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terça-feira, agosto 05, 2025

Dar de mamar até as crianças terem 6 anos? Mas está tudo doido ou quê? Poupem-me.

 

Não vi, até agora, nenhuma concretização de jeito por parte do Governo Montenegro. Antes das eleições, já por duas vezes, era vê-lo, fanfarrão: que fazia e que acontecia, era só chegar ao governo, e todos os problemas se resolveriam em 2 ou 3 meses -- e, afinal, como é público e notório, tudo em que tocou ficou ainda mais estragado.

Por isso, não pode haver dúvidas sobre a minha opinião geral sobre a falácia Montenegro. Mas isso não me tolda o raciocínio. Sou, e creio que enquanto tiver a mente a funcionar normalmente, assim serei isenta. Pelo menos, esforço-me por isso. E é assim que hoje vou sair em defesa de Madame Palma Ramalho.

Enfim... mais ou menos...

No que se refere ao tema da legislação laboral, continuo sem perceber qual a necessidade de tanto fuzuê. Trabalhei durante anos e anos e nunca vi que a legislação fosse um problema. Saídas por negociação, saídas por extinção de posto de trabalho, saídas por despedimento com justa causa ou mesmo despedimento colectivo são o pão nosso de cada dia. Sem espinhas.

Claro que não se consegue despedir, unilateralmente falando, alguém só porque sim. Pode não se gostar nem um bocadinho de uma pessoa, pode saber-se que é um traste de primeira, que é uma pessoa tóxica ou psicopata, e, ainda assim, não conseguirmos livrar-nos dela. Sei do que falo. Passei por situações em que toda a gente queria ver uma doida varrida pelas costas: má profissional, má colega, perigosa mesmo. Em relação a mim, por diversas vezes, usou tácticas intimidatórias. E, ainda assim, o mais que conseguimos foi mudá-la de funções. Poderíamos, claro, ter avançado para um despedimento individual coercivo. Mas teríamos que carrear provas, teríamos que nos preparar para que um advogado nos fizesse a vida negra, teríamos que arcar com o risco de que fosse para as redes sociais deturpar tudo e causar danos reputacionais à empresa. Engolimos em seco e engendrámos uma solução em que fizesse o mínimo de estragos. Mas, ainda assim, continuo a defender que é preferível arcar com as consequências de ter gente pestilenta e imprestável nas empresas do que correr-se o risco de que patrões desonestos ajam discricionariamente contra trabalhadores indefesos que não lhes caiam nas boas graças.

Por isso, de cada vez que vejo que a bandeira da legislação laboral anda outra vez de mão em mão, dou um passo atrás e fico, cepticamente, à espera de ver o que vai sair dali. Felizmente, de forma geral, as montanhas parem ratos. Haja paciência.

Não quero com isto dizer que não haja aspectos a burilar. Há. Pormenores, aspectos específicos, pontuais. E, nesses casos, mais inteligente seria se partidos, sindicatos e associações patronais pensassem no País e não nas corporações em que se entrincheiram.

Mas, aqui chegados, eis que salta para a arena o tema da amamentação. O Governo quer limitar a redução de horário (duas horas) aos primeiros dois anos. Quando ouvi, pareceu-me normal, inócuo. 

Contudo, de repente, levantou-se um banzé do caraças, toda a gente a defender que as mulheres devem ter duas horas a menos de trabalho para amamentar crianças até aos 6 anos. De loucos. Pela cabeça de quem é que passa que é normal uma mulher dar de mamar a crianças com mais de 2 anos? Em especial, que o faz em horário diurno? Está tudo maluco ou quê?

Falo com conhecimento de causa. Foi há muito tempo mas a realidade é a mesma: uma mãe a amamentar os filhos.

Amamentei a minha filha até ela ter 13 meses. Já o contei: já falava e andava e ainda mamava. Mamava de uma mama, depois levantava-se, dizia, 'agora a outa', sentava-se na minha outra perna, encostava-se a mim, e mamava. Claro que o fazia depois de ter comido a papa da manhã, antes de sairmos, e, à noite, antes de ir para a cama. Por fim, só à noite. E eu confesso: fui eu que acabei com aquilo, já estava fisicamente saturada, já me custava. E foi um processo natural que ela também aceitou bem. Disse-lhe: 'A mãe já não tem mais leitinho nas maminhas. Sabes como vamos fazer? Já és grande, agora vais passar a beber um copinho de leite como os meninos crescidos'. E assim aconteceu, naturalmente.

De todas as minhas amigas, colegas e conhecidas eu fui a única que amamentei até tão tarde. Toda a gente achava um disparate, quase como se fosse uma cedência ao mimo de uma criança. Não quis saber. A minha intuição dizia-me que era benéfico para ela e assim foi.

Na altura, só havia licença de amamentação no primeiro ano da criança.

Com o meu filho, foi diferente. Sempre speedado, com um ritmo sempre difícil de acompanhar. Mamou até aos 4 meses, mas sempre foi um desatino. Quando a minha filha mamava, era um momento tranquilo: aninhava-se em mim e mamava pausadamente. O leite do meu peito sempre foi proporcional às suas necessidades. Com ele sempre foi o oposto: mamava sofregamente, mamava, mamava, com uma força e uma velocidade que não dava para acreditar, parecia que estava sempre esgalgado de fome. Claro que depois engasgava-se. Eu assustava-me imenso, ficava sem conseguir respirar e eu levantava-o, abanava-o. Enquanto isso, o meu peito ficava a esguichar leite enquanto ele tossia, engasgado, o leite a atingi-lo na cara, a entrar-lhe para os olhos e, quando se desengasgava, chorava, incomodado. O meu peito, face a tal sofreguidão, produzia leite até mais não poder, transbordava, encaroçava. Quando chegou aos 4 meses, deixou de querer mamar. Tive um desgosto grande, uma grande preocupação. Custou-me muito que esse elixir, essa garantia de saúde, não pudesse ser-lhe proporcionada. Tentei de tudo, mas ele foi taxativo. Fechava a boca, torcia-se, rabiava, esperneava. O leite acabou por ir secando. Por essa altura, já tinha introduzido a comida sólida no seu regime, e era só disso que ele queria. Não papas, que isso o agoniava, queria era sopa, comida com sabor. Devorava comida normal. Mas, bebé que era, como tinha que beber leite, dava-lhe no biberão. Mas só de eu lhe pôr a tetina na boca, começava com vómitos. Tinha que apanhá-lo a dormir, para lhe dar leite à socapa. Mas criou-se, cresceu, fez-se grande e forte. E mantém-se um bom garfo.

A tendência agora é que a amamentação seja exclusiva até aos seis meses. Acompanhei o processo pelos meus netos.

Mas o facto de haver mais um ou dois meses de amamentação em exclusivo ou de ser claro que o leite materno é uma mais valia e que prolongar-se até aos dois anos pode não ser o disparate que antes parecia, não significa que seja natural, saudável (lato sensu), amamentar uma criança para além dos dois anos, em especial durante o dia. Diria que é um absurdo sem pés na cabeça e duvido que haja mais do que meia dúzia de mulheres que o faça. Duvido muito.  

Dito isto não quero dizer que não faça sentido que as mães (ou os pais, à vez) não devam ter redução de duas horas de horário de trabalho até as crianças terem 6 anos. Chamemos-lhe 'licença de acompanhamento parental'. Isso, sim, faz sentido.

Relembro os meus tempos de jovem mãe, com horário rígido, sem redução após eles terem 1 ano. Eu com uma menina quase bebé, depois grávida e com ela ao colo ou pela mão, depois com um bebé de colo e ela, pequenina, pela mão. Não usava carro nessa altura. Nessa altura o meu marido estava na Marinha, sem flexibilidade para me apoiar mais, e, depois, quando saiu de lá, entrou para uma multinacional que o tirava frequentemente de Lisboa e do País. Não foram tempos fáceis. Mas era o que era e, apesar dos sacrifícios, sobrevivemos. Na boa. 

Mas poderia ter sido melhor. Não tive mais uns quantos filhos por me ser tão difícil (e por não ter suporte ou apoio logístico para as dificuldades do dia a dia). Tivesse eu tido uma vida mais facilitada e não teriam sido dois, teriam sido uns três ou quatro filhos. Se bem que o que eu gostava mesmo era de ter tido uns seis. Mas era impensável, ingerível.

Mas agora que o mundo mudou e que a flexibilização de horários é uma coisa normal, que o regime de trabalho pode ser híbrido, pode -- e deve -- ir-se mais longe.

A demografia em Portugal é uma lástima. Mesmo que os imigrantes nos venham dar uma ajuda no rejuvenescimento populacional, não chega. 

Tudo deve ser feito para incentivar a natalidade e o mínimo que se pode fazer é garantir que os pais possam acompanhar minimamente os seus filhos pequenos, trabalhando menos 2 horas por dia até que atinjam os 6 anos.

Isso e mais medidas: todas são poucas para incentivar os pais a terem mais filhos. Creches gratuitas, horários flexíveis e reduzidos sem redução de ordenado, abono de família generoso e crescente consoante venham mais filhos para a família. E o mais que, razoável e inteligentemente, se saiba pôr em prática.

terça-feira, fevereiro 04, 2025

Quanto tempo o tempo tem

 

Ontem e hoje dias de reencontros, daqueles em que as pessoas se lamentam dizendo que é pena é que seja nestas alturas que a gente se encontra. Pois. E despedimo-nos a dizer que 'temos que combinar qualquer coisa.' Mas depois o tempo passa.

Em pequenos grupos, vai-se conversando. Onde eu estava, conversas de médicos, vários, racionalizando, descrevendo as maleitas que vão aparecendo com o tempo, constatando o óbvio: chega a uma altura em que, se a pessoa vive, é apenas para morrer mais devagar.

E, ao mesmo tempo, duas jovens mamãs, cada uma com os seus dois filhos, idades variáveis entre os 4 anos e os 4 meses. As crianças não sossegam e as mães tentam que os filhos não se magoem. O bebé, agasalhado, no carrinho. Entraram há pouco para a passadeira rolante que é a vida. Correm, brincam e riem ao mesmo tempo que outros choram quem acabou de sair dela, alguém para quem a linha do tempo se extinguiu.

Revi também uma 'rapariga' que apenas reconheci pela mãe. A mãe manteve as feições mas ela está muito diferente. Devia ter cinco, seis, não sei, devo ter-me encontrado com ela até ela ter uns nove ou dez anos. Agora, se calhar uns quarenta e tal anos depois, quando a abracei tratei-a pelo diminutivo com que a tratava. Espantaram-se. 'Ah, ainda te lembras...'. Claro que me lembro. Sorrimos: continuamos a tratar-nos assim. Não faz sentido tratarmo-nos de outra maneira, o afecto que nos une é o mesmo de quando éramos pequenas.

Mas o tempo passa. 

Disseram-me: 'Há um ano passaste tu por isto.'. Pois foi. E desatei a chorar. 

As flores que a minha filha lá pôs há um ano, ainda estavam boas e deixei-as ficar. Juntei-lhes outras. Com carinho, ajeitei-as. Mas, na verdade, é um gesto simbólico. Mais flor, menos flor. Para mim, a minha mãe não está ali, nunca esteve. O que ela era, a nível material, o que sobrou, diluiu-se na terra (e ainda bem que assim é). O que ela era, imaterial, vive ainda em nós. E está ainda bem vivo.

Mas, enfim. É o que é. É a vida. É o tempo que passa. Nada a fazer. São as circunstâncias da nossa condição humana, finita, efémera.

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Por isso, adiante. Para a frente é que é caminho.

Para que não me fique um travo a uma certa tristeza, talvez a uma certa impotência, se não levarem a mal, a ver se espaireço, vou ter com a Philomena CunK que tem aquela maluquice irreverente que me agrada.

Philomena Cunk on Time – A Deeply Confusing Investigation | Moments of Wonder

What is time? Can we see it? Can we touch it? And if we stop all the clocks, does time stop too? In this hilarious episode of Moments of Wonder*, Philomena Cunk takes a *very serious (but mostly wrong) look at the concept of time.  

Join Philomena as she visits the Greenwich Clock Museum to investigate what clocks actually do, asks experts deeply confusing questions, and delivers her trademark deadpan wisdom on one of life’s biggest mysteries.  

⏳ Prepare for an educational experience like no other—because after watching this, you might know even less about time than you did before.  


Desejo-vos dias felizes

sábado, novembro 02, 2024

Há coisas que só vistas

 

Durante toda a minha vida, escolhi por mim o que vestia fosse para o que fosse. Todos os dias eu saía de casa como se fosse um dia especial pois todos os dias frequentava locais em que toda a gente se arranjava muito bem e sentir-me-ia deslocada se me apresentasse arranjada de forma desatenta ou informal.

Vestia-me com cuidado, tudo a condizer (ou a contrastar, consoante o objectivo) sapatos adequados, maquilhagem no tom. 

Claro que quando havia mega reuniões ou encontros do Grupo ou situações em que eu ia falar para as 'massas', tendo os 'holofotes' sobre mim, tinha especial cuidado. Nessas alturas, claro que, na véspera, à noite, experimentava vários outfits, fazia uma pré-selecção, e depois pedia a opinião ao meu marido. Era frustrante para mim pois eu gostaria que ele olhasse com atenção, pensasse um pouco. Mas não. Eu aparecia e ele dizia logo 'acho bem'. Depois, eu mudava e aparecia com outra roupa, e ele, instantaneamente, dizia: 'A primeira'. Eu mudava para a toilette seguinte e acto contínuo, ele dizia: 'Pode ser.'. Ou seja, não se concentrava, não tinha paciência. Eu tinha que insistir bastante, mas ficava sempre com a sensação de que ele queria era ir jantar pelo que não tinha paciência para as minhas experimentações. 

Agora que estou reformada, a minha vida felizmente simplificou-se de forma radical. Mesmo quando vamos passear, ou almoçar fora ou a algum encontro ou a alguma situação em que faz sentido arranjar-me um pouco melhor, só tenho que ir ao roupeiro e escolher um conjunto que me agrade.

Mas depois há aquelas situações especiais. Aí tenho mesmo que caprichar um bocadinho. Não dá para ir muito casual e o registo informal está fora de questão. 

Uma coisa tenho muito clara, nesta e noutras condições: não vou comprar nada. Portanto, só tenho que saber escolher. Hoje, antes de chegarem os meus netos, estive a experimentar toilettes. 

Acabei por me fixar em duas. Uma baseada em tons azuis escuros e outra em tons azeitona. Fotografei-me e mandei à minha filha. Rejeitou liminarmente as duas. Na sequência disso, devo ter estado à vontade uma hora a trocar de calças, de blusa, de casaco, de sapatos. Finalmente, quando me parecia que inequivocamente era aquela, a minha filha voltou a rejeitar. Agora parece que já nos fixámos numa delas, com outra como alternativa. 

No fim, a cama tinha calças, blusas, casacos, tudo fora dos cabides, uma maçada de todo o tamanho para voltar a arrumar tudo. Ocorreu-me a paciência que aquelas pessoas que trabalham nos provadores da Zara ou de outras lojas de grande movimento têm que ter para passar horas a arrumar roupa que os outros despem e para ali deixam de qualquer maneira. Enfim.

Mas, com a short list de duas toilettes, agora tenho que convencer o meu marido a ser cooperante e dizer a sua opinião. Gostava que fosse ele a desempatar (mas não estou com muita esperança).

E ainda tenho que ir cortar o cabelo e, desta vez, a ver se vou mesmo à cabeleireira. Em quatro anos acho que só fui uma vez. Mas para um corte mais radical e para a situação que é, não posso arriscar nos meus amadorismos. 

Claro que, no meio de tanta desgraça. eu estar nisto é coisa abaixo de parva. Mas a vida tem destas coisas, muitas facetas, e, excepto em situações limites, há espaço para tudo.

Tirando isso, tive ajuda na cozinha, dois dos meninos colaborando, e, talvez com a excitação de tê-los ali, cada um a fazer a sua coisa, a falarem alto, numa alegria, o cão, que nunca liga patavina, desta vez também quis ver o que se passava e pôs-se de pé, duas patas na bancada, para espreitar e para ver se apanhava alguma coisa. Foi uma aventura para o pôr dali para fora pois obviamente quer estar onde estão as suas 'ovelhinhas'. A cozinha tem duas portas e uns corriam por uma porta e ele atrás e eu e o meu marido a fecharmos a porta e todos a quererem entrar pela outra e nós a tentarmos barrar-lhe a passagem mas, claro, eu a precisar de entrar. Há coisas que deveriam ser filmadas pois só vistas.

E agora que estou aqui na sala a ver uma coisa assustadora, os vídeos falsos gerados por Inteligência Artificial, uma coisa que me preocupa para além da conta (um dos habilidosos dizia que com um gasto mensal de vinte e poucos dólares, conseguia fazer não sei quantos vídeos -- ou seja, toda a tecnologia à disposição de toda a espécie de crápulas, de mercenários, de malucos, de agarrados que precisam de dinheiro, de psicopatas, de fascistas, etc), só me apetece continuar no registo das frioleiras, das futilidadezinhas inofensivas, que não me desgastam os neurónios, que não cansam a minha beleza.

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As imagens foram photoshopadas com muita graça por Volker Hermes

E um bom fim de semana para todos

domingo, agosto 25, 2024

Festa de anos da leoa mais tardia da família
-- E, porque vem muito a propósito, tutorial de maquilhagem para ficar como o Trump --

 

A última leoa esteve fora no dia dos seus anos pelo que este sábado é que foram as comemorações familiares. A reunião começou por volta das três e picos e prolongou-se creio que até às onze da noite, mais coisa menos coisa. 

Foi um dia em cheio, bom, bom, a malta toda reunida. Os anos passam, estamos todos cada vez mais sábios. Haverá quem diga que qual sábios qual carapuça, estamos é mais velhos. O tanas. 

Claro que os mais jovens estão mais altos, os do meio mais maduros e os mais velhos mais tranquilos. 

E todos estamos cada vez mais na boa. 

Confesso que, pela parte que me toca, aquilo de estar mais sábia é um pouco forçado... estou é cada vez mais ignorante... Mas isso é uma sensação que também é boa. Ignorante e a estar-me nas tintas para muita coisa é um good feeling, ohié.... Noutras situações fico com vontade de as aprender e isso também é bom.

Naturalmente houve presentes, desporto (o meu marido a meio da tarde foi dar uma volta com o cão e disse que a milhas se ouvia o chinfrim que eles faziam), lanche, leituras, conversas, penteados (entre tia e sobrinha, claro), houve execução de colares e pulseiras (a tia e a sobrinha, claro), houve conversas impenetráveis sobre futebol (entre os irmãos/primos rapazes, claro), houve visualização de um jogo de futebol (primos e pai/tio, claro), houve jantar, bolo de anos e parabéns a você e tudo a que os aniversariantes têm direito. 

Dia feliz, bom, bom, bom.

Sempre na rua. Está-se bem. Acho que é muito melhor estar ao ar livre do que encafuado em casa.

Sempre na rua, salvo seja. Entre o lanche e o jantar os rapazes estiveram nesta sala a ver cenas na televisão e, quando o meu marido aqui entrou, disse que não sabia se aqui poderia ficar. Referia-se ao cheiro. Mas a janela estava aberta e arejou o qb antes de eu entrar. Já não caí para o lado. De resto, tomaram banho (tomaram banho cá em casa, antes de jantar, é o que eu quero dizer). Mas também não sei a natureza do cheiro, diga-se. 

Adiante.

O que sei é que as cobertas que coloco em cima dos sofás estavam, como sempre, todas tortas, parte no chão, as almofadas umas caídas, outras em locais que não o delas. E a própria carpete estava meia enrolada. 

Não encontrei um dos comandos mas o meu marido conseguiu dar com ele. Menos mal. Não há muito, só demos com ele no dia seguinte.

O meu filho continua a perguntar-me por uns calções que perdeu e que diz que só podem estar cá. Não digo que não pois aqui reaparecem coisas que se julgavam perdidas. Mas, de facto, já se afastaram sofás, já se espreitou para baixo de tudo. Nada. 

Enfim, mistérios.

Depois, quando já estávamos os dois sozinhos, ainda fomos dar um passeio com o cãobeludo. Sabe bem passear enquanto se respira o ar fresco da noite.

A propósito. Se há coisa que o dog mais fofo adora é ter a casa cheia (cheia mas de gente que ele aprove, claro, nomeadamente a família). Fica numa alegria quando eles chegam e anda o tempo todo ao pé de um e de outro. 

Mas, mal ele pressente que a minha filha está numa do ir, começa a agarrar-se a ela, a fazer-lhe marcação, a querer segurar-lhe os pés. Não sei se ouve alguma palavra (por exemplo, ela a dizer para a sua trupe para se irem embora) ou se se apercebe através da dinâmica de partida. Curiosamente não faz isso com o meu filho e com todo o resto do pessoal, só com ela. Talvez seja porque ela o mima imenso e se entendem bem um ao outro.

Bem.

Isto para dizer que, para variar, quando me sentei aqui na sala e liguei o computador passava da meia noite. E parece que, em simultâneo, desliguei os neurónios. Deu-me um sono do caraças. Desculpem lá isto, parece um disparate, eu sei, e, na volta, é mesmo mas os dias são tão cheios que, ao fim do dia, estou para lá de bagdad.

Por isso, nada mais conseguindo pronunciar, dou passagem a um tutorial sobre como nos maquilharmos para ficarmos com aquela maravilhosa tez alaranjada do Trump. Parece-me útil. Na volta, quem queira agradar ao líder parlamentar laranja pode aqui aprender a pôr-se parecido com o seu guru. Ohié.

✨ Honest Donald Trump Makeup Recreation! 💄


E tenham um belo dia de domingo, está bem?

sábado, março 09, 2024

Não me parece nada bem que a Fonte de Belém e a Manuela Ferreira Leite tenham tentado estragar-me a paz in heavem

 

A vida no campo adoça-me as arestas e traz-me algum do oxigénio de que ando bem necessitada.

Têm sido tempos de stress e esforço, mesmo físico, em contínuo desde há vários meses. Depois de meses sem perceber o que é que a minha mãe tinha, convicta de que era um caso agudo de hipocondria, convencendo-a a voltar a ter seguimento psicológico, insistindo até mais não poder, até à exaustão, a que tomasse os medicamentos para o coração, a descontrair e a não pensar em doenças e sintomas, caiu-me em cima uma primeira bomba de que, afinal, de súbito, sem aviso prévio, tinha entrado numa fase terminal e a segunda bomba de que, afinal, isso não era do seu desconhecimento, que tinha exames e estava avisada pela médica, e que, sabe-se lá porquê, tinha resolvido ocultar a doença grave e fazer de conta que não sabia o que tinha. E, aqui chegados, foi aquele mês e tal em que a morte avançou sobre ela de forma galopante, estando ela lúcida e, notoriamente, não preparada para aceitar a situação pois queria viver ainda por muito mais anos. 

Claro que, a seguir, após o doloroso desfecho, poderia ter ido enfiar-me no campo, descansar a cabeça, não ter agora andar neste afã de 'limpar' a casa mas, sei lá eu porquê, parece que tive esta necessidade de não abrandar, de não deixar a casa 'ao abandono', de não querer trazer na mente, em background, a ideia de que tinha este trabalho pesado para fazer, 

Portanto, sem descanso, tenho andado a esgotar-me, revirando o conteúdo de gavetas e prateleiras e caixas e roupeiros e malas e sacos, tentando salvar o máximo de coisas -- com o meu marido e os meus filhos sem quererem quase nada, ou nada mesmo --, e a dar voltas à cabeça para ver como hei-de conseguir absorver o máximo de coisas sem ficar com a casa atravancada, desvirtuada.

Por exemplo, no outro dia, quando a minha filha lá deu um salto, tínhamos que dar destino ao faqueiro melhor, o que estava na sala de jantar. Há outro na cozinha, digamos para uso corrente, que lá ficou. Mas este era o que usava quando lá estávamos todos ou, depois de a minha mãe ter deixado de dar aulas, para os lanches com as amigas. Sendo um faqueiro bom e o faqueiro usado quando a família estava reunida, custava-me dá-lo. Pareceu-me que a minha filha estava receptiva a levá-lo para sua casa. Afinal, não, guardou-o mas era para eu o trazer.

Fiquei mesmo sem saber onde colocá-lo. Pensei que só se fosse no campo. Portanto, para lá foi. Hoje estive a guardá-lo. No gavetão grande do aparador, havia um espaço em que talvez pudesse ser. Não poderia estar naqueles tabuleiros com divisórias pois os tabuleiros não caberiam no espaço livre. Coloquei um dos milhares de paninhos com rendinhas no fundo da gaveta, no espaço livre. E comecei a arrumar por espécie: colheres, garfos e facas de sobremesa, colheres de sopa, facas e garfos de carne, facas e garfos de peixe, colheres de chá, colheres de café. Depois mais uma dúzia de garfinhos para entradas e mais daqueles mínimos para amuse bouche. E até me parecia que ia caber tudo. As colheres grandes, para servir, incluindo a concha de sopa, tiveram que ir para a gaveta de cozinha que tem disso. 

Claro que, ao arrumar, me pareceu que não estava a dúzia completa de cada coisa e estava a dar graças por se terem tresmalhado tantas peças. Mas, para minha neura, quando fui arrumar o saco grande onde tinha vindo o faqueiro, senti-o bastante pesado. Havia lá uns plásticos de bolhas onde a minha filha tinha embrulhado peças de vidro. E, por baixo desses plásticos, estavam mais carradas de peças. Cá para mim a minha mãe comprava doze peças de cada mais umas quantas de reserva. A ginástica que tive que fazer para conseguir arrumar o que faltava sem ficar tudo ao monte só eu sei. Às tantas já estou num desespero, sem saber onde guardar tanta coisa de que não tenho falta e já só me apetece ou deitar coisas fora ou guardá-las a esmo.

De qualquer forma, pelo menos na minha cabeça, a parte mais complexa e pesada já está quase. Pelo menos acho que as coisas de mais valor, material ou estimativo, já foram retiradas de lá. Claro que ainda há o tema das mobílias e do muito que ainda lá está. Mas quero acreditar que isso se haverá de resolver.

Enfim. 

Acho que agora vou tentar intervalar. Preciso mesmo, mesmo. 

Claro que ainda tenho que tratar do imposto de selo com a documentação inerente, depois é o averbamento, depois a conservatória, etc. Do primeiro ainda tenho quase dois meses para tratar e do resto acho que não há grande urgência. Claro que também ainda há que regularizar a trapalhada da propriedade horizontal e mais não sei o quê e, já agora, também do terreno do Algarve que, felizmente, já comprovámos que, nas Finanças, está em nome do meu avô. Menos mal.

Com isto e mais um conjunto de outras coisas, só vi televisão à noite. E nem queria acreditar no que a Manuela Ferreira Leite tinha dito. Uma vergonha. Uma náusea. A todos os títulos, evitável. Diria mesmo: constrangedor. Nem queria acreditar, também, na ingerência da so called Fonte de Belém na campanha, uma coisa indecorosa, sem perdão. 

É o mal de gente daquele calibre. Ressabiados, descontrolados, sem princípios...? O que é isto?A sério que nem sei o que ache de comportamentos assim. Parece que, para eles, vale tudo. Ninguém pode estar descansado com gente assim por perto, essa é que é essa.

Mas hoje quero dar descanso à minha beleza e à minha saúde, preciso de manter a calma. Não vou perder tempo com o que só faz mal. Vou, isso sim, respirar fundo, aspirar o ar fresco e lavado. 

É verdade: pelos vossos lados também choveu como pelos meus? Puxa... Uma chuva pegada, intensa. Eu a querer andar a fotografar os maravilhosos verdes, as lindas flores, a primavera que já mal consegue aguentar, doida para aparecer, escandalosamente revigorada, e a chuva que não dava tréguas...

E que precisados andávamos de boa agüinha assim... Fico mesmo contente. Só tenho pena de não ter uma cisterna para a aproveitar. De futuro, cada edifício que se construísse (prédio ou moradia) deveria ter reservatório para água da chuva. Não acham?

Tirando isso, a ver se retomo a leitura e a escrita. Idealmente até conseguiria dormir umas sestazinhas depois de almoço mas isso já é capaz de ser pedir muito. Ou isso ou ir passear. 

É verdade, este sábado é para a malta não pensar em nada, não é? 

(Ou é o oposto: é para pensar?)

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Um dia bom

Saúde. Tranquilidade. Paz.

quinta-feira, março 07, 2024

E a luta continua...

 




Hoje a labuta em casa da minha mãe foi muito produtiva. Apesar de ter estado pouco tempo pois foi lá ter connosco numa corrida junto à hora de almoço, a minha filha deu uma ajuda considerável. Grande parte das gavetas e das prateleiras dos armários já está com muito pouco ou nada.

Ainda há conjuntos de copos que lá permanecem: os meus filhos não querem, eu já não tenho onde pôr e o meu marido recusa-se a transportar. 

E a cozinha está ainda com tudo. E a despensa continua com muita coisa. E nos roupeiros e cómodas ainda há roupas de vestir, de cama, de banho. O roupeiro que está no pequeno hall junto à casa de banho está ainda compacto de coisas até acima (e o roupeiro vai até ao tecto): cobertores, turcos, lençóis. 

A solução para tudo isso será a mesma que encontrarmos para os móveis. Tenho muita pena dos móveis, alguns muito bonitos, mas não há qualquer possibilidade de os aproveitarmos, são muito grandes e não cabem em lado nenhum.

Já deitámos fora muitas dezenas de sacos de lixo. Muitos papéis, muitos, muitos, e muitas revistas, muitas (de decoração, de tricot, de crochet, de saúde e nutricionismo, etc) e muitos exames médicos. Isso deitamos nós directamente para o lixo. 

E a senhora que cuidou do meu pai e que continuou a ir ver a minha mãe e que continuo a contratar para zelar pela casa tem sido incansável. De cada vez que lá vou, deixo as camas cheias com pilhas de coisas que penso que são boas e mal empregadas para deitar fora. A primeira escolha é dela e terá já, certamente, aproveitado muitas coisas. Para aquilo que ela não quer, chama uma senhora amiga dela que lá vai ajudá-la a fazer uma segunda triagem, levando a seguir para uma senhora que, segundo me dizem, leva para a família ou para conhecidos carenciados que vivem no Alentejo.

Tínhamos lá um bico de obra que era o cadeirão com motor eléctrico que se reclinava até ficar quase como cama e que se punha para cima para ajudar no levante. Tínhamos comprado para o meu pai a seguir ao AVC que o usou durante vários anos até que, um dia, ao cair no corredor, partiu uma perna e nunca mais conseguiu recuperar, ficando acamado desde aí. O motor estava óptimo mas, ao contrário do que pensávamos, o cadeirão não era de pele mas sim de um material sintético que, de início, a imitava muito bem. O pior foi o que aconteceu com o desgaste, ficou em mau estado, todo estalado e feio. A minha mãe tinha posto uma coberta em cima e, não se vendo, parecia bem. Mas não estava. Era nesse cadeirão que, sendo muito confortável e não tendo como ser facilmente removido, a minha mãe passou a sentar-se para ler ou para fazer tricot ou crochet. 

Mas sabíamos que, por baixo da coberta, estava feio. Só que era tão pesado, tão pesado, que não se via como movimentá-lo. Tinha entrado pela janela e tinha sido uma odisseia para o conseguirem levar até lá. Pois bem: hoje o meu marido desmanchou-o todo. Todo. E, portanto, assim desmanchado, foi levado até junto dos contentores, onde a Câmara o levará para os monos. Mas, pouco depois de o meu marido lá o ter posto, quando levou mais uma série de sacos para o lixo, disse que tudo o que era ferro já tinha voado.

E a minha filha levou mais algumas coisas, mas poucas. Não tem onde pôr e não quer encher a casa com coisas que ou não ficam lá bem ou não cabem. Faz bem. 

E nós trouxemos mais uns quantos sacos grandes. Mais sacos que tenho que esvaziar, arrumando tudo o que lá está dentro. Um exercício de criatividade e logística (e paciência). 

E trouxemos um espelho muito grande que veio no carro da minha filha pois não cabia no nosso. Já tenho a casa cheia de espelhos mas o que está sobre o sofá desta sala é ligeiramente mais pequeno do que devia (135 x 80). Este tem 150 por 90 cm e uma moldura mais larga. Acho que vai ficar muito bem. E este que está agora aqui irá ser posto na vertical no hall da suite.


E trouxe um outro que fez com que o meu marido quase se passasse (aliás, ele anda já totalmente passado com esta labuta que parece que não tem fim...). Era o espelho que estava no que era o meu quarto em solteira, espelho em que, na adolescência, muito me olhei. E é o espelho que aparece naquelas fotografias do dia do casamento. Apesar do fotógrafo ser um colega da faculdade, lembro-me de dizermos: 'Espera lá, é costume a noiva ver-se ao espelho...'. E ali estou eu, em duplicado, eu e a minha imagem, com o espelho de permeio. A minha filha também achou que o espelho era icónico, que era pena não ser aproveitado. Portanto, veio. É recortado, tem um feitio bonito. Mas é de madeira escura. Se calhar, vou pintá-lo e pô-lo numa parede da sala in heaven onde já tenho quatro de diferentes feitios e tamanhos.

E encontrámos mais algumas pequenas preciosidades. Entre elas, uma redacção que fiz com 12 anos. Quatro páginas de redacção. Lembro-me de me darem o mote e eu, instantaneamente, desatar a escrever, a escrever, a escrever quase até tocar a campainha e ter que acabar. Lembro-me que, enquanto isso, alguns dos meus colegas olhavam para o tecto ou em volta sem saber o que escrever. São coisas que nascem com a gente. Em contrapartida, íamos para o laboratório de electricidade e uns montavam circuitos, inventavam aparelhómetros e sei lá que mais e eu nem pó, olhava para eles sem perceber como sabiam mexer tão agilmente em tudo aquilo.

E encontrámos mais uma folha escrita, creio que deve ser mais uma daquelas cartas do início do século passado dos primos algarvios dirigida à minha bisavó, quiçá do primo presidente, nunca se sabe. Como eram cartas entre primos ou não assinavam ou escreviam apenas as iniciais (mas como era escrito a caneta de aparo, numa letra muito desenhada, em papel fininho, mais de metade eu não consigo perceber. Digo que as cartas são deles pois, quando a minha avó morreu, a minha mãe achou a caixa com aquelas cartas e lembrou-se que a mãe dizia que era correspondência entre a mãe e os primos, creio que os da Mexilhoeira Grande.

Bem. A nível de pertences pessoais de algum valor, material ou, sobretudo, estimativo, creio que já veio tudo ou quase tudo.

A menos que no sótão surjam novidades. O meu marido só lá foi espreitar e nem quis aventurar-se. Diz que está cheio. Diz que deve haver móveis pois está muita coisa coberta. Não faço ideia do que seja, há muito tempo que não ponho lá os pés. A escada é um bocado íngreme demais para a minha sensível alma que padece de vertigens.

À noite, saturados, fomos esticar as pernas até à praia. Estava um ventinho gelado. Mas, apesar de tudo, soube bem. Fotografei uma árvore pois as árvores, ainda mais se nuas, são muito bonitas à noite. E fotografei uma bandeira de Portugal que, não sei porquê, alguém ali pôs. Não percebi mas achei bonito.

Só vi um pouco de televisão: Maryland. Muito bom, na RTP 2. A ver se amanhã e depois não me esqueço de ver. Depois também vi o comentário do Luís Paixão Martins, hoje não tão interessante como ontem. Devia ter mais tempo para melhor nos surpreender com a sua argúcia e descontração natural. O pobre Calafate bem quer ombrear com ele mas ainda terá que dar muito ao pedal e comer muito pão com azeitonas para conseguir chegar aos calcanhares do LPM. Mas, enfim, é o que é.

 E, portanto, dito isto, está tudo dito por hoje.

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Um dia feliz

Saúde. Boa disposição. Paz.

segunda-feira, fevereiro 12, 2024

Não me peçam para comentar o lado positivo e as coisas grossas de que o PCP gosta.
Vou antes contar como foi o meu dia, incluindo o telefonema da minha amiga sobre a minha mãe

 


Dia chuvoso e sem grande atractivo. Mais um dia em casa da minha mãe, mais um dia confrontada com armários e roupeiros cheios que nem ovos, coisas boas, mal empregadas para serem deitadas fora, e nós sem as querermos para nós, porque não temos falta, porque não temos onde pô-las, porque não nos serve ou não são o nosso género.

Tudo muito, muito, tudo infindável.

Valeu-me a minha filha que fez um bom rastreio e que consegue ter um desapego que eu não tenho.

Começo a pensar que, se a minha mãe guardou durante toda a vida, é porque era importante para ela e, se era importante para ela, dá-me pena deitar fora.

Mas tem razão, ela (e do meu marido nem falo pois, por ele, não aproveitava nem um só copo) pois poderia ter importância para ela mas teve-as guardadas longe da vista, durante décadas. A nós pouco nos diz e, a guardarmos tudo aquilo, seria também para ter encafuado, sem qualquer préstimo. E vamos ter as nossas casas atafulhadas de coisas que vão estar escondidas e que são inúteis?

É verdade, reconheço.

Portanto, enchemos vários sacos com coisas que considerámos lixo. 

E voltei a deixar a cama com uma pilha imensa de roupa que a senhora -- que lá ia a casa e que lá irá até esta monda estar feita -- fará o favor de ver se quer alguma coisa para ela e, o que não quiser, tratará de lhe dar destino. Contou que uma rapariga brasileira que veio para Portugal quase só com a roupa que trazia no corpo delirou com a leva anterior, que lhe assenta tudo bom, que está feliz da vida. Fico contente.

A minha filha levou algumas coisas, eu trouxe coisas que acho que têm valor e não podem ir para o lixo e que ela não quer e o meu filho ainda menos.

Ela também já levou alguns livros e eu trouxe também uns quantos. O meu filho diz que fica com o Eça. Mas espero que ele fique com mais alguns pois há muitos, muitos. Eu depois verei se há alguns que  não tenha ou que minimamente me interessem. Depois... nem quero pensar.

E de copos nem sei que dizer. Várias prateleiras cheias de copos. Ora, ninguém quer mais copos, e eu não tenho mesmo onde pô-los. É de loucos, não sei como é possível ter tantos copos. E eu, que ali vivi e que toda a vida frequentei aquela casa, nunca tinha reparado em tal. A gente, à força de tanto ver as coisas, parece que deixa de vê-las. Penso que vamos ter que embalá-los e serão mais alguns caixotes que ficarão na garagem. Como já aqui o referi, só espero que os meus netos, quando estiverem a 'montar' as suas casas, queiram ficar com todo o material que cá estará à sua espera.

Entretanto, quando estava lá, ligou-me uma amiga. Gostei imenso de falar com ela. Conhece a minha mãe desde os nossos dez anos. Contou-me que tem uma grande admiração por ela desde essa altura pois, nesse tempo, entre o nosso grupo de amigas e amigos, era a única mãe que trabalhava. Todas as mães estavam em casa. Lembra-se de estar em minha casa e gostar imenso de falar com ela e de, outras vezes, passarmos pela escola em que ela dava aulas e vê-la, com a sua bata branca. E isso, para ela, era o máximo. Achei graça ela dizer isto. Nunca tinha visto isso segundo essa perspectiva. Para mim era natural a minha mãe trabalhar, tal como era natural que todas as outras mães estivessem em casa. Depois, voltou a estar frequentemente com a minha mãe pois era médica no Centro de Saúde onde a minha mãe ia e, portanto, conversavam sempre e, através dela, ia sabendo sempre notícias de mim. Tal como eu ia sabendo notícias dela. Mas, diz ela, que, do que conhecia a minha mãe, não estranhou a decisão de não nos contar a doença que tinha, não se deixar aprisionar pelos exames e tratamentos que, vendo bem as coisas, não iam servir para salvá-la e iam estragar-lhe a qualidade dos últimos meses de vida. Assim, teve uma morte muito rápida. Quando eu disse que ainda me custa acreditar e que me custa perceber como é que ela esteve tão bem, sem que ninguém percebesse nada, até cerca de mês e meio antes de cair a pique, disse ela: 'Mas ainda bem, não é? Ainda bem que esteve bem quase até ao fim, não é?'. Pois, nessa perspectiva, sim. Esta minha amiga nunca foi médica dela mas conversavam muito e diz que também nunca lhe percebeu nenhum mal estar ou que sofresse daquilo que viria a morrer. Mas reforçou várias vezes: 'Ainda bem que foi assim'.

Hoje, lá em casa, vi as flores que plantou, ela própria, no canteiro do meio, perto do portão, pouco antes de ir para a residência. Estão floridas, alegres. São a prova viva da força dela.

Queixava-se de mil pequenos sintomas, coisas que atribuía sempre aos comprimidos que tomava, achava que mais valia não tomá-los pois vivia melhor sem os seus efeitos secundários. Pelos vistos também não os tomava todos. E, se calhar, dada a conjunção de maleitas e dada a sua idade, mais valia gozar a vida como se tivesse vinte anos, sem medicamentos e, quando tivesse que ser, isto é, quando chegasse a sua vez, chegava. E chegou. Para o mês que vem faria noventa e um anos. 

E toda a gente fala dela como uma pessoa jovial, independente, bem disposta e muito sociável. Uma vez, ao princípio de estar na residência, eu estava a falar-lhe de uma senhora que tomava as refeições na mesma mesa, uma senhora muito interessante, escritora. Como havia lá mais duas, uma delas, uma das quais sua amiga, a minha mãe perguntou a qual me referiu eu: 'Qual, a velhota?'. Fiquei como sempre ficava quando ela se referia às pessoas da idade dela ou mesmo mais novas como 'velhotas'. Mas, de certa forma, percebia. É que, se as outras pareciam ter a idade que tinham, a minha mãe não parecia nada uma velhinha. Nada. Uma vez, ela tinha que ir aos Correios. Disse-me que não ia em dada altura do mês porque estava 'cheio de velhos que iam receber a pensão'. Só que ela parecia bem mais nova mas, na realidade, já era nonagenária. Mas não se sentia. Nunca se sentiu velha. Quando se queixava que os medicamentos para o coração lhe provocavam a sensação de cabeça vazia e tinha receio de ter tonturas, eu e os médicos dizíamos que, se calhar, por segurança, podia usar uma bengala. Nem pensar. Nunca usou. Para ela usar bengala devia ser sinónimo de ser velha. E, de facto, ágil e desembaraçada como era, uma bengala não tinha nada a ver com ela.

Enfim.

Por vezes penso que pode parecer estranho eu, tão cedo, estar a querer dar destino às coisas da minha mãe. Não sei explicar. Como fui várias vezes a casa dela não estando ela lá (quando foi para a residência, como já contei, nas duas ou três primeiras semanas, enquanto ainda estava bem, queria mais casacos, mais sapatos, calças de fato de treino, etc). Por isso, entrar em casa sem ela lá estar não me faz impressão. E acho que, resolvendo já isto, me custa menos do que estar muito tempo sem lá ir e depois ir a uma casa abandonada, triste. Não sei explicar. Cada um vive e gere as suas emoções da forma que lhe é mais natural. Eu parece que fico mais tranquila se souber que as coisas que lhe eram mais queridas estão connosco, em nossas casas. Parece que assim, arrumando e organizando e vendo as suas coisas (como, por exemplo, as cartas, as fotografias, etc), estou a honrar melhor a sua memória, não deixo as suas coisas por lá, tristes e sem razão de ser.

Hoje descobrimos uma coisa que nos fez rir. Num dos roupeiros, numa bolsinha de crochet feita por ela para supostamente trazer, à tiracolo, com o telemóvel ou com a carteira, meia escondida no meio de uns casacos compridos, descobrimos cadernetas antigas da CGD, envelopes de cheques, uns antigos, outros actuais e, no meio, completamente ocultado, um molho de fotografias. Eram fotografias minhas com aquele namorado de quem já tantas vezes aqui falei. Nem me lembrava que as tinha. Ou seja, deu-lhes sumiço, escondendo-as completamente. Provavelmente foi para que nunca se corresse o risco de o meu marido ou os miúdos darem com elas. Mas que mal fazia? Não sei. Só sei que ela nunca engraçou com ele. Não quis que, de alguma forma, ele fosse tema. Fartámo-nos de rir.

Assim, parece que, às tantas, vamos encarando com mais naturalidade o que aconteceu e que tanto nos abalou e que tanta tristeza nos trouxe.

Afinal é o que se diz, a vida continua.

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Chegámos a casa ainda a tempo de vermos o Montenegro com a Inês Sousa Real, uma coisa sem história, pelo menos pela parte que me toca. Nada que se lhe diga. E vimos o infeliz Raimundo que, coitado, não consegue dar uma para a caixa a debater com a Mortágua. Também nada a dizer a não ser que o Raimundo arranjou dois tópicos: o PCP está ao lado do que é positivo e que só vale a pena o que é grosso. Quem viu e ouviu poderá confirmá-lo. Ora não explica o que é isso das coisas serem positivas e, quanto àquilo de só valer o que é grosso, nem vou querer saber até porque a língua portuguesa é traiçoeira. Tirando isso, é uma mão cheia de nada e que, quando quer dizer qualquer coisa, não é capaz. E quando se esforça, como no caso da Ucrânia e da Rússia, é uma infelicidade, vem com a conversa das 'forças da paz' sem que ninguém consiga perceber o que é isso das forças da paz. Uma conversa de pombinha, ainda por cima titubeante. 

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Uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Ânimo. Paz.

segunda-feira, janeiro 22, 2024

Em dia de sol e família
acabo na companhia da Sharon Stone e de Rothko

 

A família tenta que eu não fique tão exclusivamente focada no problema que nos toca a todos. Não há quem não tente pôr-me racionalidade na cabeça. Compreendo-os mas há coisas que não resultam apenas da nossa vontade. O meu marido, para além disso, quase me empurra à força para a psicóloga. Mas eu, nesta fase, não tenho disponibilidade de qualquer espécie pelo que não vou já agendar nada; mas acredito que, mais tarde, talvez agende umas sessões.

Mas não estou passada de todo pelo que, pelos meus próprios meios, estou a tentar continuar a viver com a normalidade possível. 

[A minha filha disse que quando, no final do ano (ou no início deste?) fiz o balanço de 2023 só falei das coisas negativas, esquecendo-me de todos os bons momentos, do muito que escrevi, de todas as muitas vezes em que estivemos juntos, etc. Disse-me também que nem pareço eu pois eu, tal como era, não reagiria como estou a reagir. E o meu filho, no outro dia, disse-me que não posso esquecer-me que tenho filhos e netos. E disse-me que parece que envelheci trinta anos. E eu, ouvindo-os, reconheço que têm razão em tudo o que dizem.]

Então, fomos todos almoçar fora, passeámos à beira rio, os meninos estiveram e brincaram juntos e eu senti-me feliz. Claro que há sempre aquela sombra, aquela preocupação, aquela angústia que me aperta as entranhas. Mas vê-los contentes, conversadores, estando com eles e deixando-me contagiar pela alegria buliçosa das crianças, sinto-me melhor e, de vez em quando, consigo mesmo abstrair-me do que se passa.

É que, por muito que nos custe assistir, de perto, diria até que por dentro, a uma situação como aquela que atravessamos, a vida continua. 

E os meus netos são bem a prova viva disso. E são também, só por si, um motivo de felicidade absoluta, tal como o são os meus filhos.

Portanto, apesar dos pesares, este domingo foi um dia feliz, luminoso.

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E agora, para que não venham outra vez dizer que parece que não sou capaz de falar de outra coisa, deixem que partilhe convosco dois vídeos muito interessantes. Pode até parecer heresia juntar a Sharon Stone e o Rothko mas eu sou herege. Nada a fazer.

[Os textos abaixo são traduções google dos textos que acompanham os vídeos]

Sharon Stone, artista

Quando era estudante universitária, Sharon Stone viveu a vida de uma artista faminta, vendendo as suas pinturas por US$ 25 cada. Hoje, a atriz nomeada para um Oscar voltou ao seu amor pela pintura, com as suas obras a ser vendidas na casa das dezenas de milhares. Já teve duas exposições em galerias nos EUA, com uma terceira prestes a ser inaugurada em Berlim. O correspondente Lee Cowan visita Stone no seu estúdio em Los Angeles e observa-a a criar um novo trabalho.


Mark Rothko -- visita privada à exposição na Fundação Louis Vuitton

As obras abstratas… Sim, mas não só. Mark Rothko defendeu-se afirmando que a sua pintura estava viva. Demonstração aqui na Fondation Vuitton, com esta magistral exposição, a maior do mundo dedicada a ele. 115 obras-primas em formatos absolutamente monumentais que estão disponíveis nos 4 andares da instituição parisiense. Diante desta paleta XXL, é difícil não nos sentirmos absorvidos por essas cores difusas, quase hipnóticas, que exercem sobre nós esse misterioso poder de fascínio. À distância, massas perfeitamente equilibradas, com geometria difusa. De perto, um nevoeiro difuso que nos absorve. Dê um passo para trás. A obra não é mais o que você via no início. Nosso olhar muda, decifra, sente.
Exposição Mark Rothko  --  Fundação Louis Vuitton, Paris  -- Até 2 de abril de 2024
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As fotografias foram feitas no domingo no Parque das Nações

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Ânimo. Paz.

terça-feira, dezembro 26, 2023

Agradecer e abraçar

 

Afinal o dia de Natal não foi cá em casa. Eu com dores de garganta, meio engripada mas sob controlo. O meu filho, depois de bem atacado, já quase bom, embora ainda com tosse, mas a minha filha pior, a sentir-se doente, a sentir que não devia sair de casa.

Estávamos a ver as coisas mal paradas. Natal sem estarmos juntos e, em especial, sem que a criançada esteja junta não é Natal. Mas, felizmente, tudo se resolveu pelo melhor. Fomos nós ter com ela. Esteve com máscara e almoçou fora da mesa, embora perto de nós, não fosse contagiar os demais (os demais que ainda conseguem aguentar-se livres do bicho).

Eu e ela provavelmente apanhámo-lo nos hospitais por onde temos andado. Parece que está meio mundo apanhado.

De tarde, ver a minha mãe, por via das dúvidas, só meu filho e a minha nora. Encontraram-na menos queixosa, melhor encarada. Face ao estado em que a vimos, quase parece milagre que esteja a recuperar tão bem.

O meu marido foi para o parque com os rapazes. Não passam sem uma futebolada. Até o mais pequeno já gosta de se pôr à baliza. Se daqui por uns anos derem conta de dois irmãos mais dois irmãos, primos uns dos outros, todos guarda-redes, provavelmente dois pelo Sporting e dois pelo Benfica, já sabem que serão os meus quatro queridos rapazes.

Desta vez, despassarada e atordoada como tenho andada, incapaz de atinar com combinações, foi o meu filho que cozinhou as carnes. Óptimas, no ponto, saborosas e bem cozinhadas. É um chef, o meu filho. Eu limitei-me a fazer batatas raclette e molho de tomate.

Desta vez não levámos o cão maluco. Impossível num apartamento cheio de gente, com miúdos barulhentos, com o momento de agitação que sempre é o da troca de presentes, com bolas de futebol à mistura, com comida à mão de semear, com um movimento permanente. Portanto, foi mais tranquilo pois se, em cima disso, tivéssemos um cão a querer abocanhar tudo e toda a gente a zangar-se com ele, teria sido mais complicado.

Quando chegámos a casa, de noite, o bichinho, coitado, estava como sempre está nestas ocasiões: nervoso, amedrontado, com receio de vir à vontade ter connosco. Temos que lhe fazer festinhas e fazer-lhe perceber que não ficou de castigo, que não estamos zangados com ele. Quando percebe isso, fica numa alegria desmedida, salta e atira-se para o chão para lhe fazermos festas, brinca à nossa volta. Fomos fazer uma caminhada nocturna, o ar gélido, eu agasalhada e a recear piorar. E se calhar piorei mesmo. Estou para aqui cheia de frio, cheia de arrepios. Já bebi um chá quentinho e daqui a nada vou chupar outra pastilha. A ver se isto não se complica para aqui.

Entretanto, enquanto escrevo, vou vendo o que os meus amigos vão enviando sobre os seus natais, outros vão publicando piadas. E a minha filha encaminhou a fotografia de uma amiga comum, em casa, com as suas crianças. Todos muito bem vestidos, chiques, mesmo, as meninas vestidas de igual, todos sossegados, direitinhos, a fazerem pose para a fotografia. Fico sempre intrigada. Como conseguem? As nossas fotografias são o desconchavo habitual, uns sentados no chão a jogarem ao 'vírus' (se é que percebi bem), outros estendidos no sofá relax, um deles quase a fazer a cambalhota, por fim esse em tronco nu. Tinha pensado que neste dia de natal iria tentar que ficássemos na escada, todos sentados, a família toda junta. Afinal não aconteceu. A ver se no ano novo.

Não falei dos doces. Estou desconcentrada e a sentir-me meio adoentada. Gaita. Adiante. A minha filha tinha pavlova de chocolate e arroz doce e eu levei dois bolos da padaria portuguesa. E a minha nora levou mousse feita pela mãe. E bombons. E, uma coisa muito boa, um prato de belas bolachinhas, muito saborosas, feitas pela minha menina mais linda, tão querida, que gosta de também colaborar na confecção da ementa natalícia. Com tudo isto, sobraram muitos doces. Trouxe algumas bolachinhas e o que sobrou dos dois que levei, e congelei. Descongelo no ano novo.

E, com isto, a semana começa numa terça-feira. Não parece, não é? Diria que, no máximo, seria segunda-feira. Mas não senhor. Terça feira. Continuo desfasada das rotinas mas, agora que parece que a esperança numa recuperação não é ficção, a ver se consigo encaixar as idas ao hospital sem quebrar a rotina da piscina ou das leituras ou da escrita. Não sei bem como consegui-lo mas acho que terei que tentar porque senão parece que nem sou bem eu. Isto já para não falar que há não sei quanto tempo que não conseguimos ir ao campo, à nossa maravilhosa casinha in heaven. Enfim. Uma coisa de cada vez. É o que me dizem, é o que a minha filha está sempre a dizer-me: um dia de cada vez.

E pronto. O Natal já passou e daqui a nada o ano também já se foi. Mas estamos aqui e isso é o que importa. Agradecer e abraçar. E seguir em frente. É isso, não é?

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Maria Bethânia - "Agradecer e Abraçar"


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Muito obrigada pelas vossas palavras simpáticas e não levem a mal que não agradeça a cada um, está bem?

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Um dia feliz
Saúde. Força. Paz.

segunda-feira, abril 17, 2023

Um domingo feliz

 

A minha mãe, sabendo que quando a maltinha está junta, é para durar, preferiu ficar a descansar temendo ter que enfrentar muitas horas seguidas de confusão. Mas os que veranearam por terras do White Lotus (segunda temporada) e redondezas regressaram no sábado à noite e a turminha que veraneou por outras bandas também tinha o domingo livre. E nós cá estamos sempre de braços abertos para os recebermos.

Por isso, foi com toda a alegria do mundo que cá os tive hoje em casa e os vi a brincar e a rir, todos desfrutando o calor de uma tarde que parecia de férias e verão.

Há pouco, quando aqui me sentei, vi o vídeo abaixo e fiquei a pensar que deve ser doloroso querer estar radiante com o nascimento de um filho e, estranhamente, sentir tristeza, incapacidade de amar e de estar feliz.

Por sorte, não me aconteceu isso. Talvez tenha a ver com a envolvência. Se uma mãe recente se sentir sozinha, sobrecarregada, cansada, acredito que sinta algum desamparo e abandono e talvez isso impeça a fruição do prazer de ter um filho. 

A mim, o mais perto disto que me aconteceu foi quando nasceu o meu filho. A minha filha ainda não tinha três anos e o meu marido estava a trabalhar há pouco tempo numa multinacional, tendo geralmente projectos com prazos apertados e responsabilidades alargadas. Nem havia licença de parentalidade.

O parto do meu filho, tal como o da minha filha, foi com fórceps. Por isso, eu tinha sido cortada e cosida. O meu filho era muito grande e sempre foi especialmente irrequieto. Mesmo na barriga, dava cambalhotas com tamanha força que me deixava incomodada, como se revolvesse todas as minhas vísceras.

Quando nasceu, mexia-se muito, nunca usou chucha, se eu tentava que se habituasse agoniava-se, e mamava sofregamente, engasgando-se. E, depois, de noite, chorava tanto que não me deixava dormir. Eu dava-lhe de mamar de duas em duas horas e, às tantas, estava tão cansada que não sabia se já lhe tinha dado de mamar ou se era isso que tinha que fazer. Por vezes, para ver se ele se calava, punha-o na minha cama mas tanto se mexia e tanto chorava e esperneava que, por vezes, bolsava-se todo, ficando a cama toda molhada e mal cheirosa. O meu marido, cansado que andava, por vezes chegado do norte às tantas da noite, conseguia dormir. Mas eu quase não dormia.

E de dia tinha que tratar dele e da minha filha que, obviamente, requeria todos os cuidados devidos a uma criança que nem três anos tinha e que, para agravar, era super vagarosa a comer. Eu preocupava-me muito com a comida dela, queria que ela comesse tudo o que era de lei e ela precisava de uma hora para comer devagarinho tudo o que estava no prato. E tinha que lhe dar à boca e distrai-la (coisa que hoje reconheço que era um disparate mas, na altura, eu temia que, se ela não comesse tudo aquilo, ficasse subnutrida). Isto com o outro a gritar por todo o lado, sempre com fome, sempre a querer colo e brincadeira.

Quando cheguei da clínica, os meus pais eram para lá ter ficado a ajudar. Mas a minha avó materna teve um problema qualquer de coração e foi internada, Por isso, a minha mãe entendeu que devia ir para junto da mãe. 

E eu, sem quase conseguir dar passo, quase sem me conseguir sentar, com o leite a subir (que é do pior que há), com o peito a encaroçar-se, quase febril, uma menina pequena a chorar porque queria o porta-bebés para a boneca, um bebé recém-nascido que não parava de chorar e que se agoniava com a chupeta, e vendo os meus pais a dizerem que não podiam ficar a ajudar-me, senti-me seriamente desamparada. Hoje o pai tem dias (ou melhor, tem pelo menos um mês) para ajudar nesta fase crítica. Mas, na altura, isso não existia.

Na altura não tínhamos empregada. E na altura ainda não havia fraldas descartáveis. E poucos supermercados havia. Não sei como conseguia ir às compras com o bebé no carrinho e uma menina pela mão, e eu quase sem me conseguir mexer. 

Mas consegui. Fiz das tripas coração, que remédio.

Uma outra vez de que me lembro pois foi mesmo muito má (e de que aqui já falei) foi quando andava a arranjar uns dentes e, para não perturbar muito a minha rotina de ir buscar um e outro e ir com eles para casa (sem carro), pedi para juntar duas ou três sessões, já não me lembro.

O dentista, familiar, desaconselhou. Mas era-me tão difícil ir do trabalho para a Avenida de Roma, de lá para a minha sogra, da minha sogra, com o bebé ao colo e nos transportes públicos, para a escola da minha filha e de lá, com os dois para casa, que lá me fez a vontade.

Anestesia para além da dose, portanto.

A meio do caminho senti-me meio zonza mas não havia telemóveis e não tinha como, na rua, pedir ajuda ao meu marido. Sobretudo, não podia deixar a minha filha à espera. Portanto, com dificuldade, lá consegui ir buscar um e outro e, com ambos, chegar a casa. Mas já ia feita num oito. Agoniada, uma dor de cabeça que não via nada. Pus o bebé na caminha dele e tentei que a minha filha brincasse. E deitei-me pois não me aguentava de pé. Não a descalcei. Então ela andava com os sapatos em cima da cama e eu sentia a cama a encher-se de areia. E foi para dentro da cama do bebé. Eu via aquilo e não conseguia impedir. E ele chorava como se não houvesse amanhã. E eu impotente, incapaz de cuidar deles. De vez em quando ia à casa de banho vomitar e de lá vinha fazendo um tremendo esforço para não desmaiar.

O meu marido chegou tarde e encontrou aquele panorama.

Mas foi um episódio. Foram fases. Apesar das dificuldades e do cansaço, sempre me senti muito feliz com eles. E arranjava maneira de os fotografar, encantada com eles, sentindo-me bem aventurada, abençoada por ser mãe de duas crianças tão amadas, cantava para eles, arranjava maneira de lhes dar atenção, de brincar com eles. 

São agora adultos, bem resolvidos, bonitos, bem dispostos, mãe e pai de família, com filhos felizes, cada vez mais crescidos. E eu, vendo-os assim, vendo a descendência toda reunida, penso que todos os momentos que vivi desde que os comecei a sentir dentro de mim até aos dias de hoje valeram completamente a pena. Tudo valerá sempre a pena. São momentos sempre abençoados e pelos quais me sentirei sempre infinitamente agradecida.

Mas, por ser assim, mais percebo a angústia de quem sente ou sentiu depressão pós-parto. São sofrimentos que deixam marcas para o resto da vida. Ainda por cima, no caso abaixo, ela não sabia que tinha uma depressão pós parto, pensava apenas que era uma mãe desnaturada, indigna de ser mãe. Sofria porque não conseguia estar feliz e estabelecer uma ligação com a bebé e sofria porque se recriminava por isso.

Não sabíamos

[Com legendas em português]

Jenny Jackson fala da sua experiência e da sua conversa com a sua filha


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Pintura de Berthe Morisot

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Alegria. Paz.

sexta-feira, setembro 23, 2022

Branca e radiante vai a noiva

 


Antes de me casar, fui a lojas na Baixa e experimentei alguns vestidos de noiva. Mas andava tão habituada a vestuário num outro comprimento de outra onda que, ao ver-me ao espelho toda cheia de saias armadas, folhos e rendas, me senti mascarada. Não me ocorreu maçar ninguém para vir comigo. Por isso, foi sem conselho alheio que resolvi que casar era casar, não era armar uma festarola à qual deveríamos comparecer fantasiados. Assim, optei por uma espécie de jeans bem justinhos, brancos, e uma túnica linda, branca, justinha, com uns belos bordados manuais, made by Augustus. Ou seja, apesar de tudo, toda em branco, comme il fault. Tenho ideia que nesse dia da túnica a minha mãe foi lá para dar a sua bênção. Tenho até ideia que a minha tia, que eu tinha escolhido como madrinha, também foi. Preferiam que eu me apresentasse vestida de noiva mas, a não ir, tenho ideia que, mal por mal, a túnica foi aprovada. Mas havia uma questão. Era totalmente transparente. Se fosse hoje, isso não seria transparente. Quanto muito colava uma estrelinha ou um coração em cor nude sobre os mamilos. Mas, naquela longínqua altura, não havia autocolantes para os mamilos nem se admitiria o escândalo de uma noiva aparecer em transparências. Naquela altura também não havia a profusão de tops em lycra que hoje há. Foi, pois, com alguma habilidade que a minha mãe conseguiu improvisar um top de algodão, fininho, justinho, sem alças, que me permitiu ir sem soutien e quase transparente mas discreta e 'decente'. Noblesse oblige.

Já aqui o falei: não faço ideia do paradeiro dessa minha túnica. Agora só em fotografias. Tenho pena porque era muito bonita, mas não sei que sumiço levou. A minha mãe diz que não a tem, diz que não a deixei lá em casa. Não a separei da roupa normal e, às tantas, nalguma vez em que me desfiz do que já não me servia nem reparei que fazia parte da minha toilette de noiva, e lá vai disto. 

Quando a minha filha se casou já a oferta era outra, ampla. O vestido foi comprado numa das lojas de noiva da capital mas adaptado ao seu gosto. E era lindo, intemporal, elegantíssimo. Branco, não transparente, mas leve, flutuante. E um véu de renda belga lindíssimo. Não podia olhar para ela sem me sentir comovida. Sobretudo, sabia como era um sonho dela, casar-se com um lindo vestido de noiva. Foi um casamento maravilhoso, desde a igreja muito bonita e muito bem arranjada, os coros à entrada e à saída vindos do balcão superior da igreja, pareciam cânticos descidos dos céus. Copo de água num palácio fantástico, um cocktail numa tarde dourada nos jardins, jantar com grupo de cordas  acompanhar, creio que músicos da Gulbenkian, um jantar milimetricamente escolhido com um menu sofisticado e saboroso, um baile animadíssimo. E ela sempre elegante, sorridente e ondulante no seu belo vestido de noiva.

A seguir foi a minha nora. Grávida de cinco meses, encantada com o seu estado, tenho ideia que ainda hesitou sobre como deveria ir vestida. Já o contei mas repito-me. O meu filho, desde que me lembro dele a falar nisso, sempre disse que não queria casar-se. Não tinha paciência nem via necessidade. A minha nora acabou por aceitar embora manifestasse alguma pena em poder vir a ser mãe solteira. Viviam juntos, felizes da vida, até que ela engravidou. Perante os factos, um bocado contrariado, o meu filho lá condescendeu -- mas seria coisa de nada, restrita, pais e irmãos e mais nada. Avisou-me bem avisada: nada de ideias, seria coisa limitada aos mínimos. Nestas coisas cada um sabe de si e se para ele seria tamanho sacrifício fazer um casamento a preceito pois que remédio. Mas tenho ideia de que também sempre lhe disse que, se a namorada gostasse de ter casamento mais alargado, achava que ele deveria ter isso em atenção. Não sei como foi que a ideia foi fazendo o seu caminho, mas a verdade é que fez, combinações lá entre eles. O que sei é que devem ter sido umas duzentas pessoas, um casamento a preceito, animadíssimo, uma festa, uma alegria. E a noiva, linda, vestida de noiva com a sua orgulhosa barriga bem evidente. Nada de transparências mas tudo em leveza e alegria.

Vamos ver como será quando chegar a vez da minha neta. Do que lhe conheço, escolherá a seu gosto sem querer saber nem de convenções nem de opiniões alheias. E terá o meu apoio.

Mas, entretanto, eis que os vestidos de noiva se despem de 'decências' e de ocultações e se apresentam em toda a sua feliz transparência. Na semana passada, na Igreja da Ascensão na 5ª Avenida em Nova Iorque, uma noiva desfilou com um vestido inabitual, completamente transparente. Cindy Kimberly, modelo seguida por sete milhares de seguidores no Instagram, formas generosas e prazer em arrojar, vestiu-se com um belo vestido branco e transparente que deixava perceber uma pouco subtil asa delta, cobriu o cabelo com um véu e deixou toda a gente de queixo caído. Marcelo Gaia foi o criador. E as fotografias aqui estão para o testemunhar.

E eu fico feliz com estas coisas e só espero que nunca o mundo civilizado ande para trás para que a liberdade das mulheres usarem o seu corpo como lhes apetece nunca seja posta em causa. O mundo poderia ser um lugar pacífico, tranquilo, onde todos pudéssemos ser livres e felizes. Podia... não podia?

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E não tem nada a ver... mas deixem lá isso

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domingo, agosto 28, 2022

Um animal que usa desodorizante e lava os tomatinhos. Uns cavalos que se rebolam a rir.

E, peço desculpa pelo despropósito, mas não é que a Suzana Vieira já fez 80 anos...? Dá para acreditar?

 

Lá mais abaixo, depois da curva da estrada, há uns currais. Ao fim da tarde, o dono deve limpá-los pois, se o vento está daquele lado, chega até aqui cheiro a gado, a estrume. Assim aconteceu hoje. Ao descer os degraus para a sala de baixo, que tinha a janela a bascular para arejar a casa, senti o cheiro e disse: 'Cheira a animal,,,'. Nesse instante cruzou-se comigo, a correr, o menino mais velho que tinha interrompido o visionamento do jogo de futebol para ir levar qualquer coisa à mãe. Ao ouvir o que eu tinha dito, disse-me: 'Pus desodorizante...!' e seguiu a correr. Fiquei a rir sozinha durante não sei quanto tempo.

Ao contar à minha filha, ela lembrou-se da célebre história dos tomatinhos. Já a contei aqui mas talvez os que me leem hoje não sejam os mesmos que leram esse sucedido.

Era a passagem de ano e eu estava na cozinha a preparar a comida para o manjar nocturno. A minha filha tinha vindo mais cedo, estava a ajudar-me. Entretanto, era hora dos miúdos tomarem banho. O mais crescido tomou banho sozinho, deveria ter uns seis anos. Foi para o quarto, que antes era o quarto do tio, limpar-se e vestir-se enquanto, na casa de banho, a mãe dava assistência ao banho do mais novo. 

Então, quando fui preparar a salada, gritei para a minha fila: 'Olha lá, lavaste os tomatinhos?', referindo-me aos tomates cherry. Nisto, antes que ela tivesse tempo de responder, diz o puto lá do quarto: 'Claro que lavei...'.

O que nos rimos. Ainda hoje me rio.

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Tirando isso, o que tenho a dizer é que há bocado vi o mais novo rindo, rindo, quase chorando a rir. Veio mostrar-me. Estava a ver um vídeo com um cavalo que parecia cantar e rir ao mesmo tempo. O que ele se ria com o cavalo.

Andei à procura para vos mostrar e não encontrei. Mas encontrei este que também tem uns cavalos que riem à maneira

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E, ao abrir o youtube, aparece-me esta notícia surpreendente: a simpática, divertida e fogosa Suzana Vieira já fez 80 anos. Não dá para acreditar. E não digo isto apenas pela aceleração do tempo que num ápice leva uma pessoa dos quarenta para os oitenta, digo porque olho para ela e não vejo ali uma mulher de oitenta anos. Pelo menos como eu dantes achava que eram as mulheres aos 80 anos. Parece que o tempo não passa por ela. Continua bonita, alegre, com gosto na vida, com esperança de voltar a encontrar o amor. E que bem que o cabelo lhe fica assim. E que bem que os adereços em azul ou verde turquesa ficam com roupa branca.

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Há bocado o menino de onze anos dizia que gostava que eu tivesse bisnetos e dizia-me que se calhar não falta assim tanto, que talvez o irmão tenha filhos daqui por dez anos e que dez anos não é assim tanto. Tranquilizei-o e disse-lhe que pode ser que eu viva muito mais que isso, talvez vinte ou trinta ou até quarenta anos, sabe-se lá... Vi que estava a fazer contas de cabeça. Dei-lhe um beijinho. 

Ontem também disse que gostava que a bisavó conseguisse ser trisavó. A minha mãe exclamou que era bom mas que o irmão não precisava de se apressar, que ainda é muito novo para se pensar nisso.

De uma maneira ou de outra todos os meninos, de vez em quando, dão mostras de se preocupar com a finitude da vida que irá levando alguns dos que hoje se sentam à nossa mesa. Tenta falar-se disto com naturalidade. 

Para mim uma das mais extraordinárias nesta matéria passou-se também com o mais crescido.

Numa das vezes que o meu pai esteve mal e foi hospitalizado, geralmente nos últimos anos com pneumonias, os médicos pensaram que estava já nos finalmentes e informaram que, se queríamos ir despedir-nos, tinha que ser logo. Ele estava nos cuidados intensivos e só podia lá estar uma pessoa de cada vez. Larguei tudo e fui a abrir para o hospital e a minha filha também quis lá ir pra se despedir do avô. Não sei porquê, levou os miúdos. Quando ela entrou, eu fiquei cá fora com eles e com a minha mãe. O ambiente entre nós estava pesado, julgávamos que era a última vez que o víamos, e que estava por pouco. Felizmente, como tantas vezes aconteceu, dias depois estava a ter alta. A resistência daquele corpo era incrível. Mas, nessa altura, ele já estava acamado. Além disso, o barulho lá em casa fazia-lhe muita impressão pelo que, quando lá íamos ao magote, se encostava a porta do quarto. Ele já não ouvia nem via nem gostava que o vissem assim pelo que não levávamos os meninos para o pé dele. Os meninos andavam pela casa ou pelo jardim, lanchavam, brincavam uns com os outros e nós tentámos que a confusão não perturbasse o meu pai.

Pois bem. Qual não é o meu espanto quando, um belo dia, talvez um ano ou mais depois daquele dia, esse menino mais velho se sai com esta: 'Ó Tá, é verdade, tenho-me esquecido de perguntar: naquela vez o avô chegou a sobreviver...?' Fartei-me de rir. 'Ó seu maluco, seu despassarado... Claro que sim, está vivo, está lá em casa... Não estás farto de lá ir depois disso? E não reparas que dizem sempre para não se fazer barulho...?'. Pensou um pouco, 'Ah, sim...' Mas ah sim como podia ser ah não. Foi como se naquela tarde a que assistiu à nossa aflição, ele, tão pequenino ainda, tivesse feito o luto. E virado a página.

E eu acho graça a isto. Enquanto cá estamos é de aproveitar e rir porque, quando virarmos a esquina, já não estaremos cá para nos arrependermos e para gozar os bons momentinhos que não gozámos enquanto podíamos. E rapidamente perderemos a importância que tivemos para tantos dos que nos rodeavam. E isto seja aos 20, aos 30, aos 40, aos 50, aos 60, aos 70, aos 80, aos 90, aos 100 e por aí vai. Cada bocadinho de vida é para ser vivido o melhor que pudermos e soubermos. O resto é conversa.

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Desejo-vos um bom dia de domingo

Saúde. Alegria. Paz.