte significativa do meu dia. Por isso, digo apenas que, como sempre, não foi fácil e, talvez por isso, quando cheguei a casa, sentei-me no cadeirão relax ao lado da janela, tapei-me com a mantinha aveludada, macia e quentinha, e, de tal forma me sentia esgotada que, provavelmente, ao fim de dois minutos estava a dormir. Dormi com certeza quase uma hora. E custou-me a acordar.
Mas a caminhada da manhã e a que foi feita à noite foram boas. Contudo, a da manhã foi feita debaixo de um céu cinzento e um ar pesado de tão húmido, e a da noite, bem, foi de noite... No entanto, se me faz falta o sol, caminhar à noite também é bom. As árvores nocturnas são lindas, as casas iluminadas são íntimas, olhar as pessoas a cozinhar, outras em confortáveis salas a ver televisão, observar algumas belas peças decorativas, apesar de uma cusquice, é aliciante. E os jardins à noite estão cheios de mistérios e os cães dão o sinal e enfurecem-se à nossa passagem.
Este domingo não cozinhei. O programa de festas não me deixou grande margem para culinárias, nem pelos horários nem pela disposição. Por isso, passámos pela casa das pizzas em forno de lenha e já está. Menos mal.
Claro que, com tudo isto, nos últimos tempos perdi completamente o élan da escrita. Falta-me inspiração, motivação, energia. Ponho-me com o computador à frente e não me apetece. Escrever pressupõe uma entrega absoluta, implica que nos desliguemos da vida real. Só funciona se a via para a inspiração estiver aberta, desimpedida. E não tenho conseguido. Mas a vontade há-de voltar, sei que sim. E terei que repensar bem a abordagem. Tinha pensado tentar de uma maneira mas, do que tenho visto, não me parece ser a mais eficaz. No entanto, é uma questão de me dedicar. Tendo disponibilidade, de tempo e de cabeça, hei-de conseguir penetrar no hermético mundo editorial.
Entretanto, ao ser-me sugerido o vídeo que abaixo partilho, lembrei-me do que se passou connosco, com o nosso Sebastião.
Uma vez, uns amigos deveras afoitos, resolveram passar por cima dos meus pruridos e das reservas do meu marido, e oferecer aos meus filhos um hamster. Não sei se o presente foi paa um e se o outro também o adoptou ou se foi, à partida, para os dois. Tanto faz.
Que me lembre, havia uma gaiola com um baloiço e uma roda. Sebastião.
Não achei graça mas os miúdos estavam felizes.
Cheirava mal que se fartava, não sei se a urina, se as fezes. Eu tinha medo de lhe mexer. Sobrava para o meu marido, claro. Lá levava ele o Sebastião na sua gaiola para a varanda e, contrariado, lá fazia a necessária higienização.
Mas era o que era. A bem da alegria das crianças, lá nos ocupávamos do animal.
Até que, um belo dia, o bicho amanheceu morto. Esticado, De barriga para cima, perna aberta, esticado. Ainda pensámos que estivesse apenas inconsciente. Tentámos reanimá-lo. Mas tinha-se passado para o além.
Nem me aproximei, sempre tive uma relação complicada com a morte.
Na altura, no prédio em que vivíamos havia uma conduta centralizada para o lixo. Ao pé dos elevadores, havia uma tampa na parede da qual partia uma rampa que ia dar a um mega contentor onde ia parar todo o lixo do prédio. Na altura ainda não se reciclava nem se separavam os lixos.
E foi por aí que o meu marido despachou o Sebastião. Para desgosto de todos, lá se foi o Sebastião.
No fim de semana seguinte encontrámo-nos com esses novos amigos. E relatámos o triste acontecimento. 'Não estava morto! Estava a hibernar!', exclamaram.
Contaram que o deles também tinha hibernado. Ficámos estarrecidos. Mas já não havia nada a fazer.
Nessa altura não havia internet nem o hábito de pesquisar sobre tudo. Parecia morto, não reagia: estava morto. E, afinal, não estava. E ficou, na família, como uma das grandes patifarias que cometemos.
Não posso dizer que seja um segredo pois todos nós falamos deste nosso mau passo,
Aqui abaixo fala-se de segredos e é sempre surpreendente ver como as pessoas que a Thoraya aborda, pessoas desconhecidas, têm sempre coisas inesperadas para dizer. Já aqui o referi várias vezes: parece que, muitas vezes, é mais fácil confiar em desconhecidos e contar-lhes os mais íntimos segredos do que entregar a intimidade a amigos. Os vídeos de Thoraya são a prova disso. E este meu blog também.
Estranhos leem um segredo e deixam um outro segredo
Desejo-vos uma boa semana a começar já por esta segunda-feira
Costumam contar-me coisas. Chegam-se ao pé de mim e começam a contar-me coisas, por vezes coisas muito pessoais. É um pouco desconcertante mas é a verdade. Não sei bem porque é que isso acontece. Não sou de sorrisinhos, não sou de simpatias a la minute para angariar amigos, não sou de palavrinhas fáceis ou consolos de efeito, sou mais de ouvir atentamente. No entanto, pelo menos a julgar pela minha experiência, o ser como sou faz com que as pessoas se sintam confiantes em partilhar comigo situações muito pessoais.
Eu, pelo contrário, não sou de falar de mim. Mesmo aqui, em que me farto de escrever e em que escrevo num registo por vezes quase diarístico, há muitos temas que nem afloro. Mesmo nos que falo, tento não dar pormenores muito objectivos pois penso que os assuntos são mais interessantes para quem os lê se houver, aqui ou ali, um certo véu. Mas se a escrever ainda vou falando de mim, ao vivo e a cores pouco falo. Não tenho muito para dizer.
Se a Thoraya montasse a banca ali no jardim ao fim da rua e me pedisse um segredo, acho que não me ocorreria um único. Acho que não tenho segredos. Pelo menos dos que se podem contar.
Vejo os vídeos dela e fico espantada com a quantidade de pessoas que têm segredos escondidos e que, pelos vistos, são segredos que estão ali à bica para poderem sair. Eu teria que puxar muito pela cabeça e, no fim, penso que no máximo me ocorreria uma palermice qualquer de quando andava na escola primária.
Na verdade, acho que nunca fiz uma patifaria, nunca gamei nada, nunca sacaneei ninguém, nunca tive inveja de ninguém. E, no entanto, no outro dia, num daqueles exercícios de imaginação em que me ponho a imaginar o que hei-de fazer um dia que me reforme, ocorreu-me que talvez gostasse de escrever umas memórias e, ao pensar no que poderia escrever, lembrei-me de algumas coisas de que habitualmente não falo. Melhor: de que nunca falo. São coisas que não interessam, coisas que ficaram no passado. Ao contrário de muitas pessoas que ficam a remoer e atormentadas com isto ou com aquilo, eu ponho para trás das costas e nunca mais penso nisso.
Não sei o que é que hoje em mim vem de situações mal resolvidas no passado. Diria que nada. Se me ponho a pensar na minha infância, adolescência ou vida adulta, o que me vem à cabeça são as situações boas, reconfortantes, divertidas. Só com um aturado esforço de reconstrução é que me recordo das coisas menos boas. Mas agora, tal como antes, relevo-as, relativizo-as, arranjo atenuantes para quem praticou algum acto ou proferiu alguma palavra que me incomodou.
Não guardo recordações desagradáveis em relação aos meus primos, aos meus amigos, aos meus colegas. Não me lembro de alguém que me tenha magoado. Se o fizeram, desculpei-os tão completamente que disso não sobrou qualquer ponta solta. Mais mais facilmente me lembro de situações em que estive um bocado ao lado ou em que, por erro ou omissão, induzi nos outros deficiente compreensão de situações, levando-os a ficar felizes com situações que não correspondiam exactamente ao que lhes tinha parecido ou, pelo contrário, levando-os a desgostos desnecessários. Mas não sei se isso encaixa no conceito de segredo.
Mas, sim, um dia que me ponha a escrever, sairão à cena algumas novidades.
Penso também no seguinte: se um psicólogo me virasse de cabeça para baixo e chocalhasse, será que iria conseguir que saltassem algumas peças soltas que fossem reconhecidamente a chave para explicar a minha personalidade ou alguns dos meus comportamentos? Creio que não. Mas nunca se sabe.
Seja como for, gosto de ver estes vídeos da Thoraya. Já aqui a tive algumas vezes. E a quantidade de pessoas que os comenta e que se solidariza com o que ouviu ou que se revê no tipo de segredos que ali são revelados é espantosa.
E vai escrever um livro sobre segredos, ela, e está a pedir que lhe enviem segredos para que possa usar alguns no seu livro. Pelo que expliquei, não vou enviar nada mas se algum de vocês, aí desse lado, tiver alguns para a troca, é enviar-lhe.
Não sei se o título deveria ser como o escrevi. Em inglês é: What do you miss most about yourself? Não sei se 'acerca de mim' é sinónimo de 'na minha vida'. Mas, vá, fica como está. Acho que vai dar ao mesmo.
No vídeo abaixo, várias pessoas que não se conhecem nem conhecem Thoraya Maronesy respondem a essa pergunta perante uma câmara que as vai mostrar ao mundo. E, como sempre, sem dúvidas ou hesitações, respondem. Surpreende-me isso tal como me surpreende que apareçam tantas pessoas com depressões ou outras perturbações do foro mental. A gente olha e vê-as a sorrirem. Quem sofre, sabe disfarçar.
Como me acontece quando vejo estes vídeos dou por mim a pensar no que responderia eu.
E ocorrem-me muitas coisas. Algumas creio que são irrepetíveis pelo que não é apenas sentir falta, é mesmo a nostalgia de as considerar perdidas para sempre.
Vou enunciar algumas:
- Sinto saudades de saltar a fogueira nos santos populares. No fim da minha rua, no sítio em que se subia para outra rua, os rapazes crescidos faziam fogueiras com troncos de árvores e ramos de alecrim. O perfume era muito bom. Estava muito calor em volta. E nós tomávamos balanço na rua que descia e saltávamos por cima. Aquele medo de não ser capaz de saltar suficientemente alto e de me queimar estava sempre presente mas a vontade de vir a correr, de saltar, de sentir que estava a saltar sobre o fogo era mais forte. Noites de emoções boas, quentes, perfumadas.
- Sinto saudades de dançar muito agarradinha ao meu namorado, naqueles ambientes de garagem carregadinhos de hormonas a despontar, de descoberta, de aventura, de transgressão. Tenho saudades do momento em que descobri que o amor era uma mistura de muita coisa até então desconhecida entre as quais a atracção física, essa coisa mais boa.
- Sinto saudades da emoção que sentia quando o carteiro trazia uma carta para mim, ainda mais se o envelope mal fechava de gordo que vinha, ainda mais se mal conhecia quem estava a escrever-me. Sinto saudades das cartas que escrevia à mão num papel bonito que tinha desenhos abstractos e suaves como se fossem uma aguarela. Sinto saudades da inquietação que sentia até receber carta de resposta.
- Sinto saudades de sentir aquele abalo nas estruturas, aquela rasteira fatal, o chão a desaparecer debaixo dos pés, aquele coup de foudre fatal que leva a que um não passe sem o outro e que se sinta, sem sombra para dúvida, que aquela pessoa é a pessoa da nossa vida (sem querer saber se é ou não para sempre, que isso é pormenor para o qual não há tempo).
- Sinto saudades da praia, da parte de trás das dunas e das giestas como dosséis. Sinto saudades de um certo apartamento e do que nele fazíamos, deitados numa cama que não era nossa, ouvindo uma música que não era nossa, dançando numa sala que não era nossa. Em cima da cama havia uma manta feita de pele de raposa, uma pele macia e quente, e havia Janis Joplin para nos fazer cantar e para me dar vontade de dançar e lá fora havia nevoeiro, estava frio e cheirava a castanhas assadas. E mal saíamos já estávamos com vontade de para lá voltar.
- Sinto saudades de sentir uma vida a formar-se no meu ventre, umas pessoazinhas pequenas a mexerem-se dentro de mim. O joelho espetado aqui, um pezinho ali, agora está a virar-se, agora está já tão grande que os movimentos são mais lentos, a mão sobre o ventre tentando adivinhar o que fazia e como era a pessoa lá dentro. Sensação única, maravilhosa, transcendente.
- Sinto saudades do momento único e mágico em que conheci cada um dos meus filhos e, mais tarde, cada um dos meus netos, aquele momento em que o meu coração transbordava de amor e de agradecimento. E isto apesar de ainda hoje, todos os dias, sentir o mesmo amor e o mesmo agradecimento.
- Sinto saudades de sentir um serzinho esfomeado a beber o meu leite, saudades de o sentir agarradinho a mim, quentinho, cheirosinho. Sinto saudades de ter cada um dos meus netos, bebés, no meu colo. Sinto saudades de cada minuto que vivi com os meus filhos e com os meus netos.
- Sinto saudades de chegar a um campo de pedras e mato e, com os olhos quase fechados, imaginar os caminhos e os recantos ainda por fazer, as sombras das árvores ainda por plantar, os passeios que haveria de dar ouvindo o canto dos pássaros.
- Sinto saudades do dia em que dei uma entrevista na qual o jornalista, a meu pedido, não me identificou, que foi tema principal, de capa, do jornal que, na altura, mais se vendia. Tenho saudades de ver toda a gente conhecida a dizer que só podia ter sido eu a dar aquela entrevista e eu nem aí, como se não fosse nada comigo. Tenho saudades das ameaças que recebi e do risco enorme que corri. Tenho saudades do meu descaramento a desafiar os que poderiam prejudicar-me seriamente a provarem o que diziam. Tenho saudades do nervosismo que sentia nos outros ao verem-me exposta, desafiadora, descarada, a pisar brasas quentes.
- Sinto saudades de conspirar, de me reunir clandestinamente, de delinear estratégias, de arranjar apoios, de desenhar acordos, de partir para a luta com um secreto frio no fundo do estômago mas com a adrenalina a bombar, a impelir-me para o perigo.
- Sinto saudades de fazer o que não devia, de colocar em risco a minha carreira, o meu emprego, o meu bom nome, sinto saudades de arriscar até ao limite. Sinto saudades de enfrentar a acusação, a dúvida, de desafiar quem tinha o poder de acabar comigo se viesse a confirmar-se que o tinha feito. Tenho saudades de andar no fio da navalha. Sinto saudades de sobreviver a tudo isso e, mal acabada uma, ter vontade de o repetir.
- Sinto saudades das piadas ditas por meias palavras e que se adivinhavam brejeiras, acanalhadas, impróprias, politicamente muito incorrectas ditas por outros quando eu não podia rir, quando tinha que tentar disfarçar, quando morria de vontade de rir, quando chorava a rir e a ter que fingir que não, situações que ainda hoje me fazem rir.
- Sinto saudades de viajar em wagon-lit, o comboio cruzando serras e atravessando rios, aproximando-se das cidades, eu deitada numa cama confortável enquanto via as brumas da noite, a alvorada despontando.
- Sinto saudades de tantas coisas que o que me vale é que não fico agarrada a elas.
Mas, agora que penso melhor, coisas de que se sente saudades não é forçosamente coisas de que se sinta falta ou que se queira voltar a viver. Umas serão, outras nem tanto assim -- até porque a idade e as circunstâncias da vida foram mudando.
De vez em quando o algoritmo do YouTube sugere-me os vídeos de Thoraya Maronesy, uma jovem simpática que consegue a proeza de arrancar os mais sentidos e secretos testemunhos a estranhos que se cruzam com ela nos jardins em que monta arraiais com o seu equipamento.
Já algumas vezes aqui tive Thoraya. Esta coisa de alguém, quando instado a isso, ser capaz de contar os segredos mais intensos ao mundo, surpreende-me. E o facto de parecer que toda a gente guarda um segredo pronto a ser divulgado parece-me extraordinário.
Em contrapartida, perante os que me são mais próximos não guardo segredos. Falo abertamente e, se calhar, até um bocado desabridamente, do que penso.
Em momentos em que alguns rodeios ou meias palavras seriam aconselháveis eu falho: digo o que penso sem delongas. Nisso como em tudo na vida acho que é um disparate perder tempo ou persistir em caminhos errados -- e não consigo dizê-lo de outra maneira. Se alguma coisa me preocupa, não está na minha natureza escondê-lo. Verbalizo-o abertamente. Por isso, intriga-me a capacidade que algumas pessoas têm para esconder o que pensam, o que sentem, o que querem. Pensarão que têm duas vidas? Esta para ser desperdiçada e outra, então, para compensar o tempo perdido na primeira? Não percebo.
Imagino-me a ir um dia num parque e a ser abordada por uma qualquer Thoraya desta vida. Não gosto de virar as costas a um desafio, muito menos a um tão engraçado e, ainda por cima, conduzido por uma pessoa tão simpática. Mas, mesmo que quisesse corresponder, de que segredo poderia eu falar?
Mas o desafio desta vez é outro e é ainda mais tentador: escrever uma carta a alguém que se ame ou amou. E a este desafio eu não viraria costas.
Gosto de cartas de amor. Já o disse: prefiro recebê-las. Mas, se tiver que escrever uma, escrevo.
Aliás, aqui, vendo bem, quantas vezes já as escrevi? Se me desse ao trabalho de reuni-las, obteria um livro inteiro de declarações de amor.
Aquilo de que não tenho experiência é de escrever cartas de amor, ou melhor, declarações de amor, a quem não me ame. Não me lembro de alguma vez ter gostado de alguém que não gostava de mim. Acho que não é mérito: é pragmatismo. Lá está: aversão a perder tempo. Também não me lembro de esconder o meu amor, mesmo no início. Sou mais de seduzir, desafiar, agir à descarada.
Vita brevis. Esse é o meu lema, esse é o fio condutor dos meus actos. Vita brevis. Ou seja, bola para a frente e força nisso.
Não me imagino a consumir tempo de vida a esconder um amor. Claro que poderia acontecer estar apaixonada por quem não gostasse de mim. Mas aí acho que via a coisa com realismo: santa paciência, não dava, não dava. Partia para outra. O que não falta são homens e, no meio de tantos, algum haveria de ser a meu gosto e sensível aos meus encantos. Agora estar a querer alguém e, em vez de ir à luta, às claras, deixar-me estar a queimar tempo com platonices, fosquices, suspiros pelos cantos, tristezas eternas, isso não. Não faz o meu género. Pode ser muito poético mas não é para mim. Eu, nisto dos amores, sou mais prosa. Poesia sim mas como preliminar, como acompanhamento ou como sobremesa. A substância, para mim, está na prosa. E prosa em versão hands on.
Carta de amor? Sim, até poderia aqui escrever uma a um amor imaginário, ficção da pura a fingir de verdadeira.
Meu amor, por onde andas? Espero por ti e nada me dizes. Saberás a dor em que a minha alma fica? Saberás o vazio que cresce no meu coração? Espero que me procures, todos os dias o espero, todos, e não vens. Como negar, amor meu, que sinto a falta das tuas doces palavras e das tuas tórridas tentações? Sinto tanto a tua falta. Por onde andas? Os anos passam e as nossas mãos não se tocam e os nossos corpos não se encontram. Porquê? Que sentido faz isso? O que andamos a fazer? Não queres experimentar o azul dos mais longos abraços ou o branco da luz do êxtase? Não fujas de mim. Não fujas. Estou à tua espera. Vem.
Poderia continuar, escrever uma carta de amor a preceito. Gosto de derramar palavras de amor. Mas não escrevo. E não o faço por respeito para com os pinga-amores que suspiram, suspiram mas não passam disso, ou que sonham, sonham e não acordam para a vida. Também têm direito a achar-se especiais. Por isso, não escrevo. Fico-me por aqui na companhia dos bem dispostos amantes impossíveis que Thoraya tão bem sabe apanhar.
Strangers Confess Their Love Through Love Letters Um projecto de Thoraya Maronesy
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E, já agora, a propósito de cartas de amor, com vossa licença, uma vez mais:
“My dearest one" Benedict Cumberbatch reads Chris Barker’s letter to Bessie Moore
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Haley Reinhart interpreta Can’t Help Falling in Love
Pinturas e escultura representando Diana, essa grande dissimulada, essa grande maluca.
Não tenho conseguido responder aos comentários pois o tempo não me chegado ou, se me chega, o sono tira-me o tapete. Adormeço mesmo sem dar por isso. As minhas desculpas. A ver se consigo pôr o sono em dia para ver se isto entra os eixos. Aceitem as minhas desculpas.