A casa húmida, fria. Trazemos os pés molhados da rua e não há tapete que os seque. As pegadas ficam marcadas na tijoleira, rastos da névoa que hoje tive colada a mim.
Uma chuva persistente, fria. O chão, cá fora, cheio de água e todo coberto de folhas verdes arrancadas às árvores, pontas de ramos. As árvores pingam como se chorassem. Todo o dia.
O damasqueiro ainda não começou a despontar e com os seus ramos nus traça um desenho desolado no céu. Avanço a medo. O meu marido diz-me que há mais árvores perdidas.
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Compreendo-a muito bem, quando cortaram o olival à minha porta (...) fiquei um mês sem falar.... Rosa Amarela
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O pinheiro deitado. Verde, viçoso. Espera certamente que eu, mãe cuidadosa, o pegue ao colo, o levante. O banco que o meu pai tão amorosamente fez e montou para que a filha e os netos e os bisnetos nele se sentassem agora parece ajoelhado.
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UJM, não tens por aí um vizinho ou dois, que possuam tractores? Se tiveres, tentem com cordas, puxar o pinheiro no sentido contrário àquele em que está tombado.Se o veio principal da raíz não tiver sido afectado, ele volta a agarrar-se à terra. Boa sorte, minha amiga!. Bartolomeu
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Ao cair, levantou o chão, partiu o banco no sítio onde tombou. O vizinho e um cunhado apareceram para ajudar mas não vêem como. Dado o local onde está, é impossível que lá cheguem tractores, máquinas. Impossível. Nem têm onde agarrar uma corda, nem um sítio alto que possa ser usado como roldana. É um peso que não se move. Irão ver se pensam nalguma forma mas não estão a ver como. Eu dou sugestões, quase imploro mas eles olham desolados para mim e para o grande pinheiro que jaz por terra.
Comovida, eu que não costumo rezar, vou dizer baixinho uma pequenina oração de força que a Maria Eduardo me enviou:
Oh meu Pinheiro Querido,
levanta-te de mansinho,
ergue-te, respira o ar puro da serra,
enche os teus pulmões da luz da esperança,
Vá, espreguiça-te, ergue-te,
abre os braços e agarra-te a mim,
aperta-me bem forte,
assim, com garra,
e deixa que a minha energia penetre em ti e te dê
força de viver para voltares a ser VIDA!
Depois os vizinhos trazem moto serras e vão cortar o meu cipreste, tão digno mesmo agora que está a ser decepado. Cortam o tronco que estava na estrada, cortam o tronco que tinha ficado preso à terra.
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Torço por si, claro! Também eu gosto muito desses seres silenciosos e circunspectos chamados árvores. Gosto de os ver, de os fotografar e até tenho uma amiga muito especial, uma árvore muito bela que mora na EPAL na Marquês da Fronteira ao cimo da Artilharia Um. É a mais linda árvore de Lisboa! Joaquim Castilho
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Mas eles são práticos. Dizem-me, Isto é mesmo assim, são coisas que acontecem, por aí, por todo o lado, foram telhados que voaram, árvores que caíram, estragos muito grandes, o vento soprava de baixo e parecia que queria arrancar tudo. Mas, com este aqui, vai ver que ainda vai gostar de se aquecer com o calor que ele vai deitar.
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Este inverno tem sido muito rigoroso, hoje mais um dia de muita chuva...o temporal do fim de semana passado, foi horrível!!! Oxalá consigam salvar o seu Pinheiro, já que o Cipreste não foi possível. É bem verdade, a Natureza tem destas coisas, ora nos dá maravilhas, ora nos tira as que tínhamos!! Não perca o seu lado bom de ver as coisas...aquele que sempre partilha connosco. Depois da tempestade vem a bonança. MCP
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Depois, quando cortavam o resto do tronco, e eu desolada os fotografava para disfarçar a minha tristeza, um deles disse, talvez para me consolar, davam quatro banquinhos para os meninos. E eu olhei e já não parecia o meu cipreste alto, elegante, que ondulava com o vento. Agora eram quatro banquinhos (na fotografia apenas se vêem três, mas são quatro). Vão ser quatro banquinhos onde os meus quatro meninos se vão sentar e, quando estiverem sentados neles, eu vou pensar que foi a forma que o meu belo cipreste arranjou para brincar de pertinho com os meus menininhos.
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Temos inúmeras fotografias ali sentados, desde crianças, com nossos avós maternos, com nossos pais, só nós os irmã/irmãos, com sobrinhos e até de nossos antepassados todos ali abrigados na sombra frondosa daquela figueira centenária. Enfim, um período que passou, como passamos todos. Triste. Outro dia estive por lá e ali sentado no banco de pedra construído ao tempo da velha e saudosa figueira, deu-me para, com um dos meus irmãos, recordar tempos passados, da nossa meninice. A velha figueira foi-se, mas ficaram os afectos e a saudade. Do que ela nos deu – sombra, figos, repousantes momentos, etc – e que não se esquecem. Tenho pena de não ter uma foto com o nosso neto, nela abrigado do sol. P. Rufino
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Era uma árvore alta, uma de três. Plantei os três ciprestes para guardarem a casa, cupressus semprevirens, e eu queria-os eternos, a guardarem a minha memória. Agora são só dois. Dois irmãos que resistiram, que guardarão a minha casa, a minha memória, aqui foi a casa da mulher que gostava de nós como se fôssemos os seus irmãos, dirão eles quando soprados pelo vento.
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Compreendo a sua angústia, ainda que concorde com o seu filho quanto à obra da Natureza. É assim: a morte a e a vida sempre entrelaçadas. A nós, custa-nos, mas se pensarmos no ciclo do tempo natural, vemos que tudo é necessário à continuação dos seres e está bem. As árvores, todavia, parecem muito próximas do nosso sentir mais profundo (são símbolos cósmicos, que estabelecem a ligação entre os vários planos do mundo), pelo que vê-las caídas perturba. A Matéria dos Livros
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Pela mão de Ana de Sá:
(colhido em António Ramos Rosa)
"com a árvore partilhamos o mundo com os deuses”
UJM – mulher/deusa – para sempre, nos seus afectos, sentirá
o canto do vento [no seu cipreste]
(apanhado em Maria do Rosário Pedreira)
Em jeito de abraço/flor/fruto,
Del ciprés
Del ciprés enhiesto en la llanura
los días afilan las sombras.
La soledad, agachada, lo ve.
Y huye sin querer que se lo nombren.
Héctor Rosales
Agora é um monte de lenha para arder nos dias frios e quatro banquinhos. Fotografo e já não é um cipreste alto e cheiroso, agora são quatro banquinhos e é um monte de lenha, e um dia esta lenha vai misturar-se com outra lenha qualquer e vai arder como uma lenha qualquer e vai transformar-se em cinza branca igual à cinza de uma outra árvore qualquer. Ficarão os quatro banquinhos.
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Creio que sei bem o que sente. Lamento, lamento muito! Na mesma altura, aqui na quinta que olha o sagrado da cidade, mas onde usualmente não moro, tive também devastação. Descrevi-a na primeira parte do poema "Temporal". J. Rodrigues Dias
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Veio na noite forte o vento
E pequeno rebento,
Arbusto,
Criança
Da raiz arranca
Como frágil botão…
Mais forte cresce aquele vento
E cedro viçoso tomba uivando em destruição…
Mais forte ainda e adamastor o vento
E no medo e desalento do homem
É outro cedro
E outro
E outro ainda,
Mas mais árvores estavam tombadas, arrancadas. Grande foi a violência deste inclemente vento. A medo, um soluço preso na garganta, fui andando. Aqui abaixo uma grande aroeira. Nasceu arbusto e nós fômo-la convencendo a tornar-se árvore. Podando, carinhosamente podando, e ela crescendo, grande, bela, muito cheirosa. Quando aparava os seus ramos ficava um cheiro doce no ar. Agora jaz por terra, vencida. Curta foi a sua experiência como árvore.
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E tem razão, é uma vida que se perde. Ainda por cima perdeu o outro, que foi cortado. Este mau tempo tem feito estragos que é de fazer dó. Vêem-se árvores por terra, culturas arrasadas, anos de trabalho perdidos. O seu filho diz bem, é a Natureza e, de vez em quando, mostra-nos a sua força. Nessas alturas sentimo-nos tão pequeninos. Olinda Melo
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É a natureza, sim. A natureza que, por vezes, se revolta. Acts of God, force majeure. A nossa insignificância perante a força destrutiva do ar que antes parecia brando, inocente. Respirávamos este ar, e nem lhe percebíamos a presença. Depois insurge-se, e parte, em cólera, devastador. E nós percebemos que somos tão pouco.
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A Natureza usa os "elementos" para lembrar ao "homem" o mal que este lhe tem feito. jrd
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Caminho à chuva, andando devagar, temendo o que mais irei ver.
Os pequenos pinheiros, os últimos a terem sido plantados, também estão tombados, vergados, foi forte a força do vento. Mas a esses ainda vai ser possível valer. Meus pequenos pinheiros. Tantas vezes, ao passar por eles, passo a mão pelas suas ramagens, ou pego nelas e aspiro o perfume que exalam. Têm recebido o meu carinho desde que aqui foram plantados. Lembro-me desse dia. Foi o meu pai que os plantou, sempre reclamando pela terra pedregosa, se fosse outra terra cresciam num instante, assim... Mas, com o incentivo da minha ternura, vão vingando. Tomara que cresçam saudáveis, que se façam grandes e vigorosos e que mais nenhum vento os derrube. Tomara.
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Uma árvore tem um valor imenso e uma árvore plantada por nós, que cresceu à nossa beira e com o nosso carinho a cuidá-la, é assim uma espécie de filho. Compreendo perfeitamente a sua dor. Isabel
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E tantas pernadas partidas. Há uma semana estava muito mau tempo e eu fotografei as árvores caídas à beira do rio. Depois à tarde fui para o cinema. Não me ocorreu que, in heaven, o meu pedacinho de paraíso, também as minhas queridas árvores estivessem a sofrer, braços e pernas partidas, algumas decepadas.
Junto a este canteiro alto que cobri de azulejos para neles poder escrever poemas de Sophia (este é o amor das palavras demoradas/ moradas habitadas/ nelas mora/ em memória e demora/ o nosso breve encontro com a vida), uma outra árvore. Ainda está presa pela raíz mas como colocá-la de pé se vergou junto ao chão, se recebeu um golpe rasteiro e fatal que a apeou, que a deitou por terra depois do seu breve encontro com a vida?
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Quando a leio, lembro-me de P.Valéry
"...Que faire de tout ce passé?
Que faire d'un passé? Mais tu le sais bien! Des phrases!..."
Todos nós temos raízes enterradas em todos os nossos jardins. Haverá mais sábia maneira de existir? E em dias de temporal,os ramos agitados esboçam o começo de um voo... E nós ficamos suspensos da fúria dos deuses da Atlântida. Maria Ana
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Mas a natureza mostra-nos, a cada passo, que a vida continua, que a beleza vence sempre, que a cor, a alegria permanecem, são indestrutíveis. As árvores choraram todo o dia mas estas flores erguiam-se exuberantes, quase indecentes. E, ao vê-las, eu agradeci-lhes por me lembrarem que depois de um dia vem outro dia, e que o que o meu mundo é também aquilo que eu quero que ele seja. Curarei as minhas feridas, plantarei novas árvores, viverei intensamente cada instante junto a elas porque não saberei se será o último instante, e a minha memória estará sempre aqui. In heaven.
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Com tempo, tudo volta a ser o que era. Ainda bem que o seu pinheiro está de pé. O resto, a Natureza e a sua vontade, vão recuperar. Maria
Cipreste: Há que plantar outro(s) e rapidamente! A UJM não é mulher para desistir, e ainda o vai ver enorme! E que bonito vai ficar numa 'Noite Estrelada'...
Banco: Espero que consiga recuperá-lo! Esta sim, uma grande perda, pois dificilmente o seu pai poderá construir outro...
Dê um abraço por mim ao seu alter-ego! Antonieta
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Esta foi também a forma de agradecer, sensibilizada, a todos quantos compreenderam a minha aflição e tristeza, traduzindo em palavras o inestimável valor da amizade. Muito obrigada.
E a vida continua.
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Caso queiram dar um passeio pela beira do rio, convido-vos a virem comigo até ao meu
Ginjal. Hoje, por lá, o enamoramento saboreia-se nas palavras e nos beijos de dois apaixonados. O pretexto foi um poema de José Luís Peixoto. Na música, dou abertura a um novo ciclo. Agora é chegada a vez dos Grandes Intérpretes e começo em beleza, com Glenn Gould, um grande intérprete de piano.
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E tenham, meus Caros leitores uma bela semana, a começar já por esta segunda feira!